Corte remeteu processo que discute indenização de motorista descredenciado pela Uber para a Justiça comum
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (3/12), de forma unânime, remeter um processo que discute indenização de motorista descredenciado pela Uber para a Justiça comum.
Na ação, o motorista alega que a Uber não teria apresentado justificativa válida para o seu descredenciamento, ao passo que a plataforma alegou que o descredenciamento ocorreu porque o motorista era reincidente no cancelamento de viagens e provocava clientes a desistirem da chamada de viagem, o que lhe garantia o recebimento de uma taxa de cancelamento.
O motorista recorreu ao STJ depois de o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) afirmar que a competência para o julgamento do caso seria da Justiça do Trabalho, tendo em vista a possível relação de trabalho entre as partes. No recurso, o motorista alega que a relação entre as partes é de contrato civil, não um vínculo de trabalho.
O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, deu provimento ao recurso do motorista e foi acompanhado pelos demais ministros. De acordo com Villas Cuêva, a relação entre o motorista e a plataforma digital é de natureza civil. “Os elementos demonstrativos da relação de emprego não estão configurados nessa modalidade de contratação, pois os requisitos de eventualidade e subordinação estão ausentes”.
Ele ainda acrescentou que a plataforma digital atua como intermediária do contrato digital entre o motorista e o consumidor, caracterizando uma relação de autoatendimento. “A natureza jurídica da reivindicação está diretamente relacionada à demanda e à causa da demanda, que, no entanto, são eminentemente civis e conduzem à competência da justiça comum”, disse.
Há algum tempo tem-se observado um movimento de criação de formas arbitrais mais informais e menos onerosas
Passados quase 30 anos da normatização da Arbitragem no Brasil (Lei 9.307/96), o método alternativo para resolução de conflitos (ADRs) tem passado por uma nova fase cheia de desafios, inclusive no âmbito judicial, decorrentes da onda de massificação do procedimento utilizado em grande escala para litígios envolvendo as mais variadas espécies de relações comerciais e segmentos de mercado.
A arbitragem, como sabido, é, originalmente, um meio extrajudicial para solução de conflitos que preza pela (e igualmente) se beneficia da celeridade, sigilosidade, autonomia das partes e acurada técnica empregada com a participação de árbitro(s), imparcial(is), que após o devido procedimento, proferirá(ão) sentença arbitral, que possui a mesma força executiva daquela proferida pelos juízes estatais. É, contudo, um procedimento, em geral, de significativo custo, o que acaba por torná-la mais seletiva.
A partir de tais características, e impulsionado pelas novas diretrizes do Código de Processo Civil de 2015, ao determinar que, entre outros, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por todos aqueles que compõe a cadeia de litígios no país, há algum tempo tem-se observado um movimento de criação de formas arbitrais mais informais e menos onerosas como forma de torná-la mais acessível àqueles que não conseguiriam, como regra, se valer dos procedimentos ofertados pelas tradicionais câmaras arbitrais, nem mesmo na modalidade de “arbitragem expedita”, que, por sua vez, é uma arbitragem mais simplificada e com menores custos envolvidos.
Com a criação e expansão de canais arbitrais virtuais para a solução de conflitos, que possuem regulamentos e dinâmicas mais simples, limitações aos desdobramentos admitidos, concentração de matéria tratada, árbitro único, observa-se um crescimento e surgimento de verdadeira indústria de câmaras arbitrais digitais capazes de absorver um alto número de procedimentos, mediante utilização de fluxos automatizados. Porém, no mais das vezes, sem a observação de normas internas ou externas de regulamentação ou da devida governança/compliance.
Vislumbra-se, portanto, a entrega de resultados céleres e menos custosos se comparado aos desdobramentos inerentes do processo judicial – o que, muitas vezes, é priorizado pelas empresas –, contudo, com um risco agregado que não pode ser descartado: a judicialização e potencial anulação das sentenças arbitrais por vícios procedimentais.
Na medida em que se populariza nas relações contratuais formalizadas por grandes empresas, a inserção da cláusula arbitral em seus contratos, em especial de consumo com os clientes finais, percebe-se que, muitas vezes, não são observadas regras como a necessidade legal desta cláusula estar destacada e ser assinada separadamente – o que, por si só, já é considerado vício procedimental passível de anulação e acesso direto ao Judiciário.
Com isso, embora tenha se notado uma crescente de utilização dessas câmaras com a tentativa de redução de custos e suposta agilização no encerramento de demandas, temos que essa prática acende um alerta no meio jurídico e nas empresas que estão se valendo de tais procedimentos, pois, apesar dos aparentes benefícios trazidos por essa “nova modalidade”, tem-se percebido brechas para anulações das sentenças arbitrais, o que pode gerar prejuízos temporais e financeiros às partes envolvidas pela indevida observação do procedimento arbitral, ou seja, sacrificando integralmente a celeridade desejada e colocando em cheque a suposta economia que se pensava obter.
Atualmente, a prolação de decisões afastando a aplicação da arbitragem em relações de consumo ou a ela comparadas já estão se tornando – a exemplo de relações locatícias com atuação das plataformas digitais – comuns no Poder Judiciário.
Os entendimentos trazem à tona a necessidade de adequação das empresas às peculiaridades trazidas pelo procedimento de arbitragem, caso desejem a utilizar como forma de resolução de conflitos. As referidas decisões reforçam a necessidade de celebração de contratos cristalinos e de fácil entendimento do consumidor, com destaque à cláusula arbitral, que deve ser clara e compreensível para todas as partes envolvidas, fazendo prevalecer o direito e facilitação da informação ao consumidor.
É interessante pensar, inclusive, na possibilidade de confecção de termo aditivo específico sobre a escolha arbitral, na medida que, inequivocamente, ter-se-á o destaque necessário à cláusula, conforme determina a lei, sendo, ainda, um documento apartado no qual é possível destrinchar e tornar o mais cristalina possível a arbitragem e o seu significado, cumprindo-se, portanto, os deveres legais de clareza e direito de informação das partes, em especial quando se trata de relações de consumo.
