A Terceira Turma entendeu que deve prevalecer o valor máximo para indenização estabelecido previamente pelas partes, sendo presumível que elas avaliaram as vantagens e desvantagens do acordo.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, confirmou a legalidade de cláusula limitativa de responsabilidade definida no contrato entre uma empresa multinacional do ramo de tecnologia e uma companhia brasileira que atuava como sua representante no país.
Ao considerar as circunstâncias do caso, o colegiado entendeu que o valor máximo para indenização estabelecido previamente pelas partes deve prevalecer, sendo presumível que elas avaliaram as vantagens e desvantagens do acordo. Com isso, a indenização por danos materiais e morais por abusos contratuais pretendida pela representante brasileira ficou limitada a US$ 1 milhão, como previsto no contrato.
“Tendo em vista que não ficou minimamente comprovado o dolo na fixação da cláusula penal nem foi prevista no contrato a possibilidade de o credor demandar indenização suplementar, deve mesmo prevalecer o limite imposto no ajuste”, afirmou o ministro Moura Ribeiro, no voto que foi acompanhado pela maioria do colegiado.
Relação teria sido prejudicada por alterações contratuais e decisões arbitrárias
A relação comercial das empresas teve início da década de 1990, quando a companhia brasileira comprava equipamentos de informática com desconto e os revendia ao consumidor final, obtendo lucro com a diferença dessa operação. No entanto, o vínculo se deteriorou, e ela ajuizou ação requerendo indenização por danos materiais e morais em virtude de supostos abusos praticados pela multinacional, como alterações unilaterais de contrato e decisões que visavam apenas aumentar seu lucro em detrimento da margem estipulada para revendedores.
O juízo de primeira instância validou a cláusula limitativa de responsabilidade e restringiu a indenização requerida ao valor de US$ 1 milhão, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Ao apontar uma possível infração à ordem econômica, a corte avaliou que a multinacional teria se aproveitado da sua superioridade técnica e econômica para aumentar arbitrariamente seus lucros, em prejuízo da companhia brasileira.
O caso chegou ao STJ sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que, em decisão monocrática, manteve o acórdão do tribunal paulista. Em sua avaliação, houve quebra do equilíbrio contratual e aumento excessivo da dependência econômica da representante brasileira.
Não se pode supor vulnerabilidade de uma empresa de grande porte
No colegiado, entretanto, prevaleceu o voto divergente do ministro Moura Ribeiro, no sentido de que a eventual infração à ordem econômica poderia até ser alegada para o rompimento de contrato, mas não para afastar a cláusula de limitação de responsabilidade.
Segundo Moura Ribeiro, ainda que a multinacional detivesse posição dominante, a distribuidora era uma empresa de grande porte, que cresceu expressivamente no período da parceria comercial. Dessa forma, prosseguiu, não se pode supor que era vulnerável a ponto de não compreender a cláusula contratual.
Ao analisar o processo, o magistrado também constatou que o prejuízo efetivamente sofrido pela empresa brasileira não foi superior ao valor estabelecido na cláusula penal.
“Não parece lógico, nem mesmo razoável, determinar uma indenização diversa, apenas com base em meras suposições. Nas circunstâncias, ao contrário, merece prevalecer o limite estabelecido pela vontade das partes, as quais, é de se admitir, sopesaram prós e contras quando da contratação”, concluiu Moura Ribeiro ao restabelecer a sentença de primeiro grau.
Nos últimos meses, houve alterações substanciais nas regras de processo administrativo aplicáveis à matéria aduaneira, especialmente mudanças importantes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e criação e início do funcionamento do Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul). Voltando-nos a essas novidades, mas considerando também normas que permaneceram estáveis, o propósito deste artigo é refletir sobre o processo ou os processos administrativos aplicados às contendas aduaneiras e perquirir se haveria alguma padronização ou harmonização que prenunciasse um processo administrativo aduaneiro.
No comércio exterior, são exigidos os tributos aduaneiros, os tributos federais incidentes na importação com base no princípio do tratamento nacional, algumas taxas, bem como as respectivas multas de mora e de ofício. Em relação a esses tributos e multas, é aplicado o processo administrativo fiscal (PAF), previsto no Decreto nº 70.235/1972. Ou seja, os tributos federais incidentes na importação e as respectivas multas, da mesma forma que os demais tributos federais e suas multas, em caso de lide, ficam submetidos, em primeira instância, à Delegacia de Julgamento e, em segunda, ao Carf.
Regime jurídico próprio e o rito do PAF Isso parece lógico, mas gera algumas dúvidas, tendo em conta que os tributos aduaneiros são extrafiscais e foram concebidos para corresponderem à dinâmica e aos valores a serem velados no comércio exterior. Assim, esses tributos possuem um regime jurídico próprio, que destoa da regra geral, não estando sujeitos ao princípio da legalidade estrita e aos princípios da anterioridade geral e nonagesimal.
