A alimentação, alçada como direito fundamental e social pelo artigo 6º da Constituição, está incluída no direito aos alimentos, também conhecidos como “pensão alimentícia”, sendo prestações que visam satisfazer necessidades vitais de quem não pode provê-las. Não é objetivo deste artigo se alongar sobre os aspectos aprofundados da obrigação alimentar, mas sim fornecer um panorama prático sobre o tema da exoneração desta obrigação após a maioridade.
Antes de adentrarmos nesse assunto, é oportuno rememorar quais são os pressupostos da obrigação alimentar, que são: 1) o vínculo que enseja a obrigação alimentar, 2) a necessidade do alimentando e 3) a possibilidade de pagar do alimentante.
O vínculo alimentar, e aqui me refiro apenas aos alimentos de caráter familiar e não aos de aspecto indenizatório, se desdobram também em três: podem advir do poder familiar, da parentalidade ou da solidariedade.
Maioridade do filho
O poder familiar, que a melhor doutrina denomina “autoridade parental”, é aquele exercido pelos pais em relação aos filhos menores de idade. Está conceituado no artigo 1.630 do CC e tem os direitos especificamente discriminados nos incisos artigo 1.634. Todas as obrigações alimentares fixadas em favor de alimentado menor de idade têm por fundamento o poder familiar, além da parentalidade, é claro.
Deste modo, a parentalidade, como fundamento individual para obrigação alimentar, entra em cena individualmente após a maioridade do filho. Automaticamente após o filho completar a maioridade, cessa o poder familiar dos pais (e, portanto, o dever de alimentos decorrente deste poder) e inicia o dever de alimentos decorrente da parentalidade, neste caso apenas existente se houver necessidade da prole.
A necessidade, por sua vez, é presumida pela jurisprudência até os 24 anos, caso a prole nesse período esteja ainda cursando ensino médio, superior, técnico ou profissionalizante. Após os 24 anos ou após a conclusão do curso, o que vier primeiro, a presunção cessa e a obrigação alimentar também deve, em regra, se encerrar.
Entretanto, o encerramento da obrigação alimentar não se dá automaticamente. Para que tenha efeitos jurídicos, o encerramento da obrigação alimentar deve sempre ser determinado pelo juiz, seja em homologação de acordo, seja em ação litigiosa de exoneração de alimentos.
Para que seja possível a exoneração dos alimentos após os 18 anos em sede de liminar, é necessário substancial prova no sentido de o alimentando não preencher mais os pressupostos da obrigação alimentar. Parte da doutrina, inclusive, desaconselha a exoneração em liminar nesta hipótese. Isso porque é grande o risco de deixar a prole, eventualmente necessitada, desassistida.
Cenário atual e necessidade de apresentação de provas
É de se destacar ainda que no contexto social e econômico atual, é cada vez mais frequente que os filhos demandem mais tempo de preparação para começar a prover sua subsistência. Isso se dá pela necessidade de maior qualificação profissional para o exercício do trabalho. É por este motivo que a doutrina entende (e a jurisprudência reconhece, pacificamente) a presunção de necessidade do alimentando que estuda, ao menos até os 24 anos de idade, data limite para presunção.
Para se obter uma decisão liminar após o encerramento do poder familiar, ou seja, após os 18 anos, é necessário, portanto, farta prova de que os filhos não estejam cursando ensino médio, técnico, superior ou profissionalizante. Como essa prova é de considerável dificuldade (haja vista se tratar de prova de fato negativo), entendo que o ônus de provar os estudos sejam do alimentando.
De toda sorte, deve o alimentante provar ao menos indiretamente a capacidade de subsistência dos filhos. Isso pode se dar caso os filhos estejam laborando em tempo integral, sem estarem estudando, por exemplo. Ainda assim, por cautela, é de ser consideravelmente difícil na prática forense obter a tutela de exoneração em sede liminar nesses casos, sendo bastante provável a necessidade de se recorrer ao 2º grau para obtê-lo.
Após os 24 anos, porém, a situação muda de figura. A presunção que antes existia, não mais deve prevalecer. E torna-se ônus do alimentado comprovar a permanência de sua necessidade em continuar recebendo alimentos. A partir desta idade, entendemos que a manutenção dos alimentos só se justifica em casos de deficiência e/ou incapacidade para o labor, situações de evidente necessidade.
Por isso, entendo que a concessão de liminar, neste caso, deve ser a regra.
Solução consensual
Até o momento, vimos situações que envolvem processos contenciosos de exoneração de alimentos, ou seja, quando há necessidade de se ingressar com ação judicial por resistência da parte credora em exonerar o alimentante da obrigação alimentar.
Entretanto, uma via bastante importante para esse tipo de caso, ainda mais se considerando a configuração contemporânea do Direito Processual Civil e o contexto peculiar das demandas familiares, é a tentativa de resolução consensual da demanda.
Além de não deteriorar os frágeis laços familiares, a via consensual tem a vantagem de resolver a demanda com maior celeridade. Bastante que se faça e peça a homologação de acordo de exoneração de alimentos. Aqui, pode os causídicos de ambas as partes trabalhar com os interesses acessórios envolvidos na negociação, como esclarece Willian Ury na metodologia de negociação baseada em princípios. Ou seja, para ficar apenas num simples exemplo, podem as partes tratar não apenas da exoneração dos alimentos em si, mas também, se o caso exigir, numa disposição da parte alimentante de integrar o alimentado no mercado de trabalho.
Considerações finais
De todo modo, se o caso exigir o ajuizamento de processo contencioso para exoneração e não houver concessão de liminar, devem os alimentos serem pagos até que haja sentença exoneratória. Após, os efeitos da exoneração devem retroagir até a data de citação, entretanto, não há que se falar em reembolso dos alimentos pagos, uma vez que é característica da obrigação alimentar a sua irrepetibilidade (Sumula 621 do STJ).
Percebe-se que estas características do obrigação alimentar e os necessários ritos, tanto para a fixação, quanto exoneração desta, abrem margens para possibilidades de evidentes injustiças. Entretanto, no panorama geral, também temos de convir que esse conjunto normativo ainda é o que melhor nos assegura da garantia dos direitos fundamentais e sociais.
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