Por Willer Tomaz
O Supremo Tribunal Federal, no último dia 30 de junho, ao julgar o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 848.107, afetado ao Tema 788 da repercussão geral, pacificou o entendimento de que “o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes”.
Significa dizer que a pretensão executória não começa mais com o simples trânsito em julgado para a acusação, situação em que normalmente há recurso da defesa pendente de julgamento.
O artigo 112, inciso I, do Código Penal, prevê que a prescrição começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado “para a acusação”. Porém, o dispositivo foi dado pelo STF como incompatível com a Constituição, devendo ser interpretado em harmonia com o novo entendimento.
Até então, embora a matéria não se assentasse em terra firme, predominava a literalidade do Código Penal, tendo inclusive sido salientado no acórdão revisto pelo STF que “não [é] cabível considerar como termo inicial do prazo prescricional a data do trânsito em julgado definitivo [para a acusação e para a defesa], sob pena de eleger termo interruptivo não previsto em lei”.
O próprio Supremo já decidira, diversas vezes, que “cuidando-se de execução da pena, o lapso prescricional flui do dia em que transitado em julgado para a acusação, conforme previsto no artigo 112 combinado com o artigo 110 do Código Penal” (STF, ARE 764.385/DF-AgR, relator ministro Luiz Fux, T1, DJe 2/5/2014 — vide também HC 113.715, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe 28/5/2013; HC 110.133, relator ministro Luiz Fux, T1, DJe 19/4/2012; ARE 758.903, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe 24/9/2013; RE 771.598/DF-AgR, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe de 14/2/2014).
Ocorre que em 2020, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, o Supremo conferiu nova interpretação aos princípios constitucionais da estrita legalidade e da presunção de inocência para reconhecer a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, tendo esse julgamento servido de parâmetro à nova tese firmada sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória.
O raciocínio é simples: de um lado, se a legalidade penal e a presunção de inocência valem para obstar a formação definitiva da culpa por ausência de trânsito em julgado da condenação, sendo que de acordo com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, então, de outro lado, os mesmos princípios devem valer também para o nascimento da pretensão executória, à luz do princípio da actio nata (STF, ARE 682.013/SP-AgR, T1, relatora ministra Rosa Weber, DJe 6/2/2013), segundo o qual, em linhas gerais, o termo inicial do prazo prescricional é a data do nascimento da pretensão resistida.
Ou seja, a pretensão executória somente surgirá quando a culpa do acusado estiver definitivamente formada por sentença penal condenatória transitada em julgado não para a acusação, não para a defesa, mas para ambas as partes, pois esse é o primeiro e único momento em que se é conhecida, de fato e de direito, a culpa indene de dúvidas em todos os seus aspectos.
Como afirmou o STF, “não podendo o Ministério Público executar o título condenatório, descabe cogitar do início do prazo prescricional”.
Com as vênias devidas, não podemos olvidar que a prescrição penal se fundamenta na “inconveniência da aplicação da pena muito tempo após a prática da infração” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 614), pois quando o fato é constatado e as provas são certas, o castigo “deve ser seguido de perto o crime, se se quiser que o mesmo seja um freio útil contra os celerados” (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Edipro, 2018. p. 74), não podendo o acusado estar sujeito a sobressaltos e intempéries decorrentes da letargia estatal sistêmica e extremada para julgar os seus recursos, sobretudo quando as instâncias revisionais proverem tais recursos de qualquer modo.
Isso porque o tempo demasiado para a formação da culpa é fator de insegurança e de injustiça, motivo pelo qual defendemos que a demora excessiva há de assumir sempre maior importância em matéria de direito sancionador, justamente pela maior gravidade da coerção estatal que “intervém nos direitos fundamentais da pessoa humana, individualmente considerados, da maneira mais terrível, concreta, direta e ‘inesperada'” (FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. Niterói: Impetus, 2010. p. 48).
Não há como negar coerência lógica do STF nos julgamentos do Tema 788 e das ADCs 43, 44 e 54. Cabe lembrar, porém, o aforismo popular de que “tudo na vida é faca de dois gumes”, não sendo diferente no processo penal, de modo que a vantagem atual poder ser a desvantagem futura, especialmente quando atingir direitos fundamentais.
Por: Willer Tomaz é sócio do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados.
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