Tribunal do Júri, desconstruindo preconceitos

Inscrito no capítulo “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (CF artigo 5º, XXXVIII), a Instituição do Júri vem resistindo aos argumentos daqueles que pretendem excluir a participação popular na administração da Justiça, sob o equivocado argumento de que juízes leigos não reúnem condições técnicas para decidir causas nas quais se discutem complexas categorias jurídicas.

Fincado em raízes democráticas, o Júri Popular é a única instância do Poder Judiciário que permite o real contato com a sociedade, absolutamente necessário para o arejamento das instituições. Por ser um órgão colegiado, as decisões do Tribunal Popular espelham com mais fidelidade o pensamento médio da sociedade, que não raras vezes se dissocia por completo das crenças e convicções dos juízes, quase sempre encastelados entre códigos e doutrinas, restringindo-se à aplicação automática do fato à lei, que, por ser estática, não acompanha a evolução da sociedade moderna, sempre em transformação.

É verdade que, ocasionalmente, o Conselho de Sentença, por representar o pensamento médio da sociedade, reproduz estereótipos e preconceitos, mas a experiência tem demonstrado que os avanços sociais atingem muito mais diretamente o júri popular do que os juízes de carreira.

A propósito do tema, recentemente, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária do dia 29 de junho de 2023, como relator de um caso em que se analisava a legítima defesa da honra em feminicídio, voltou a criticar a instituição do Júri, conclamando a Frente Parlamentar Feminina a propor uma emenda constitucional sugerindo a extinção do Tribunal Popular. Para defender sua tese, o e. ministro, argumentou: “Esse instituto é que reproduz o machismo da sociedade dentro do Poder Judiciário. Afora as inúmeras possibilidades recursais, diante do seu arcaísmo, de não se chegar nunca à solução. Seja de feminicídios, mas também dos homicídios de maneira geral, que somam mais de 50 mil assassinados por ano“.

Mas essa conclusão reflete uma análise superficial da realidade cruel que se abate sobre a violência contra a mulher frente ao sistema de justiça e envolve uma boa dose de ingenuidade. Em última análise, o raciocínio do qual essa afirmação provém simplesmente reedita, em versão ampliada, o critério oligárquico que sempre permeou o sistema judicial, estruturalmente machista, patriarcal e sexista.

Ora, não será com a extinção do Tribunal Popular que os feminicídios deixarão de ocorrer ou que seus autores não serão mais contemplados com a absolvição ou com alguma das generosas medidas, em que nosso Direito é tão pródigo, que, na prática, preservam a liberdade de ir e vir tal como era antes da condenação. É que não convence o argumento, segundo o qual o juiz leigo é suscetível à manipulação da retórica, deixando-se seduzir pelo orador mais sagaz ou persuasivo, como se o Júri fosse um teatro no qual os protagonistas expõem suas vaidades para uma plateia dócil e desprovida de juízo de valor, ou que os jurados pautam suas decisões por preconceitos sociais, ideológicos, de raça ou de cor.

Este argumento elitista e que nega a possibilidade de o povo realizar o controle social, recorda a democracia ateniense, na qual somente uma casta social — os “cidadãos” — tinham direito ao voto, além de estampar inescondível desprezo pela vontade do povo, ainda titular de todo poder que em seu nome é exercido (CF, artigo 1º, parágrafo único). Ademais, achar que somente os jurados julgam com marcado subjetivismo significa afirmar que os juízes togados se despem de sua condição humana e, como verdadeiras divindades, realizam a prestação jurisdicional de maneira objetiva e imparcial. Mas não são poucas as decisões provenientes de juízes togados que reforçam e solidificam odiosa intolerância social.

Aliás, o próprio ministro Dias Toffoli, fiel discípulo da extinção do Tribunal Popular, em 29 de setembro de 2020, no julgamento do Habeas Corpus nº 178.777, votou de forma contrária à tese que hoje defende. Trata-se do julgamento de um réu confesso — autor de um feminicídio tentado —, que foi absolvido pelo Tribunal do Júri da comarca de Nova Era, em Minas Gerais, com base na legítima defesa da honra. Mas o Tribunal de Justiça daquele estado reformou o veredicto e determinou a realização de um novo julgamento, decisão mantida pelo Superior Tribunal de Justiça. Porém, por força de HC impetrado pela Defensoria Pública, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, com o voto do e. ministro Dias Toffoli, manteve a absolvição com fundamento na soberania dos veredictos. E o informativo do Supremo Tribunal Federal registra: “A mudança de entendimento se deve à alteração na composição do colegiado, em razão da saída do ministro Luiz Fux para a Presidência da Corte e do ingresso do ministro Dias Toffoli“.

Este é um bom exemplo para ilustrar a tese que tanto os aplicadores técnicos da lei quanto os julgadores leigos são frutos de uma sociedade desigual, patriarcal, machista e preconceituosa, e que os juízes togados analisam e interpretam a lei de acordo com os seus valores. Ora, atribuir imutabilidade à soberania dos veredictos e manter a absolvição por legítima defesa da honra é igualmente expressar valores que deveriam estar enterrados. Em suma: o Tribunal Popular e a Corte Constitucional do país erraram nesta decisão, mas, com uma diferença: juízes leigos não conhecem a lei, menos ainda a arte da hermenêutica, resultando inconcebível interpretar soberania como sinônimo de imutabilidade.

Bem por isso, não será com a exclusão do Tribunal do Júri do cenário legal que decisões retrógradas e anacrônicas deixarão de figurar no repertório jurídico nacional, ou como bem esclarece a expressão latina Ne Nuntium Necare, que em bom português traduz a ideia de que “não adianta matar o mensageiro”, porque a mensagem ainda existirá.

Há que se rever, isso sim, o arcabouço jurídico nacional para adaptá-lo aos novos rumos do processo civilizatório, banindo, por exemplo, certas categorias jurídicas que atravancam o primado dos direitos humanos das mulheres e de todas as vítimas alvo de discriminação, providência que só depende do STF, único intérprete da Constituição, mas que nunca foi enfrentada com seriedade e, sobretudo, com a perspectiva de eliminar ou atenuar a discriminação e estereótipos que caracterizam a sociedade brasileira.