Os questionamentos se multiplicam quando se aventa que não somente os tributos e as respectivas multas aplicados na importação e na exportação seguem o rito do PAF, mas também todas as outras multas aduaneiras, muitas sem qualquer relação com os tributos.
Ademais, são exigidas na importação as medidas de defesa comercial, a saber – direitos antidumping, direitos compensatórios e de salvaguarda – e as respectivas multas de mora ou de ofício. Vale lembrar que as discussões são antigas, mas não se logrou ainda no Brasil definir a natureza jurídica desses direitos (penalidade, tributo, instrumento não tributário de intervenção no domínio econômico ou instituto sui generis). Contudo, mesmo sem essa definição, a exigência desses direitos e das multas pelo seu não recolhimento estão também submetidas ao PAF.
Lembremos que as sanções aduaneiras são as seguintes: perdimento do veículo, perdimento da mercadoria, perdimento de moeda, multa e sanção administrativa.
Criação de rito administrativo específico O procedimento administrativo aplicado à exigência das penas de perdimento foi intensamente criticado, especificamente pela falta de previsão de recurso e também porque a decisão final não pertencia a uma autoridade independente da autoridade aduaneira. Com a adesão do Brasil à Convenção de Quioto Revisada (CQR), as críticas se acirraram, pois essa convenção exige a existência do direito de recurso em matéria aduaneira à autoridade independente da Administração Aduaneira.
Esse impasse foi alterado em 2023, com a edição da Lei nº 14.651, de 23 de agosto de 2023, que trouxe a dupla instância para os processos administrativos relativos à pena de perdimento de mercadoria, veículo e moeda, e da multa ao transportador, de passageiros ou de carga, em viagem doméstica ou internacional, que transportar mercadoria sujeita à pena de perdimento. A lei também atribuiu ao Ministério da Fazenda a competência para regulamentar o rito administrativo de aplicação e as competências de julgamento da pena de perdimento de mercadoria, de veículo e de moeda.
O que ainda faltava veio logo em seguida: foram publicadas a Portaria Normativa MF nº 1.005, de 28 de agosto de 2023, e a Instrução Normativa RFB nº 348, de 4 de setembro de 2023, criando o Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul) e estabelecendo sua estrutura e funcionamento. Dessa forma, foi definido em 2023 e está em pleno funcionamento um rito administrativo específico, com a criação de órgão especializado e independente da Aduana, com o intuito de tratar de modo mais técnico, rápido, coerente e harmonizado das penalidades de perdimento. Alguns ainda continuam críticos, defendendo que o recurso deveria ser a autoridade não somente independentemente da Aduana, mas também da Receita Federal.
As novidades no Carf Passemos agora a examinar as recentes e significantes alterações que sofreu o Carf, com impactos sobre a matéria aduaneira.
A primeira mudança que merece ser mencionada é a Portaria Normativa MF nº 1.360, de 1º de novembro de 2023, que trata de ação afirmativa de gênero para o preenchimento de vagas de conselheiros no Carf, determinando que esse conselho seja composto por, no mínimo, 40% de cada gênero nas vagas de conselheiros. A expectativa é que essa medida traga uma representatividade feminina mais adequada, que resulte em decisões mais alinhadas com as aspirações da sociedade.
A segunda mudança examinada é o voto de qualidade. Apesar de um pequeno percentual dos julgamentos serem decididos por voto de qualidade, de acordo com a os dados disponibilizados pelo Carf, sabemos que são os temas mais intrincados e que envolvem valores significativos. Assim, o voto de qualidade certamente afeta o julgamento das matérias aduaneiras.
Vale ter presente que, em termos processuais, o afastamento do voto de qualidade efetivado em 2020 gerava mais vitórias ao contribuinte e, considerando que somente este tem direito de recorrer à Justiça depois de vencido no processo administrativo, essa situação implicava um decréscimo de processos judiciais tributários. Contudo, mister lembrar que justamente essa possibilidade de recurso ao Judiciário ostentada pelo contribuinte e não pelo Fisco constitui importante fundamento para manutenção do voto de qualidade.
Assim, a Lei nº 14.689/2023, reintroduziu o voto de qualidade, mas trouxe consigo outras matérias, algumas afeitas ao tema, como questões relacionadas à transação tributária, autorregularização de débitos, exclusão de juros de mora e multas no caso de decisão do Carf por voto de qualidade, outras nem tanto, como apuração de lucro tributável e retroatividade das penalidades tributárias das pessoas jurídicas que atuam na multiplicação de sementes, tributação de atos cooperados.
