Demissão de empregado de empresa pública e necessidade de motivação do ato segundo o STF

Após o fim do recesso forense e com o retorno das sessões nos tribunais, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, no último dia 8/2/2024, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 688.267, Tema 1.022 da Tabela de Repercussão Geral, que abordou a problemática sobre a necessidade de motivação no caso de demissão dos empregados concursados de empresa pública e de sociedade de economia mista.

Sob este enfoque, a Corte Suprema, por maioria de votos, seguindo a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso — ao julgar o mérito da questão com repercussão geral sem fixação de tese — decidiu que, ainda que de forma simplificada, no caso de dispensa de tais trabalhadores, devem ser indicadas, formalmente, as razões que motivaram a dispensa.

A tese então proposta pelo ministro Barroso, mas que não foi chancelada pelo Plenário da Corte, foi a seguinte: “As empresas públicas e sociedades de economia mista têm o dever de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados admitidos por concurso público. Tal motivação pode consistir em qualquer fundamento razoável, não se exigindo que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista”.

De acordo com o ministro, não há a necessidade de instauração formal de processo administrativo, sendo exigida apenas a motivação que levou ao despedimento, não se confundindo, portanto, com a estabilidade no emprego. Nesse aspecto, o ministro Edson Fachin, em que pese tenha acompanhado a divergência, se manifestou pela obrigatoriedade de abertura do processo administrativo para a dispensa imotivada.

Em sentido contrário, o ministro relator, Alexandre de Moraes, e os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes, entenderam que em razão das empresas públicas estarem sujeitas ao mesmo regime trabalhista das empresas privadas, não haveria que se falar em dispensa arbitrária, mas sim numa decisão administrativa da companhia.

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Por certo, a discussão envolvendo a proteção do emprego e o trabalho na vida do ser humano sempre foi objeto de inúmeros debates, tanto que após essa decisão pelo STF o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista da Revista Consultor Jurídico (ConJur), razão pela qual agradecemos o contato.

Em resumo, a Suprema Corte buscou dirimir a controvérsia em torno da seguinte questão: as empresas públicas e sociedades de economia mista devem seguir os preceitos da Administração Pública ou se equipararem às empresas privadas? E a depender do enquadramento jurídico, seria exigida prévia motivação para o ato demissional?

 Origem histórica do julgamento
Impende destacar que o RE 688.267 foi dirigido à Suprema Corte em razão do acórdão prolatado pelo Tribunal Superior Trabalho (TST) que, na época, julgou improcedente o pedido inicial dos empregados demitidos pelo Banco do Brasil em 1997, sob o argumento de que não seria necessário o dever de motivação, por força do exercício do direito potestativo assegurado pelo artigo 173, §1º da Lei Maior.

De um lado, o entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 247 da Corte Superior Trabalhista é no sentido de que a despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo que admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade; lado outro, os trabalhadores lotados no âmbito da Administração Pública Federal Indireta estariam igualmente sujeitos os princípios básicos estabelecidos no artigo 37 da Constituição, sendo eles a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

 Proposta legislativa
Frise-se que hoje tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.433/21 que proíbe a demissão de funcionários das empresas e fundações públicas, como também das sociedades de economia mista, sem que haja a devida e prévia motivação, sob pena de nulidade.

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Atualmente, a referida proposta legislativa ainda está pendente do parecer do relator na Comissão de Administração e Serviço Público.

Opinião do especialista
Sob esta perspectiva, o despedimento e a cessação do contrato de trabalho sempre foram temas sensíveis, sendo oportunos os ensinamentos do professor João Leal Amado:

 “O contrato de trabalho, como diria Vinicius de Moraes, é como o amor: eterno enquanto dura! A verdade é que, como tantas outras, cedo ou tarde a relação jurídico-laboral acaba por se extinguir, produzindo-se então a ruptura definitiva do vínculo contratual.
(…). Acontece que o tema da cessação do contrato de trabalho é também um tema particularmente sensível, nele se entrecruzando aspectos sociais, humanos e económicos da maior relevância. A extinção do contrato significa, para o trabalhador, perder o emprego. E é sabido que, quando a perda do emprego ocorre sem ou contra a vontade do trabalhador, as consequências dessa perda, a nível social e humano, podem ser devastadoras, sobretudo quando se trate de trabalhadores pouco qualificados e já não muito jovens”.
(…). Em suma, pode-se dizer que no regime jurídico da cessação do negócio duradouro que é o contrato de trabalho se verifica uma tensão permanente entre dois princípios antinómicos: o princípio da liberdade de desvinculação contratual e o princípio da estabilidade do vínculo laboral.”

Legislação brasileira e as normas internacionais
Se é verdade que a Constituição de 1988 prevê em seu artigo 7º, inciso I, a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, de igual modo a Declaração Universal dos Direitos Humanos assegura a todo o ser humano à proteção contra o desemprego.

Aliás, a Convenção nº 168 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) regulamenta internacionalmente a promoção ao emprego e a proteção contra o desemprego, ao passo que a Convenção nº 158 aborda o término da relação de emprego por iniciativa do empregador, estabelecendo em seu artigo 4º que “não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

Conclusão
Em arremate, é indiscutível que o labor desempenha papel relevante na vida do ser humano, afinal, para além de propiciar o sustento para a manutenção da própria vida do trabalhador e de seus familiares, garante também que a pessoa tenha a sua dignidade respeitada.

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Portanto, o exercício do trabalho não se limita única e exclusivamente à obtenção de ganhos materiais ou financeiros para suprir as necessidades vitais básicas, razão pela qual tanto o Estado quanto a sociedade devem se debruçarem sobre a temática da proteção do emprego por se tratar de um direito fundamental de todo e qualquer trabalhador.

Fonte: Consultor Jurídico