A prisão preventiva para além das formalidades do processo penal

Como em qualquer decisão judicial, ao decretar a prisão preventiva, o magistrado também deve analisar e respeitar os princípios e as garantias constitucionais do investigado/acusado. Todos os atos praticados durante a investigação criminal e no curso do processo penal devem estar em conformidade com a Constituição, preservando a hierarquia normativa.

Nesse ponto, as garantias constitucionais buscam prevenir e proteger o indivíduo de decisões discricionárias, estabelecendo limites para determinados atos do poder judiciário brasileiro e instituindo barreiras para preservar os direitos fundamentais.

Desta forma, Giacomolli assevera que a prisão antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória é a extrema ratio, ou seja, a regra é o recolhimento ao cárcere somente após o trânsito em julgado, sendo a exceção a prisão processual.

Assim, no que tange à prisão preventiva, torna-se fundamental a observância do princípio da provisoriedade, isto é, a medida cautelar somente será adequada quando o caso penal e as situações processuais exigirem o encarceramento provisório do investigado/acusado. Desta forma, quando desaparecem os requisitos — fumus commissi delicti — e fundamentos — periculum libertatis —, a medida deverá cessar imediatamente, pois a inobservância da provisionalidade provoca uma prisão cautelar ilegal.

Entretanto, diante do novo texto do artigo 315 do CPP e da ADPF nº 347 do Supremo Tribunal Federal, a decisão que decreta uma prisão preventiva não pode se limitar apenas às formalidades do processo penal. Pelo contrário, deverá ser devidamente fundamentada em conformidade com o entendimento do STF no julgamento da ADPF nº 347, analisando e ponderando também as condições materiais.

A partir do julgamento da ADPF 347, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, destacando uma violação massiva e generalizada dos direitos fundamentais da população carcerária.

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Diante disso, a análise da prisão preventiva não pode se limitar à avaliação formal. É crucial que o magistrado examine as condições materiais da unidade prisional em que o preso será encaminhado, sob pena de expedir uma ordem judicial baseada apenas nas formalidades legais, mas em desacordo com os direitos fundamentais assegurados ao preso.

Na realidade brasileira, pouco importa se as prisões possuem vagas para recolher provisoriamente o investigado/acusado, tampouco se a unidade dispõe de condições para assegurar minimamente a integridade física e psicológica do preso, já que os decretos prisionais são limitados aos aspectos e formalidades processuais, bastando uma ordem de encarceramento.

Contudo, compreende-se que a decisão judicial que decreta uma prisão preventiva deve ser exaustivamente fundamentada não apenas com base nas condições formais da prisão preventiva, nos requisitos e fundamentos, mas principalmente nas condições materiais, ou seja, a casa prisional precisa garantir a dignidade da pessoa presa, caso contrário, à prisão, embora formalmente legal, será materialmente ilegal.

Salienta-se que essa análise se faz necessária porque o Estado como garantidor, deve assegurar aos presos todos os direitos não atingidos pela privação provisória da liberdade. Portanto, a legalidade da prisão provisória não se dá apenas pelas formalidades processuais.

Assim, considerando o entendimento do STF no julgamento da ADPF nº 347, que reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, entende-se que a decisão que decreta uma prisão preventiva deve demonstrar de forma fundamentada que a medida cautelar pessoal — prisão preventiva — será cumprida em conformidade com os direitos fundamentais do preso, garantindo condições materiais ao indivíduo.

Nesse ponto, importante destacar que a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental possui efeito erga omnes, vinculando tanto o poder legislativo quanto o poder judiciário, ou seja, os juízes e tribunais precisam observar e respeitar a interpretação constitucional dada à norma.

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Assim, tendo em vista que a maioria das medidas cautelares da ADPF nº 347 do STF foi dirigida ao Poder Judiciário, a ADPF merece ser considerada no momento em que uma prisão preventiva é decretada, especialmente quando alegada a ausência de condição material nos pedidos defensivos de liberdade — liberdade provisória e/ou revogação de prisão preventiva.

Esse enfrentamento é necessário em virtude do novo texto do artigo 315 do CPP, pois o parágrafo 2º do referido artigo indica expressamente as hipóteses em que a decisão não será considerada fundamentada e, por conseguinte, será nula — por exemplo, quando a decisão deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem indicar a aplicabilidade ou não ao caso concreto (artigo 315, §2º, VI, do CPP).

Em suma, conclui-se que uma vez apontado o entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 347 na peça defensiva, ou até mesmo na manifestação ministerial, comprovando que a unidade prisional não dispõe de vagas suficientes e condições adequadas para custódia cautelar do investigado/acusado, o Poder Judiciário/magistrado precisa obrigatoriamente fundamentar a decisão, demonstrando que, além das condições formais conforme hipóteses do CPP para decretação da prisão preventiva, o juízo também precisa justificar a presença das condições materiais. Caso contrário, a decisão será considerada carente de fundamentação, sendo nula e, consequentemente, a prisão preventiva ilegal.

Fonte: Consultor Jurídico