Lei tem textos ambíguos, mas estimula a celeridade A lei parece ter sido produzida, costurada e redigida de forma bastante apressada, diante das dificuldades políticas encontradas no início do novo governo. Dessa forma, ela acabou por carregar textos ambíguos e pouco técnicos, o que tem gerado muita dúvida e profundas discussões na interpretação. Entretanto, creio que, independentemente da amplitude dada à previsão legal de exclusão de multas e juros de mora no caso de decisão do Carf por voto de qualidade, há uma consequência realmente positiva: a lei estimula maior celeridade do processo administrativo fiscal. Isso porque, se o processo continuar levando muitos anos, até décadas, para ser decidido, esse afastamento dos juros de mora no caso de decisão por voto de qualidade vai provocar grande defasagem do valor do crédito tributário, que não está sujeito a outro tipo de correção monetária.
A maior celeridade do processo administrativo e judicial tributário é imprescindível para que se fixem as leis e suas interpretações consideradas adequadas e constitucionais. Pois, para empresários, empreendedores e investidores, pior do que uma carga tributária alta é a indefinição; esta não lhes permite planejar corretamente seus negócios e investimentos, desestimulando-os. A celeridade é ainda mais relevante para as matérias aduaneiras, tendo em conta que o comércio exterior é muito ágil e dinâmico. Qualquer demora não prevista pode gerar prejuízos, valores excessivos a título de depósito ou demurrage, e mesmo perecimento ou defasagem tecnológica ou comercial da mercadoria importada.
Os destaques do novo Ricarf Nesse mesmo sentido de celeridade, cabe considerar o novo Ricarf, aprovado pela Portaria MF nº 1.634/2023, que traz mudanças importantes para o processo administrativo fiscal. O próprio Carf especificou os quatro pilares do novo regimento: diminuição da temporalidade dos processos aguardando julgamento; celeridade na publicação dos acórdãos; maior produtividade e especialização dos conselheiros e ampliação do direito de defesa do contribuinte e maior transparência nos julgamentos.
Vamos indicar as mudanças mais importantes para o processo administrativo fiscal, que logicamente, têm impacto sobre o processo aduaneiro.
O tempo máximo de mandato para os conselheiros do Carf foi estendido em 4 anos. Um conselheiro pode então ficar 8 anos e, se assumir presidência ou vice-presidência de câmara ou turma, até 12 anos. Essa medida é importante, tendo em conta que esses profissionais demoram a se formar e que a experiência e especialização no contencioso administrativo fiscal são imprescindíveis tanto para a celeridade quanto para a qualidade do trabalho.
Também houve alteração do número de conselheiros por turma, que passaram de oito para seis. Acredita-se que assim as discussões continuarão técnicas e profundas, mas serão mais ágeis, trazendo celeridade para o julgamento.
Outra mudança interessante foi aumentar o valor para os julgamentos das turmas extraordinárias de 60 salários mínimos para 2.000 salários mínimos. Essa, da mesma forma, veio com o objetivo de trazer celeridade sem comprometimento da qualidade e nem da ampla defesa.
O novo Ricarf também disciplina as modalidades de sessões. Assim, o regimento passou a prever reuniões síncronas — presenciais e não presenciais —, híbridas e assíncronas. As reuniões assíncronas ocorrerão por meio do plenário virtual, que ainda depende de regulamentação por ato do presidente do Carf.
Na mesma esteira, simplificou-se a aprovação das Súmulas do Carf, que pode ocorrer no âmbito das Seções do Carf; além disso, as Súmulas passaram a subordinar as Delegacias de Julgamento da Receita Federal. O que traz uniformização e celeridade.
Especialização de Câmaras e Turmas Todas essas medidas impactam os processos aduaneiros submetidos ao Carf, contudo, há uma que engendrou uma expectativa mais específica para os aduaneiros: a possibilidade de especialização de Câmaras e Turmas. Essa previsão, apesar de não se dirigir exclusivamente aos temas aduaneiros, surgiu diante de uma percepção de que seria importante que algumas turmas se dedicassem precipuamente à matéria aduaneira, o que atrairia especialistas em matéria aduaneira e certamente mais especialização, tecnicidade e qualidade para as decisões do Carf.
Falta ainda mencionar aqui o processo administrativo aplicado às sanções aduaneiras não pecuniárias, indicadas no Regulamento Aduaneiro como sanções administrativas aos intervenientes nas operações de comércio exterior. Sobre estas, a Lei nº 10.833, no seu artigo. 76, §§ 8º e 9º, determina que serão submetidas a processo administrativo próprio, com recurso, dentro da estrutura da Secretaria da Receita Federal.
