Não é possível realizar pesquisas no Simba e no Coaf para fins de execução civil

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, mesmo após tentativas infrutíferas de identificar e penhorar ativos financeiros, não é possível realizar pesquisa no Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias (Simba) e no cadastro do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para fins de execução civil.

Por outro lado, o colegiado determinou a expedição de ofício ao Banco Central (Bacen) para que efetue pesquisa no Cadastro Geral de Clientes de Instituições Financeiras (CCS), com o objetivo de localizar bens de titularidade da executada.

Na origem do caso, uma empresa ajuizou contra outra uma ação de rescisão contratual com pedido de indenização, a qual está em fase de cumprimento de sentença. O juízo indeferiu o pedido da autora para que fossem feitas pesquisas de bens da executada nos sistemas CCS e Simba, do Bacen, e no Coaf, vinculado ao Ministério da Fazenda. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão.

No recurso ao STJ, a empresa credora sustentou que o indeferimento das medidas vai contra os princípios da duração razoável do processo, da proporcionalidade, da razoabilidade e da eficiência.

Simba e Coaf promovem combate à criminalidade

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que não é possível atender à pretensão da exequente em relação ao Simba e ao Coaf, pois isso significaria desvio da finalidade desses sistemas, que têm atribuições imprescindíveis no combate à criminalidade.

A ministra apontou que o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal estabelece que a proteção ao sigilo bancário pode ser mitigada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. No entanto, segundo ela, não se pode admitir a devassa de informações sigilosas para a busca de bens que atendam ao interesse meramente privado do credor.

Da mesma forma, a relatora observou que a Lei Complementar 105/2001, que rege o sigilo das operações das instituições financeiras, dispõe que ele só será quebrado na apuração de ilícitos em inquérito ou processo judicial, ou ainda em processo administrativo ou procedimento fiscal nos quais a medida seja indispensável.

Meios atípicos podem ser utilizados subsidiariamente

A ministra ressaltou que, de acordo com o artigo 854 do Código de Processo Civil (CPC), existem sistemas que podem ser utilizados para verificar a existência de bens do devedor, passíveis de controle por atos executivos: BacenJud, RenaJud, Infojud e InfoSeg.

Também apontou que o artigo 139, inciso IV, do CPC viabiliza a adoção de medidas atípicas como instrumento para a satisfação da obrigação do executado, mas ressaltou que essas medidas não podem se dissociar dos ditames constitucionais. Conforme lembrou Nancy Andrighi, o STJ entende que a adoção de meios executivos atípicos é cabível de modo subsidiário e desde que haja indícios de patrimônio expropriável em nome do devedor.

Quanto ao CCS, a ministra observou que é um sistema de informações cadastrais dos correntistas de instituições financeiras autorizadas pelo Bacen, que não contém dados relativos a valor, movimentação financeira ou saldos de contas e aplicações.

“Inexiste impedimento à consulta ao CCS-Bacen nos procedimentos cíveis, devendo ser considerado como apenas mais um mecanismo à disposição do credor na busca para satisfazer o seu crédito”, concluiu.

Leia o acórdão no 2.043.328.

Fonte: STJ

A paridade de gênero para promoção de magistrados ao 2º grau

A comunidade jurídica do Brasil está atenta à deliberação sobre a paridade de gênero para acesso de magistrados aos tribunais de segundo grau.

Em tempos de constitucionalismo freestyle, a feição de constitucionalidade – ou não— dos atos e normas parece ser realizada a la volonté. Cada um acha o que quiser, sem se preocupar em buscar fundamentos. O “eu acho” é a pedra angular da pós-verdade.

Os insurgentes à resolução alegam, justamente, a inconstitucionalidade da implementação da paridade ao enunciado-regra da antiguidade de magistrados para fins de promoção, na forma do artigo 93, II, alíneas bc e d, da Constituição.

As promoções dos magistrados se dão por duas formas, alternadamente: por antiguidade (observada estritamente a lista de antiguidade da carreira) e por merecimento (quando a promoção decorre da escolha objetiva dos membros da corte, entre os inscritos na concorrência).

O enunciado-regra da antiguidade, grosso modo, prescreve que o magistrado mais antigo será promovido por ser o mais antigo da lista de antiguidade; e, em caso de promoção por merecimento, poderão concorrer os magistrados que estejam na primeira quinta parte da lista de antiguidade na carreira. A lista de antiguidade é o que a palavra significa: o mais velho na carreira, o que tem mais tempo de carreira. Não confundir antiguidade de carreira com antiguidade geriátrica.

O sofisma da inconstitucionalidade da resolução não é sobre competência do CNJ para implementar a paridade de gênero, nessa situação concreta, mas se o conceito do critério de antiguidade, na forma disposta no artigo 93 da CF, admite complementariedade.

Antes de entrar no núcleo da questão, importante deixar claro: o voto da conselheira Salise Sanchotene é técnico, substancioso e com expressivo senso de realidade.

A implementação da paridade de gênero, por meio de resolução do CNJ, no enunciado-regra que prescreve o critério de antiguidade como veeiro das promoções de magistrados aos tribunais de segundo grau, é constitucional.

Explico o porquê me socorrendo dos ensinamentos de Humberto Ávila [1], no que tudo que ora defendo faço referência total.

Tal princípio (imbuído de caráter prescritivo), pode ser complementado por norma infraconstitucional que descreva como e de que maneira será aplicado o critério de antiguidade para as promoções de magistrados, não o afrontando de maneira alguma.

No caso, cabe a vírgula constitucional: a promoção de magistrados deve obedecer aos critérios de antiguidade e merecimento, observada a paridade de gênero na composição dos tribunais.

Como informa Humberto Ávila, o princípio constitucional é enunciado que estabelece uma finalidade sem prescrever o meio necessário para atingi-la. Ou seja, o critério de antiguidade não pode ser concretizado meramente com uma lista da ordem cronológica de ingresso dos membros de determinado tribunal. Ao contrário, este princípio deve efetivar o espírito da Constituição, impregnado por todo o bloco de constitucionalidade, ampliando o paradigma da equidade entre indivíduos, para obtenção da qual não se pode olvidar a paridade de gênero.

Seria um raciocínio curto cogitar como se há três décadas tivéssemos a mesma consciência e percepção de mundo que hoje, e a Constituição fosse um veículo com farol na traseira, com o qual não se pode olhar para frente.

A norma constitucional nem sempre irá descrever em minúcias como seu comando deve ser efetivado – como se fosse um fim em si mesma. Muitas vezes, apenas cumpre o encargo de dispor qual o conceito deve orientar a sua efetivação. A implementação de paridade de gênero harmoniza o interesse da magistratura (ascensão funcional) ao interesse da sociedade (uma sociedade mais fraterna e mais igualitária).

