Após audiência pública sobre a possiblidade de incluir a perda de tempo do consumidor como uma modalidade específica em ação judicial por dano moral, o relator de proposta que trata do assunto na Comissão de Defesa do Consumidor na Câmara, deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), reiterou sua disposição de apresentar relatório contrário à aprovação.
Ele considera que a proposta, que tramita na forma do Projeto de Lei 1954/22, do deputado Carlos Veras (PT-PE), vai aumentar a judicialização das relações de consumo.
Comissão de Defesa do Consumidor – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
“Dentre as questões de quantidade de ações que existem no Judiciário, principalmente no que diz respeito à área civil, 80% são da esfera consumerista”, destacou o relator.
“Se dermos uma ferramenta legal para que aquele que sentir que foi prejudicado no que diz respeito ao seu tempo mover ação, fecha-se o Judiciário só para poder atender as demandas da área cível consumerista. Isso não é plausível.”
Nancy Andrighi lembrou que há leis estaduais e municipais sobre o assunto – Will Shutter / Câmara dos Deputados
A ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi, que também participou da audiência, tem visão diferente da manifestada pelo relator e considera “essencial” pensar o tempo como um valor individual merecedor de indenização quando violado.
Leis estaduais e municipais A magistrada lembrou que hoje já existem leis estaduais e municipais que estabelecem reparação aos consumidores por espera abusiva na prestação de alguns serviços. Mas, nesses casos, o Judiciário reconhece apenas o dano moral coletivo. Se um cidadão sozinho se sentir lesado por esperar muito por atendimento em um banco, por exemplo, e recorrer à Justiça, normalmente ele perde a ação.
No entanto, a ministra ressaltou que há decisões judiciais que consideram cabível a indenização também por dano moral individual devido à espera excessiva. Nas decisões favoráveis ao consumidor, os juízes levaram em conta outros fatores, como não ter água, banheiro ou cadeira para pessoas consideradas “hipervulneráveis”, como idosos, pessoas com deficiência e grávidas.
Novas tecnologias Nancy Andrighi, inclusive, sugeriu a ampliação do grupo de hipervulneráveis no projeto para incluir o que chama de “migrantes digitais”, pessoas que, por algum motivo, não conseguem utilizar as novas tecnologias.
“A era digital é uma nova modalidade de vulnerabilidade do consumidor, não serve para todos os consumidores as afirmações de que a prestadora de serviço tem telefone, plataforma, totem”, alerta Nancy.
“É preciso ter complacência com essas pessoas até que cada um se adapte a essas modernidades eletrônicas, e também e, principalmente, respeitar aqueles que talvez nunca consigam a se adaptar completamente ao mundo digital”, avaliou.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, informou, nesta quinta-feira (9), em Brasília, que o órgão vai apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) novo parecer na ação que pede a adoção de um plano nacional de enfrentamento ao racismo.
O anúncio foi feito após encontro com integrantes da Coalizão Negra por Direitos, entidade que reúne representantes do movimento negro.
“Faremos uma nova manifestação formal, construindo amplamente dentro do governo as condições para isso. As ações do governo irão muito além de um julgamento perante a Suprema Corte”, afirmou Messias.
A manifestação da AGU será incluída no processo no qual o Supremo decidirá se reconhece o “estado de coisas inconstitucional” em relação ao racismo estrutural no país.
Letalidade policial
O caso deve ser julgado pela Corte no dia 22 de novembro, quando os ministros também vão decidir se o governo federal e os estados deverão adotar políticas de reparação e de enfrentamento à letalidade policial contra pessoas negras.
A ação foi protocolada em maio do ano passado. Na ocasião, a gestão da AGU no governo anterior se manifestou pelo arquivamento da ação.
A ação também é assinada por sete partidos políticos: PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede , PDT e PV.
O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou para esta quinta-feira (9) a retomada do julgamento sobre a legalidade do uso da Taxa Referencial (TR) para correção das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A análise do caso estava prevista para a sessão desta tarde, mas outros processos tiveram prioridade de julgamento.
O julgamento foi suspenso em abril deste ano por um pedido de vista apresentado pelo ministro Nunes Marques.
