Literatura ajuda a conhecer a si próprio e aos outros

Certa vez, ao entrar no gabinete de um juiz para despachar uma petição, o advogado Pedro Pacífico foi surpreendido pelo grito de um assessor, revelando sua identidade de influenciador literário: “É o Bookster!”.

Ele ficou sem reação. Afinal, estava em um ambiente formal, cumprindo rituais do Direito, que eram gravados. Mas a fala do assessor descontraiu o recinto, e o juiz se interessou pela atividade paralela de Pacífico.

“Nesse momento eu percebi que a minha tentativa inicial de separar quem era o influenciador e quem era o advogado não era sustentável. Eu sou as duas coisas, essas duas pessoas”, afirma Pacífico à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Desde então, ele parou de ter receio de ser “descoberto” por colegas do meio jurídico. E isso, inclusive, o fez conhecer “pessoas muito interessantes do Direito, as quais eu talvez não tivesse conhecido se mantivesse com temor de me expor”.

Leituras desinteressantes

No fim do ensino médio, Pacífico prestou vestibular para Medicina em diversas faculdades, menos a Universidade de São Paulo, na qual tentou Direito. Ele se matriculou no curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no campus de Sorocaba (SP). Porém, não gostou do trote longo e exagerado.

Antes do fim de sua primeira semana na PUC-SP, foi aprovado para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco e resolveu ver como era. Logo de cara, gostou mais do ambiente, do perfil dos alunos, da politização e das discussões. E continuou no curso, também influenciado por seu pai e sua irmã, que são advogados.

O seu primeiro estágio foi na área de Direito Tributário, com o professor da USP Luís Eduardo Schoueri, no escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri. No quarto ano, passou a trabalhar com contencioso cível estratégico e arbitragem na banca Ferro, Castro Neves, Daltro & Gomide Advogados, da qual virou sócio em 2024.

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Pacífico sempre gostou de ler e brinca que foi enganado por quem disse que Direito era um curso bom para ele por esse motivo. “Na faculdade, as pessoas liam, mas não liam literatura. Elas liam só textos acadêmicos e técnicos.”

Devido à alta carga de leitura demandada pela graduação, ele deixou a literatura de lado. No fim da faculdade, fez um intercâmbio na Universidade de Sorbonne, na França. Lá, viu como a literatura era forte e importante para os franceses e quis retomar o hábito da leitura.

No entanto, quando voltou ao Brasil, estava perdido sobre o que ler, já que seus colegas e conhecidos não falavam muito de livros. Então descobriu pessoas que abordavam literatura nas redes sociais e conheceu obras muito diferentes das que estava acostumado.

Reprodução/ InstagramO advogado Pedro Pacífico, conhecido como Bookster

 

Depois de um ano, veio a ideia de criar seu próprio espaço. Inicialmente, não desejava necessariamente ser um influenciador, apenas ter uma página para divulgar suas opiniões sobre livros e trocar ideias com interessados no assunto. Em 2017, nasceu o perfil Bookster no Instagram.

Aos poucos, a página foi crescendo. Pelo receio de atrapalhar a sua carreira como advogado, não se expunha. E só foi contar do projeto para alguns conhecidos após atingir cerca de dez mil seguidores.

O perfil foi indicado a interessados em leitura e recebeu um impulso durante a pandemia de Covid-19, quando milhões de pessoas passaram a tentar preencher o tempo livre de forma mais rica. Segundo Pacífico, a página cresceu — hoje tem mais de 600 mil seguidores — por causa do seu gosto por livros, sem ser, todavia, um especialista em literatura. E os seguidores passaram a confiar em suas recomendações.

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E chegou uma hora em que não fazia mais sentido esconder quem era o Bookster, e Pacífico passou a se identificar na página. A recepção foi boa, melhor do que ele esperava entre seus colegas. “Deve ter gente que criticou, mas não fiquei sabendo. Não tive nenhum prejuízo na carreira. Mas talvez teria se falasse de algum assunto considerado mais superficial.”

“As novas gerações não estão satisfeitas em seguir uma carreira por toda a vida. As pessoas vivem cada vez mais tempo. Não quero pensar que só vou fazer uma coisa para o resto da minha vida. Eu tenho outros interesses, eu sou múltiplo”, aponta Pacífico.

Não é fácil conciliar a carreira de advogado com a de influenciador literário. Ele costuma gravar conteúdos para sua página aos sábados e domingos, para ir publicando durante a semana. Se tem algo mais urgente ou um evento, marca bem cedo ou à noite para não atrapalhar sua rotina no escritório.

Muitos perguntam a Pacífico se ele pensa em largar a advocacia e se concentrar em seu projeto literário. Ele diz que talvez um dia possa reformular a balança de quanto tempo cada atividade ocupa na sua rotina. Mas não agora — está feliz no escritório e gosta da rotina de advogado.

Livros recomendados

Pedro Pacífico lançou, em 2023, a obra Trinta Segundos Sem Pensar no Medo: Memórias de um Leitor (Intrínseca). Ele conta sua trajetória profissional e de vida e como os livros o alegraram e ajudaram em seu processo de aceitação como um homem gay. No momento, Pacífico está escrevendo seu primeiro romance, ainda sem data para ser publicado.

Alguns de seus autores preferidos são Gabriel García Márquez, José Saramago, Lygia Fagundes Telles e Valter Hugo Mãe. Entre os contemporâneos, cita Mariana Salomão Carrara, que também concilia literatura e Direito (clique aqui para ler o perfil dela feito pela ConJur). Dos influencers literários, menciona Mell Ferraz (Literature-se), Paulo Ratz (Livraria em Casa) e Gabriela Mayer (Põe na Estante).

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Pacífico ressalta a importância de profissionais do Direito lerem literatura, não apenas textos técnicos. “Com a leitura, aprende-se a enxergar e conhecer o mundo a partir da perspectiva do outro. Foi algo essencial para eu me aceitar como homem gay, mas também para entender as diferenças no outro. A compreender que está tudo bem ser diferente. E o Direito é entender o problema do outro e tentar resolvê-lo”.

Além disso, destaca, a narrativa é muito importante no meio jurídico. Um advogado ou promotor deve saber contar bem a história de seu representado, de forma a convencer o juiz e obter uma decisão favorável. Contudo, Pacífico ressalta que não se deve ler literatura pensando apenas em benefícios práticos.

“Leia as leis, os manuais jurídicos, mas leia literatura, por prazer, por entretenimento. As pessoas falam ‘mas eu não leio porque já passo o dia inteiro lendo’. A única coisa em comum nos autos de um processo e em um livro de literatura é o ato de ler. Um é profissão, o outro é entretenimento. É preciso separar o que é trabalho de uma leitura por prazer. Para isso, é preciso escolher livros legais, que te interessem, de temas diferentes.”

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