Sob a perspectiva jurídico-econômica, entendemos que os efeitos e aplicação da matéria devem ser analisados de acordo com a realidade de cada empresa e, ainda assim, caso a caso.
2025 pode (e deve) ser transformador para o tribunal, com a regulamentação da exigência constitucional da relevância para o recurso especial
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou, passa e ainda passará por transformações em relação ao iter processual do seu recurso especial. O passeio verbal é proposital.
Passou, em relação aos recursos especiais repetitivos, criado em 2008 e com a sua sistematização no Código de Processo Civil (CPC) de 2015. Passa, com a expansão das classes que serão julgadas no plenário virtual, aprovada pela Emenda Regimental 45 de 2024, ainda não implementada. E ainda passará, com a regulamentação legal da exigência constitucional da relevância para o recurso especial, aprovada em 2022 por emenda à Constituição.
Mas antes da implementação do novo plenário virtual e da exigência da relevância, é preciso entender o iter processual atual do recurso especial no STJ: sistematizo a análise em cinco fases.
A primeira fase é a de conhecimento, é a que notoriamente diferencia os recursos de natureza ordinária dos recursos de natureza extraordinária.
É a fase da incidência das conhecidas súmulas obstativas de conhecimento de recurso, podem sem citadas as conhecidas Súmulas 5 e 7 do STJ (de impossibilidade de reexame da matéria fática e contratual), as Súmulas 283 e 284 do STF (de impugnação insuficiente e de deficiência de fundamentação recursal), e as Súmulas 182 e 211 do STJ (de dialeticidade recursal e de exigência de prévia manifestação do tribunal de origem).
Esta fase pode ser analisada tanto pela presidência do STJ, por força da previsão do art. 21-E, inciso V, do RISTJ, o que implica na decisão de não conhecimento do recurso antes da própria distribuição, ou mesmo pelo próprio relator após a distribuição do processo.
Como é possível imaginar, a fase de não conhecimento é a de maior incidência no tribunal, como ilustrado na estatística da classe agravo em recurso especial, que é a classe mais distribuída anualmente no tribunal (representou 58,70% do total do acervo para 2023), sendo que o percentual de não conhecimento da classe para o mesmo ano, segundo o boletim estatístico do tribunal, foi de 59,6%.
Há inúmeros motivos para esse alto percentual de não conhecimento, mas entendo que o principal é a falta de conhecimento prático e especializado dos advogados de origem que pensam no recurso especial apenas quando o tribunal já negou provimento ao seu principal recurso.
A oposição de embargos de declaração contra o acórdão do tribunal de origem, por si só, não viabiliza processualmente o recurso especial.
Esse é um dos vários mitos que ainda pairam sobre a atuação perante o STJ e que alimentam de maneira infundada a ideia da jurisprudência defensiva, como se a exigência de prequestionamento não estivesse prevista constitucionalmente: causa decidida.
Se a questão jurídica tem potencial para ser direcionada para o STJ, isso deve ser projetado desde logo na ação e principalmente no início da fase recursal ordinária, momento em que se deve (i) pensar na objetivação do recurso especial, com a indicação clara e suficiente do dispositivo legal pretensamente violado, bem como na (ii) a demonstração da relevância da questão federal para a unidade do direito.
Assim, caso proferida a decisão de não conhecimento pela presidência, o eventual agravo interposto será distribuído a um relator competente, que pode incluir o recuso no plenário virtual (art. 184-A do RISTJ), juntos com os demais agravos internos ou regimentais interpostos contra as suas decisões monocráticas.
A segunda fase é a de incidência dos precedentes de observância obrigatória, prevista no art. 927, que foi sistematizada pelo CPC de 2015 com um rol de julgados vinculantes para juízes e tribunais.
É nesta fase que a garantia do livre convencimento motivado do julgador foi mitigada pelo legislador, conforme a exposição de motivos do código:
Se todos têm que agir em conformidade com a lei, ter-se-ia, ipso facto, respeitada a isonomia. Essa relação de causalidade, todavia, fica comprometida como decorrência do desvirtuamento da liberdade que tem o juiz de decidir com base em seu entendimento sobre o sentido real da norma.
Esse entendido desvirtuamento da liberdade foi objeto de preocupação por parte do legislador quando inaugurou o Livro III dos CPC para dizer que: “os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la integra, estável e coerente” (art. 926).
É a integralidade, a coerência e a estabilidade que o nosso sistema jurídico exige para que a lei federal seja federal também na sua aplicação pelos juízes e tribunais espalhados por todas as unidades da federação.
Desse modo, caso conhecido o recurso especial, o relator deve verificar se já há uma reposta vinculante do Poder Judiciário prevista no art. 927 do CPC:
decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
enunciados de súmula vinculante;
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; e
a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Assim, ultrapassada fase de conhecimento do recurso, o julgador pode aplicar monocraticamente (art. 932 do CPC) a resposta vinculante, de acordo com o disposto no art. 10 e 489 do CPC (§ 1º do art. 927), sendo que a decisão pode ser objeto de agravo, que igualmente pode ser incluído no julgamento virtual.
A terceira fase é a de incidência do “entendimento dominante”, conforme o enunciado da Súmula 568 do STJ, assim redigido: “o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.
É a fase que resgatou o poder do relator previsto no art. 557 do CPC de 1973, que autorizava o relator a decidir de forma monocrática quando o recurso estivesse “em confronto com a jurisprudência dominante do Tribunal”.
Mas o que caracteriza “entendimento dominante”, de modo a autorizar o julgamento monocrático pelo relator ?
De fato, é um conceito ainda em aberto tanto na doutrina quanto no tribunal, é algo que acontece de modo prático na realidade do tribunal, até com poucas citações no dispositivo da decisão monocrática do relator.