Inclusive, esse o ponto que merece aparte no voto da relatora: a criação de duas listas (uma de homens e outra de mulheres) fere o princípio do critério de antiguidade, visto que alargará as duas listas para além da primeira quinta parte dos magistrados mais antigos na carreira.

A forma de conciliar esses dois pontos (concretização da paridade de gênero e observância do critério de antiguidade) é que a lista seja mantida como única (ou mista, como nominada), mas que, sempre que a vaga seja destinada apenas para mulheres, concorrerão apenas as magistradas que compõem a primeira quinta parte da lista de antiguidade da carreira (lista única). Não importa quantas mulheres estejam figurando nessa primeira quinta parte, apenas estas podem concorrer à vaga, seja promoção por antiguidade ou merecimento.

Como solução ao extraordinário, caso nenhuma mulher figure a primeira quinta parte da lista de antiguidade, que seja a vaga preenchida pela primeira mulher mais antiga na segunda parte da lista de antiguidade, se preencher os demais requisitos para tanto.

O critério de antiguidade não pode ser encarado como mera conta cartesiana de cabeças em fila indiana. Assim, por suposto, cabe em si a implementação de ações afirmativas de otimização da sociedade.

Mudar o status quo é missão hercúlea, sempre. Dessa vez, não seria diferente.

As contrarrazões da resolução sob exame é que criará privilégio (favorecimento) para mulheres, em detrimento dos homens, na carreira da magistratura. Contudo, a observância do contexto histórico mostra outra realidade. Em verdade, a estrutura histórica das cortes e decorrente sistematização dessas carreiras favoreceram os homens, para além de todos os motivos evidenciados no voto.

Falo do que há de mais comezinho: as empatias do ser humano.

Os homens sempre foram maioria nas carreiras de magistratura, máxime na composição das cortes. Apenas com o maior acesso das mulheres às carreiras jurídicas as cortes deixaram de ser unanimidade masculina, passando a ser maioria absoluta. A maioria deixou de ser absoluta para qualificada, e de qualificada para relativa.

Por serem os magistrados seres humanos, eles se empatizam, também, em razão de gênero, criando vínculos e formatando representatividades. Homens tendem a criar mais laços de intimidade e empatia com homens, e mulheres criar tais laços com mulheres. Por consequência, uma corte composta majoritariamente por homens tende a eleger mais homens que mulheres para as promoções por merecimento.

Essa instrumentalização do critério de antiguidade é obviamente informal, não previsto em norma – e mesmo inconfessável –, mas é verdadeiro, efetivo e concretizador da realidade.

Existem costumes que mudam normas, e existem normas feitas para mudar costumes.

A sociedade brasileira pode escolher aguardar que as mulheres ocupem majoritariamente as cortes para que se comece a ter mais promoções por merecimento de mulheres. Mas também pode – e é constitucional – uma norma impor (e acelerar) esse processo de equiparação nos espaços das cortes, aproximando o Judiciário da realidade.

Victor Hugo disse que “não há nada como o sonho para criar o futuro; a utopia de hoje, é carne e osso amanhã”.

Existe um sem-número de mulheres que, ao longo do tempo, ajudaram a construir a magistratura brasileira, e foram preteridas nos espaços de exercício de poder em razão de gênero. E, inspiradas nelas, muitas outras mulheres ousaram romper esse paradigma obstaculizante. Ousaram sonhar.

Ainda orientado por Victor Hugo, sempre me vem à mente que “nada é mais poderoso do que uma ideia que chegou no tempo certo”. O amanhã da paridade de gênero é hoje, e este momento é tão preciso quanto um trem suíço. Deixá-lo passar é um equívoco, atrasar a viagem é um retrocesso.

O tempo é agora.


[1] ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018.

Fonte: Conjur – Por Jorge Bezerra Ewerton Martins

Limites da curatela e a proteção da pessoa interditada

A segunda e última parte da reportagem sobre interdição e curatela na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresenta teses adotadas em julgamentos que discutiram temas como a escolha dos curadores, os limites do instituto da curatela e o dever de prestação de contas. Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, a curatela é o encargo imposto a alguém para reger e proteger a pessoa que, por causa transitória ou permanente, não pode exprimir a sua vontade e administrar os seus bens.

artigo 1.767 do Código Civil estabelece que estão sujeitos a esse processo: aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxico; e os pródigos.

O reconhecimento da necessidade do curador pressupõe um processo de interdição, para o qual estão legitimados o cônjuge ou companheiro, os parentes ou tutores, o representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando e o Ministério Público (Código de Processo Civil, artigo 747).

Rol de curadores previsto em lei é exemplificativo

Com base no Código de Processo Civil (CPC), no Código Civil (CC) e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao nomear o curador, o juiz deve dar preferência ao cônjuge e aos parentes do curatelado, podendo, residualmente, atribuir o encargo a outra pessoa, procurando atender ao melhor interesse do incapaz.

“Esse processo de escolha do curador pelo juiz deve levar em conta as características pessoais do interdito, observando suas potencialidades, habilidades, vontades e preferências (artigo 755, II, do CPC), o que pode ser melhor aferido através, precipuamente, da entrevista a ser realizada com a pessoa interditanda (artigo 751 do CPC)”, disse o ministro Marco Aurélio Bellizze, em julgamento de recurso especial relativo à escolha de curador para uma paciente diagnosticada com psicose esquizoafetiva.

Os irmãos da interditanda recorreram ao STJ para alterar a escolha de uma médica nomeada como curadora pelas instâncias ordinárias, sob o fundamento de que haveria conflito de interesses, pois ela já tinha trabalhado na clínica onde a irmã estava internada – cujo dono estaria cobrando um valor muito alto da paciente.

Diante desse contexto, a Terceira Turma reconheceu a inaptidão da curadora, à vista do aparente conflito de interesses (ainda que indireto) no exercício do encargo, e determinou o retorno do processo ao juízo de origem para nomeação de novo curador.

Prestação de contas do cônjuge curador em regime de comunhão total de bens

Uma vez escolhido o curador, assim como ocorre na tutela, deverá haver a prestação de contas de sua administração, pois está na posse de bens do incapaz (CC, artigos 1.7551.774 e 1.781). No entanto, o próprio Código Civil previu uma exceção a essa regra: quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for a comunhão universal (artigo 1.783).