Até o momento, o placar da votação está em 2 a 0 pela inconstitucionalidade do uso da TR para correção das contas do fundo. Pelo entendimento, a correção não pode ser inferior à remuneração da poupança.
O julgamento desperta a atenção pelas consequências da eventual mudança no cálculo da remuneração do fundo. Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), eventual decisão favorável à correção poderá provocar aumento de juros nos empréstimos para financiamento da casa própria e aporte da União de cerca de R$ 5 bilhões para o fundo.
Entenda
O caso começou a ser julgado pelo Supremo a partir de uma ação protocolada em 2014 pelo partido Solidariedade. A legenda sustenta que a correção pela TR, com rendimento próximo de zero, por ano, não remunera adequadamente os correntistas, perdendo para a inflação real.
Criado em 1966 para substituir a garantia de estabilidade no emprego, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço funciona como uma poupança compulsória e proteção financeira contra o desemprego. No caso de dispensa sem justa causa, o empregado recebe o saldo do FGTS, mais multa de 40% sobre o montante.
Após a entrada da ação no STF, leis começaram a vigorar, e as contas passaram a ser corrigidas com juros de 3% ao ano, o acréscimo de distribuição de lucros do fundo, além da correção pela TR.
Pelo governo federal, a AGU defende a extinção da ação. No entendimento do órgão, as leis 13.446/2017 e 13.932/2019 estabeleceram a distribuição de lucros para os cotistas. Dessa forma, segundo o órgão, não é mais possível afirmar que o emprego da TR gera remuneração menor que a inflação real.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que prevê a figura do estelionato digital como crime no Código Penal brasileiro.
O texto aprovado acrescenta, no artigo do Código Penal que trata de estelionato, a previsão de que terá pena de reclusão de 4 a 8 anos (a mesma para fraude eletrônica) quem se utilizar de plataforma digital para aumentar a projeção de atividade, marca, produto, serviço ou pessoa, induzindo a erro alguém interessado em obter renda extra que, mesmo cumprindo com os compromissos assumidos, deixa de receber valor prometido.
Rosângela Moro: são necessárias medidas legislativas para erradicar esse tipo de crime – Renato Araújo/Câmara dos Deputados
Também terá essa pena quem abusar da confiança de seguidores em plataformas digitais, aplicativos ou redes sociais para aliciá-los ao ingresso em programa de renda extra fraudulento.
O Projeto de Lei 2339/23, do deputado Júnior Mano (PL-CE), ainda depende de análise pelo Plenário da Câmara. A relatora, deputada Rosângela Moro (União-SP), apresentou parecer favorável à proposta e fez apenas ajustes técnicos.
A relatora dá um exemplo do que poderia ser considerado estelionato digital. “Tomemos como exemplo a recente notícia do ‘golpe do InstaMoney’, que promete pagamento por curtidas e tem o mesmo modus operandi de fraudes em plataformas como Netflix, Tiktok Pay e Play Premiado”, informa a parlamentar. “Nessa prática, o InstaMoney engana usuários que, após assistirem a anúncio fraudulento no YouTube, adquirem suposto aplicativo por R$ 147 na esperança de ganhar até R$ 200 por dia e conquistar a independência financeira apenas por curtir publicações no Instagram”, exemplificou Rosângela Moro.
A deputada acredita que são necessárias medidas legislativas para erradicar esse tipo de crime, que tem causado prejuízos às vítimas desses golpes.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (8), proposta que garante prioridade de análise em todas as instâncias a processos relativos a crimes de redução à condição análoga à de escravo.
Foi aprovado substitutivo do deputado André Janones (Avante-MG) ao Projeto de Lei 702/23, do deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE). Janones fez apenas um ajuste técnico com relação ao texto original. A proposta foi analisada em caráter conclusivo e poderá seguir ao Senado, a menos que haja recurso para votação pelo Plenário da Câmara.
O relator do projeto, André Janones: “Delito pautado na exploração extrema do ser humano” – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Hoje, o Código de Processo Penal (Lei 3.689/41) já estabelece prioridade no julgamento de crimes hediondos, como homicídio qualificado, estupro, genocídio e tráfico internacional de arma de fogo.