Aqui a justificativa para o ainda do parágrafo anterior é que: embora a ideia de entendimento dominante não tenha sido recepcionada pelo art. 932 do CPC de 2015, o legislador resolveu “promovê-la” em 2022 ao patamar constitucional quando a considerou como hipótese de relevância presumida: “quando o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça” (EC 125 de 2022).
Assim, ainda de que de conceito aberto, observo que a ideia de entendimento dominante é utilizada na prática do tribunal quando o órgão julgador a que está vinculado o relator já decidiu aquele mérito (não vinculante), de modo a afastar a exigência de nova pauta para o órgão colegiado decidir a mesma questão.
De igual modo, a decisão monocrática do relator que aplica o entendimento dominante pode ser objeto de agravo e ser incluído no ambiente virtual para julgamento.
A quarta fase é a de julgamento originalmente colegiado, momento em que o relator inclui o recurso especial em pauta presencial (não pode ser virtual) para análise e votação pelo órgão julgador com a possibilidade de sustentação oral pelos advogados.
É a fase que representa menos de 1% dos processos que são julgados pelo tribunal, isto é, mais de 99% dos processos decididos no STJ são de forma monocrática, nas três fases passadas, com a possível confirmação da decisão no plenário virtual.
A quinta fase é a da majoração dos honorários recursais, caso o recurso não seja conhecido ou provido na sua totalidade, conforme decidido pelo STJ no Tema 1.059, diante da leitura do § 11 do art. 85 do CPC.
É uma novidade do CPC de 2015 a majoração dos honorários na fase recursal, pois antes a despesa acabava invariavelmente na sentença e não havia desestímulo legal para não recorrer.
Essas são, portanto, as cinco fases de análise do recurso especial no STJ hoje, com o consequente uso do plenário virtual, antes da implementação da Emenda Regimental 45 de 2024 (que vai permitir a inclusão da fase quatro no plenário virtual), e da regulamentação da Emenda Constitucional 125 de 2002, que vai exigir a relevância para o apelo especial (uma nova fase ?)
O ano de 2025 pode (e deve) ser transformador para o STJ.
MP 1.271/24 também reduz a zero a alíquota incidente sobre medicamentos importados por pessoa física
O governo federal criou uma nova obrigação acessória para as plataformas de comércio eletrônico que fazem remessas internacionais. Agora, as empresas deverão prestar informações à Receita Federal do Brasil, através do registro da declaração de importação, sobre essas mercadorias antes da chegada delas ao Brasil.
As alterações constam na Medida Provisória 1.271/2024, publicada no Diário Oficial da União da última sexta-feira (25/10). Serão atingidas as empresas de comércio eletrônico que adotam o regime de tributação simplificada.
A MP prevê a obrigação de repasse aos cofres públicos, direta ou indiretamente, dos tributos devidos pelo consumidor nessas operações. De acordo com o texto, os valores serão repassados “para o responsável pelo registro da declaração de importação de remessa no sistema informatizado da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil destinado ao controle das remessas internacionais”.
Atualmente, as plataformas que já aderiram ao programa de conformidade da Receita Federal fazem a retenção, e o valor é repassado ao transportador. O Programa Remessa Conforme foi estabelecido na Portaria Coana 130/2023.
“A MP introduz ajustes para facilitar e agilizar as importações por empresas de comércio eletrônico no âmbito do Regime de Tributação Simplificada, passando a exigir informações antecipadas para o registro da declaração de importação e o repasse dos tributos para a empresa responsável pela sua formalização no Siscomex”, entende o advogado Eduardo Kiralyhegy, do escritório NMK Advogados.
Para a advogada Thais Veiga Shingai, sócia do Mannrich e Vasconcelos Advogados, a MP reforça a estratégia do governo de tributar as importações de baixo valor feitas por meio de plataformas de comércio eletrônico. “Para tanto, cria um regime de cobrança antecipada de tributos no momento da venda, exigindo que as plataformas recolham o imposto antes mesmo do produto entrar no país. Mitiga as oportunidades de subfaturamento e facilita a fiscalização, numa tentativa de frear a evasão fiscal e melhorar a competitividade com empresas nacionais”, diz a tributarista.
Outro aspecto da MP apontado pela advogada é a criação de um ônus para as plataformas, que agora vão precisar adaptar seus sistemas para fazer essas antecipações.
O texto dispõe que a regulamentação poderá ser feita por ato da Secretaria da Receita Federal, que pode, inclusive, estabelecer um prazo de adaptação para as empresas não admitidas em programas de conformidade na data de publicação da MP.
De acordo com Shingai, a tributação das importações de pequeno valor “não necessariamente terá o impacto desejado sobre a indústria e o comércio locais, pois há vários outros fatores, além dos tributos, que tornam muitos fabricantes estrangeiros mais competitivos”. Ela cita como exemplo “leis trabalhistas mais brandas e, portanto, menos onerosas”.
“Por isso é importante monitorar os efeitos dessa nova legislação envolvendo as compras internacionais de pequeno valor, para avaliar, daqui algum tempo, seu custo-benefício. Existe sempre um tradeoff [uma escolha] entre a criação de novas medidas de controle e os benefícios por elas gerados. Essa balança precisa ser equilibrada com muito cuidado para que a fiscalização não seja mais onerosa do que os benefícios”, pondera a advogada.
Medicamentos
O texto também reduz a zero a alíquota do Imposto de Importação incidente sobre medicamentos importados por pessoa física, para uso próprio ou individual, no regime de tributação simplificada. O limite estabelecido abarca medicamentos que não ultrapassem o valor de US$ 10 mil ou o equivalente a esse valor em outra moeda estrangeira, “desde que cumpridos todos os requisitos estabelecidos pelos órgãos de controle administrativo”. A redução de alíquota é válida até 31 de março de 2025.