Para a Quarta Turma, contudo, a Justiça poderá determinar que seja feita a prestação de contas mesmo nessa situação. Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou à ex-mulher de um curatelado que prestasse contas do período em que administrou os seus bens.

Segundo o processo, ele sofreu um acidente vascular cerebral em 2006 e passou a ser curatelado pela então esposa até 2009. O casamento foi celebrado com regime de comunhão total de bens. Após se recuperar do AVC, ele pediu a prestação de contas sob a alegação de que teria havido dilapidação do seu patrimônio durante o período.

“Ainda que se trate de casamento sob o regime da comunhão de bens, diante do interesse prevalente do curatelado, havendo qualquer indício ou dúvida de malversação dos bens do incapaz, com a periclitação de prejuízo ou desvio de seu patrimônio – tratando-se de bens comuns, objetos de meação –, penso que o magistrado poderá (deverá) decretar a prestação de contas pelo cônjuge curador, resguardando o interesse prevalente do curatelado e a proteção especial do incapaz”, disse o relator, ministro Luis Felipe Salomão.

De forma excepcional, poder do curador pode ser estendido a outros atos da vida civil

Como regra, os poderes conferidos ao curador englobam os atos de caráter patrimonial e negocial da vida do curatelado, conforme o artigo 85 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Para a Terceira Turma, no entanto, em caráter excepcional e de forma fundamentada, esses poderes podem ser ampliados para outros atos da vida civil, sem que isso implique a declaração de incapacidade absoluta do curatelado.

Esse entendimento foi aplicado pelo colegiado em recurso no qual a Defensoria Pública de Minas Gerais, como representante de uma curatelada, recorreu de acórdão que ampliou os poderes da curadora, filha da interditada. A decisão foi tomada em razão de a genitora estar internada em estado grave e inconsciente.  

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, esclareceu que a extensão conferida à curatela, no caso, não significa que as pessoas com enfermidade ou deficiência mental estejam inseridas no rol dos absolutamente incapazes, “o que, aliás, iria de encontro à própria redação atual do artigo 3º do Código Civil, que restringe a incapacidade absoluta apenas aos menores de 16 anos”.

Na avaliação do ministro, a ampliação da curatela para outros atos da vida civil foi feita em caráter excepcional e extraordinário, a partir do reconhecimento do quadro de comprometimento global da curatelada, embasado em laudo pericial minucioso, de modo que não contrariou a lei.

Fixação de curatela compartilhada para interditado não tem caráter obrigatório

A curatela compartilhada é instituto desenvolvido pela jurisprudência que visa facilitar o desempenho da curatela ao atribuir o munus (obrigação) a mais de um curador simultaneamente.

Ao contrário do que ocorre com a guarda compartilhada, não há obrigatoriedade na fixação da curatela compartilhada, o que só deve ocorrer quando ambos os genitores tiverem interesse no exercício da curatela ou quando se mostrarem aptos ao exercício do munus, e, ainda, quando o juiz, a partir das circunstâncias do caso, considerar que a medida é a que melhor resguarda os interesses do curatelado.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma em julgamento de recurso no qual o pai de um interditado alegou, entre outros pontos, que seria obrigatório que o filho fosse ouvido para se manifestar sobre a adoção da curatela compartilhada. Nesse caso, a mãe havia sido nomeada pelas instâncias ordinárias como curadora definitiva.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que compete aos legitimados requerer a fixação da medida, não estando o juiz obrigado a estabelecer, de ofício, a curatela compartilhada, tampouco a oportunizar aos interessados a manifestação acerca do tema. No caso, o pedido da curatela compartilhada foi negado em razão de não ter sido feito formalmente pelo pai durante a tramitação do processo em primeiro grau, só sendo apresentado quando o processo já estava em fase de apelação.

Participação do Ministério Público em entrevista com o curatelado

No mesmo julgamento, a ministra se pronunciou a respeito de uma possível nulidade do processo devido à falta de comparecimento do Ministério Público (MP) à audiência de interrogatório do curatelado. Nesse ponto, a relatora destacou que, de acordo com o artigo 279 do CPC, a causa de nulidade não seria a falta de participação do Ministério Público em atos processuais, mas a inexistência de intimação – o que não aconteceu no caso, pois o órgão ministerial foi devidamente intimado.

Segundo Nancy Andrighi, se é possível ao MP se colocar contra o interesse do autor da ação de interdição, ele também pode, se for intimado, deixar de se manifestar ou de intervir na prática de ato processual quando considerar que isso é dispensável.

Terceiro interessado também pode propor ação de levantamento de curatela

O rol do artigo 756, parágrafo 1º, do CPC não enuncia todos os legitimados para propor a ação de levantamento da curatela, havendo a possibilidade de que o pedido seja ajuizado por outras pessoas, qualificadas como terceiros juridicamente interessados.

Com esse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao recurso de uma terceira interessada para permitir o prosseguimento da ação que discutia a necessidade de manutenção da curatela no caso de um homem que se envolveu em acidente automobilístico e posteriormente foi aposentado por invalidez.

A autora da ação de levantamento da curatela foi condenada, após o acidente, a pagar indenização por danos morais e pensão mensal vitalícia à vítima. Ela alegou que o interditado não teria mais a patologia que resultou em sua interdição, ou que teria havido melhora substancial no seu quadro clínico, o que implicaria a cessação do pensionamento vitalício.

Em primeira e segunda instâncias, o processo foi extinto sem resolução de mérito por ilegitimidade ativa da autora. Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, a relação de legitimados prevista no CPC não é taxativa. A ministra destacou que o CPC de 2015 ampliou o rol dos legitimados, acompanhando tendência doutrinária que se estabeleceu ao tempo do código revogado.

Os números destes processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Violência política e imunidade parlamentar: limites e vedações

Neste mês, presenciamos pela primeira vez no país a cassação de um vereador do município de São Paulo por suas declarações racistas. O momento enseja reflexão, e neste ensaio traremos algumas das diversas considerações que merecem um olhar atento.

Camilo Cristófaro (Avante) foi processado pela Câmara Municipal de São Paulo, e teve o seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, com 47 votos a favor e 5 abstenções, na maior cidade do país, que tem a sua população local representada por 55 integrantes do legislativo.

Em um áudio vazado, durante uma sessão remota da Comissão Parlamentar de Inquérito — CPI dos Aplicativos —, o vereador foi ouvido dizendo: “é coisa de preto”, uma fala inegável e indiscutivelmente racista!