Três ramos No presente artigo, pudemos verificar que os tributos, direitos, multas, perdimentos e sanções não pecuniárias aduaneiras não seguem rito único nem padronizado para sua exigência, mas foram alocados de acordo com as semelhanças encontradas entre si e com os tributos federais. Na verdade, encontramos três ramos.
Do primeiro, constam os valores relativos a tributos federais exigidos na importação ou na exportação e as multas pertinentes, que foram colocados juntamente com o processo relativos aos demais tributos federais. Nessa mesma posição ficaram os direitos relativos às medidas de defesa comercial e suas multas. Ainda se juntam a esse grupo as multas aduaneiras pecuniárias. Portanto, conforme pudemos examinar, nesse processo administrativo houve importantes mudanças nos últimos meses, com impacto na matéria aduaneira e se tem ainda muita expectativa, mormente em relação à criação de turmas especializadas dentro do Carf.
No segundo ramo, estão as penalidades de perdimento. Observou-se, a partir do segundo semestre de 2023, especialização e também a criação de um recurso à autoridade independente da Aduana para as penas de perdimento aduaneiras de veículos, mercadorias e moedas, como a criação e início do Cejul. Além de cumprir exigência da Convenção de Quioto Revisada, o escopo foi trazer mais especialização, celeridade, tecnicidade e ampla defesa.
Em um terceiro ramo, que não sofreu alterações importantes recentemente, estão as sanções aduaneiras não pecuniárias, que seguem um rito específico, que se desenvolve entre diferentes autoridades da Secretaria da Receita Federal do Brasil, dependendo da sanção aplicada.
Nesse sentido, vislumbramos que a exigência de tributos, direitos, multas e sanções não pecuniárias aduaneiros, apesar de suas características comuns e da necessária especialização no seu tratamento e exigência, não está sujeita a um único processo administrativo, mas a três tipos de processo administrativo, dos quais dois foram aprimorados recentemente, entretanto, os três continuam diversos e isolados.
“Pelo Censo Escolar 2021, das 138 mil escolas do País, 8.100 delas (ou quase 6%) não tinham acesso à água potável”, argumentaram os autores da proposta, a deputada Duda Salabert (PDT-MG) e outras três deputadas e dois deputados, na justificativa da proposta.
“A falta de água potável também chamou a atenção do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que lançou campanha voltada à arrecadação de recursos para ampliar o acesso à água de qualidade nas escolas”, acrescentaram.
Tramitação O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Educação; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Em um país marcado por desigualdades, o ordenamento jurídico e seu intérprete, o Judiciário, têm o papel de assegurar proteção aos grupos vulneráveis, como as pessoas idosas ou com deficiência.
A cidadania plena não é aquela que garante vários direitos a um número limitado de pessoas, mas a que assegura todos os direitos ao maior número possível delas, dando-lhes, assim, a noção de equidade social. Se, por falta de acesso ao transporte público, uma idosa não consegue comparecer ao local de votação no dia das eleições, seus direitos de cidadã foram violados. Ou se alguém com deficiência não tem acessibilidade para estudar ou trabalhar, falha a república cuja Constituição proclama a cidadania como um de seus fundamentos.
Em uma nação marcada por desigualdades, o ordenamento jurídico cumpre o papel de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis e a inclusão social de grupos historicamente marginalizados: negros, mulheres, indígenas, LGBT+ e outros tantos. Em homenagem aos 35 anos da Constituição Cidadã, esta quinta matéria da série Faces da Cidadania, produzida pela Secretaria de Comunicação Social do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aborda os direitos das pessoas idosas ou com deficiência.
Responsabilidades compartilhadas por todos
Em relação às pessoas idosas, o texto promulgado em 1988 estabeleceu o amparo a esse grupo como dever comum da família, da sociedade e do Estado.
Em 2003, o Estatuto da Pessoa Idosa instituiu direitos e garantias especiais, que incluem diretrizes como prioridade absoluta na formulação e no atendimento de políticas sociais públicas; gratuidade no transporte coletivo urbano, intermunicipal e interestadual; proteção contra a violência e o abuso; e prioridade nos processos judiciais. E, desde 2015, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, instrumento jurídico elaborado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) com o objetivo de estabelecer padrões regionais para promoção e proteção desse grupo social.
Direito ao trabalho e à educação e acessibilidade em espaços públicos e privados estão presentes no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
A legislação que garante direitos à pessoa com deficiência (PcD) também vem sendo aprimorada nos últimos 35 anos. A Carta Magna determinou que cabe conjuntamente a todas as unidades federativas cuidar da saúde, da proteção e da integração social da população com deficiência. A partir daí, vários instrumentos legais foram adotados para cumprir os mandamentos constitucionais, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que passou a vigorar no país com status de emenda constitucional em 2009, e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de 2015.
