A Lei 13.467/2017 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e as Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.
Propõe-se examinar a eficácia no tempo das normas de natureza material previstas naquele diploma legal.
A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, tem início de vigência depois de 120 dias de sua publicação oficial (artigo 6º), ocorrida em 14/7/2017. Desse modo, entende-se que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017.
Conforme o princípio da irretroatividade das leis, estas dispõem para o futuro, não atingindo fatos passados. O referido princípio tem como objetivo a garantia da segurança jurídica, em consonância com o artigo 5º, caput, da Constituição da República.
Nesse contexto, a Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVI, estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, ficam resguardados: os atos consumados à época da lei anterior; os direitos já integrados definitivamente ao patrimônio jurídico do titular antes da vigência da nova disposição; as questões definitivamente decididas pelos tribunais.
Ao se analisar a eficácia no tempo da norma de Direito do Trabalho, deve-se destacar que a relação de emprego tem duração continuada, ou seja, o contrato de trabalho é negócio jurídico de trato sucessivo.
A teoria do efeito imediato da norma jurídica é a que apresenta maior adequação, inclusive no Direito do Trabalho [1].
Entende-se que a nova disposição normativa tem aplicação imediata, de modo que incide sobre a relação de emprego em curso, regulando apenas os fatos ocorridos daí para frente, sem atingir eventos anteriores já consumados. Se a norma de Direito do Trabalho fosse aplicada aos fatos anteriores à sua vigência, o seu efeito seria retroativo, e não imediato.
Obviamente, o contrato de trabalho já extinto não é alcançado pela norma jurídica posterior à cessação do vínculo, mas a relação de emprego iniciada após a nova disposição normativa é por esta regulada.
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O artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Trata-se do mesmo critério seguido pelo artigo 912 da CLT, ao prever que os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho.
O direito adquirido é aquele que integra o patrimônio jurídico da pessoa. O direito é considerado adquirido no momento em que o titular preenche os seus requisitos, podendo, assim, exercê-lo quando quiser. Logo, não se exige o seu efetivo exercício. Antes do cumprimento dos requisitos para a sua aquisição, tem-se a mera expectativa de direito.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirido a regime jurídico, ou seja, de permanecer em certo regime jurídico (formado por normas jurídicas, em regra genéricas e abstratas, que compõem o ordenamento jurídico ou o Direito objetivo), mesmo depois da sua modificação legal [2].
Frise-se que as modificações decorrentes da Lei 13.467/2017 não tratam de alteração contratual imposta pelo empregador ou oriunda da vontade das partes, pois decorrem de nova determinação legislativa, o que, a rigor, afasta a incidência dos requisitos do artigo 468 da CLT quanto ao tema em estudo.
Irretroatividade
Mesmo que a nova lei seja de ordem pública, incide o princípio da irretroatividade. Desse modo, a garantia da segurança jurídica, por meio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, deve ser observada inclusive em relação à nova disposição jurídica de ordem pública [3].
Se a Lei 13.467/2017 fosse aplicada aos fatos anteriores à sua vigência, o seu efeito seria retroativo, o que é vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição de 1988. Portanto, a nova disposição normativa deve incidir de forma imediata, mas não retroativa.
No caso da relação jurídica de emprego, como a sua execução se prolonga no tempo, a nova lei deve incidir de forma imediata, ou seja, quanto aos contratos em curso, aplicando-se aos fatos ocorridos posteriormente à modificação normativa, mas sem prejudicar as situações já consumadas.
A posição defendida também é confirmada pelo artigo 2.035, caput, do Código Civil de 2002, ao prever que a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor desse Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência desse Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.
O artigo 2º da Medida Provisória 808/2017 estabelecia que o disposto na Lei 13.467/2017 aplicava-se, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes. Entretanto, a Medida Provisória 808/2017 perdeu eficácia em 24 de abril de 2018, desde a edição, por não ter sido convertida em lei (artigo 62, § 3º, da Constituição da República).
Com isso, chegou a ganhar força o entendimento de que as previsões decorrentes da Lei 13.467/2017, que estabeleçam condições de trabalho menos benéficas ao empregado, ou seja, em patamar inferior ao anteriormente estabelecido, apenas seriam aplicáveis aos contratos de trabalho pactuados a partir da vigência do referido diploma legal, em respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido (artigos. 5º, inciso XXXV, 7º, caput, da Constituição da República).
Ainda assim, no âmbito administrativo, notadamente para fins de fiscalização trabalhista, de acordo com o Parecer 00248/2018/CONJUR-MTB/CGU/AGU, de 14 de maio de 2018, aprovado pelo Ministro do Trabalho (Diário Oficial da União de 15.05.2018), “entende-se que mesmo a perda de eficácia do artigo 2º da MP 808/2017, a qual estabelecia de forma explícita, apenas a título de esclarecimento, a aplicabilidade imediata da Lei 13.467/2017 a todos os contratos de trabalho vigentes, não modifica o fato de que esta referida lei é aplicável de forma geral, abrangente e imediata a todos os contratos de trabalho regidos pela CLT (Decreto-lei nº 5.542, de 1º de maio de 1943), inclusive, portanto, àqueles iniciados antes da vigência da referida lei e que continuaram em vigor após 11/11/2017, quando passou a ser aplicável a Lei 13.467/2017”.
Apesar do exposto, a eficácia imediata da Lei 13.467/2017 deveria respeitar a norma constitucional que proíbe a redução salarial. Efetivamente, conforme o artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República, os trabalhadores urbanos e rurais têm direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Nesse contexto, cabe lembrar a atual previsão da Súmula 191 do TST, notadamente em seu item III [4].
A respeito do tema, o Tribunal Superior do Trabalho fixou a seguinte tese para o Incidente de Recursos Repetitivos 23: “A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência” (TST, Pleno, IncJulgRREmbRep-528-80.2018.5.14.0004, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/11/2024).
Com isso, decidiu-se no sentido da limitação da condenação ao pagamento de horas in itinere [5] e do intervalo do artigo 384 da CLT [6] a 10/11/2017, antes da vigência da Lei 13.467/2017 (TST, Pleno, E-RR-528-80.2018.5.14.0004 e RR-20817-51.2021.5.04.0022, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/11/2024).
Cabe, assim, acompanhar os desdobramentos do referido entendimento, notadamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. p. 39-40.
[2] STF, Pleno, RE 575.089/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 24.10.2008.
[3] STF, Pleno, ADI 493/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04.09.1992.
[4] “Adicional de periculosidade. Incidência. Base de cálculo. […] III – A alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740/2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT”.
[5] O art. 58, § 2º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, passou a prever que o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.
[6] O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 528): “O art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei nº 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras” (STF, Pleno, RE 658.312/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 06.12.2021).
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