Polícia não pode pedir direto ao Coaf dados de movimentação financeira, diz STJ

Ao investigar caso de lavagem de dinheiro, a autoridade policial responsável não pode dispensar a autorização judicial e solicitar informações sobre movimentação financeira de suspeitos diretamente ao Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Dados financeiros obtidos pelo delegado direto junto ao Coaf deram indícios do do crime de lavagem de capitais
123RF

Essa foi a conclusão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento a recurso em Habeas Corpus para reconhecer a ilicitude de dois relatórios de inteligência financeira obtidos por um delegado de Polícia contra empresários suspeitos de lavagem de dinheiro.

A posição representa um endurecimento em relação à interpretação do STJ sobre como os órgãos de investigação devem tratar esses dados financeiros, ressaltando a necessidade de que essas requisições sejam tuteladas pelo Poder Judiciário por meio de autorizações prévias.

Como decidiu o Supremo Tribunal Federal em 2019, o compartilhamento de dados sigilosos entre a Receita Federal e o MP é possível sempre que houver a hipótese de atuação criminosa. Esses indícios vêm nos relatórios do Coaf, que hoje se chama Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e está subordinado administrativamente ao Banco Central.

A partir dessa posição, o STJ passou a delinear como esse compartilhamento pode ser feito.

Em suma, o MP não pode requisitar diretamente à Receita Federal dados sigilosos sem ordem judicial, a não ser que o suspeito tenha aberto mão desse sigilo. Definiu também que, mediante autorização judicial, o MP pode pedir esses dados à Receita mesmo quando a conclusão administrativa for a de que não há indícios de crime.

Nesses precedentes, o contato do órgão ministerial é sempre com a Receita Federal. Já no caso julgado pelo STJ, há uma diferença importante: a requisição foi feita pela autoridade policial diretamente ao Coaf.

As investigações partiram de indícios de que os empresários, donos de uma cervejaria no Pará, causaram prejuízo de R$ 600 milhões ao erário a partir de 50 crimes fiscais, com lavagem de dinheiro. Os dados do Coaf recebidos pela polícia deram indícios contundentes de materialidade delitiva e serviram para embasar pedido de busca e apreensão.

READ  FGV Justiça divulga pesquisa inédita sobre ações anulatórias de sentenças arbitrais
“A pergunta que fica é: por que não pedir uma autorização judicial?”, afirmou o relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro
Emerson Leal/STJ

Por que não pedir?
Por maioria de votos, a 6ª Turma entendeu que mesmo esse tipo de requisição é ilegal. Relator, o ministro Antonio Saldanha Palheiro votou por reconhecer a ilicitude do compartilhamento. Foi acompanhado pelo ministro Sebastião Reis Júnior e pelo desembargador convocado Jesuíno Rissato.

Para Saldanha, autorizar o contato direto entre MP e Coaf implicaria e conferir aos órgãos de investigação, em quaisquer inquérito, o poder de obter informações sigilosas. “A pergunta que fica é: por que não pedir uma autorização judicial? É uma maneira de conseguir um filtro para eventuais exageros”, disse.

“Essas informações estão lá [no Coaf], não vão desaparecer. Tem que ter um mínimo de controle desse tipo de procedimento”, concordou o ministro Sebastião. “Nunca sabemos o porquê dessas solicitações e onde essas informações vão parar. A autoridade policial pode pedir e nem usar. Não há controle nenhum. Eu tenho profundo receio disso”, complementou.

Nenhuma ilegalidade
Abriu a divergência o ministro Rogerio Schietti, que ficou vencido ao lado da ministra Laurita Vaz. Para ele, a hipótese dos autos não se enquadra nos precedentes até hoje julgados pelo STJ ou pelo STF, uma vez que estes trataram de dados sigilosos e detalhados no Imposto de Renda.

Para ministro Schietti, não há irregularidade porque relatórios não identificam dados sigilosos, só apontam movimentação atípica
Nelson Jr./STF

Nos dados enviados à polícia, o Coaf aponta que existe movimentação financeira atípica, mas sem delinear a natureza dessa atipicidade. Caberia ao órgão investigador qualifica-la ou não como ilícito penal, por meio de diligências posteriores, como a busca e apreensão.

Essa é a realidade de como funciona esse compartilhamento de dados. O Coaf recebe dados das instituições financeiras e, quando identifica atipicidades, prepara um relatório meramente descritivo, sem revelar dados específicos e particulares protegidos pelo sigilo.

READ  TST valida geolocalização como prova digital de jornada de bancário

Quando existem indícios de prática delitiva, o órgão repassa a notícia criminal para a Polícia Federal, para o Ministério Público Federal e/ou para os Ministérios Públicos Estaduais, a depender da esfera de atribuição. É então que esses órgãos podem solicitar informações sobre operações suspeitas ou atípicas.

“Logo e em conclusão, em relação ao conteúdo, entendo que não há similaridade entre o relatório produzido pelo Coaf e as informações obtidas em decorrência da quebra dos sigilos fiscal ou bancário”, apontou o ministro Schietti. Para ele, não há nenhuma ilegalidade na requisição do relatório do Coaf feita pela autoridade policial.

RHC 147.707

Fonte: Conjur