O advogado João Vitor Kanufre Xavier, sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, aponta como positiva a criação desta nova hipótese, “pois facilita a aquisição de medicamentos de difícil acesso, pela população, no mercado nacional”. “A nova MP, do ponto de vista técnico, está em linha com o objetivo extrafiscal do Imposto de Importação”, afirma.
O Brasil sedia neste mês a 19ª reunião de cúpula do G20, o grupo das 20 maiores economias do planeta. Entre as três prioridades principais na agenda para o diálogo estão, em primeiro lugar, a inclusão social e o combate à fome.
Não há preocupação maior, em nível global, tanto que está inserida no contexto dos marcos globais de biodiversidade e clima. Assim como não há como falar de combate à fome sem falar de tecnologia, pois somente ela ajudará a produzir mais alimentos, sem expandir terras, usar mais recursos naturais e a custos menores.
Até a década de 1970 o Brasil importava alimentos básicos como arroz e feijão, alimentos que chegavam ao prato com preços mais elevados, em dólar e com o custo do frete internacional. Com o desenvolvimento do agronegócio, o Brasil saiu do patamar de país importador de alimentos básicos, alçando-se ao patamar de um dos maiores países produtores e exportadores de produtos agropecuários no mundo.
Nesse sentido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.553, proposta pelo PSOL, em 2016, resultará no aumento do custo de defensivos agrícolas, uma das principais tecnologias que contribuem para a produtividade do agronegócio e a consequente oferta e preço dos alimentos.
Ela questiona a constitucionalidade de cláusulas do Convênio ICMS 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), e de dispositivos estabelecidos no Decreto 7.660/2011, referentes a Tabela de Incidência de Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), que concedem benefícios fiscais a defensivos agrícolas. Uma audiência pública será realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (5/11).
O Convênio 100/97 permite que os estados brasileiros concedam redução da base de cálculo e isenções de ICMS em operações internas. Esses benefícios têm papel crucial na redução dos custos de produção, permitindo que os agricultores mantenham a competitividade em um mercado onde os preços dos insumos variam significativamente. Caso o STF julgue procedente a ADI que questiona esses benefícios, a carga tributária sobre os defensivos aumentaria substancialmente.
Segundo cálculos da indústria, estima-se um aumento de, em média, 25% nos preços dos defensivos agrícolas, impacto que se refletiria diretamente nos custos de produção das culturas. Essa elevação levaria a um repasse integral nos preços finais dos alimentos, gerando aumento de inflação e afetando a renda das famílias, especialmente as de baixa renda. Para diversos produtos, o impacto nos preços poderia ser superior à inflação registrada em todo o ano de 2023.
A defesa vegetal impacta diretamente nos custos de produção de produtos fundamentais na cesta de consumo das famílias brasileiras, como arroz, feijão, cebola e tomate. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP, o preço dos alimentos hoje representa apenas 40% no valor praticado na década de 1970, quando a agricultura brasileira passou a se tornar tecnológica.
Além dos efeitos diretos sobre os preços dos alimentos, a não renovação do convênio pode desestimular investimentos no setor. A redução da rentabilidade dos produtores pode comprometer a capacidade de investimento em novas tecnologias, essenciais para aumentar a produtividade e a competitividade do agronegócio brasileiro. A possível retração pode levar até mesmo ao fechamento de propriedades rurais.
Os defensivos agrícolas são fundamentais para a proteção das lavouras contra pragas e doenças. Um estudo da Embrapa mostra que a ausência de controle pode resultar em perdas de até 30% da produção agrícola, afetando a segurança alimentar e a renda dos produtores. De acordo com o Cepea/Esalq-USP, sem a utilização de fungicidas para o controle da ferrugem da soja, as perdas resultariam em R$ 11,7 bilhões.
Outro ponto a ser considerado é o impacto nas exportações. O Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. Em 2023, as exportações de soja, milho, algodão e café somaram cerca de US$ 77,3 bilhões, representando 23% das exportações totais do país. O aumento do preço dos defensivos agrícolas pode levar produtores a reduzirem a área plantada, comprometendo a oferta desses produtos no mercado, com redução das exportações em mais de R$ 8 bilhões.
Apenas três países no globo, que não tem relevância na produção agrícola mundial, não oferecem algum tipo de incentivo para insumos.
O impacto econômico da não renovação do Convênio 100/97 também se estende a outros setores interligados à agricultura. Indústrias como a alimentícia e de bebidas, também podem enfrentar custos mais altos, que serão repassados aos consumidores finais. Isso pode resultar em inflação generalizada, com efeitos adversos na economia. Além disso, o aumento nos preços dos alimentos pode levar a uma retração no consumo, afetando crescimento econômico e geração de empregos.
É importante ressaltar que o uso de defensivos agrícolas, embora necessário, deve ser feito de maneira racional e sustentável. A busca por alternativas mais ecológicas e menos prejudiciais ao meio ambiente é uma tendência crescente no setor agrícola.
No entanto, essa transição requer tempo e investimentos em pesquisa e desenvolvimento, além de uma infraestrutura adequada para a adoção dessas novas tecnologias. A eliminação dos benefícios fiscais em um momento crítico pode inviabilizar essa transição, uma vez que muitos produtores não terão recursos para investir em alternativas mais sustentáveis.
Diante desse cenário, a manutenção do Confaz 100/97 é fundamental para garantir a competitividade do agronegócio brasileiro, a segurança alimentar global e a estabilidade econômica. Uma discussão como essa deve ser pautada em dados e evidências, considerando não apenas aspectos tributários, mas também impactos sociais e econômicos.
Por meio do Tema 69, conhecido como ‘tese do século’, Supremo excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins
Sessão plenária do STF. | Crédito: Rosinei Coutinho/STF
Por unanimidade, os ministros do SupremoTribunal Federal (STF) votaram para definir, com repercussão geral, que cabe o ajuizamento de ação rescisória contra decisão transitada em julgado em desacordo com a modulação de efeitos do Tema 69. O STF fixou a seguinte tese: “Cabe ação rescisória para adequação de julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 (Tema 69/RG)”.