A função legislativa, uma das três exercidas pelo Estado, engloba atribuições de predominância relacionadas à atividade fiscalizadora (BRASIL. CRFB, 1988, artigo 49, X), por exemplo, e de elaboração de leis (BRASIL. CRFB, 1988, artigo 59 ss.), para além de outras, de natureza atípica ou não predominante, concernentes à sua competência julgadora, como nos casos em que a Câmara dos Deputados autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o(a) Presidente(a) e o(a) Vice-Presidente(a) da República (BRASIL. CRFB, 1988, artigo 51, I), e o Senado Federal processa-os e julga-os pela suposta prática de crime de responsabilidade (BRASIL. CRFB, artigo 52, I); ou, ainda, quando desempenha atividades de cunho administrativo.

Essas e outras atribuições do Legislativo são de competência dos(as) parlamentares eleitos e eleitas diretamente pelo povo, em uma manifestação da soberania popular, caracterizando a representatividade da democracia indireta, uma das bases do Estado Social Democrático de Direito brasileiro, cujos fundamentos e limites são constitucionalmente definidos e, portanto, devem ser respeitados, seja porque a Constituição é a norma que legitima social, jurídica e politicamente tal manifestação de poder; seja porque o princípio da separação das funções do Estado, e o sistema de “freios e contrapesos”, outro axioma que subsidia a formação do Estado brasileiro constituído a partir da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, estabelecem parâmetros que devem ser seguidos para a efetivação do equilíbrio e da independência entre os três poderes. A imunidade parlamentar representa um desses parâmetros.

Prevista no texto normativo constitucional a partir do artigo 53, a imunidade parlamentar, como garantia para o livre exercício das competências legislativas, não é prerrogativa de titularidade subjetiva, direito ou mesmo privilégio de cada representante popular; pelo menos, não foi tal a razão da sua previsão, tanto que são inalienáveis.

Pensada para operar como um mecanismo de proteção da liberdade e da não sujeição às pressões autoritárias e exógenas, para além da vontade popular, a imunidade parlamentar se apresenta como uma garantia institucional, e se manifesta a partir de distintas perspectivas — material ou formal – e seu início é marcado pela diplomação, ou posse, no caso da imunidade material do(a) representante popularmente eleito(a).

Por ocasião das reflexões trazidas neste ensaio, cumpre-nos pontuar alguns vieses que as acompanham acerca da imunidade material, a partir da perspectiva da violência política.

caput do artigo 53 (BRASIL, CRFB, 1988) estabelece que deputados(as) e senadores(as) são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Ainda que o constituinte não tenha demarcado o prazo ab initio da vigência desta imunidade, resta evidente, pela elaboração do texto normativo, que é a posse que instaura esse momento, porque é a partir de quando serão emitidas palavras, opiniões e proferidos votos em razão da atuação na Casa legislativa.

Assim, se a premissa da imunidade parlamentar é a de garantir o exercício da função legislativa, sob a perspectiva material, tal garantia institucional iniciar- se-á com as atividades legislativas, marcadas pela posse.

De todas as manifestações da imunidade parlamentar, o que temos hoje é que a material é a única que acompanha o Legislativo em todas as unidades federativas; portanto, vereadores e vereadoras, nos termos do artigo 29, VIII (BRASIL.CRFB, 1988), também são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município, matéria que teve repercussão geral reconhecida e mérito julgado pelo Supremo Tribunal Federal, nestes termos: “[…] nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do mandato, os vereadores são imunes judicialmente por suas palavras, opiniões e votos” (RE 600.063 , red. do ac. min. Roberto Barroso, j. 25-2-2015, P, DJE de 15-5-2015, Tema 469.)

Um segundo aspecto interessante para o recorte deste artigo se refere ao alcance horizontal da imunidade material, que não é absoluta porque limitada pela própria Constituição que a estabelece. Independentemente de onde estiver, o(a) parlamentar será imune, sob a perspectiva material, desde que exercendo atividades durante e em razão do seu mandato; isto porque, a função legislativa compreende ações que são realizadas para além dos limites da casa parlamentar, em visitas à base política, muitas vezes realizadas durante os fins de semana, quando estão nas suas cidades.

Ocorre que a imunidade parlamentar, mesmo quando opera no recinto, virtualmente ou não, da casa legislativa não é absoluta; a própria função parlamentar, que justifica a imunidade, deve atender aos parâmetros constitucionais, princípios e normas estabelecidos pelo constituinte derivado ou reformador, e onde quer que a imunidade parlamentar seja aplicada, mesmo para além do parlamento, tais limites devem ser observados, considerando que a representação popular requer que sejam preservados os valores da liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça como bases supremas de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, tal como nos apresenta o intróito da norma constitucional expresso no preâmbulo do seu texto.

Em entendimento manifestado em sede de Inquérito nº 3.932 (e Pet nº 5.243), de relatoria do ministro Luiz Fux, restou assentado que entrevista concedida a veículo de imprensa não atrai a imunidade parlamentar, porque, in casu, ao afirmar que não estupraria a deputada federal porque ela “não merece” confere a esse delito gravíssimo o caráter de prêmio ou benesse à mulher, reforçando uma relação de subalternização da mulher em relação ao homem, também nesse espaço político, ao pretender que ele, o homem, pudesse avaliar o merecimento de uma mulher em ser ou não estuprada.

Assim, tais manifestações, absolutamente estranhas ao exercício do mandato legislativo, e mesmo a qualquer convívio digno em uma sociedade, que deve ser revestida por um mínimo grau de civilidade, ainda que a entrevista tenha sido concedida no interior da casa parlamentar, não atenua a gravidade do ato, tampouco aproxima a incidência da imunidade parlamentar, conquanto essa nem sequer poderia ter sido lançada como fator de proteção de uma subjetividade e ilícita, violando, assim, as premissas do instituto de tal garantia.

Vejamos que a imunidade parlamentar não pode ser utilizada como um manto protetor de arbitrariedade e violações de direitos, principalmente, porque existe uma responsabilidade política que deve ser arcada por quem se predispõe a ocupar os espaços de poder e decisórios como representantes populares; ademais, não existe qualquer obrigatoriedade imposta pela legislação nacional ou supranacional no que toca ao exercício dessa manifestação que se expressa por meio da capacidade eleitoral passiva.

Em outros termos, quem concorre aos cargos eletivos precisa respeitar as regras do jogo democrático, ter responsabilidade política e conhecer não apenas os termos constitucionais, como os limites impostos ao longo dessa jornada democrática.

Infelizmente, a realidade brasileira nos situa em um cenário ainda mais insólito quando as reflexões acerca da imunidade parlamentar perpassam pelos debates referentes às múltiplas formas de violência política.