O STJ confere materialidade à sua alcunha de Tribunal da Cidadania ao implementar, de maneira uniforme em todo o país, os direitos que, por muito tempo, foram negados a amplas parcelas da população.
A vocação do Poder Judiciário frente aos grupos marginalizados
Para Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Constituição de 1988 foi um marco tanto da transição brasileira para a democracia quanto da institucionalização dos direitos humanos no ordenamento jurídico nacional.
A jurista, especializada em direitos humanos, acredita que a Carta Magna se consolidou como elemento primordial para assegurar visibilidade e proteção jurídica especial a pessoas em situação de vulnerabilidade. De acordo com Flávia, essa proteção a grupos que sofrem discriminação histórica e estrutural – caso de pessoas idosas ou com deficiência – é muito significativa, principalmente quando são levadas em conta as interseccionalidades, como as perspectivas de gênero ou raça.
Flávia Piovesan destaca o papel do STJ – e do Poder Judiciário como um todo – na defesa da cidadania dessas pessoas: “Entendo que a maior vocação do Poder Judiciário é proteger direitos, e ela tem sido honrada com primor pela Corte da Cidadania”.
Cidadania e dignidade no envelhecimento
O ministro Sérgio Kukina considera que, embora tenha demorado 15 anos para que o reconhecimento dos direitos da pessoa idosa na Constituição fosse regulamentado, a aprovação da lei resultou em uma norma que invoca como matriz a doutrina da proteção integral: a lei não só contempla direitos, mas leva em conta as condições próprias da idade para o seu exercício.
Um exemplo da proteção integral a que o ministro se refere foi a decisão tomada na MC 25.053, sob sua relatoria.O acórdão garantiu a concessão de um percentual dos rendimentos a casal de idosos que teve os investimentos e a única conta bancária bloqueados em função de dívida tributária com a Fazenda Nacional. A decisão levou em consideração a proteção devida em função da avançada idade do casal.
Em 2014, o STJ definiu que o Estatuto da Pessoa Idosa é norma imperativa e de ordem pública. Significa dizer que seu interesse social é implícito e exige aplicação imediata em todas as relações jurídicas de trato sucessivo. O entendimento se deu no julgamento do REsp 1.280.211, em que se considerou abusivo o reajuste na mensalidade do plano de saúde de uma consumidora idosa.
Desafio da cidadania para uma população em crescimento
Dados do Censo Demográfico de 2022 apontam que o número de pessoas com 65 anos de idade ou mais no Brasil cresceu 57,4% em 12 anos, alcançando 10,9% dos habitantes do país. Em um cenário em que a fatia da população considerada idosa (com mais de 60 anos) cresce continuamente, também tende a aumentar o desafio do Poder Judiciário na tarefa de garantir a efetivação de seus direitos e, como consequência, o exercício de sua cidadania.
O Estatuto da Pessoa Idosa prevê prioridade na formulação de políticas públicas e proteção contra violência e abusos.
Para o advogado Mauro Moreira Freitas, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI), a cidadania plena para essa população pressupõe um tratamento igualitário. Ele entende que o direito de participar da elaboração e da implementação de políticas públicas, o acesso a serviços públicos e privados, e o respeito à manifestação de vontade conferem dignidade às pessoas na fase do envelhecimento.
“O Estatuto da Pessoa Idosa é uma das ferramentas que obriga a família, a sociedade e o Estado a lhes conferir esse tratamento igualitário”, declarou.
Cidades amigáveis para a população idosa
Para incentivar as cidades a se adaptarem às necessidades de uma população que envelhece rapidamente, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) criou a Rede Global de Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas Idosas, que encoraja a adoção de políticas, serviços e estruturas em áreas como mobilidade, habitação, inclusão social, emprego e saúde. No Brasil, 32 cidades integram a rede.
Proteção integral inclui o direito à locomoção e ao lazer
Um decisão do tribunal que reforça a proteção aos idosos foi a proferida no REsp 1.543.465, em que se afirmou a necessidade de assegurar sua participação na comunidade, seu bem-estar e sua dignidade. A decisão definiu que as taxas de pedágio e de utilização de terminais rodoviários estão incluídas na gratuidade das vagas asseguradas aos idosos nos ônibus interestaduais. Assim, ficou garantido a esse público o direito de adquirir a passagem interestadual gratuitamente, sem pagar taxas adicionais.
Julgamento semelhante ocorreu no REsp 1.512.087, em que o STJ reconheceu o direito dos idosos ao desconto legal de 50% em um serviço de ônibus que levava os passageiros aos principais pontos turísticos de Curitiba.