E o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) caracteriza o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo como, entre outros pontos, submeter a pessoa a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, sujeitar o trabalhador a condições degradantes e restringir sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. A pena é de reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência.
Segundo Janones, o crime é um “delito pautado na exploração extrema do ser humano, que tem a sua liberdade cerceada e que é subjugado física e psicologicamente por indivíduos desprovidos de qualquer sensibilidade, empatia e respeito aos seus semelhantes”. Ele também destacou que o Brasil é signatário de diversos acordos internacionais contra o trabalho escravo.
“Esse crime transcende as fronteiras do abominado passado escravagista que permeia inúmeros países, persistindo infelizmente até os dias atuais, razão pela qual demanda do Estado uma vigorosa e célere repressão”, defende o relator.
Voto contra Durante a análise na CCJ, alguns parlamentares da oposição se posicionaram contrariamente ao projeto. Para o deputado Gilson Marques (Novo-SC), cada processo precisaria ser analisado individualmente. “Um crime de desvio de dinheiro público, no caso concreto, se for R$ 200, apesar de ser abominável, talvez não deva ser apreciado antes de um crime envolvendo o trabalho análogo à escravidão de dez pessoas. Mas um crime envolvendo dinheiro público — de bilhões de reais — precisaria ser analisado anteriormente ao crime que envolve trabalho análogo à escravidão de uma pessoa”, afirmou o parlamentar.
“O que eu estou dizendo aqui é que o parlamentar simplesmente não tem condições de fazer essa análise. O resultado desse projeto vai causar mais distorções ainda, retirando o poder discricionário do juiz, porque agora Brasília decidiu priorizar um crime em detrimento de outros, simples assim, não analisando causa, efeito, valor, quantidade, prazo, cronologia, nada”, criticou.
Resgate de trabalhadores O autor da proposta, Túlio Gadêlha, ressaltou a quantidade de pessoas que ainda vivem em condições de escravidão no País. “O governo de Fernando Henrique reconheceu que, no Brasil, existia trabalho análogo à escravidão em 1995. Desde então, de 95 para cá, todos os anos, resgatamos uma média de 2.200 trabalhadores em condições análogas à escravidão”, informou.
“O que nós pedimos aqui é apenas que haja mais celeridade para punição de crimes cometidos contra a pessoa humana. O trabalho análogo à escravidão existe no Brasil, nos grandes cafezais, nos grandes engenhos de cana-de-açúcar, nas grandes plantações de cacau. Existe dentro da casa de muitos brasileiros, porque a empregada doméstica, o empregado doméstico, muitas vezes não tira férias, é submetido a condições precárias de trabalho com assédio moral, com todo o tipo de assédio, principalmente as mulheres”, exemplificou Gadêlha.
A Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que obriga a Polícia Civil a aplicar o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (Frida) no momento de registro de ocorrência de violência doméstica. Se não houver denúncia policial, a aplicação pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário continua sendo facultativa, no primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.
O deputado Alberto Fraga recomendou a aprovação de substitutivo – Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
O texto aprovado estabelece ainda que o questionário pode ser utilizado como razão para o afastamento do agressor do lar ou o encaminhamento da mulher para a Casa da Mulher Brasileira ou a casa-abrigo mais próxima.
O Frida foi criado pela Lei 14.149/21, mas as autoridades que atendem às mulheres vítimas de violência não não obrigadas a aplicá-lo.
O texto aprovado foi o substitutivo da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher ao Projeto de Lei 1213/22, da ex-deputada Carla Dickson (RN), e a outros apensados, conforme recomendação do relator na Comissão de Segurança Pública, deputado Alberto Fraga (PL-DF).
“A proposta traz o devido ajuste para que o documento seja um efetivo recurso, tanto pela sua tempestividade quanto por ser um insumo para o planejamento de ações destinadas à proteção da mulher”, afirmou. “A obrigatoriedade do preenchimento pela Polícia Civil no exato momento da ocorrência elide as principais dúvidas sobre o contexto das agressões, bem como as medidas a serem adotadas pela autoridade policial”, avaliou o relator.
