Acordo prévio à citação não enseja extinção da execução por falta de interesse do credor

A celebração de acordo entre credor e devedor, antes de realizada a citação e prevendo a suspensão da execução até o pagamento final do débito, não é fundamento para a extinção da ação por falta de interesse de agir.

Embora o tema pareça simples, ele envolve consequências jurídicas e práticas que podem afetar o direito de o credor receber o crédito devido.

Esse assunto foi recentemente julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da 3ª Turma, no Recurso Especial nº 2.165.124/DF.

No caso, uma instituição financeira havia ajuizado ação de execução e, antes da citação do devedor, as partes firmaram acordo para pagamento parcelado, requerendo a homologação judicial e a suspensão da execução até o pagamento final. No entanto, o juiz de primeira instância extinguiu o processo sem resolução de mérito, entendendo que teria havido a perda do interesse de agir da instituição financeira (artigo 485, VI, CPC). A sentença de extinção, sem homologação do acordo, foi mantida pelo TJ-DF, que sustentou que a simples comunicação do acordo sem a citação do devedor indicava falta de interesse de agir e de utilidade do processo, aplicando a consequência de indeferimento da petição inicial [1].

O STJ, contudo, modificou essa conclusão. De forma acertada, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que o Código de Processo Civil prevê duas modalidades de suspensão do processo: para ações de conhecimento, a suspensão é limitada a seis meses (artigo 313, II c/c §4º, CPC [2]); para execuções, é autorizada a suspensão durante o prazo concedido pelo exequente para o pagamento voluntário da obrigação (artigo 922, caput, CPC [3]).

Argumentos para suspensão do processo

Assim, tratando-se de uma ação de execução, seria possível a suspensão do processo até o pagamento, mesmo que o acordo tenha sido firmado antes da citação do devedor.

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Existem dois argumentos relevantes para a manutenção da suspensão do processo até o pagamento final. Primeiro, o impacto psicológico e prático sobre o devedor, já que, se o acordo for descumprido, o processo pode ser retomado imediatamente, sem necessidade de nova distribuição ou citação. Ou seja, o inadimplemento comunicado ao Juízo levará à pronta retomada do processo e à prática de atos de constrição de patrimônio, de forma rápida e eficiente.

Segundo, a manutenção do processo preserva o crédito original executado e, especialmente, os consectários da mora do devedor, caso seja necessário retomar o andamento processual.

Mostra-se integralmente correta a decisão do Superior Tribunal de Justiça ao se alinhar com princípios basilares cristalizados no Código de Processo Civil de 2015: de um lado, privilegia a duração razoável do processo (artigos 4º e 6º [4]), pois torna muito mais célere a eventual retomada do processo em caso de inadimplemento, além de suprir a repetição de atos já praticados (como citação, intimação, prazo de defesa); de outro lado, privilegia a primazia do julgamento de mérito (artigos 4º [5], 932, parágrafo único [6], 938, §1º [7], dentre outros, além da doutrina [8]), uma vez que homologa acordo em julgamento de mérito (artigo 487, III, alínea b), em detrimento da solução extintiva sem resolução de mérito (artigo 485, VIII).

Autonomia ao credor

Mas o principal efeito é o “psicológico”, pois dá mais autonomia e ingerência ao credor sobre o devedor, o que pode reforçar a efetividade daquele acordo.

Se o processo de execução é o grande gargalo do Poder Judiciário, e a recuperação de crédito é extremamente tortuosa e ineficiente, deve ser comemorada toda posição de tribunais superiores no sentido de privilegiar a celeridade, a efetividade e o direito de o credor reaver os valores buscados em Juízo.

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Assim, seja porque juridicamente coerente com a sistemática adotada pelo Código de Processo Civil, seja porque efetivamente aumenta a eficácia da recuperação do crédito, a decisão do Superior Tribunal de Justiça é um marco interessante na prática forense do processo executivo.


[1] Processo nº 0731183-70.2023.8.07.0001

[2] Art. 313. Suspende-se o processo:

II – pela convenção das partes;

§ 4º O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II.

[3] Art. 922. Convindo as partes, o juiz declarará suspensa a execução durante o prazo concedido pelo exequente para que o executado cumpra voluntariamente a obrigação.

[4]   Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

[5] Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

[6]  Art. 932. Incumbe ao relator:

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

[7] Art. 938. A questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo caso seja incompatível com a decisão.

§ 1º Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de jurisdição, intimadas as partes.

[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Princípio da Primazia da Resolução do Mérito e o Novo Código de Processo Civil. Revista da EMERJ. Rio de Janeiro. v. 18, n. 70, p. 42-50, set-out. 2015

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