O caso envolvia ação civil pública em que o Ministério Público do Paraná buscava a isenção ou a redução do valor da tarifa, em no mínimo 50%, para os usuários do serviço com 65 anos de idade ou mais. Para o tribunal, como o serviço era diretamente vinculado ao lazer – visita a pontos turísticos da cidade –, o idoso tinha direito ao desconto legal de 50% no valor do ingresso, nos termos do Estatuto da Pessoa Idosa.
Pessoas com deficiência e o exercício de direitos em condição de igualdade
Diferentemente do que ocorreu com o Estatuto da Pessoa Idosa, que só foi publicado 15 anos após a Constituição de 1988, a Lei 7.853 – um marco importante para a promoção da inclusão social da PcD – entrou em vigor já em 1989.
Desde então, a legislação passou por atualizações que culminaram na publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, com um amplo escopo de proteção que, entre outros direitos, assegura a inserção no mercado de trabalho e no sistema educacional, além de atender demandas de acessibilidade em espaços públicos e privados.
Embora esses direitos estejam salvaguardados por lei, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 2022, em parceria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, constatou que as pessoas com deficiência ainda têm menos acesso à educação, ao trabalho e, portanto, à renda.
De acordo com a pesquisa, apenas uma em cada quatro pessoas de 25 anos ou mais com deficiência concluiu o ensino básico, e somente uma em cada quatro em idade de trabalhar estava ocupada.
Tribunal da Cidadania torna efetivos os direitos assegurados na legislação
A plena realização dos direitos que a legislação reconhece para a PcD não depende somente do Estado, mas também da família, das empresas e de toda a sociedade.
Foi com essa perspectiva que a Terceira Turma do STJ, no REsp 2.041.463, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, condenou um estabelecimento comercial a construir rampa de acesso e a indenizar por danos morais o autor da ação – um homem com deficiência que, devido à falta de adaptações, não conseguia entrar no prédio com sua cadeira de rodas.
Ao julgar o REsp 1.315.822, o mesmo colegiado, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, manteve a condenação do Banco do Brasil a adotar documentos em braile para os clientes com deficiência visual. Na mesma linha, a Quarta Turma, em julgamento que teve como relator o ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.349.188), decidiu que o Banco Santander deveria confeccionar documentos em braile.
Muitas vezes, é a própria administração pública que falha em seu dever de assegurar o respeito aos direitos da PcD. No REsp 1.563.459, o ministro Francisco Falcão determinou a adaptação de prédios públicos a fim de garantir o acesso de eleitores com deficiência a seus locais de votação.
Relator do RMS 51.880, o ministro Sérgio Kukina anulou decisão administrativa que havia eliminado um candidato aprovado em concurso público nas vagas destinadas a PcDs, sob a alegação de incompatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo. De acordo com o relator, a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato somente poderia ser aferida durante o estágio probatório.
Reconhecimento do transtorno do espectro autista como deficiência
Desde a promulgação da Constituição de 1988, passando pela publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Brasil tem experimentado um movimento crescente pela inclusão social das PcDs. Com o passar do tempo, a necessidade de regulamentação de deficiências específicas impulsionou alterações na legislação.
Além de assegurar direitos relacionados a questões específicas, como estímulo ao diagnóstico precoce e atendimento multiprofissional, a política prevê a possibilidade de emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). O documento facilita a identificação da deficiência, proporcionando acesso e atendimento prioritários em serviços públicos e privados, já que, muitas vezes, o nível de comprometimento das pessoas com TEA é imperceptível.
No mesmo sentido, no REsp 1.901.869, de relatoria do ministro Moura Ribeiro, a Terceira Turma decidiu que os planos de saúde não podem limitar as sessões com profissionais como fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas para o tratamento contínuo de autismo infantil.
Sociedade civil é aliada na defesa dos direitos da PcD
Instituições da sociedade civil também são importantes aliadas na defesa dos direitos das PcDs. O Instituto Jô Clemente (IJC) é uma organização sem fins lucrativos que apoia a inclusão de pessoas com deficiência intelectual, transtorno do espectro autista (TEA) e doenças raras.
Para a coordenadora da área de Defesa e Garantia de Direitos do IJC, Deisiana Paes, o acesso à cidadania plena está relacionado à superação das barreiras que impedem a participação social das pessoas com deficiência em igualdade de condições com as demais.
Segundo Deisiana, a atuação coletiva e a ação política são importantes para viabilizar os avanços legislativos e institucionais. Ela apontou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista como exemplo: conhecida como Lei Berenice Piana, a norma foi batizada com o nome de uma mãe que encontrou muitas dificuldades para diagnosticar seu filho e foi ao Congresso Nacional pleitear direitos.