Somente uma sociedade desigual e tolerante com a violência pode conceber um ordenamento jurídico que inclui o quesito absolutório genérico “o jurado absolve o réu”, autorizando o Conselho de Sentença a expressar toda forma de discriminação e preconceito, podendo absolver o matador de mulheres, o racista, o homofóbico, além de consagrar a violência policial.

Parece claro que a lei em vigor, permitindo a absolvição sem qualquer motivação ou fundamento, ou até mesmo “por clemência” constitui a verdadeira inconstitucionalidade a ser enfrentada pela Suprema Corte ou ser alterada pelos legisladores, pois, este enunciado possibilita a reprodução de toda forma de intransigência, cuja consagração desconsidera a tutela de valores e interesses da própria sociedade. Não é por outra razão que a legítima defesa da honra — tese que havia perdido sua força ao longo dos anos — ressurgiu com acentuado vigor em 2008, a partir da reforma do Código de Processo Penal, que inseriu o quesito absolutório genérico no julgamento de crimes contra a vida.

Para superarmos a distorção hermenêutica dos textos legais, torna-se imperativo romper alguns “totens e tabus”, que deformam o conceito e a finalidade da Constituição e das leis infraconstitucionais, transformando-as em mais uma ferramenta de reprodução da ideologia patriarcal dominante, em vez de instrumento para efetivação de direitos, visando à construção de uma sociedade em que todos tenham as mesmas oportunidades e sejam tratados com respeito e dignidade.

A Constituição da República, no artigo 5º, XXXVIII, dispõe: “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) – o sigilo das votações; c) – a soberania dos veredictos; d) – a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida“. E o artigo 93, IX, consigna: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação“.

Pelos textos acima transcritos, percebe-se, desde logo, que a configuração estrutural do Tribunal do Júri tem previsão constitucional, delegando ao legislador infraconstitucional tão somente a sua forma de organização, desde que, naturalmente, não contrarie preceitos inscritos na própria carta. E o artigo 93, IX dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário — aí incluindo-se o Tribunal do Júri — devem ser fundamentados.

Pois bem. Para que as normas citadas coexistam em harmonia, a solução está na desconstrução de alguns mitos e no enfrentamento de dois pontos fundamentais: a natureza das decisões do Tribunal Popular e a soberania dos veredictos, valores muito caros à nossa melhor tradição jurídica. Persiste até os dias de hoje a crença equivocada de que as decisões do Júri, antes da reforma de 2008, não eram motivadas e, em nome da soberania, permitia-se até a absolvição por clemência. Certamente essa conclusão não deriva de nenhuma norma constitucional, mas, da construção doutrinária a partir do artigo 472, em que o jurado solenemente assume o compromisso de “examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça“.

É evidente que a redação deste artigo não permite deduzir que os jurados possam julgar apenas de acordo com seus próprios códigos de valores, mas tem servido de mote para o eterno retorno do renitente combate ao Tribunal do Júri. O certo é que, antes da reforma penal de 2008, havia especificação das teses e o julgamento se dava dentro dos limites do que fora exposto em plenário.

Sabia-se, por exemplo, com base em qual excludente os jurados absolveram ou qual delas rechaçaram, método que dificultava ao conselho de sentença julgar de maneira arbitrária, discriminatória ou abusiva, menos ainda por “clemência”. Se não era uma decisão com o formato que dispõe o artigo 381, do CPP, não se pode garantir que é uma decisão sem fundamentação.

Mas, atualmente, com a inserção do quesito absolutório genérico pode-se assegurar, sem medo de errar, que as decisões do Tribunal Popular são arbitrárias e desprovidas de fundamentação, pois, agora, podem condenar ou absolver de acordo com seus próprios princípios, padrões ou convicções, sem nenhum compromisso com a prova apresentada e, sobretudo, indiferentes à ideia de sepultar odiosos preconceitos na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. E a outra lenda generalizada, que não se sabe de onde veio, mas que se reproduz com a força da verdade, é o significado que os aplicadores da lei atribuem ao conceito de soberania, direito assegurado no artigo 5º, XXXVIII, alínea c, da Constituição da República.

Parece claro, no entanto, que a Constituição não atribuiu ao Tribunal do Júri o poder divino e incontrastável da imutabilidade de seus veredictos. O legislador, em harmonia com os preceitos constitucionais, atribuiu a ele mesmo — o Tribunal do Júri — o poder de alterar o mérito de suas próprias decisões. Ou seja, a proclamada soberania dos veredictos somente impede a alteração de mérito por outras vertentes do sistema de justiça, o que não significa concluir que suas decisões são onipotentes e irrecorríveis.

Mas há outras vantagens que recomendam a permanência do Tribunal do Júri. A resposta imediata da justiça criminal no julgamento popular desafia a tradicional morosidade na solução de conflitos — sem dúvida —, um dos maiores obstáculos para a efetiva distribuição da Justiça. Tudo isso sem contar que, ao menos no Brasil, o Poder Judiciário é único dos Poderes da República, no qual não há nenhum tipo de participação popular na sua composição.

Essas razões justificam o legislador constitucional ter conferido à sociedade a competência para julgar os crimes que atentam contra o bem maior do ser humano que é a própria vida. Os crimes dolosos contra a vida (homicídio; induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto), especialmente o homicídio, são crimes passíveis de serem cometidos por integrantes de um grupo social que não vivem na marginalidade; sem antecedentes criminais e que marcam sua vida pelo trabalho e cumprimento às leis, mas que, por circunstâncias, podem dar vazão a seus impulsos mais primários e romper as regras do código de convivência social, e cometer um homicídio.

Com essa perspectiva, não é exagero afirmar que, se a expressiva maioria da sociedade não é capaz de praticar crimes contra o patrimônio, por exemplo, todos são capazes de matar, dependendo da situação em que estejam envolvidos. É verdade que há homicídios cuja maneira de comissão revela intensa perversidade e total ausência de freios morais do agressor. Mas esta não é a regra.