Entender política é compreender como, através da manifestação de poder, um status quo pode ser (re)pensado de forma que as necessidades sociais e demandas públicas sejam satisfeitas da melhor forma a minimizar os (des)níveis abissais de desigualdades que nos assolam, nas mais distintas perspectivas. Portanto, a política acontece a todo momento, e a violência a acompanha, infelizmente, em espaços institucionalizados ou não.

Nessa medida, uma das principais questões relacionadas ao debate de gênero, por exemplo, e ainda partindo de uma perspectiva binária da sociedade, consiste exatamente na relação de opressão do homem em relação à mulher: o uso do poder não como um elemento agregador, mas de controle, submissão e opressão. O mesmo ocorre em relação às pessoas negras, indígenas, quilombolas que se inserem em grupos de vulnerabilidades as mais diversas em uma sociedade marcadamente desigual, como a brasileira.

E trazer essa perspectiva para o ambiente da imunidade parlamentar faz-se necessária, sob dois enfoques: porque as pessoas vítimas da violência política também são mandatárias populares; e também quando parlamentares, valendo-se do que supõem como caráter absoluto da imunidade parlamentar, usurpam da confiança que foi em si depositada pelo povo e de forma irresponsável, não apenas sob a perspectiva política, como civil e penal, praticam violências, mesmo quando não estão no espaço da casa legislativa.

Agridem, portanto, quem deveriam proteger, e, inclusive, seus próprios pares!

A ocupação pelas mulheres e de pessoas negras das casas parlamentares, e outras esferas de poder, é o resultado de muitas lutas. Em uma sociedade historicamente estruturada pela hierarquização do seu povo em razão de fatores que implicam exclusão, inclusive política, é um constante romper barreiras à entrada em espaços, como a política, não pensados para e pelos sujeitos marginalizados.E mais: revela muito quem somos como sociedade preconceituosa e das dificuldades enfrentadas por distintos segmentos para exercerem direitos reconhecidamente fundamentais, em uma carta cidadã, de modo que a autodeterminação como indivíduo e autonomia do seu ser possam ser exercidas livremente.

Quando pessoas que integram grupos vulnerabilizados 1 socialmente se inserem nesses espaços de poder ou decisórios, são vistas por muitos como intrusas, porque supostamente não lhes cabem tais funções, em uma sociedade pensada sob o olhar hierarquizado de um(a) opressor(a), protagonistas que, sob sua ótica, devem ser. Sob a perspectiva da mulher, quando apresentamos as distintas interseccionalidades que atravessam o debate de gênero, considerando a inexistência da mulher universal e única, mas sim, de mulheres, identificamos que apesar de serem igualmente titulares dos mesmos direitos, nos termos constitucionais, deparam-se com distintos obstáculos, mais ou menos pesarosos, para o exercício do que a ordem constitucional lhes garante, a depender de onde se situam nessa escala das vulnerabilidades que marcam a existência, e a construção, do seu ser, como mulher.

Inegável, parece-nos a necessidade de reafirmar um compromisso coletivo — e mais que isso: cumprir os ditames constitucionais, acerca da efetivação dos limites à atuação do parlamentar, no exercício de uma função pública que clama por respeito e punições diante da violação de direitos mais básicos, como os da igualdade de gênero e racial, p. ex., e de valores essenciais ao Estado democrático de Direito, como o da cidadania e o da dignidade da pessoa humana, insculpidos no artigo 1º (BRASIL. CRFB, 1988). E por quem se predispôs a ser a voz do povo e, assim, em sua diversidade, essência e existência, respeitá-lo, no exercício de sua autonomia e dignidade humana.

Portanto, no âmbito civil, a responsabilidade pelo pagamento de indenizações por danos morais, e eventualmente patrimoniais, do mandatário que pratica violência política é inequívoca.

Assim como também o é na seara criminal, com amparo na Lei nº 14.192, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, e de acordo com o artigo 359-P, do Código Penal, tipifica como crime a violência política, com pena de reclusão de três a seis anos, e multa, além da pena correspondente à violência, restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, cor, etnia, religião ou procedência nacional; isso, sem observar outras tipificações de eventuais crimes contra a honra, como calúnia, injúria, difamação, a depender do caso concreto.

Inequivocamente, incide a responsabilidade política, nos termos da norma contida no artigo 55, da Constituição, que determina a perda do mandato parlamentar, nas situações previstas em seus incisos, cuja incidência se aplica aos casos de violência política de gênero, em outra hipótese constitucional, a depender dos delineamentos da situação fática.

Sendo assim, a inviolabilidade civil, penal e política deve ser afastada diante de agressões praticadas por quem deve servir o povo e ser o(a) defensor(a) do bem-social, fraternidade e justiça, como valores supremos da ordem constitucional que legitima a ocupação dos espaços de poder, públicos e decisórios.

*Baseado no artigo “Violência política de gênero no sistema internacional e no ordenamento interno: o Estado Constitucional Cooperativo sob enfoque” escrito pelas duas autoras e publicado na Revista Direito Mackenzie 2023, v.17, n.1, p. 1-31 ISSN – 23172622.


1 “As condições de existência material dessa população negra remetem a condicionamentos psicológicos que devem ser atacados e desmascarados. Os diferentes modos de dominação das diferentes fases de produção econômica no Brasil parecem coincidir em um mesmo ponto: a reinterpretação da teoria do lugar natural, de Aristóteles. Desde a época colonial aos dias de hoje, a gente saca a existência de uma evidente separação quanto ao espaço físico ocupado por dominadores e dominados. O lugar natural do grupo branco dominante são moradias amplas, espaçosas, situadas nos mais belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por diferentes tipos de policiamento: desde os antigos feitores, capitães do mato, capangas, etc. até a polícia formalmente constituída. Desde a casa-grande e do sobrado, até os belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente. Da senzala às favelas, cortiços, porões, invasões, alagados e conjuntos “habitacionais” (cujos modelos são os guetos dos países desenvolvidos) dos dias de hoje, o critério também tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço. No caso do grupo dominado, o que se constata são famílias inteiras amontoadas em cubículos, cujas condições de higiene e saúde são as mais precárias” (GONZALEZ, L.; HASENBALG, C. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. p. 14-15).

Fonte: Conjur

Comissões da Câmara vão debater combate à gordofobia

As comissões de Saúde e de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados vão realizar audiência pública conjunta na quinta-feira (28) sobre ações de combate à gordofobia. A ministra da Saúde, Nísia Trindade, está entre os convidados da reunião, que foi marcada para as 13h30no plenário 9.