“Não basta a existência formal dos direitos das pessoas com deficiência para garantir o exercício da cidadania. É necessário atuar coletivamente para a vigilância desses direitos e agir politicamente quando necessário”, afirmou Deisiana Paes.
O IJC oferece acompanhamento de assistentes sociais, psicólogos e advogados. Ao longo de 2023, prestou atendimento jurídico e social a quase 14.500 pessoas.
Compromisso com acessibilidade e inclusão
Em 2009, quando tomou a frente na gigantesca tarefa de levar o Judiciário para a era digital, o STJ também deu início a um de seus projetos de inclusão mais duradouros: a contratação de trabalhadores surdos para a digitalização do acervo de processos físicos da corte.
Com a contribuição dessa equipe, o STJ se transformou no primeiro tribunal digital do país. Após a conclusão da digitalização do acervo, os colaboradores com deficiência passaram a atuar em outras atividades, como a captura eletrônica de ementas dos acórdãos, a inclusão do número único dos processos e o auxílio à autuação.
Também foram celebrados acordos de cooperação com outros órgãos do Poder Judiciário para digitalização de seus acervos, entre eles o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e, mais recentemente, o TRF da 6ª Região. O projeto, que completa 15 anos em 2024, conta atualmente com 137 colaboradores, entre pessoas surdas e intérpretes.
O feito é celebrado pela Coordenadoria de Acessibilidade e Inclusão do tribunal. A chefe da unidade, Simone Pinheiro Machado, ressaltou a importância de se compreender o impacto desse trabalho na cadeia de valor do STJ não apenas sob a perspectiva da inclusão, mas considerando ainda as diferentes competências demonstradas pelos colaboradores envolvidos em tais atividades.
“O projeto estimula o respeito à dignidade das pessoas com deficiência com base no reconhecimento de seus talentos e habilidades”, declarou.
Outras iniciativas de inclusão no STJ
Há quase 20 anos desenvolvendo ações inclusivas, o tribunal leva em conta essa diretriz em seu esforço contínuo para melhorar a prestação de serviços ao público.
O tribunal elegeu a acessibilidade como um dos valores institucionais de seu Plano Estratégico 2021-2026 e, em 2023, realizou consulta pública para atualizar a Política de Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência ou com Mobilidade Reduzida. A publicação do novo documento está prevista para ocorrer ainda no primeiro semestre de 2024.
Entre as iniciativas vigentes nessa área, destacam-se a adoção da Língua Brasileira de Sinais (Libras) na transmissão de eventos e sessões de julgamento, a oferta de dispositivos de visão artificial (OrCam) para pessoas com deficiência visual e a Sala Acessível do Balcão Virtual, destinada a usuários com deficiência ou com algum tipo de limitação.
Além disso, o STJ está alinhado à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), cujos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) contemplam diretrizes como saúde e bem-estar para todos, em todas as idades (ODS 3); redução das desigualdades (ODS 10); e cidades e comunidades inclusivas e sustentáveis (ODS 11).
Decorridos três anos da última reforma da legislação de insolvência de empresas (Lei 14.112/20), a comunidade jurídica foi surpreendida, logo no início do ano, com um novo projeto de lei cujo objetivo é, a princípio, aumentar a eficiência do processo falimentar. Salvo melhor juízo, esse também era um dos objetivos da reforma anterior e da própria Lei 11.101/05.
Dentre as inúmeras alterações sugeridas, as principais são a criação do gestor fiduciário e o plano de falência.
O primeiro seria, segundo se compreende do projeto de lei e das explicações que vem sendo trazidas a público, um administrador judicial, mas eleito pelos credores por maioria de votos na forma proposta. Segundo afirmado, terão a mesma função. Ou seja, a reforma parte do pressuposto, a nosso ver incorreto, que os juízes não sabem nomear o administrador judicial ou que o fazem com o objetivo de prejudicar os credores.
O segundo seria a elaboração e apresentação pelo administrador judicial ou pelo gestor fiduciário de um plano de realização dos ativos de modo a permitir que os credores recebam seus créditos ou o equivalente a eles no menor tempo possível. Salvo melhor juízo, já existe essa previsão na lei dentre as incumbências (artigo 99, parágrafo 3º, combinado com o artigo 22, I e III) e a distinção está no fato de que será aprovado tácita ou expressamente pelos credores.
Críticas Tão logo veio a público, diversas críticas foram lançadas ao mesmo. Algumas questionando a oportunidade e utilidade da reforma, outras o próprio texto do projeto.
No tocante a oportunidade e utilidade, de fato, a questão chama a atenção. A legislação foi reformada em 2020, conforme já explanado, sendo que alguns dos dispositivos legais somente entraram em vigor no primeiro mês deste ano. Deve ser ressaltado que a reforma anterior se originou de amplo debate que envolveu os principais operadores da área que puderam opinar e apresentar sugestões por meio de inúmeras reuniões de trabalho por todo o território nacional.