Sendo assim, sábia a decisão do legislador ao cometer ao povo o julgamento de um crime gravíssimo, que, com suas crenças e convicções, focalizando um drama crucial da natureza humana dará ao cidadão submetido a julgamento a decisão almejada pela sociedade, porque, gostem ou não, o povo é que detém, em última instância, o poder de criar e modificar o direito. Oxalá a presença do povo nos assuntos da Justiça se estenda para outros crimes que, por força do obsoleto culto à forma, restaram impunes, para grande frustração social.

Fonte: Conjur

Advocacia: um dos pilares do pacto político-democrático

A palavra “advogado” advém do vocábulo latim “ad vocatus” que significa “chamar junto a si” no sentido de ficar ao lado, para auxiliar, ou falar em nome de outrem [1]. Ao longo do tempo, a expressão passou a representar o(a) profissional habilitado(a) para prestar assistência jurídica a alguém, defendendo seus interesses, judicial ou extrajudicialmente. Nesse sentido, destaca-se que a advocacia é uma das profissões mais antigas da história da humanidade, ao menos em termos práticos.

No Brasil, o mês de agosto é considerado o mês da advocacia, do Direito e da Justiça. Especificamente, no dia 11 de agosto, comemora-se o dia dos advogados e advogadas. A data ficou marcada pelo ano de 1827, quando foram criadas, por Dom Pedro I, as duas primeiras faculdades de ciências jurídicas do país, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco.

Diante da recente celebração do Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha (comemorada no dia 25 de julho) é importante relembrar, ao menos em breves passagens, a história de Esperança Garcia, mulher, negra e escravizada, de apenas 19 anos, que viveu no sul do Piauí, no século 18 e, que em novembro de 2022 foi reconhecida, oficialmente [2], pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil como a primeira advogada do Brasil [3], posto que antes era ocupado por Myrthes Gomes, que ingressou na advocacia, em 1899.

O ano era 1770 quando Esperança Garcia se pôs a escrever uma petição, em formato de carta, direcionada ao então governador da província em que vivia, para denunciar os maus tratos sofridos pelos homens e mulheres escravizados na Fazenda Algodões; a separação forçada de seu marido e a impossibilidade de batizar suas crianças; e, por fim, reivindicar direitos que sabia existentes em virtude das regras jurídicas e religiosas da época [4]. Inegável, portanto, que Garcia exerceu a advocacia, naquele momento de ousadia e resistência, pela escrita.

Tais atos de ousadia, resistência e luta pela aplicação da Justiça são parte do dia a dia da advocacia nacional que é considerada pela Constituição da República Federativa do Brasil “indispensável à administração da justiça” sendo os advogados e advogadas “invioláveis por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (artigo 133, CF/88).

A referência constitucional revela o grau de reconhecimento e a relevância do exercício da advocacia para a organização jurídica, social, política e econômica do país. Sendo possível concluir que a advocacia é um dos pilares do pacto político estabelecido após a volta do regime democrático.

A Justiça, de acordo com o famoso brocardo jurídico, consiste na “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu”. Assim, o papel daqueles que exercem a advocacia é garantir que cada um obtenha o que lhe é devido por direito.

Mais do que isso, os advogados e advogadas são profissionais que zelam pelo cumprimento das leis e para que os direitos de toda a sociedade sejam respeitados. Possuem como missão, atuar sempre em favor da cidadania, da justiça e da manutenção do Estado Democrático de Direito.

Por essa razão, a advocacia é entendida como munus publicum, ou seja, um encargo público pois, ainda que não sejam agentes estatais, os(as) advogados(as) compõe um dos elementos fundamentais do sistema de justiça e administração democrática do Poder Judiciário como um todo.

No entanto, não raramente os(as) profissionais da advocacia são desrespeitados(as) no exercício da profissão e têm violadas suas prerrogativas profissionais, dentre elas a inviolabilidade por atos e manifestações, a imunidade pelas alegações e a inviolabilidade do escritório, dos dados e arquivos e das comunicações (artigo 7º da lei 8.906/94).

Exemplo recente aconteceu com advogada inscrita em Petrolina (PE), que foi condenada a indenizar um magistrado em R$ 10 mil, por supostos danos morais, após realizar gravação de ambiente durante despacho com o referido magistrado, sem o consentimento deste.

Importante esclarecer que a advogada realizava a gravação do diálogo entre ambos na tentativa de colher provas acerca da desídia do magistrado no desempenho de suas funções, para posteriormente representá-lo na Ouvidoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco, mas, principalmente porque a gravação feita é considerada lícita pelo STF, nos termos do Tema 237 da sistemática da Repercussão Geral.

Conclui-se, portanto, que o magistrado ingressou com a ação de indenização por danos morais contra a advogada em claro contexto de abuso de direito, na tentativa de intimidá-la e coagi-la. E a manutenção desse nefasto cenário se manteve com o magistrado que julgou o caso em comento, por dar procedência ao pedido [5].

A OAB Pernambuco, em conjunto com a sua subseccional de Petrolina, acertadamente saiu em defesa da advogada, expondo a contradição do entendimento jurídico adotado na sentença que a condenou, em nota de repúdio [6]. Salientou, ainda, que penalizar a profissional “por fazer seu papel na defesa do cliente, inclusive, no enfrentamento da morosidade, é penalizar a própria cidadania”, o que é inadmissível.

Outro caso igualmente lamentável ocorreu durante julgamento no Tribunal do Júri em Minas Gerais, quando o magistrado da sessão mandou o advogado do réu “calar a boca” mais de uma vez, após o causídico ter requerido que constasse em ata que o réu foi conduzido algemado pelos seguranças do fórum até o salão do Júri. Isto é, o magistrado se recusou categoricamente a atender o pedido e ainda desrespeitou o advogado no exercício regular de suas prerrogativas.

Felizmente, o caso acima chegou ao crivo do Conselho Nacional de Justiça, que puniu o magistrado com pena de censura após processo administrativo disciplinar [7].