Tramitação
A proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Em 2018, seis anos após a publicação da Resolução de Diretoria Colegiada 14/2012, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regula o uso de aditivos, como os de sabor e aromas, em produtos de tabaco, o plenário do Supremo Tribunal Federal derrubou a liminar que suspendia a sua aplicação no território nacional.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.874, em cujos autos tinha sido concedida a liminar, em 2013, foi proposta pela Confederação Nacional da Indústria e visava a declaração de inconstitucionalidade artigo 7º, III e XV, da Lei nº 9.782/1999, além de, por arrastamento, como pedido sucessivo, a declaração de inconstitucionalidade de artigos da RDC 14/2012 por suposta violação à livre iniciativa (artigo 170 da Constituição) e ao princípio da legalidade (artigo 5, II, e artigo 37, caput, ambos da CF).
Em suma, a CNI pretendeu a declaração de inconstitucionalidade da competência da Anvisa para proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde, o que afetaria não só os produtos de tabaco, mas todos os outros produtos regulados pela agência, como agrotóxicos.
A ADI 4.874 foi julgada improcedente. No que toca à competência da Anvisa (artigo 7º, III e XV, da Lei nº 9.782/1999), o resultado foi pela improcedência por 9 votos a 1, o que impõe efeito vinculante à decisão nesse ponto. Com relação aos artigos da RDC 14/2012, o resultado foi empate em 5 votos, o que garantiu a constitucionalidade da norma atacada, sem, todavia, emprestar efeito vinculante ao acórdão do STF nesse quesito. Ressalte-se que o total de dez votos, não de 11, deve-se ao fato de que o ministro Luís Roberto Barroso declarou-se impedido para julgar, tendo em vista já ter dado parecer jurídico sobre a temática, antes de se tornar ministro do STF.
A constitucionalidade da RDC 14/2012, reconhecida pelo plenário do STF, não foi suficiente, entretanto, para obstar outras ações em curso pelo Brasil. Por conta desse fato, liminares concedidas em sede de controle difuso de constitucionalidade permaneceram em vigor, apesar da importante decisão do STF, em 2018.
Agora, e é esse fato que move o presente artigo, está-se às portas de um novo julgamento sobre o mesmo tema no STF, agora no formato de Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.348.238-DF 1.348.238, com repercussão geral (Tema 1252).
Nesse ponto, importante começar por um fato inatacável: a RDC 14/2012 é essencial para que o Brasil cumpra a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT, tratado internacional que ratificou, em 2 de janeiro de 2005, conforme Decreto Presidencial nº 5.658/2006.
Nesse sentido, precisa ser dito que a RDC 14/2012 é decorrência do compromisso internacional assumido pelo Brasil para defesa de direitos humanos de todas e todas que vivem no Brasil.
Tal compromisso se funda na efetiva ligação entre cumprimento da Constituição do Brasil e os Tratados Internacionais, além de ser estampada no Preâmbulo da CQCT, nos seguintes termos: “Recordando ainda o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde, que afirma que o gozo do mais elevado nível de saúde que se possa alcançar é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, ideologia política, condição econômica ou social;”
Assim, confirma-se que a CQCT visa a proteção dos direitos fundamentais, o que reforça a importância de se fazer cumprir internamente as normas da Convenção Quadro de Controle do Tabaco, pois faz parte do bloco de constitucionalidade do ordenamento jurídico brasileiro.
Declarar a inconstitucionalidade da RDC 14/2012 é uma afronta ao compromisso internacional vinculante que o Brasil firmou. Uma decisão que afasta a RDC 14/2012 do nosso ordenamento representará, também, um retrocesso no campo da promoção da saúde, abrindo caminho para que crianças comecem a fumar e passem a se tornar viciadas em produtos comprovadamente nocivos à saúde. Vale lembrar que os aditivos, restringidos pela RDC 14/2012, tornam o tabaco mais atraente e palatável e fazem que se inicie a experimentação e o vício em idades cada vez menores, fato que fez o tabagismo ser classificado como doença pediátrica pela Organização Mundial de Saúde. Nesse sentido, manter a constitucionalidade da RDC 14/2012 da Anvisa é garantir a proteção inclusive de crianças e adolescentes, que não vão se sentir atraídos pelo tabaco por conta desse ter sabores variados, o que fará que elas se tornem viciadas cada vez mais cedo.
