Dentre os inúmeros problemas enfrentados na busca da correta aplicação da legislação recuperacional e falimentar está a indispensável necessidade de equilíbrio entre as normas trabalhistas e de insolvência que deverão ser interpretadas de forma concomitante e harmônica.
Dúvida não há de que a Justiça do Trabalho compete processar e julgar os conflitos trabalhistas. No entanto, também não há dúvida de que a satisfação do crédito deve ocorrer em conformidade com a legislação recuperacional ou falimentar.
A questão que mais gera, no nosso entender, problemas nessa equação está na necessidade de muitas vezes a legislação trabalhista ou os limites da competência da Justiça do Trabalho terem de dar espaço a aplicação da normas recuperacionais e falimentares em nome de um princípio inafastável que é a igualdade de credores.
Dentre esses pontos de conflito, temos o limite da aplicação do artigo 467 do Consolidação das Leis do Trabalho.
O artigo 467 da CLT dispõe que “em caso de rescisão do contrato de trabalho havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescida de cinquenta por cento”.
A intenção da norma é absolutamente clara no sentido de fixar uma multa para o caso de não cumprimento de obrigações incontroversas no prazo legal, servindo, portanto, de meio legítimo de coerção para que a empregadora, a despeito da existência de verbas controvertidas, não utilize escusa para postergar o pagamento daquilo que confessadamente é devido. Por essa razão tem valor elevado e, salvo melhor juízo, caráter moratório
No caso da recuperação judicial, no entanto, a questão ganha contornos mais complexos.
De fato, as normas extravagantes quando se encontram em aparente conflito devem ser interpretadas de forma a que coexistam harmonicamente.
Dessa forma, a despeito da norma trabalhista prever que o pagamento das verbas incontroversas deve ser efetuado na primeira audiência sob pena de sofrerem um acréscimo de cinquenta por cento, caso a empresa esteja em recuperação judicial, a questão deve ser analisada sob o prisma da coletividade de credores, sendo indispensável responder a seguinte pergunta: em conformidade com a lei recuperacional o pagamento pode ser feito? E a partir dessa indagação, as normas devem ser equacionadas.
Com efeito é natural que a empresa em crise dispense funcionários como forma de reduzir suas despesas. Por razões estratégicas essas dispensas muitas vezes ocorrem antes do pedido de recuperação e não depois que é formulado. A razão é muito simples e decorre do próprio texto da lei: as dispensas anteriores ao pedido de recuperação judicial tornam o crédito trabalhista concursal e o contrário não.
A partir dessa simples diferença, a primeira conclusão que se pode chegar é que, caso o empregado seja dispensado após o pedido de recuperação judicial, o crédito é extraconcursal e, portanto, não pode o pedido de recuperação servir de anteparo ao não pagamento das verbas trabalhistas devidas. Ou seja, se não o fizer na primeira audiência, o artigo 467 da CLT deve ser aplicado em sua plenitude.
O problema está na rescisão do contrato de trabalho anterior ao pedido de recuperação judicial.
Nesse caso, salvo melhor juízo, nos deparamos com duas situações que, embora tenham como elemento comum a dispensa anterior a recuperação judicial, possuem solução diametralmente oposta.
Com efeito, não recebendo as verbas que entende devidas, ao trabalhador não resta alternativa a não ser o ingresso perante a Justiça Laboral. Ocorre que, em razão do procedimento previsto pela lei extravagante, deve ser designada a audiência inicial.
Se essa audiência ocorre antes do pedido de recuperação judicial não existe óbice ao pagamento, sendo irrelevante alegação de que a empresa estaria em crise e que não teria condições de fazê-lo. Tal argumento não afasta o inadimplemento, razão pela qual a multa deverá incidir e, no momento em que empresa ingressar com o pedido de recuperação judicial, o crédito trabalhista acrescido da multa serão considerados concursais.
Todavia, se a empresa ingressar com pedido de recuperação judicial antes da audiência, quando esta se realizar, a recuperanda não mais poderá efetuar o pagamento porque o mesmo deve ocorrer em conformidade com o plano de recuperação judicial a ser oportunamente aprovado e, caso este venha ser rejeitado e decretada a falência, o pagamento deve ocorrer em conformidade com a lei falimentar.
Ou seja, nesta última hipótese existe um óbice legalmente previsto para o pagamento não podendo, portanto, a empresa em recuperação ser considerada em mora, não sendo, portanto, devido o valor da multa.
Aliás, caso a empresa venha a efetuar o pagamento estaríamos diante de uma hipótese de rompimento do concurso de credores com consequências graves, dentre as quais, em tese, o crime tipificado no artigo 172 da lei recuperacional e consequentemente a possibilidade de ser inclusive afastado o administrador da recuperanda em consonância com o artigo 64 da mesma lei.
Por essas razões, nessa hipótese deve a Justiça Laboral afastar a incidência da multa. Aliás, nesse sentido é a Súmula 388 do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que, embora seja direcionada a massa falida, na hipótese aqui tratada se aplica, pois, a situação fática é absolutamente igual: a impossibilidade legal do pagamento ocorrer naquele momento. Na falência, deve ocorrer a partir da formação do quadro de credores e nos limites da força da massa; na recuperação, em conformidade com o plano de recuperação judicial.
O problema final que surge é o seguinte: e se a Justiça do Trabalho entender de forma contrária ao exposto e condenar a empresa em recuperação judicial a multa.
Nesse caso, a menos que a empresa consiga reverter a condenação perante as instâncias superiores da JT, o valor será devido, pois a fixação do crédito trabalhista compete a esta, cabendo ao Juízo Recuperacional somente a fixação de eventual marco temporal de juros e correção e forma como se dará a satisfação do crédito.
Em outras palavras, embora se trate de norma recuperacional cabe a Justiça do Trabalho a sua correta aplicação em respeito ao princípio da igualdade de credores, não podendo o juízo recuperacional atuar no sentido da eventual correção.
Fonte: Conjur