É preciso reforçar, considerando a chegada da data comemorativa, que a advocacia merece respeito! Nesse sentido, cumpre ressaltar que segundo o Estatuto da OAB não há hierarquia nem subordinação entre os membros da advocacia, magistratura e Ministério Público. Nesta toada, complementa Mamede:

“[…] Sendo o Estatuto uma lei federal, estabelece-se uma regra geral definidora da inexistência de posições hierárquicas, bem como do dever de respeito mútuo, o que não se confunde com apatia: o advogado deve respeitar os outros agentes e participantes processuais, mas não está́ privado da combatividade; pelo contrário, essa combatividade é um dever seu, para com a classe e para com o cliente, como se afere do artigo 2o do Estatuto. Mas um dever que obrigatoriamente será́ exercido com polidez e civilidade [8].

É certo que prezar por uma advocacia independente, ativa, forte, atualizada e bem desenvolvida deve ser tarefa de toda a sociedade, assim, é de se aplaudir o advento da Lei 13.869/2019, que alterou o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), e passou a considerar crime, a violação de direito ou prerrogativa da advocacia presente nos incisos II, III, IV e IV do artigo 7º, para a devida valorização da profissão. Resta agora, que os outros atores do sistema de justiça também observem a norma.

Por fim, parabéns a todos os advogados e advogadas que trabalham em prol da Justiça!

[1] MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, 6ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2014. E-book. ISBN 9788522492282. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522492282/. Acesso em: 08 ago. 2023.

[2] Importante salientar que Esperança Garcia já havia recebido o título simbólico de primeira mulher advogada do estado do Piauí em 2017, após a publicação de obra conjunta da Comissão da verdade da escravidão negra no Brasil e a OAB/PI: Dossiê Esperança Garcia: símbolo de resistência na luta pelo direito | organização Maria Sueli Rodrigues de Sousa [et al.] Teresina/PI: EDUFPI, 2017. ISBN 978-85-509-0234-0.

[3] Esperança Garcia é reconhecida pelo Conselho Pleno como a primeira advogada brasileira. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/60503/esperanca-garcia-e-reconhecida-pelo-conselho-pleno-como-a-primeira-advogada-brasileira

[4] Esperança Garcia e os usos do passando no presente: Direito e memória. Disponível em: https://www.geledes.org.br/esperanca-garcia-e-os-usos-do-passado-no-presente-direito-e-memoria/

[5] Processo nº 0000853-18.2023.8.17.8226

[6] Disponível em: https://oabpe.org.br/nota-de-repudio/

[7] PAD nº 0004707-69.2022.2.00.0000

[8] MAMEDE, Gladston. A Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, 6ª edição. São Paulo: Grupo GEN, 2014. E-book. ISBN 9788522492282. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522492282/. Acesso em: 08 ago. 2023.

Fonte: Conjur

Produção antecipada de prova e o devido processo legal

Em homenagem ao Dia do Advogado

Como já tive oportunidade de escrever nesta coluna, o Código de Processo Civil em vigor prestigiou o direito substancial à prova, facultando expressamente a produção antecipada em situação que não tem natureza cautelar e, portanto, sem urgência, destacando-se, entre as hipóteses possíveis, aquela cuja precípua finalidade é a de diagnosticar a viabilidade de uma possível e futura ação judicial (artigo 381, inciso III).

Enfatiza, a propósito, Flávio Yarshell que o diploma processual de 2015 trouxe significativa inovação ao desvincular a antecipação da prova do requisito do perigo, positivando o que se pode conceber como direito autônomo à prova (Breves comentários ao novo CPC — obra coletiva —, 3ª ed., São Paulo, Ed. RT, 2017, pág. 1.027).

Esse denominado direito autônomo à produção de provas viabiliza o acesso ao conhecimento de fatos por meio de processo legítimo e idôneo, sob a chancela do Poder Judiciário, caracterizado pela cooperação das partes e pelo exercício de contraditório nos limites da pretensão à exibição de documentos ou, até mesmo, à produção de outros meios de prova.

Examinando a regra do artigo 381 do Código de Processo Civil, Fredie Didier Júnior, sob interessante perspectiva, assinada que: “… também aqui há o reforço à ideia de que as provas também possuem as partes como destinatárias. Busca-se a produção antecipada da prova para que se possa obter um lastro probatório mínimo para o ajuizamento de uma demanda futura ou a certeza de que essa demanda seria inviável” (Curso de direito processual civil, vol. 2, 17ª ed., Salvador, JusPodivm, 2022, pág. 140).

Trata-se, portanto, de expediente processual apto a constituir prova para eventualmente, no futuro, ser incorporada em outro processo. A prova antecipada não se dirige propriamente a formar o convencimento do juiz, mas, sim, da parte requerente, como mecanismo eficaz para que seja bem aferida a viabilidade de potencial e sucessiva investida judicial.

Como procedimento de natureza não contenciosa, em que inexiste litígio propriamente dito, não se reserva nenhuma apreciação de mérito da prova recolhida, mas tão somente a observância da regularidade do seu procedimento de obtenção, sob o crivo do contraditório.

É bem verdade que, a teor do parágrafo 4º do artigo 382 do diploma processual, eventual debate entre as partes exsurge deveras exíguo. No entanto, dúvida não tenho de que se faz possível, nos limites da prova cuja produção é pretendida pelo autor, a instauração de contraditório, até mesmo para assegurar ao demandado a garantia de ser ouvido, sobretudo quando o tiver ele de justificar a inexistência ou o perecimento da prova ou mesmo que a exibição desta conspira contra o seu próprio direito.

Isso significa que, de modo absolutamente coerente, doutrina e jurisprudência são convergentes no sentido de que o direito autônomo à prova, de um lado, tende a prevenir o ajuizamento de demandas temerárias, e, de outro, encontra limitações em respeito ao direito subjetivo da parte, que tem a prerrogativa legal de não produzir prova contra si próprio!

É importante considerar, neste particular, que o direito à produção da prova não é absoluto, ou seja, jamais pode comprometer a situação jurídica do requerido, de quem sempre se espera cooperação e lealdade, mas não de submissão ao pleito do requerente.