Com os ministros favoráveis ao entendimento, a decisão do Supremo prevalece sobre a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já fixou tema repetitivo sobre o assunto. Porém, não há mudança prática, já que as posições não são conflitantes.
Na prática, a decisão permite que a Fazenda proponha ações visando a anulação de decisões favoráveis aos contribuintes relacionadas à exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins. É o caso, por exemplo, de decisões judiciais que permitiram a restituição de valores, porém foram proferidas em desacordo com a modulação do STF na “tese do século”.
Por meio do Tema 69, conhecido como “tese do século”, o Supremo excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O STF ainda determinou que a decisão, favorável aos contribuintes, produza efeitos somente a partir da data de julgamento de mérito, de 15 de março de 2017, ressalvando-se as ações judiciais e os pedidos administrativos protocolados até a mesma data.
No dia 13 de setembro, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou os (REsps) 2054759/RS e 2066696/RS (Tema 1245), com a mesma discussão. O colegiado entendeu pelo cabimento da ação rescisória e fixou a tese de que “é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado de antes de 13 de maio de 2021 à modulação do Tema 69 do STF”.
No voto favorável à repercussão geral e ao cabimento da ação rescisória, o relator no STF, ministro Luís Roberto Barroso, observou que as duas turmas do Supremo já admitiram a possibilidade da ação rescisória contra julgados que não observaram a modulação de efeitos do Tema 69. O magistrado afirmou ainda que o debate diz respeito “à autoridade da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo” e que esta é uma questão constitucional relevante.
O caso foi definido no RE 1489562 (Tema 1338) e envolve a empresa R. Milet Comércio de Calçados Ltda.
Espaço físico tem maior dissenso, refletindo a complexidade e o caráter sensível das matérias ali discutidas
Plenário do Supremo Tribunal Federal / Crédito: Reprodução/STF
Após analisarmos as dinâmicas decisórias no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) no primeiro artigo desta série, este segundo estudo concentra-se no plenário presencial, explorando como as interações diretas entre os ministros, as pressões externas e o contexto institucional influenciam o processo decisório.
Diferentemente do ambiente virtual, que é caracterizado pela predominância de decisões unânimes, o plenário presencial apresenta um contexto de maior dissenso e debate público.
A análise empírica deste artigo foca nas decisões proferidas no plenário presencial em 2023, com atenção especial à formação de maiorias, dissidências e interações entre os ministros. Conforme sugerido por Epstein e Knight (1998), o ambiente institucional impacta diretamente as estratégias dos juízes, ajustando suas posições de acordo com o cenário de deliberação.
Adicionalmente, com base em teóricos como Murphy (1964) e Maltzman, Spriggs e Wahlbeck (2000), discutimos como fatores externos, incluindo as expectativas sociais e pressões de outros atores políticos, influenciam ainda mais as decisões nos julgamentos presenciais.
O artigo também examina duas inovações recentes: os julgamentos bifásicos, estruturados em duas etapas — uma para sustentações orais e outra para deliberação interna —, e os votos em conjunto, que buscam aproximar o STF de um modelo mais per curiam, promovendo coesão e clareza nas decisões. Ao investigar essas práticas emergentes, analisamos como influenciam a formação de consensos e o conteúdo final das decisões, destacando o papel do desenho institucional na definição da jurisprudência constitucional brasileira.
Assim, este artigo busca contribuir para o entendimento das distinções entre os ambientes de julgamento do STF, enfatizando como o plenário presencial se diferencia em termos de processo e resultados. Ao final da série, o terceiro e último artigo apresentará uma análise comparativa entre os dois ambientes de julgamento oferecendo uma perspectiva mais ampla sobre a influência do desenho institucional nos resultados decisórios da Corte.
Metodologia
Coleta de dados
Foram analisadas 96 decisões do plenário presencial do STF. Cada decisão foi classificada com base nas palavras-chave “unanimidade” e “maioria”, bem como expressões que indicam o resultado da decisão, tais como “provimento”, “desprovimento”, “procedente”, “improcedente”, “acolheu parcialmente” e “negou”. O objetivo da análise foi agrupar as decisões em categorias claras e identificar se o resultado foi favorável ou desfavorável aos litigantes.
Definição dos grupos
As decisões foram organizadas em três grupos principais, definidos com base nas palavras-chave mencionadas:
Decisões exclusivamente por unanimidade: Decisões que mencionam “unanimidade” e não fazem referência a “maioria”. Estas decisões refletem um consenso completo entre os ministros em relação às questões preliminares e ao mérito.
Quantidade: 31 decisões (32,29% do total).
Decisões exclusivamente por maioria: Decisões que mencionam “maioria” e não mencionam “unanimidade”. Estas decisões indicam dissenso entre os ministros, tanto nas questões preliminares quanto no julgamento do mérito.
Quantidade: 46 decisões (47,92% do total).
Decisões com dicotomia (unanimidade em preliminares e maioria no mérito): Decisões que mencionam tanto “unanimidade” quanto “maioria”, sugerindo consenso em questões processuais e dissenso no julgamento de mérito.
Quantidade: 19 decisões (19,79% do total).
Classificação dos resultados
As decisões foram classificadas como favoráveis ou desfavoráveis com base nas expressões encontradas. Aqui foi considerado que decisões favoráveis incluem aquelas que foram procedentes ou parcialmente procedentes, enquanto as desfavoráveis incluem apenas as improcedentes:
Resultados favoráveis: Decisões que continham as palavras “provimento”, “procedente” ou “acolheu parcialmente”, indicando que o pedido foi aceito total ou parcialmente.
Resultados desfavoráveis: Decisões que continham as expressões “desprovimento”, “improcedente” ou “negou”, indicando que o pedido foi rejeitado.
