O direito de resposta em um contexto eleitoral distópico

As eleições municipais de São Paulo do ano de 2024 foram marcadas em razão da divulgação, às vésperas do pleito, pelo então candidato a prefeito Pablo Marçal (PRTB), de um laudo médico, posteriormente comprovado como falso, que acusaria o candidato Guilherme Boulos (PSOL) de uso de drogas ilícitas, supostamente comprovando as alegações de Marçal nesse sentido ao longo de toda a campanha eleitoral, oportunidade em que chegou a dizer que possuía um documento para confirmar seu relato, mas que esse só seria divulgado próximo das eleições porque “o brasileiro esquece em duas semanas” [1].

Os efeitos desse fato na paridade da corrida eleitoral são tão catastróficos quanto imensuráveis, dada a natural influência que essa informação potencialmente apresenta para grande parte dos eleitores brasileiros, ao mesmo tempo em que determinar os motivos que levaram o eleitor a sua decisão final é tarefa impossível. A proximidade da divulgação da informação falsa do pleito eleitoral torna ainda maior a gravidade da situação, pois deixa ao candidato e coligação afetados pouco tempo e recursos a serem utilizados a fim de retomar o equilíbrio na disputa eleitoral.

No caso específico, a Justiça Eleitoral determinou, após provocação de Boulos, a derrubada de URLs específicas indicadas pelo candidato e, posteriormente, a suspensão das contas de Marçal. Cabe destacar que, ante a decisão da Justiça Eleitoral, Marçal passou a incentivar que os seguidores o acompanhassem em um perfil alternativo. Após nova avaliação da Justiça Eleitoral, esse segundo perfil também foi suspenso.

Outra medida que poderia ter sido implementada pela equipe de Boulos seria o direito de resposta, que além da sua previsão constitucional (artigo 5ª, V da CF/88) encontra disposição específica da Lei das Eleições (artigo 58 da Lei 9.504/1997). Até a data de publicação deste artigo não se teve notícias se a equipe de Boulos deixou de usar esse instrumento por determinados motivos estratégicos (como o próprio pedido de suspensão da conta do adversário) ou legais (impossibilidade de impulsionamento de propagandas na internet nas vésperas da eleição), ou, ainda, se tal pedido foi realizado e negado pela Justiça Eleitoral, dado que os autos dessa ação não estão plenamente disponíveis ao público, com exceção de decisões pontuais. De toda forma, explora-se abaixo a relevância desse instrumento na atual era de avanço tecnológico e propagação de desinformações.

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A própria existência de eleições no contexto de uma democracia representativa, como é o caso do Brasil, pressupõe a possibilidade de aquisição de entendimento esclarecido pelos cidadãos: “dentro de limites razoáveis de tempo, cada membro deve ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas importantes e suas principais consequências” (DAHL, 2021, p. 49-50). Assim, em um tipo ideal democrático, os cidadãos teriam sempre acesso a uma educação cívica que os tornassem competentes para proteger seus valores e interesses fundamentais. Contudo, em contraponto a tal dimensão axiológica da democracia, o contexto fático contemporâneo se impõe, e até mesmo os que tiveram acesso a uma educação cívica de qualidade podem enfrentar dificuldades para navegar entre o grande número de notícias falsas propagadas atualmente nos mais diversos meios de comunicação utilizados.

Apesar disso, é importante destacar que o problema da disseminação das notícias falsas não é fenômeno inédito. Na primeira eleição presidencial após a redemocratização, em 1989, Collor levou ao ar na televisão um depoimento de Miriam Cordeiro, mãe de uma das filhas de Lula, dizendo que o petista a teria oferecido dinheiro para que realizasse um aborto da filha. A história foi negada por Lula, que veiculou um vídeo com a filha em horário eleitoral.

Apesar de notícias falsas como as relatadas acima serem inegavelmente desastrosas para a saúde de uma democracia em qualquer contexto histórico, a particularidade do momento atual é pautada pela publicidade feita sob medida. Com as redes sociais e os smartphones, cada consumidor e/ou eleitor tem o seu perfil cuidadosamente traçado por meio de psicometria. No que concerne à prática eleitoral: “Centenas de milhares de variantes de uma propaganda eleitoral [são] testadas quanto às suas eficiências. […] Todos recebem uma notícia diferente, pelo que a esfera pública fica fragmentada” (HAN, 2022, p. 40)

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Além de técnicas avançadas de profling, as redes sociais permitem o uso de outras tecnologias que tornam possível influenciar drasticamente o debate eleitoral. Os bots são capazes de, mesmo em pequena porcentagem, alterar gravemente a percepção dos cidadãos acerca do debate político (HAN, 2022). Os robôs podem, de diversas maneiras – seja dando ênfase a assuntos originalmente não tão relevantes ou inflando o número de seguidores – atribuir um poder simulado a uma determinada opinião ou pessoa.

Além disso, apesar de notáveis e elogiáveis, os esforços das provedoras de aplicação das redes sociais e das instituições dos Estados democráticos para realizar a checagem de notícia vêm mostrando-se menos eficientes do que o desejável. Isso porque as consequências das notícias falsas, impulsionadas pela rapidez de disseminação de informações nas redes sociais, dificulta que a verdade supere a mentira já divulgada em números de cliques: “Antes de instaurar o processo de verificação, [as notícias falsas] já tiveram todo efeito. Informações ultrapassam num piscar de olhos a verdade e esta não lhes pode alcançar” (HAN, 2022, p. 46).

Eficácia do direito de resposta

Retomando o contexto apresentado inicialmente acerca das eleições municipais de 2024 e considerando as proposições de Han, é possível concluir pela relevância do uso do mecanismo do direito de resposta para situações similares que possam a vir ocorrer no futuro. Considerando que cada usuário de uma rede social tem acesso a um ambiente de publicidade eleitoral especificamente desenhado para o seu perfil, a contestação da notícia falsa em qualquer outro meio que não seja pelo mesmo usuário que a divulgou em primeiro lugar mostra-se ineficiente.

Não por outro motivo, artigo 32, IV, alínea “d” da Resolução nº 23.608/2019 do Tribunal Superior Eleitoral dispõe especificamente que deferido o pedido do direito de resposta, o ofensor “deverá divulgar a resposta da ofendida ou do ofendido em até 2 (dois) dias após sua entrega em mídia física e empregar nessa divulgação o mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado nos termos referidos no art. 57-C da Lei nº 9.504/1997 e o mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa, podendo a juíza ou o juiz usar dos meios adequados e necessários para garantir visibilidade à resposta de forma equivalente à ofensa”.

O instrumento do direito de resposta aparece, portanto, como mecanismo relevante a fim de garantir-se a paridade entre os candidatos nas disputas eleitorais da contemporaneidade. Ainda restam muitos desafios, como, por exemplo, reduzir o tempo de ação da Justiça Eleitoral – que já atua com prazos desafiadores, tanto para os juízes quanto advogados e outros indivíduos envolvidos no processo eleitoral – para limitar os danos que podem ser causados pelas notícias falsas, principalmente se publicadas às vésperas da eleição. Para isso, talvez a evolução tecnológica que tem nos trazido tantos novos dilemas na persecução de um ideal democrático, possa também passar a integrar parte dos novos remédios a serem implementados.

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REFERÊNCIAS:

DAHL, Robert. Sobre a Democracia, Brasília: UNB, 2001.

HAN, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Tradução de Gabriel S. Philipson, Editora Vozes, Petrópolis, RJ: 2022.

[1] Disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/falas-marcal-boulos-uso-de-drogas. Acesso em 17 de out. de 2024.

Fonte: Conjur