Para meu conforto intelectual, secundando exatamente esta linha de raciocínio, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar em época recente o Recurso Especial nº 2.037.088/SP, com voto condutor do ministro Marco Aurélio Bellizze, admitiu o contraditório no bojo da produção antecipada de prova. Permito-me transcrever os seguintes excertos do respectivo acórdão:

“A controvérsia posta neste recurso especial, para além da discussão acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, centra-se em saber se, no procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do parágrafo 4º do artigo 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente — a despeito da ausência do requisito de urgência — e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de nenhuma defesa, bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão.

O entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, suficientemente fundamentado, não encerra, em si, nenhum vício de julgamento.

Não obstante, no mérito, não se pode deixar de reconhecer que o proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias, permissa venia, aparta-se, por completo, do chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive, como verdadeiro vetor interpretativo de todo o sistema processual civil…

Por evidente, é possível que as normas processuais estipulem o modo como o contraditório deva ser exercido, diferindo-o eventualmente; ou mesmo, em função das especificidades de determinado procedimento, possam restringir as matérias passíveis de serem nele arguidas. A restrição do direito de defesa, estabelecida em lei, encontra justificativa, portanto, nas particularidades e, principalmente, na finalidade do procedimento por ela regulado.

Não há, obviamente, nenhuma vulneração ao princípio do contraditório em tais disposições legais.

Todavia, eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de maneira alguma, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório, como se deu na hipótese dos autos.

A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão.

Por conseguinte, o parágrafo 4º do artigo 382 do Código de Processo Civil – ao estabelecer que, no procedimento de antecipação de provas, ‘não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário’ – não pode ser interpretado em sua acepção literal…

De tais considerações já se pode antever que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar ou sobre as consequências jurídicas daí advindas.

A vedação contida no dispositivo legal em comento (parágrafo 4º do artigo 382), por evidente, refere-se a essas matérias, absolutamente impertinentes ao objeto tratado na ação de produção antecipada de provas…

No caso dos autos, conforme demonstrado, o Juízo a quo, liminarmente e sem oitiva da parte adversa, determinou a citação da demandada para apresentar os documentos indicados na inicial no prazo de 30 (trinta) dias, advertindo-a sobre não ser possível a apresentação de nenhuma defesa, nos termos do parágrafo 4º do artigo 384 do Código de Processo Civil. Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo mesmo fundamento (qual seja, a dicção do referido dispositivo legal), não conheceu do agravo de instrumento.

Em se reconhecendo a afronta ao princípio do contraditório – do que se me afigura inescapável, conforme se demonstrou pontualmente –, tem-se que o provimento do presente recurso não poderia ensejar, simplesmente, o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que este conheça do agravo de instrumento…


Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, dou provimento ao recurso especial, para tonar sem efeito a decisão de primeira instância que determinou a citação da parte demandada para apresentar a documentação no prazo de 30 (trinta) dias, a fim de que lhe seja concedida a oportunidade de apresentar a defesa que reputar conveniente, pertinente com o objeto do procedimento em exame, nos termos da presente fundamentação, observando-se, a partir de então, o devido processo legal (destaques no original).

Concluo, salientando que esse importante precedente, pela sua invejável fundamentação, bem retrata a visão dogmática, no âmbito da ciência processual, que deve predominar nos dias de hoje, direcionada a conceber o processo como instrumento revestido das garantias constitucionais, dentre elas, as que asseguram a isonomia e a paridade de armas entre os litigantes!

Fonte: Conjur

Primeiro voto de Zanin no STF é a favor do juiz de garantias

O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, nesta quinta-feira (10), a favor da implantação do mecanismo do juiz de garantias pelo Judiciário de todo o país. O modelo prevê que o magistrado responsável pela sentença não é o mesmo que analisa as cautelares durante o processo criminal.

No primeiro voto proferido após a posse no STF, Zanin defendeu a implantação no prazo de um ano e afirmou que a efetivação do mecanismo vai mudar o rumo da Justiça brasileira para garantir julgamentos imparciais.

Antes de chegar ao tribunal, o ministro foi advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos processos da Operação Lava Jato e conseguiu provar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, anulando as acusações. 

“Estou convicto de que a existência do juiz de garantias poderá, efetivamente, mudar o rumo da Justiça brasileira, pois, ao garantir à população brasileira maior probabilidade de julgamentos imparciais e independentes, permite-se que o sistema penal seja potencialmente mais justo. A imparcialidade do juiz é o princípio supremo do processo penal”.

O ministro também destacou que o mecanismo vai ajudar no combate a injustiças raciais no sistema penal.

“Há cerca de 650 mil pessoas presas no país. O encarceramento atinge majoritariamente jovens de até 29 anos, negros, com baixo grau de escolaridade”, concluiu.

O placar de votação está em 2 votos a 1 pela implantação do juiz de garantias. O julgamento foi suspenso e volta na próxima quarta-feira.

Além de Zanin, Dias Toffoli também se manifestou a favor do mecanismo. Somente o relator do caso, Luiz Fux, votou pela implantação opcional pelos tribunais do país.

A adoção do juiz de garantias estava prevista para entrar em vigor no dia 23 de janeiro de 2020, conforme o Pacote Anticrime aprovado pelo Congresso Nacional. No entanto, foi suspensa por liminar de Fux. Agora, o Supremo julga o caso definitivamente.

Fonte:

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Câmara aprova projeto que torna qualificado o homicídio praticado contra juiz ou promotor de Justiça

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Discussão e votação de propostas. Dep. Rubens Pereira Júnior (PT - MA)

Rubens Pereira Júnior, relator do projeto

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) projeto de lei que torna qualificados os crimes de homicídio ou lesão corporal dolosa praticados contra membros do Ministério Público ou da magistratura em razão do exercício da função ou em decorrência dela. A proposta será enviada ao Senado.

O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), para o o Projeto de Lei 996/15, de autoria do ex-deputado Roman (PR). O substitutivo lista medidas para garantir a proteção pessoal dessas autoridades, como uso de colete balístico, carro blindado ou uso de escolta.

No Código Penal, o homicídio qualificado prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos, que poderá ser aplicada ainda quando o crime for cometido contra cônjuge, companheiro ou parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau, em razão dessa parentalidade com membros do Ministério Público ou da magistratura.