Desenvolvimento
Distribuição geral
A análise revelou que as decisões do plenário presencial foram divididas em três grupos principais, conforme descrito na metodologia:
31 decisões exclusivamente por unanimidade (32,29% do total).
46 decisões exclusivamente por maioria (47,92% do total).
19 decisões com dicotomia entre unanimidade nas preliminares e maioria no mérito (19,79% do total).
Essa distribuição indica que quase metade das decisões (47,92%) foi tomada por maioria, sugerindo que o plenário presencial é um espaço de maior debate e dissenso. Contudo, ainda há um percentual significativo de decisões unânimes (32,29%), o que reflete a coesão dos ministros em determinados casos.
Resultados favoráveis e desfavoráveis por grupo
A análise de resultados favoráveis e desfavoráveis em cada grupo foi realizada com base nos critérios definidos. A seguir, apresentamos os resultados ajustados:
Decisões exclusivamente por unanimidade:
Favoráveis: 22 decisões (70,97% do grupo).
Desfavoráveis: 9 decisões (29,03% do grupo).
Decisões exclusivamente por maioria:
Favoráveis: 35 decisões (76,09% do grupo).
Desfavoráveis: 11 decisões (23,91% do grupo).
Decisões com dicotomia (unanimidade em preliminares, maioria no mérito):
Favoráveis: 13 decisões (68,42% do grupo).
Desfavoráveis: 6 decisões (31,58% do grupo).
Os números revisados mostram uma tendência para resultados favoráveis aos litigantes, independentemente do tipo de decisão (unânime, por maioria ou dicotômica). A categorização ajustada também demonstra que, em todos os grupos, a maior parte das decisões foi favorável.
Resultados no universo total
No universo total de 96 decisões:
Decisões favoráveis (procedentes ou parcialmente procedentes): 70 decisões (72,92% do total).
Decisões desfavoráveis (improcedentes): 26 decisões (27,08% do total).
Esses dados ajustados indicam que, no plenário presencial, o STF tem uma tendência a conceder provimento aos pedidos, com quase 73% das decisões sendo favoráveis aos litigantes.
Padrões decisórios
Prevalência de decisões por maioria (47,92%)
Quase metade das decisões foi tomada por maioria, o que sugere que o plenário presencial é frequentemente utilizado para julgamentos mais complexos e controversos, onde há maior discordância entre os ministros. Essa prevalência de dissenso reforça a ideia de que o plenário presencial serve como um espaço de maior debate sobre questões jurídicas e constitucionais mais complexas.
Decisões unânimes em casos menos controversos (32,29%)
As decisões unânimes representam 32,29% do total e tendem a ocorrer em casos em que há maior coesão entre os ministros, geralmente em questões menos controversas ou em aspectos processuais com jurisprudência já consolidada. A unanimidade reflete um consenso claro entre os ministros em situações que exigem menos debate.
Alta frequência de decisões favoráveis (72,92%)
A maioria das decisões foi favorável aos litigantes. Esse padrão sugere que o STF, no plenário presencial, tende a adotar uma postura protetiva em relação a direitos fundamentais e questões de alta relevância constitucional, inclinando-se a conceder provimento, seja parcial ou total, às demandas.
Padrão de dicotomia em questões preliminares e de mérito (19,79%)
A dicotomia entre decisões unânimes nas preliminares e por maioria no mérito foi observada em 19,79% dos casos. Isso indica que, mesmo quando há consenso sobre a forma e os aspectos processuais, os ministros podem divergir significativamente ao julgar o mérito das questões constitucionais. Esse padrão reflete a complexidade das matérias de mérito que chegam ao plenário.
Decisões favoráveis em casos de maioria (76,09%)
Mesmo nas decisões por maioria, a maior parte das decisões foi favorável aos litigantes. Isso indica que, apesar das divergências entre os ministros, a interpretação dominante ainda tende a ser protetiva em relação aos direitos dos demandantes.
Implicações
Os padrões observados trazem diversas implicações relevantes:
Natureza dos casos no plenário presencial: O plenário presencial concentra os casos mais complexos e controversos, que exigem maior debate e geram dissenso entre os ministros. Esse ambiente decisório se mostra essencial para a resolução de questões constitucionais sensíveis e de alta relevância jurídica, refletindo a importância do confronto de diferentes perspectivas jurídicas.
Postura protetiva do STF: A elevada taxa de decisões favoráveis aos litigantes (72,92%), especialmente em temas relacionados a direitos fundamentais, sugere que o STF adota uma postura protetiva ao exercer sua função de guardião da Constituição. A Corte demonstra estar inclinada a conceder provimento, seja parcial ou total, nos casos em que há a oportunidade de proteger direitos ou ampliar a interpretação das garantias constitucionais.
Debate e dissenso como elemento central: O fato de quase metade das decisões (47,92%) serem tomadas por maioria, refletindo o dissenso entre os ministros, destaca o plenário presencial como um espaço de confronto aberto entre visões jurídicas divergentes. Esse ambiente favorece o aprofundamento do debate e a pluralidade de interpretações dentro do STF, sendo crucial para a resolução de casos de alta complexidade jurídica.
Impacto nas estratégias jurídicas: As implicações dos dados observados afetam diretamente as estratégias dos advogados que litigam no STF. A compreensão de que o plenário presencial apresenta uma tendência a conceder provimento em muitos casos, especialmente em decisões por maioria, pode guiar a formulação de estratégias processuais que enfatizem direitos fundamentais e garantias constitucionais, aumentando, assim, as chances de sucesso.
Padrão de dicotomia e imprevisibilidade no mérito: Nas decisões em que há dicotomia entre unanimidade nas preliminares e dissenso no mérito, nota-se uma certa imprevisibilidade nos resultados. No universo das 19 decisões dicotômicas, 68,42% foram favoráveis (procedentes ou parcialmente procedentes), enquanto 31,58% foram desfavoráveis (improcedentes). Esse padrão reflete que, mesmo quando há consenso nas questões processuais, o dissenso no mérito pode gerar resultados mais variados e menos previsíveis. Isso destaca a complexidade das matérias de mérito julgadas pelo STF, em que a multiplicidade de interpretações jurídicas é mais evidente.