Em suma, para proteger o direito à saúde das pessoas que estão no Brasil, nos moldes estabelecidos pela CQCT, o Brasil precisa da RDC 14/2012, da ANVISA, um órgão regulador de produtos de tabaco do Poder Executivo, tendo em vista que, no país, reconhece-se que tratado internacional tem, no mínimo, força de lei federal. Somente assim o Brasil poderá cumprir a CQCT e dar amparo a quem quer ter seus direitos protegidos diante das violações causadas pelo consumo precoce do tabaco e que tornou o tabagismo uma doença pediátrica, atingindo pessoas cada vez mais jovens. Ao restringir os aditivos do tabaco, a RDC 14/2012 pavimentou o caminho de proteção dos direitos fundamentais de todas e todos.
Olhando especificamente para a decisão proferida na ADI 4.874, destaca-se que o STF já assentou entendimento de que o artigo 7º, incisos III e XV, da lei 9782 é constitucional, superando, assim, o debate sobre a competência da Anvisa para proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde.
Na ADI 4.874, houve debate sobre uma suposta violação à livre iniciativa, porém, tal tese foi afastada, como indicado no item 7 da Ementa, nos seguintes termos:
“7 . A liberdade de iniciativa (artigos 1º, IV, e 170, caput, da Lei Maior) não impede a imposição, pelo Estado, de condições e limites para a exploração de atividades privadas tendo em vista sua compatibilização com os demais princípios, garantias, direitos fundamentais e proteções constitucionais, individuais ou sociais, destacando-se, no caso do controle do tabaco, a proteção da saúde e o direito à informação. O risco associado ao consumo do tabaco justifica a sujeição do seu mercado a intensa regulação sanitária, tendo em vista o interesse público na proteção e na promoção da saúde.”
Dessa forma, o STF se mantém firme aos seus precedentes. De fato, a Suprema Corte reiteradamente assevera que as intervenções indiretas na economia são constitucionais e não representam violação ao princípio da livre iniciativa, como feito na ADI 319-4 (DF), que teve brilhante voto proferido pelo ministro Celso de Mello, nos seguintes termos:
“Todas as atividades econômicas estão sujeitas à ação fiscalizadora do Poder Público. O ordenamento constitucional outorgou ao Estado o poder de intervir no domínio econômico (…). A liberdade econômica não se reveste de caráter absoluto, pois seu exercício sofre, necessariamente, os condicionamentos normativos impostos pela Lei Fundamental da República. A própria noção de intervenção regulatória ou indireta do Estado, cuja prática legitima o exercício do poder de controle oficial de preços, constitui uma categoria jurídica a que não se tem revelado insensível o legislador constituinte brasileiro. Quaisquer que sejam as modalidades ditadas pelo sistema de controle oficial de preços ou qualquer que seja o momento em que esse sistema opere e se concretize (a priori ou a posteriori), as limitações que dele derivam, desde que fundadas na lei, incluem-se na esfera de abrangência constitucional do poder de intervenção regulatória do Estado. Desse modo, inexiste apoio jurídico, em nosso sistema constitucional, para a tese que pretende ver subtraídas, à ação regulatória do Estado, as atividades empresariais de exploração econômica do ensino.”
E continua o ministro Celso de Mello:
“As atividades empresariais — qualquer que seja o campo em que se exerçam, inclusive na área de exploração econômica das atividades educacionais — não têm, nos princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, instrumentos de proteção incondicional. Esses postulados – que não ostentam valor absoluto — não criam, em torno dos organismos empresariais, qualquer círculo de imunidade que os exonere dos gravíssimos encargos cuja imposição, fundada na supremacia do bem comum e do interesse social, deriva do texto da própria Carta da República. O princípio da liberdade de iniciativa não tem, desse modo, caráter irrestrito e nem torna a exploração das atividades econômicas um domínio infenso e objetivamente imune à ação fiscalizadora do Poder Público.”
Outro exemplo é a ADI 1.950-3 (SP), em que o STF mais uma vez reafirmou a possibilidade de limitação à livre iniciativa. Nas palavras do ministro Eros Grau:
“É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema, o sistema capitalista, no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário.”