Já a lesão dolosa terá aumento de pena de 1/3 a 2/3 nas mesmas situações.

O texto também considera crime hediondo o homicídio qualificado, a lesão corporal gravíssima e a lesão seguida de morte contra essas pessoas.

Segundo o Código Penal, são consideradas lesões de natureza gravíssima aquelas das quais resultam incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente; ou aborto.

Condenados por crimes considerados hediondos não podem contar com anistia, graça e indulto ou fiança, devendo o apenado começar a cumprir pena inicialmente em regime fechado.

“O comportamento do infrator atinge diretamente o correto funcionamento do aparelho estatal de Justiça, afrontando os Poderes constituídos, por isso é essencial tornar qualificado esse homicídio”, afirmou Rubens Pereira Júnior.

Medidas
Ao considerar as atividades estatais desses profissionais como de risco permanente, o texto define medidas a serem usadas para garantir a segurança deles, além de apontar como diretriz a garantia da confidencialidade de suas informações cadastrais.

A proteção especial deverá ser solicitada à polícia judiciária por meio de requerimento instruído com a narrativa dos fatos e eventuais documentos pertinentes.

O processo sobre esse pedido tramitará com prioridade e em caráter sigiloso, devendo as primeiras providências serem adotadas de imediato.

Crime organizado
Na lei sobre procedimentos de processos relativos a crimes praticados por organizações criminosas, já existem alguns parâmetros para a proteção pessoal de membros do Ministério Público e da magistratura e de seus familiares.

O substitutivo de Pereira Júnior inclui na lei um trecho especificando medidas que podem ser adotadas para essa finalidade:

  • reforço de segurança orgânica;
  • escolta total ou parcial;
  • colete balístico;
  • veículo blindado; ou
  • trabalho remoto

Será possível ainda ocorrer a remoção provisória, a pedido do próprio membro do Poder Judiciário ou membro do Ministério Público, asseguradas a garantia de custeio com a mudança e transporte e de vaga em instituições públicas de ensino para seus filhos e dependentes.

No caso da escolta, sua concessão será submetida à apreciação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O reforço de segurança e o uso de colete balístico, quando pedidos e negados, poderão ser objeto de recurso ao superior hierárquico.

Proteção de dados
Na Lei Geral de Proteção de Dados, o texto aprovado prevê que, no tratamento de dados pessoais de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, sempre será levado em consideração o risco inerente ao desempenho de suas atribuições.

Qualquer vazamento ou acesso não autorizado desses dados que possa representar risco à integridade de seu titular será comunicado à Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que deverá adotar, em caráter de urgência, medidas cabíveis para reverter ou mitigar os efeitos do incidente.

A Lei Geral de Proteção de Dados estipula ainda multas diárias ou simples pelo descumprimento das suas regras. O PL 996/15 determina o cálculo em dobro dessas multas quando se tratar de dados pessoais das pessoas tratadas pelo texto.

Fonte: Câmara Notícias

Para Sexta Turma, habeas corpus contra regras do processo penal militar traz discussão de competência do STF

​A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, negou um pedido de habeas corpus para que a Auditoria Militar do Rio de Janeiro fosse compelida a oportunizar a apresentação de resposta à acusação e examinar a possibilidade de absolvição sumária em todos os processos sob sua jurisdição. Segundo o colegiado, o pedido implicava a discussão da constitucionalidade de lei em tese pelo STJ, o que configuraria usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) impetrou o habeas corpus coletivo por entender que a ausência de previsão específica dessas fases processuais no Código de Processo Penal Militar (CPPM) viola a Constituição Federal. A DPRJ sustentou a admissibilidade da impetração coletiva, sob o argumento de que a ação de habeas corpus não visa debater, no plano abstrato, a inconstitucionalidade ou a não recepção de preceitos do CPPM, mas apenas o controle de legalidade de atos do juízo militar.

Além disso, a DPRJ alegou ser presumido o prejuízo decorrente da falta de previsão legal da resposta à acusação no processo penal militar, pois isso afasta a possibilidade de absolvição sumária do acusado – o que, entre outros efeitos, tem reflexos negativos na sua carreira, prejudicando a hipótese de promoção enquanto não decidida a causa penal.

Análise abstrata de tema de caráter processual não cabe em habeas corpus coletivo

A ministra Laurita Vaz observou que, além de o habeas corpus não ser a via processual adequada para a discussão pretendida pela DPRJ, a instituição não é parte legítima para postular controle abstrato de constitucionalidade, nem o STJ tem competência para julgar essa matéria.

Relatora do pedido da DPRJ, ela destacou que a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que a ameaça de constrangimento ilegal ao direito de liberdade que enseja a utilização da via processual do habeas corpus deve se constituir objetivamente, de forma iminente e plausível, e não hipoteticamente, como no caso dos autos, em que se impugna ato normativo em tese.

Segundo a ministra, a análise abstrata de tema de caráter processual, sem impacto direto e imediato na liberdade de locomoção da coletividade tida como paciente na impetração, não autoriza a utilização de habeas corpus coletivo.

“No caso, não há nenhuma ofensa concreta, seja ela direta ou indireta, ao direito de locomoção. Eventual reconhecimento de ilegalidades em ações penais militares individuais, refletindo indiretamente sobre a liberdade de locomoção, exigirá a análise casuística da existência de prejuízo, sem o qual não se reconhece nenhuma nulidade, nos termos do artigo 499 do Código de Processo Penal Militar”, declarou.

Defensoria não tem legitimidade para ações de controle abstrato de constitucionalidade

Laurita Vaz também ressaltou que, apesar de sua relevância como órgão essencial à função jurisdicional, a Defensoria Pública não foi incluída no rol de legitimados para a propositura das ações de controle abstrato de constitucionalidade federal.

Do mesmo modo, a ministra explicou que não é possível que se utilize o habeas corpus para discutir constitucionalidade de lei em tese no STJ, o que configuraria usurpação da competência do STF.