Depositphotos

Imagem ilustrativa de pessoas obesas e acima do peso caminhando

Audiência vai debater possibilidade de lei de combate à gordofobia

Os requerimentos para a realização da audiência foram apresentados pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e pelo deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO). A ideia é discutir a elaboração de uma proposta de lei para combate da gordofobia ou até mesmo a criação do Estatuto da Pessoa com Obesidade.

Os deputados citam uma pesquisa sobre obesidade e gordofobia elaborada, em 2022, pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica e pela Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia.

Segundo o levantamento:

  • 85,3% dos participantes relataram ter sofrido algum tipo de constrangimento por causa do peso;
  • 67,9% dos indivíduos com sobrepeso relataram terem sofrido constrangimento devido ao seu quadro;
  • para quem tem obesidade grau 1, esse número saltou para 89,6%; e
  • para quem tem grau 2, o valor é 96,3%.

Por isso, os parlamentares, afirmam que é necessário discutir medidas de combate à gordofobia e garantia de dignidade à pessoa com obesidade nas diversas esferas que compõe uma vida plena, igualitária e de direito de qualquer cidadão.

https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/obesidade/index.html

Fonte: Câmara dos Deputados

Comissão vai discutir situação de indígenas nas prisões

A Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados vai debater na terça-feira (26) o tratamento recebido pelos indígenas no sistema prisional brasileiro.

Confira a lista de convidados da reunião, que está marcada para as 15 horas no plenário 12.

A autora do requerimento para a realização da audiência é a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG). Segundo ela, diversas entidades da sociedade civil têm apontado uma violação sistemática de direitos dos indígenas que estão presos.

Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Célia Xakriabá ergue o braço com o punho fechado em Plenário

Célia Xakriabá é a autora do requerimento para a realização da audiência

Entre essas violações, a deputada cita a descaracterização étnica. Nesse caso, a pessoa é registrada como “parda” por ter negada o direito à autoidentificação como “indígena”.

“O problema gera a subnotificação do número real de indígenas que hoje enfrentam pena de privação de liberdade, nega direitos constitucionais e não permite a plena efetivação de direitos garantidos em normativas internacionais em que o Brasil é signatário”, diz a deputada.

Intérpretes
Célia Xakriabá destaca também a ausência de intérpretes de língua indígena, o que impede a total compreensão do rito processual por parte da pessoa indígena.

“São inúmeros os casos em que mesmo a assistência jurídica, direito garantido constitucionalmente, é comprometida ou mesmo inviabilizada pela ausência de intérpretes”, acrescentou. “Assim, a pessoa indígena acusada, investigada, ré ou condenada em um processo fica à mercê de práticas estatais que reforçam
e produzem violações de direitos, quando deveriam protegê-los”.

Fonte: Câmara dos Deputados

Comissão vai ouvir ministro dos Direitos Humanos sobre fala considerada “ameaçadora”

A Comissão de Fiscalização Financeira e Controle vai realizar na próxima terça-feira (26) audiência pública com o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.

Confira a pauta da reunião, que está marcada para as 14 horas, no plenário 9.

O autor do requerimento para a realização da audiência é o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES). Ele quer cobrar do ministro “esclarecimentos” sobre trecho de seu discurso proferido durante o lançamento do Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil, ocorrido em julho.

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Evair Vieira de Melo fala durante reunião na Câmara

Evair Vieira de Melo é o autor do requerimento para cobrar explicações do ministro

A Comissão de Fiscalização Financeira e Controle vai realizar na próxima terça-feira (26) audiência pública com o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.

Confira a pauta da reunião, que está marcada para as 14 horas, no plenário 9.

O autor do requerimento para a realização da audiência é o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES). Ele quer cobrar do ministro “esclarecimentos” sobre trecho de seu discurso proferido durante o lançamento do Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil, ocorrido em julho.

Na ocasião, o ministro teria feito a seguinte declaração, conforme a justificativa do deputado:

  • “Nós não temos um dia de paz. Por exemplo, nas últimas semanas, vimos pessoas com mandato, enfim, destilando ódio e que [isso é] algo que nós vamos ter que tomar algum tipo de providência. Não tenho dúvida de que a estabilidade, não apenas da democracia no Brasil, mas da República, ela vai depender da nossa capacidade de reagir à altura contra esses arautos do caos, do desespero e do ódio. Não tenham dúvida […] que os adversários da democracia e da República também […] não terão um dia de paz”.

Vieira de Melo considerou essa declaração “preocupante” e quer explicações do ministro “tendo em vista a admoestação ameaçadora contra a paz dos pretensos adversários da democracia e da República”.

Fonte: Câmara dos Deputados

STF julgará descriminalização do aborto no plenário presencial

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai iniciar no plenário físico o julgamento sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. A data ainda não foi marcada. 

O julgamento do caso foi iniciado na madrugada desta sexta-feira (22) no plenário virtual da Corte, mas um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento. O pedido de destaque é justamente a solicitação para levar para o plenário físico um julgamento que corre em ambiente virtual.

A análise do caso no Supremo é motivada por uma ação protocolada pelo PSOL, em 2017. O partido defende que interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legenda alega que a criminalização afeta a dignidade da pessoa humana e afeta principalmente mulheres negras e pobres.

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.

A ação é relatada por Rosa Weber, que deixará o tribunal na semana que vem ao completar 75 anos e se aposentar compulsoriamente. A ministra será substituída por Barroso, que tomará posse na quinta-feira (28).

Fonte:

Logo Agência Brasil

STF vai decidir sobre crédito de ICMS em operação de combustíveis

O Supremo Tribunal Federal vai decidir se a manutenção do crédito de ICMS relativo às operações internas anteriores à que destina combustível derivado do petróleo a outro estado é constitucional. A matéria é objeto de recurso extraordinário (RE) com repercussão geral (Tema 1.258).

O tema diz respeito à operação de distribuidora que adquire combustíveis derivados de petróleo de outra pessoa jurídica situada no mesmo estado (operação interna) e, quando verifica situação favorável, vende parcela desses produtos para outro estado.

Em razão da operação interna, ela se credita do ICMS e, por ocasião da operação interestadual, não estorna o crédito. Assim, a questão é saber se o estado de origem pode manter o ICMS referente às operações anteriores à interestadual, sobre a qual não incide o imposto.

O recurso foi interposto por uma distribuidora de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça local que permitiu ao estado de origem manter o imposto referente às operações anteriores à interestadual.

Para a empresa, esse entendimento viola o princípio da não cumulatividade, pois resulta na dupla tributação do produto. A distribuidora sustenta que caberia exclusivamente ao estado de destino da mercadoria todo o imposto sobre os combustíveis, desde a produção até o consumo.