Logo, não há como sustentar que haveria intervenção indevida na economia, sendo possível asseverar que restou incólume o princípio da livre iniciativa, especialmente com relação à regulação de produtos de tabaco, posto que são nocivos à saúde, causam forte dependência, mais de 50 doenças e mortes precoces. Aliás, é esperado de uma agência reguladora que faça seu papel de, como seu nome diz, regulamentar o setor, como estabelecido em controle concentrado de constitucionalidade, na ADI 4.874.
Com base nisso, na decisão proferida na citada ADI, o STF reafirmou a competência normativa da Anvisa para “proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde”.
Para além disso, ressalte-se, como a regulação do uso de aditivos em produtos de tabaco, por meio da RDC 14/2012, está fundamentada no artigo 9º, da CQCT, que tem, no mínimo, status de lei ordinária, de acordo com o RE 466.343, cai por terra qualquer alegação de violação do princípio da legalidade, inscrito no artigo 5º, II, e no artigo 37, caput, da CF, valendo destacar que os demais princípios da administração pública, inscritos nesse último artigo, não foram afrontados pela RDC 14/2012.
Declarar inconstitucional a RDC é romper com o compromisso internacional assumido pelo país com a ratificação da CQCT, e também com os precedentes do STF, e isso não se espera da Corte, que tanto realiza pela proteção à saúde das pessoas, mormente como se viu durante a pandemia da Covid-19. Nesse ponto, vale lembrar que o tabagismo é reconhecido pela OMS como uma epidemia, responsável pela morte de mais de 8 milhões de pessoas no mundo por ano. As ações que se conectam com a efetivação da Convenção Quadro de Controle do Tabaco, como é o caso da RDC 14/2012, fazem com que a contagem de mortos pelo tabaco não se alastre, fazem com que se impeça o desenvolvimento de doenças e, principalmente, impede que crianças e adolescentes se tornem dependentes do tabaco e venham a desenvolver doenças tabaco-relacionadas.
Em suma, a RDC 14/2012 é uma das muitas “vacinas” que temos para conter o avanço do tabagismo. Enquanto as vacinas nascem da pesquisa científica no campo da saúde, a RDC 14/2012, e toda a regulamentação de proteção frente ao tabagismo é fruto da construção normativa de proteção de direitos fundamentais.
Que o STF, mais uma vez, não permita que o negacionismo, disfarçado de proteção à liberdade, cause danos à saúde e faça que cada vez mais pessoas tenham de seus entes queridos apenas lembranças e fotos.
Que o valioso esforço regulatório brasileiro não seja em vão e que as presentes e futuras gerações sejam protegidas das estratégias de negócio da indústria do tabaco que buscam arrebanhar fumantes cada vez mais jovens.
A operadora de plano de saúde que se dispõe a enfrentar os riscos do mercado não pode recusar a contratação por adesão de um consumidor que tem o nome negativado por dívidas. O devedor, afinal de contas, não pode ser tratado como um pária, nem ser impedido de buscar o direito à saúde.
Plano de saúde tentou recusar contratação de uma mulher que tem o nome negativado Agência Brasil
Com base nesse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de uma operadora que tentou defender uma política restritiva de comercialização do próprio produto.
A empresa negociou via aplicativo de mensagens a adesão da consumidora ao plano de saúde. Antes da assinatura do contrato, porém, informou que a contratação não seria possível porque a mulher estava com o nome negativado em razão de dívidas.
A consumidora, então, ajuizou ação pedindo indenização por danos morais, bem como para obrigar a operadora a aceitá-la no plano de saúde. As instâncias ordinárias deram razão parcial ao pedido: permitiram o ingresso dela como beneficiária, mas não viram motivos para indenizá-la.
A operadora, por seu lado, vê a restrição como totalmente possível. Primeiro, porque a contratação é baseada no mutualismo. Segundo, porque a Lei 9.565/1998 não traz qualquer previsão sobre a conduta. Assim, se ela não é vedada legalmente, não deve ser proibida pelo Poder Judiciário.
O argumento sensibilizou a ministra Nancy Andrighi, que votou por dar provimento ao recurso especial, mas ficou vencida. Prevaleceu o voto divergente do ministro Moura Ribeiro, seguido pelos ministros Marco Aurélio Bellizze, Ricardo Villas Bôas Cueva e Humberto Martins.