Julgamentos bifásicos e votos em conjunto: uma aproximação ao modelo per curiam?
Em 2023, o plenário presencial do STF proferiu 96 decisões, refletindo dinâmicas decisórias em transformação sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso.
Uma inovação digna de destaque foi a introdução dos julgamentos bifásicos, que apresentam um modelo decisório estruturado em duas etapas. Essa prática é uma tentativa de aprimorar a qualidade deliberativa das decisões e sinaliza uma possível aproximação ao modelo per curiam, caracterizado por uma opinião institucional mais coesa e unificada.
Na primeira fase dos julgamentos bifásicos, são oferecidas sustentações orais de partes e amici curiae, criando um espaço de diálogo inicial. Essa etapa permite aos ministros interagirem de maneira mais direta com os advogados e partes interessadas, ainda que de forma limitada e incipiente.
A literatura destaca a importância dessa separação entre as fases deliberativa e decisória como um fator crucial para melhorar a qualidade dos julgamentos (Grimm, 2010, e Sunstein, 2015). A interação inicial permite uma maior exposição de perspectivas, o que pode contribuir para um debate mais amplo antes da deliberação final.
A segunda fase dos julgamentos é marcada pela prolação dos votos pelos ministros, que podem discutir entre si os pontos levantados na fase anterior. Essa etapa decisória oferece um momento de depuração das discussões, favorecendo um caráter dialógico mais intenso.
O surgimento de votos em conjunto entre ministros pode ser um importante indício de que o formato bifásico está promovendo uma maior colaboração no plenário, reforçando a tendência de uma coautoria decisória ou de uma opinião da corte. A separação funcional das etapas e o aprofundamento do debate indicam uma tentativa de tornar o processo mais transparente e substancialmente mais dialógico (Altan, 2010).
Os referidos votos em conjunto que se destacaram em 2023, marcaram decisões paradigmáticas como o piso de enfermagem[1], os limites de atuação do MP em investigações criminais[2] e a definição dos parâmetros a serem observados para a concessão judicial de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS)[3].
Nesses casos, sempre na companhia do decano, ministro Gilmar Mendes, os ministros apresentaram votos conjuntos em sessões de grande repercussão e em cerimônia com a presença de autoridades como o advogado-geral da União e a ministra da Saúde[4]. A prática de votos em conjunto é uma tentativa de fortalecer a coesão decisória e criar precedentes mais claros, aproximando-se do modelo per curiam. Esse movimento para um consenso institucional pode representar uma resposta às críticas ao modelo tradicional seriatim, que fragmenta as fundamentações e dificulta a identificação da ratio decidendi (Markham, 2006).
Contudo, a adoção de julgamentos bifásicos e votos em conjunto não é suficiente para resolver os desafios de estabilidade jurisprudencial e de formação de uma cultura de precedentes no STF. Embora o modelo seriatim seja frequentemente apontado como uma das causas de fragmentação decisória na corte (Rufino, 2015), outros fatores estruturais e culturais também influenciam a consistência e a previsibilidade da jurisprudência (Medina, 2015).
Para que a aproximação ao modelo per curiam tenha sucesso, é necessário um compromisso institucional mais amplo, que inclua padrões claros de reprodução e manutenção dos precedentes, além da adesão consistente dos ministros aos entendimentos estabelecidos.
A continuidade dessas inovações no regime decisório do STF dependerá de sua institucionalização e aceitação pelos ministros, sobretudo considerando a natureza bienal das presidências da Corte. Essa alternância de lideranças gera incertezas sobre a estabilidade das práticas introduzidas, especialmente as que não são regimentalizadas.
Se não houver normatização específica, essas inovações podem se restringir ao contexto atual e não se consolidarem no longo prazo. Além disso, é fundamental garantir que a aproximação ao modelo per curiam preserve a transparência e a individualidade das contribuições dos ministros, elementos valorizados na tradição jurídica brasileira.
A consolidação de uma cultura de precedentes sólidos no STF não depende apenas de mudanças na forma de proferir decisões, como os julgamentos bifásicos e votos em conjunto, mas também de um esforço institucional contínuo para promover estabilidade e previsibilidade jurisprudencial.
Para que essas práticas emergentes realmente contribuam para uma jurisprudência mais clara e colegiada, é essencial estabelecer padrões consistentes de reprodução e aplicação dos precedentes. Apenas com um compromisso sustentável em garantir clareza, coesão e entendimento estável será possível fortalecer a segurança jurídica e assegurar que a jurisprudência do STF ofereça orientação efetiva às instâncias inferiores e à sociedade.
Conclusão
A análise das 96 decisões proferidas no plenário presencial do STF em 2023 revela um padrão decisório que se distingue substancialmente do observado no ambiente virtual. O plenário presencial, com maior exposição ao debate público — devido às transmissões ao vivo pela Rádio e TV Justiça — e à interação direta entre os ministros, demonstrou ser um espaço de maior dissenso, refletindo a complexidade das matérias discutidas e a influência das dinâmicas institucionais e pressões externas.
A metodologia, ao categorizar as decisões em unânimes, por maioria e dicotômicas (unanimidade nas preliminares e maioria no mérito), permitiu compreender as estratégias decisórias no plenário presencial.
O expressivo percentual de decisões tomadas por maioria (47,92%) confirma o caráter divergente deste ambiente, contrastando com o plenário virtual, onde a unanimidade predomina. Notavelmente, mesmo com o aumento do dissenso, a maioria das decisões favoreceu os litigantes, reforçando o papel protetivo do STF enquanto guardião da Constituição.