“Aplica-se à presente impetração coletiva a compreensão já sedimentada no âmbito de outros instrumentos processuais de tutela de direitos coletivos lato sensu, como a ação civil pública, no sentido de que é inviável a ação de caráter coletivo em que o pedido de controle de constitucionalidade se confunde com o próprio objeto da ação, configurando-se uma verdadeira ação direta dissimulada de ação coletiva, como ocorreu no caso”, concluiu a ministra.

Fonte: STJ

Ministro Luis Roberto Barroso é eleito presidente do STF

O ministro Luis Roberto Barroso foi eleito, nesta quarta-feira (9), para o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A partir do final de setembro, Barroso vai comandar a Corte pelo período de dois anos. O STF informou que a posse será no dia 28 de setembro.

A eleição do ministro foi realizada de forma simbólica pelo plenário da Corte. Atualmente, Barroso ocupa o cargo de vice-presidente e seria o próximo integrante do STF a presidir o tribunal.

Barroso assumirá o cargo após a ministra Rosa Weber, atual presidente, deixar o cargo. Em setembro, a ministra completará 75 anos e atingirá a idade para aposentadoria compulsória. O próximo vice-presidente será Edson Fachin.

Ao ser saudado pela eleição, Barroso declarou que será honroso chefiar o Judiciário brasileiro. “Recebo com imensa humildade essa tarefa que me é confiada e consciente do peso dessa responsabilidade. Pretendo dignificar a cadeira”, afirmou.

A saída de Rosa Weber permitirá que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça a segunda indicação para a Corte no terceiro mandato dele. O primeiro indicado foi o ministro Cristiano Zanin.

Fonte: Agência Brasil – EBC

É nula a execução de cheque não apresentado previamente ao banco para pagamento

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que é nula a execução de cheque que não foi apresentado previamente ao banco sacado para pagamento, ante a ausência de exigibilidade do título, nos termos do artigo 803, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC).

De acordo com o colegiado, a falta de apresentação do cheque ao banco impede o seu vencimento e, como consequência, a constituição do devedor em mora.

No caso julgado, a parte ajuizou ação de execução de quatro cheques, no valor aproximado de R$ 160 mil. A executada opôs embargos à execução, afirmando estarem ausentes os requisitos para a plena validade dos títulos executivos. As instâncias ordinárias não acolheram os embargos.

Necessidade concreta da execução nasce da exigibilidade do título

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, observou que, conforme a jurisprudência, por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista, o momento natural de realização do cheque é a sua apresentação, quando a instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de fundos. Por essa razão, a apresentação é necessária, quer diretamente ao banco sacado, quer por intermédio do serviço de compensação.

A ministra destacou que a apresentação do cheque é o fato jurídico que garante a exigibilidade indispensável à higidez do título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 783 do CPC. De acordo com a relatora, a exigibilidade é o atributo que se relaciona com a necessidade concreta da jurisdição, ou seja, é da exigibilidade do título que nasce a necessidade concreta da execução.

“A exigibilidade é pré-requisito de qualquer ação cambiária com fulcro em cheque. E, como título de apresentação a ser pago por terceiro, configura-se a exigibilidade com a formal recusa motivada e sua devolução sem pagamento pelo sacado – o que, por sua vez, pressupõe tenha havido regular apresentação. Em síntese, a ação de execução que tem por objeto cheque pressupõe a sua prévia apresentação ao sacado, sob pena de faltar-lhe o requisito da exigibilidade, o que conduz à nulidade da execução”, afirmou.

Na emissão de múltiplos cheques, cada um representa título executivo autônomo

Nancy Andrighi também ressaltou que, na hipótese de emissão de múltiplos cheques, ainda que em virtude de uma mesma relação fundamental, cada um deles representa título executivo autônomo, ou seja, são negócios jurídicos unilaterais distintos, que não se vinculam entre si. Desse modo, segundo a relatora, o vencimento e a exigibilidade de cada cheque estão condicionados à sua apresentação ao sacado para pagamento, sob pena de nulidade, ao menos parcial, da execução.

“Ainda que se trate de cheque pós-datado, nada impede que o tomador o apresente ao sacado para pagamento antes da data convencionada, o que, na hipótese de eventual recusa, garantirá ao título a exigibilidade indispensável à execução. O que não se admite, portanto, é lastrear a ação executiva em cheques que não foram previamente apresentados ao sacado e que, portanto, não gozam da característica da exigibilidade”, declarou.

“Tendo em vista que a ação de execução se encontra lastreada em quatro cheques e que apenas um deles foi devidamente apresentado ao sacado para pagamento, impõe-se a declaração de nulidade da execução com relação aos demais”, concluiu Nancy Andrighi ao dar parcial provimento ao recurso.

Fonte: STJ

Aplicar leis de recuperação para fundações ajuda a evitar extinções

A ampliação da aplicação de leis de recuperação para entidades como fundações e associações, baseando-se nos princípios da preservação da empresa e função social, ajuda a evitar extinções desnecessárias.

Esse raciocínio, um dos destaques de uma das mesas do XI Fórum Jurídico de Lisboa, foi apresentado pelo promotor David Francisco de Faria, da 2ª Promotoria de Fundações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). Ele afirmou que a atuação de operadores de Direito em casos de recuperação de empresas deve ser diferente. “O mundo dos negócios é dinâmico, ágil. A celeridade na atuação de cada operador nesse modelo deve ser essencial. Nesse mundo de negócios o elemento tempo pode ser fator de desestímulos ao investimento.”

Faria lembrou que a jurisprudência tem ampliado a aplicação das leis de recuperação para outras entidades, como associações e fundações, com base em princípios como a preservação da empresa e sua função social. Ele ressaltou a atuação do Ministério Público na fiscalização e proteção dessas entidades, destacando a importância de verificar sua função social e evitar extinções desnecessárias.

“Recentemente, foi publicada uma decisão de uma Vara Cível de Três Corações (MG) estendendo a legitimidade dos benefícios da recuperação judicial para as fundações. A doutrina também tem utilizado essa possibilidade sob o argumento de que não há vedação legal, pois elas realizam atividades empresariais usando os meios econômicos necessários e realizam atividades sociais de muita relevância.”