Manifestação
Para o relator do recurso, ministro Dias Toffoli, a matéria afeta as atividades de um relevante ramo da economia nacional e merece ser examinada pelo Supremo na sistemática da repercussão geral, a fim de conferir unidade na interpretação das normas constitucionais apontadas como violadas. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

RE 1.362.742

Crime de atentado à democracia — uma análise jurídica

O Código Penal, no Título XII da Parte Especial, trata “Dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito“. No capítulo II desse título estão os “Crimes contra as Instituições Democráticas”, dentro do qual se insere o artigo 359, L, que tipifica o delito de atentado violento ao Estado democrático de Direito. De acordo com mencionado dispositivo, constitui infração penal punível com reclusão de 4 a 8 anos, mais a pena correspondente à violência, “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais“.

O crime, originário da junção dos artigos 17 e 18 da revogada Lei de Segurança Nacional, consiste em tentar abolir o Estado Democrático de Direito de duas maneiras: (a) impedindo (totalmente) o exercício dos poderes constitucionais; (b) ou restringindo (parcialmente) tal exercício. Sua realização exige que o agente efetivamente consiga impedir ou restringir o exercício de pelo menos um dos poderes constitucionais. Parece se tratar de um delito de atentado, quando a lei fala em “tentar abolir”, no entanto, a leitura atenta do tipo penal revela ser necessária a efetiva obstrução ou restrição do exercício dos poderes constitucionais. O tipo protege bem jurídico fundamental para a preservação da democracia.

A CF, em seu artigo 1º, caput, definiu o perfil político constitucional da República Federativa do Brasil como o de um Estado democrático de Direito, afastando-se da ultrapassada visão liberal do século 19, restrita ao Estado formal de Direito, sem compromissos sociais. Trata-se do mais importante dispositivo da nossa Carta Magna, já que dele decorrem todos os princípios constitucionais sensíveis, que dão ao nosso modelo constitucional as características de democrático, liberal e com responsabilidade social.

Em um Estado de Direito, todos se submetem às mesmas regras jurídicas, abstratas e impessoais, substituindo-se a vontade unipessoal do líder político, espiritual, príncipe ou ditador, pela vontade objetiva e impessoal da lei. O Estado democrático de Direito vai além. Consiste também na obrigação de intervenção efetiva a fim de reduzir as desigualdades sociais. O Estado de Direito atende às aspirações dos direitos humanos de primeira geração e protege o indivíduo contra o arbítrio. O Estado Democrático de Direito tem exatamente o mesmo compromisso, acrescido da obrigação de prestações positivas para garantir saúde, educação, dentre outros e aplacar o abismo social que separa a miséria da opulência. É o Estado atuante, que deixa de ser um espectador inerte das distorções provocadas pelo sistema capitalista, mantendo, no entanto, seus princípios básicos, como respeito à propriedade privada, livre iniciativa, liberdade econômica, liberdade de expressão e pluralismo político. É um Estado de Direito qualificado pela busca da justiça social.

Um dos seus fundamentos básicos reside no princípio da reserva legal (CF, artigo 5º, XXXIX). Somente a lei pode definir crimes e cominar penas, sendo necessário descrever o fato que se entende criminoso com todos os seus elementos e circunstâncias, de modo que somente seja considerado crime a conduta que corresponder integralmente àquela descrição. Tal requisito denomina-se taxatividade, sem a qual o Estado não pode punir o indivíduo.

É precisamente neste ponto, para garantir a segurança jurídica, que entra a dogmática do Direito Penal. Trata-se do estudo sistemático e metodológico das normas penais, com o fim de fixar seu exato alcance e real significado. O penalista espanhol Gimbernat Ordeig resumiu com precisão: “A dogmática jurídico-penal, ao assinalar limites e definir conceitos, faz possível uma aplicação segura e calculável do Direito Penal, retirando-lhe da irracionalidade, da arbitrariedade e da improvisação. Quanto mais pobre seja o desenvolvimento de uma dogmática, tanto mais previsíveis serão as decisões dos tribunais…” [1].

A ciência jurídica fornece parâmetros técnicos e objetivos para que situações assemelhadas sejam tratadas de modo semelhante, sem a interferência de fatores externos, sejam eles sociais, políticos ou emocionais. A dogmática se submete a um método técnico-jurídico, dedutivo, lógico e abstrato. Até que se atingisse a fase científica do Direito Penal, houve paulatina evolução da humanidade. Inicialmente, havia o poder absoluto do líder tribal ou pajé com suas superstições e crendices. Mais adiante, surgiu o Talião (de talio, de talis, retaliar), retribuição do mal pelo mal (“fractura pro fractura, oculum por oculo, dentem pro dente” — Levítico, XXIV: 19 e 20 e Deuteronômio 19:21).

Ultrapassada a fase pré-penal [2], seguiu-se na Baixa Idade Média, o sistema das ordálias, com suas provas irracionais, vigorando até 1215 , quando abolidas pelo Concílio de Latrão. Havia também o sistema da prova privilegiada, que considerava como plena, meros indícios, no caso de crimes mais graves [3]. Com o fim da Idade Média (1453), veio o Absolutismo (séculos 15 ao 18), no qual o monarca era fonte suprema de poder, com apoio de filósofos como Jean Bodin e Thomas Hobbes. Símbolo dessa época foi Luís 14, conhecido como Rei Sol, cujo reinado se resume na frase: “l´état c´est moi” (o Estado sou eu).

Com o Iluminismo (final do século 18), surgiu um movimento de contestação ao arbítrio com filósofos como Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), La Metrie (1709-1751), Diderot (1713-1784), D’Alembert (1717-1783), Helvetius (1715-1771), D’Holbach (1723-1789) e Rousseau (1712- 1778). A obra de Rousseau, Teoria do Contrato Social (1762) e de Cesare Bonnessana (Beccaria), Dos Delitos e das Penas (1764), tiveram grande influência na Revolução Francesa de 1789, a qual, contou ainda com a maior crise agrária do século, agravando a fome e a revolta da população contra a nobreza e o rei Luís 16.

Com a Revolução Industrial, a nova classe de poder, a burguesia ascendente busca segurança jurídica, ideia que dominará todo o século 19. Nesse novo ambiente político, Feuerbach redescobre um documento de 1215, imposto pela nobreza britânica ao rei John Lackland (João Sem Terra), denominado Magna Charta Libertatum, cujo artigo 39 estampava um princípio que mudaria os rumos do direito penal: “nullum crimen nulla poena sine praevia lege“. Somente a lei, de forma estrita e taxativa, pode descrever crimes e cominar penas. Estava aberto o caminho para o desenvolvimento científico da ciência criminal.