As decisões dicotômicas, caracterizadas por consenso nas questões processuais e dissenso no mérito, revelaram-se as mais imprevisíveis, com 68,42% de decisões favoráveis e 31,58% desfavoráveis. Isso reflete a complexidade das matérias meritórias e confirma que o consenso na forma não necessariamente se traduz em consenso material.
A introdução dos julgamentos bifásicos e dos votos em conjunto aponta para uma possível transformação no modo de entrega das decisões judiciais no plenário presencial, aproximando-se do modelo per curiam. Embora essas inovações representem um passo em direção à clareza e coesão das decisões, sua efetiva consolidação como parte de uma cultura de precedentes requer um compromisso institucional mais abrangente, incluindo esforços contínuos para garantir a consistência e previsibilidade jurisprudencial.
Para fortalecer a cultura de precedentes no Brasil, é crucial abordar a instabilidade jurisprudencial e a falta de padrões consistentes de reprodução das decisões. A continuidade das práticas inovadoras dependerá do comprometimento do STF em institucionalizar essas mudanças e dos ministros em promover uma deliberação colegiada mais efetiva, assegurando a estabilidade dos entendimentos jurisprudenciais.
Concluímos que o estudo do plenário presencial é fundamental para compreender a complexidade do processo decisório do Supremo Tribunal Federal e suas implicações para a justiça constitucional no Brasil. A análise comparativa entre os dois ambientes, que será aprofundada no terceiro e último artigo desta série, oferecerá uma visão mais clara das especificidades e influências de cada formato, consolidando o entendimento do STF como um espaço em que o modo de decidir molda diretamente a jurisprudência constitucional brasileira.
Altan, Alpaslan. The Role of Dissenting and Concurring Opinions in the Turkish Practice. In: Papers Presented at The Black Sea Regional Conference on The Importance of Dissenting and Concurring Opinions in the Development of Judicial Review, 2010.
Grimm, Dieter. Some Remarks on the Use of Dissenting Opinions in Continental Europe. In: Global Constitutionalism, Yale Law School, 2010.
Maltzman, Forrest; Spriggs, James F.; Wahlbeck, Paul J. Crafting Law on the Supreme Court: The Collegial Game. New York: Cambridge University Press, 2000.
Markham, James M. Against Individually Signed Judicial Opinions. Duke Law Journal, v. 56, n. 3, p. 923-951, dez. 2006.
Propostas repetem antigas críticas de ativismo judicial, agora com nova oposição política
Fachada lateral do Supremo Tribunal Federal (STF) / Crédito: Fellipe Sampaio/STF
Recentemente, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou um pacote de PEC’s (Propostas de Emenda à Constituição) que visam limitar o poder do STF. As PEC’s partiram em sua maioria, sem nenhuma surpresa, do maior partido da oposição, o Partido Liberal.
Os objetivos são variados: aumentar o rol de crimes passíveis de impeachment por parte dos ministros do STF, evitar as decisões monocráticas, coibir o ativismo judicial etc. A reação foi célere. O ministro Barroso criticou as propostas, seguido pelo ministro Gilmar Mendes, que falou em “vexame”.
Grande parte da mídia progressista também enxergou com viés crítico as propostas de mudança constitucional. No entanto, pouco se falou sobre um ponto importante: as propostas visando limitar o poder do Supremo não são exatamente novas e partiram inicialmente do Partido dos Trabalhadores, sob argumentos muito similares aos mobilizados hoje pela oposição.
Quando o PT estava nas cordas em meio ao julgamento da Ação Penal 470, que ganhou o epíteto de mensalão, o deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI) propôs a PEC 33/2011, que visava precisamente diminuir os poderes do STF. Naquela época, o partido possuía muito mais força no Congresso Nacional do que hoje. A proposta, que já foi arquivada, mobilizava argumentos sobre judicialização da política e ativismo judicial.
Houve uma forte reação da mídia e das entidades corporativas, a ponto de a proposta ter sido lida como uma tentativa de golpe institucional contra o Supremo. Mas o que podemos depreender do recente déjà-vu sobre a temática? Primeiro, na linha do que tem sido sustentado por pesquisadores como Werneck Arguelhes, as reações de apoio ou crítica ao Supremo trocaram de lado.
Inicialmente a direita enxergava o tribunal positivamente, enquanto a esquerda, em virtude do julgamento do mensalão e da crítica à visão liberal de freios e contrapesos, tendia a ter uma visão mais desconfiada e negativa. Com o governo Bolsonaro, os polos se trocaram. A esquerda passou a defender a noção liberal dos tribunais constitucionais como instâncias contramajoritárias que propiciam limites ao poder central e hegemônico.
Em segundo lugar: é bastante claro que tanto a PEC 33/2011 quanto as propostas recentes do PL são retaliações contra a atuação do Supremo. Em 2011, por conta do mensalão; em 2024, como resposta à atuação uníssona da corte contra os descalabros do governo Bolsonaro – que acabou rendendo episódios controversos, como o famigerado inquérito das fake news.
No entanto, é válido destacar que ambas as propostas representam jogadas legítimas no tabuleiro do poder em Brasília. Não se trata de uma tentativa de golpe institucional, em si, propor uma emenda que vise diminuir prerrogativas do Supremo, como, por exemplo, as excessivas decisões monocráticas.
Inclusive, atacar essa atomização da corte, fortalecendo sua colegialidade, pode, ao contrário, fortalecer o tribunal. É natural e até desejável que tais propostas gerem reações hiperbólicas por parte da sociedade, contudo, outros países de fato operam numa lógica distinta da brasileira, com judiciários menos ativistas e mais autocontidos.
A discussão sobre as propostas de emenda constitucionais visando cercear certos poderes do Supremo, portanto, não pode perder de vista a historicidade dessas tentativas nem tampouco a perspectiva comparada em relação a outros países com tribunais constitucionais hipertrofiados.
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Fonte: Jota
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