Para eles, não é viável diferenciar as pessoas entre adimplentes e inadimplentes em relação a um serviço que é contratado para adesão e que visa a concretizar um direito fundamental. Seria como se existissem tipos diferentes de pessoas, o que fere a dignidade humana.
“Não se sabe nem o porquê de a pessoa ter sido negativada. Ela não teve a oportunidade de demonstrar qual foi o motivo jurídico. Está se pressupondo a má-fé do consumidor antes mesmo de o contrato ser assinado”, analisou o ministro Moura Ribeiro.
O ministro Humberto Martins destacou que o artigo 13 da Lei 9.656/1998 permite a rescisão contratual em caso de inadimplência. E concordou com o argumento de que o plano de saúde não deve selecionar o consumidor ao enfrentar os riscos da sua atividade econômica.
Já o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que foi conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), recordou que, em determinadas cidades brasileiras, certas operadoras são as únicas a atuar, detendo uma espécie de monopólio do mercado.
Assim, permitir que elas recusem a contratação de devedores seria excluí-los da proteção da saúde suplementar. O ministro Marco Aurélio Bellizze acrescentou que o plano de saúde pode, inclusive, ser pago por outra pessoa que não seja o próprio beneficiário.
A jurisprudência tradicional do Supremo Tribunal Federal entende que as regras básicas do processo legislativo federal constituem normas de observância obrigatória para estados, Distrito Federal e municípios. Deriva-se disso o que a doutrina denomina de princípio da simetria.
Não deixa de ser peculiar que a Constituição Federal trate apenas do processo legislativo da União, referindo-se apenas ao Congresso Nacional, ao presidente da República e a outras autoridades federais, sem que haja sequer um artigo mandando aplicar essas mesmas regras aos demais níveis federativos. Talvez porque se pressuponha essa aplicação simétrica/imediata.
A questão, contudo, é um tanto quanto controvertida, pois, em matéria de simetria, menos é mais. É dizer: quanto menos exigente se é com a adoção desse princípio, mais liberdade e autonomia se atribui aos entes subnacionais, o que é, em certa medida, a própria razão de ser de se adotar a forma federativa de Estado.
Precisamos dar, contudo, alguns passos atrás, e rememorar a própria fonte mais imediata da extração desse princípio, bem como suas limitações.
De acordo com o artigo 25, caput, da Constituição, os estados-membros organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios estabelecidos na Constituição. Dessa norma o STF induz o chamado princípio da simetria, segundo o qual os estados, o DF e os municípios devem adotar, nas linhas gerais, os mesmos princípios básicos aplicáveis na esfera da União.
No âmbito do processo legislativo, é firme a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “as regras básicas do processo legislativo federal –— incluídas as de reserva de iniciativa —, são de absorção compulsória pelos Estados, na medida em que substantivam prisma relevante do princípio sensível da separação e independência dos poderes” (STF, Pleno, ADI 430/DF, relator ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 1/7/1994).
Pode-se afirmar, assim, que as normas relativas ao processo legislativo federal são verdadeiros princípios extensíveis — isto é, normas delineadas para a União, mas que se aplicam também aos estados, ao DF e aos municípios. Segundo a interpretação majoritariamente adotada, essa aplicação só cede espaço para a autonomia estadual ou municipal quando assim expressamente previsto na CF (por exemplo: artigo 27, § 4º que atribui à lei — estadual — a definição das regras para a iniciativa popular em âmbito estadual). Também não incide a simetria quando a regra federal for juridicamente inaplicável às demais esferas, como é o caso da dinâmica do bicameralismo (artigo 65), obviamente impossível de se aplicar em entidades federativas com uma Casa legislativa só.
O problema, porém, é que se registra recente tendência do STF à valorização (ou endurecimento?) desse princípio, em detrimento (cada vez mais) da autonomia dos estados-membros. Assim, mesmo em “zonas cinzentas”, nas quais se poderia admitir uma certa criatividade estadual, a corte tem reiteradamente adotado uma obrigação bastante rígida de simetria: assim, por exemplo, em relação ao quórum de PEC na esfera estadual (que se passou a exigir ser igual ao de PEC na esfera federal, 3/5) e às matérias de lei complementar (que o tribunal passou a entender que não podem ser ampliadas na esfera estadual).
