Lei Maria da Penha e seus reflexos no trabalho da mulher

Neste mês de agosto, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) completa 18 anos. São quase duas décadas de uma legislação voltada ao enfrentamento da violência doméstica e familiar contra mulheres, que são vítimas de múltiplas formas de violação, como a física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

A lei estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica que podem repercutir no âmbito das relações do trabalho.

O inciso II, do § 2º, do artigo 9º da Lei Maria da Penha, por exemplo, garantiu à mulher vítima de violência doméstica o direito de não ser dispensada quando for necessário o seu afastamento do local de trabalho, por até seis meses:

“Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

[…]

§2º. O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

[…]

II – Manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.”

Deste modo, a empregada que sofre violência doméstica e corre perigo em sua integridade física ou psicológica se permanecer em seu posto de trabalho, poderá ser afastada de suas atividades, pelo prazo de seis meses, com o direito de retornar à sua rotina, sem prejuízo do emprego.

Pode-se dizer, que neste caso, a mulher, durante o prazo de seis meses de afastamento do trabalho, tem uma garantia de emprego, já que não pode ser dispensada nesse período.

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Dispensas anuladas

Esse foi o caso do Processo nº 0010252-38.2020.5.03.0136 [1], julgado pelo TRT da 3ª Região (MG), que declarou nula a dispensa da autora por justa causa e determinou sua reintegração.

A relatora, juíza Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, e os desembargadores da 1ª Turma entenderam que:

“Pelas particularidades do caso e em virtude da situação referida pela Lei Maria da Penha, deverá a reclamante ser reintegrada em outro posto de trabalho, como forma de preservação de sua integridade física e psicológica.”

E, ao final, além de majorar a condenação da empresa ré, concluíram por:

“a) declarar nula a dispensa da autora e determinar sua reintegração, observando-se as mesmas condições anteriores e relacionadas ao cargo ocupado;

b) condenar a ré a pagar à autora os salários, vencidos e vincendos, observando os reajustes concedidos após a dispensa, se houver, bem como as parcelas de décimos terceiros salários, férias acrescidas de um terço e vale-alimentação, devidos da data da dispensa até a data da efetiva reintegração, conforme se apurar em liquidação;”

A 11ª Turma do TRT da 2ª Região (SP), por sua vez, considerou injusta a dispensa de uma empregada que teve seu contrato de trabalho rescindido em decorrência de oito faltas “injustificadas” e reiteradas “condutas desidiosas” no exercício das funções [2].

O acórdão foi relatado pelo desembargador Sérgio Roberto Rodrigues que entendeu que as faltas não foram injustificadas, uma vez que a empresa tinha conhecimento de que a empregada sofria de violência doméstica o que lhe impediu de comparecer ao trabalho em algumas oportunidades.

A referida decisão não se confunde com o direito de permanecer no emprego pelo período de seis meses, mas demonstra que o fato de a empregada deixar de comparecer ao serviço em algumas oportunidades em razão da violência doméstica sofrida, não pode ser considerada uma falta grave. Afinal, a situação não decorreu de uma atitude desidiosa (negligente ou preguiçosa), como prevê a alínea “e” do artigo 482 da CLT.

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No mesmo sentido foi a decisão do TRT da 23ª Região (MT) que também reverteu a dispensa por justa causa, aplicada à empregada de um hospital, no qual trabalhava desde 2010, por ter faltado a vários plantões [3]. O acórdão entendeu que as ausências da trabalhadora foram justificadas pelo contexto de violência sofrida pelo ex-companheiro, contra quem tinha até mesmo uma medida protetiva concedida pela Justiça.

Conclusão

Por fim, a Lei 11.340/2006, além de ser um marco no combate à violência doméstica e familiar, provocou reflexos na área trabalhista, seja para possibilitar a manutenção do emprego em caso de afastamento pelo prazo de seis meses, seja para justificar as ausências de empregadas vítimas de violência doméstica e não confundir tal situação com a prática de falta grave.

Basta de violência!


[1] TRT-3 – RO: 00102523820205030136 MG 0010252-38.2020.5.03.0136, relator: Adriana Campos de Souza Freire Pimenta, data de julgamento: 14/10/2020, 1ª Turma, data de publicação: 14/10/2020.

[2] https://ww2.trt2.jus.br/noticias/noticias/noticia/trt-2-reverte-justa-causa-de-mulher-que-faltou-ao-trabalho-por-violencia-domestica?utm_smid=11277829-1-1

[3] https://portal.trt23.jus.br/portal/radioag%C3%AAncia-trt/revertida-justa-causa-de-trabalhadora-que-faltou-por-ser-vitima-de-violencia

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