Com isso, surgem as escolas penais numa fase de ebulição científica e fortalecimento das garantias individuais. A evolução da democracia, tal como a compreendemos nos dias de hoje, é uma jornada histórica complexa que atravessou séculos e foi marcada por transformações significativas no sistema jurídico e na estrutura de governo. No Brasil, nossa CF superou o liberalismo radical do laissez faire, laissez passer e impôs ao Estado deveres de natureza social (CF, artigo 3º). Esse foi o compromisso assumido pela Carta de 1988.

Daí decorre: (a) ser necessário proteger o Estado democrático de Direito contra incursões que visem à sua eliminação; (b) nessa defesa, empregar os instrumentos democráticos previstos em lei. Nesse ponto entram a dogmática e a ciência jurídica, com seus princípios e métodos, orientando o exercício da pretensão punitiva do Estado.

O artigo 359, L, do CP, tem como bem jurídico tutelado a democracia. Cumprindo sua função de taxatividade e a fim de evitar excessivo alargamento de seu alcance punitivo, o tipo penal em questão descreveu as duas formas pelas quais se atenta contra o Estado Democrático de Direito: impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais. Deste modo, de acordo com a descrição típica do artigo 359, L, do CP, haverá tentativa de abolição do Estado democrático de Direito quando o agente praticar conduta capaz de impedir ou ao menos restringir o funcionamento dos poderes constitucionais.

Não basta vontade ou intenção de impedir ou restringir tal funcionamento, sendo necessário aferir a eficácia dos meios empregados, sob pena de configuração de crime impossível. O artigo 17 do CP considera ser crime impossível, quando a tentativa for impossível pela ineficácia absoluta do meio ou impropriedade absoluta do objeto. É a chamada tentativa inidônea, inadequada ou quase-crime.

É imprescindível que a ação tenha efetiva capacidade de impedir ou restringir de fato, o exercício dos poderes constitucionais. Só a intenção não basta. Quando o agente imagina, por erro, estar praticando um crime, mas na verdade não chega a colocar em risco o bem jurídico tutelado, surge a figura do delito putativo por erro de tipo e não existe crime. Quem atira num cadáver pensando estar matando pessoa viva, quer matar, mas não comete crime algum, face à impropriedade absoluta do objeto material.

Na sua mente existe um crime sendo cometido, mas na realidade o bem jurídico não sofreu risco algum. Invadir edifícios vazios impede ou restringe o exercício dos poderes constitucionais apenas no local invadido, mas não os inviabiliza ou restringe, já que podem continuar sendo desempenhados em lugar diverso. Deve-se considerar também se a desocupação se deu no mesmo e se havia algum tipo de atividade pública sendo exercida naquele momento.

No Direito Penal, enquanto a conduta estiver aprisionada no claustro psíquico da mente humana, ela ainda residirá na fase da cogitação, a qual não é punida pela nossa legislação (cogitationis poena nemo patitur). A segunda etapa do percurso criminoso (iter criminis) é a preparação, quando o agente realiza atos antecedentes necessários ao início da execução. Nesta fase, também ainda não existe crime. A terceira fase é a execução, quando o crime começa a existir. Nesta, o sujeito inicia um efetivo ataque ao bem jurídico tutelado.

No caso do artigo 359, l, do CP, ele terá de realizar atos que efetivamente tenham probabilidade de impedir ou restringir o exercício dos poderes. A ação de impedir ou restringir o funcionamento de um poder pressupõe o emprego de armamento pesado, incluindo armas de uso restrito e uso proibido, organização paramilitar, com estratégia de guerra ou guerrilha. O Exército Brasileiro é sem paralelo a maior força militar da América Latina, sem contar as polícias militares, que constituem sua reserva, além da Polícia Federal e as polícias civis. Não é qualquer movimento que inviabiliza o exercício das funções constitucionais.

É precisamente isto que necessita ser avaliado de acordo com as provas disponíveis, com a necessária individualização das responsabilidades, como determina a ordem constitucional do Estado democrático de Direito (CF, artigo 5º, XLVI). Ainda que os fatos tenham sido cometidos por influência de multidão, é necessário apontar o que cada indivíduo acusado contribuiu causalmente para o desfecho delituoso.

No caso da tragédia do dia 8 de janeiro, mensagens trocadas entre os líderes do movimento indicam inequívoca intenção de derrubar o governo legitimamente eleito. Algumas delas impressionam pelo nível de agressividade e desrespeito. Pretendiam comprovadamente atentar contra o Estado Democrático de Direito. Não basta, no entanto, a intenção. Assim, resta saber quais deles e se algum deles chegou efetivamente a impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais. Estão configurados delitos de extrema gravidade como o do artigo 288-A do CP (integrar grupo ou milícia particular) ou artigo 288, parágrafo único (associação criminosa armada). Há outros delitos disponíveis como dano qualificado, com pena de até três anos, nos termos do artigo 163, parágrafo único, III. Na somatória, os delinquentes sofrerão merecida reprimenda, nos termos da lei. Há também outros que estavam na manifestação, mas não sabiam das intenções nefastas dos delinquentes que lideraram as reprováveis ações de baderna, desordem e anarquia generalizada. Esses deverão ser punidos de acordo com sua culpabilidade.

Como ensinava Ulpiano, o direito deve dar a cada um o que lhe pertence. A cada responsável, que se atribua o crime que merece, nem mais, nem menos. A imprensa, por vezes, nos casos de maior repercussão, acaba por influir decisivamente, e quase sempre negativamente, no ânimo do julgador. Como observa Carnelutti, “Por isso, antes de tudo, a técnica penal recorre à multiplicidade dos tipos e disponibiliza ao juiz uma espécie de mostruário, cada vez mais completo, para que ele tenha condições de encontrar um tipo penal mais assemelhado à concretização do fato” [4]. É disso que cuida este artigo.


[1] Apud Claus Roxin, Derecho Penal, parte general. Trad. Diego-Manuel Luzón Peña et alii. Madrid: Civitas, 1997 e 199, t.1, p. 207

[2] Gustav Radbruch. Historia de la criminalidade. Barcelona: Bosch, 1995, p. 22

[3] Antonio Magalhães Gomes Filho. Direito à prova no processo penal. SP: Revista dos Tribunais, 1997, p. 22.

[4] Francesco Carnelutti. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Editora Servanda. 2012, p. 74

Fonte: Conjur