Ele afirmou que, no campo legislativo, há uma “diminuta previsão” para a atuação das fundações. Ele cita os artigos 62 a 69 e 1.204 do Código de Processo Civil. “O que deixa ao critério dos procuradores a legislação normativa complementar. Então, cada procurador de Justiça edita uma resolução definindo como é a atribuição de atuar junto às fundações.”

A mesa “Recuperação de Empresas: a eficácia do modelo brasileiro” foi mediada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça e corregedor nacional de Justiça. Ele destacou que, desde 2016, o Brasil tem o maior número de empresas inadimplentes. Em 2023, o valor total das dívidas somam R$ 115 bilhões. No primeiro quadrimestre deste ano, houve um aumento de 34% dos pedidos de falência.

Conselheira Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e sócia do escritório Bumachar Advogados Associados, Juliana Bumachar destacou o aumento de pedidos de recuperação judicial, principalmente por pequenas e médias empresas, ressaltando as dificuldades enfrentadas por elas, como falta de documentação contábil, altas custas iniciais e desafios com administradores judiciais. Ela mencionou o Projeto de Lei Complementar 33/2020, que busca melhorar o tratamento de recuperação judicial para pequenas e médias empresas, incluindo renegociação extrajudicial e judicial mais ágil.

“A pequena ou média empresa, quando pede recuperação judicial, a primeira pessoa que ela demite é o contador, é quem ela deixa de pagar. Se ela não tem documentação contábil, não consegue entrar com pedido de recuperação judicial. A outra grande questão são as custas iniciais, que para um devedor entrar em recuperação, hoje, são acima de R$ 40 mil. Isso é caríssimo. Além disso, o próprio administrador judicial, apesar do percentual ser reduzido, também é muito caro. A gente não tem uma lei de falências eficaz para esse tipo de sociedade.”

Procurador do Distrito Federal e sócio do escritório Ilmar Galvão Advogados, Jorge Octávio Lavocat Galvão acordou a necessidade de certidão negativa de débitos para empresas em recuperação judicial, conforme previsto no artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial. Ele menciona um precedente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou a exigência incompatível com o propósito de superar a crise financeira das empresas. Ficou registrado que o artigo 57 não seria aplicado até a edição de uma lei específica que disciplinasse o parcelamento especificamente para as empresas em recuperação judicial.

“Após juntado plano aprovado pela assembleia, o devedor deverá apresentar as certidões negativas de débito. A questão inicialmente foi resolvida no STJ pela corte especial, em acórdão de relatoria do ministro Luiz Felipe Salomão, na REsp 1.187.704, em que se deixou registrado corretamente que haveria um antinomia entre os artigos 47 e 57 da Lei de Recuperação Judicial. O artigo 47 que prevê a tentativa de viabilizar a superação da crise econômica financeira. O artigo 57 exigia apresentação de certidão negativa, que obviamente se mostrava incompatível, já que normalmente essas empresas que entram em recuperação possuem uma dívida tributária muito alta.”

Do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), o juiz federal Marcus Livio Gomes, ao comentar a complexidade do sistema tributário brasileiro, enfatizou a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a preservação das empresas e a arrecadação de recursos pelo Estado. Ele ponderou a necessidade de intervenção legislativa para resolver questões específicas, como a constrição de bens e a tributação do ganho de capital resultante de reduções de dívidas tributárias. “Caberia, talvez, uma intervenção legislativa para que essa questão da constrição, que foi introduzida no artigo 6º, parágrafo 7º, da Lei de Falências, pudesse ter alguma solução legal. Talvez, ainda haja uma possibilidade de intervenção.”

Sócio-fundador do escritório Galdino & Coelho Advogados e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Flavio Galdino destacou a mediação como uma ferramenta eficaz para a resolução de conflitos. Ele abordou a eficácia do sistema brasileiro de insolvência, mencionando casos relevantes de reestruturação de empresas e setores. “Reparação judicial e falência são questões de interesse público. Rem o lado da economia que dá certo e tem um lado da economia que dá errado, onde os juízes vão resolver o problema. No Brasil, o sistema de insolvência é bastante protagonizado pelo pelo Poder Judiciário.”

Fonte: Conjur

Câmara aprova projeto que cria gratificação por acúmulo de função na Defensoria Pública da União

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas. Dep. Defensor Stélio DenerREPUBLICANOS - RR
Defensor Stélio Dener, relator da proposta

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (8) projeto de lei da Defensoria Pública da União que institui a gratificação por exercício cumulativo de ofícios no âmbito do órgão. A proposta será enviada ao Senado.

O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Defensor Stélio Dener (Republicanos-RR), para o Projeto de Lei 7836/14. Segundo o texto, essa gratificação será devida se a substituição ocorrer por período superior a três dias úteis, paga proporcionalmente ao número de dias, considerando-se um terço do subsídio do defensor designado para a substituição.

Outra hipótese de recebimento será quando houver atuação extraordinária para fins de ampliação da cobertura da Defensoria Pública da União.

A gratificação será devida ainda nas hipóteses de acumulação por vacância de ofícios ou substituições automáticas.

Entretanto, não poderá ser paga quando a substituição se der em uma causa específica, se decorrer de atuação conjunta de membros da DPU, quando de atuação em ofícios durante férias coletivas ou pela atuação em regime de plantão.

O texto de Dener define exercício cumulativo de ofícios como a situação em que o profissional assumir mais de um ofício, como nos casos de atuação simultânea em ofícios distintos ou de atuação em justiças especializadas distintas, inclusive perante juizados especiais federais.

Por outro lado, se houver acumulação de ofícios e for exigido deslocamento para localidades diferentes de onde exerce suas atribuições, o defensor fará jus a diárias fixadas à razão de 1/30 do respectivo subsídio.Para o relator, o projeto aprovado “não é para a Defensoria Pública ou para os defensores, e sim para a população mais pobre do País, que precisa do defensor nas várias cidades onde não há DPU”.

Regulamentação

Os efeitos financeiros da futura lei valerão a partir de regulamento editado pelo Conselho Superior da Defensoria Pública da União, que terá 60 dias para regulamentar, contados da publicação.

Fonte: Câmara Notícias