Vejamos com mais cuidados esses dois precedentes. Até 2022, não havia obrigatoriedade de que os estados e o DF seguissem, na reforma de suas Constituições e Lei Orgânica, o mesmo quórum de 3/5 previsto para a reforma da esfera federal. Considerava-se tratar de tema sujeito à autonomia estadual. Porém, já havia precedente do STF considerando inconstitucional norma estadual que exigia o quórum de 4/5 para a reforma, mas pelo exagero desse patamar de votos.
Todavia, no julgamento da ADI nº 6.453/RO, o Pleno do STF adotou novo entendimento, para considerar inconstitucional norma de Constituição estadual que previa quórum diferente de 3/5 (no caso, 2/3) para a aprovação de PEC naquela esfera federativa. Com a devida vênia, consideramos incorreto tal entendimento. Não há na CF norma expressa que determine quórum de aprovação de PEC na esfera estadual — e, em se tratando de um poder constituinte (embora decorrente), não se devem aplicar com rigidez mandamentos de simetria. Trata-se, contudo, de tendência claramente verificada na jurisprudência mais recente do STF, de aplicar de forma cada vez mais estrita a simetria ao processo legislativo estadual.
Ao julgar a ADI nº 5.003/SC, o Plenário do STF decidiu que a Constituição estadual não pode estabelecer reservas de lei complementar, além daquelas já estabelecida na Constituição federal. Considerou-se que a lei complementar é uma exceção ao princípio democrático, por exigir a formação de uma maioria qualificada, por um procedimento legislativo especial — logo, só pode ser exigida por determinação do Constituinte Federal 73.
Consideramos inadequado esse entendimento. Retirar do poder constituinte estadual o poder de selecionar quais temas merecem uma maior estabilidade normativa é ignorar as peculiaridades de cada um dos 26 estados e do DF: uma matéria que, em nível federal, possa ser menos relevante, pode revestir-se na esfera estadual de importância tal que justifique a exigência de lei complementar para sobre ela dispor. Mais ainda: esse entendimento do STF parece ter criado um paradoxo: se a Constituição estadual veicular o tema de lei ordinária em seu próprio corpo (o que, em regra, é possível), essa disposição somente poderá ser modificada por emenda à Constituição estadual; todavia, se o mesmo texto da mesma Constituição estadual exigir lei complementar para dispor sobre o assunto… será inconstitucional?
Segundo nosso entendimento, não pode a Constituição estadual dispensar a lei complementar nos casos em que a Constituição federal exige tal instrumento; no silêncio da CF, caberia à Constituição estadual livremente selecionar o instrumento legislativo a ser utilizado (lei ordinária ou lei complementar). Não foi essa tese, como se vê, a adotada pelo STF, o qual vem privilegiando cada vez menos a autonomia estadual…
Qual não foi a surpresa de todos, ao perceber que o STF não aplicou a simetria às regras sobre iniciativa de projeto de lei sobre defensoria pública estadual… Mas isso já é assunto para uma parte dois!
A Comissão Mista de Orçamento (CMO) deve votar na terça-feira (7) o relatório preliminar do deputado Danilo Forte (União-CE) ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias — LDO (PLN 4/2023). A reunião está marcada para as 14h30.
A LDO estabelece as regras para a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA). O texto prevê metas e prioridades do governo federal, despesas de capital para o ano seguinte, alterações na legislação tributária e política de aplicação nas agências financeiras de fomento.
A votação do relatório preliminar é o primeiro passo para a votação da LDO. O texto apresentado à CMO em setembro estabelece parâmetros e critérios a serem observados pelos parlamentares tramitação da proposta. O deputado Danilo Forte decidiu priorizar emendas parlamentares que beneficiem temas como educação básica, empreendedorismo feminino, inovação tecnológica, energias renováveis e atendimento integral de crianças com deficiência.
A Comissão Mista de Orçamento tem como presidente a senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB).
Fonte: Agência Senado
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