Parece claro que uma lei que conta com três anos de vigência e alguns de seus mais importantes pontos somente se tornaram aplicáveis há menos de um mês não possa ser criticada, sendo prematura a afirmação de que não teria atingido seus objetivos. Do mesmo modo, apresentar dados estatístico a respeito da eficiência do processo falimentar coletados antes mesmo da entrada em vigor da reforma não nos parece cientificamente correto.
Aliás, os operadores são unânimes em afirmar que a reforma agilizou o processo falimentar e os obstáculos hoje enfrentados, sob a ótica processual, nos parecem relacionados ao sistema recursal geral e não a norma especializada. Dentre esses problemas destacam-se os efeitos suspensivos a recursos que em regra não o tem.
A verdade é que a lei depende de tempo de maturação para que o entendimento doutrinário e jurisprudencial se estabilize e três anos, pela experiência comum, não pode ser considerado tempo suficiente. Prova disso é que pouquíssimos pontos acerca da recente reforma já foram debatidos e julgados no Superior Tribunal de Justiça e, para um sistema que almeja segurança jurídica, a constante alteração do texto legal não parece uma alternativa adequada.
Mais do que isso, existe no Brasil uma certa tendência a acreditar que reformas legislativas tem o condão de resolver todos os problemas, o que muitas vezes não é verdade. As leis existem muitas vezes, mas não são adequadamente aplicadas ou alguns problemas simplesmente não possuem solução e nós temos que conviver com essa realidade.
De fato, é comum nos depararmos com a seguinte afirmação: o processo falimentar tem baixo índice de satisfação do crédito dos credores. E a partir daí inúmeras soluções e caminhos são apresentados. No entanto, na maior parte das hipóteses, com todo o respeito, isso ocorre não porque a lei não existe ou é mal aplicada, mas porque os credores fizeram maus negócios (forneceram ou emprestaram assumindo riscos não calculados adequadamente).
Ou seja, a primeira conclusão é que, de fato, os argumentos trazidos até este momento não são e convincentes em torno da real necessidade e eficácia de uma nova reforma e se ela terá o condão de alterar o patamar de eficácia do processo falimentar. Aliás, um dos argumentos é que o projeto trazido a luz trata de temas que não foram objeto da reforma anterior. Isso é parcialmente verdade, todavia, a insegurança que as reformas legislativas trazem ao mercado, devem ser sopesadas.
Em relação aos aspectos técnicos da nova lei, diversas são as críticas em torno da sua redação.
Como o texto do projeto, ao contrário do anterior, não foi objeto de debate prévio pela comunidade jurídica, este deverá se desenvolver no decorrer do processo legislativo, cabendo evidentemente as Casas Legislativas verificar se existe realmente necessidade de alterar a legislação e, superada essa fase, debater e corrigir eventuais distorções. Para isso, essencial a retirada do regime de urgência.
Reflexões Algumas reflexões devem ser desde logo feitas de modo a provocar o debate.
Neste primeiro artigo sobre o tema trago duas questões que geram em nosso entender preocupação.
O primeiro gira em torno do papel do falido no processo falimentar e seus direitos.
É interessante notar que, desde a entrada vigor da lei 11.101/05, nos deparamos com afirmações no sentido de que o falido não pode ser tratado como um pária da sociedade. Aliás, seja a lei original, seja a resultante da última reforma, buscam a reabilitação do falido no menor espaço de tempo, de modo a permitir que volte a empreender. Outra prova disso é o fato dos crimes falimentares, a nosso ver de forma absolutamente equivocada, tem sido relegado a um segundo plano, quase institutos em extinção.
Nesse sentido, embora não seja comum, o fato é que, após o pagamento de todos os credores, os ativos remanescentes devem ser devolvidos ao falido. Não existe no nosso sistema uma pena de perdimento no processo falimentar e o projeto expressamente não o prevê.
Todavia, chama a atenção no projeto de lei, o fato de que o falido é absolutamente afastado da discussão em torno do plano de falência e o texto não regula como ele poderá evitar que todos seus ativos sejam liquidados ou transferidos aos credores ainda que seu valor seja superior a integralidade dos débitos. Ao contrário, a lei não trata da possibilidade do falido impugnar o plano de falência (tem voz, a princípio, mas sem qualquer efeito prático).
Ou seja, ao que tudo indica, a legislação passa a adotar dois regramentos que, salvo melhor juízo, se contrapõe: o falido deve ser reabilitado rapidamente, mas deve se reerguer do nada.
O segundo refere-se ao gestor fiduciário que, segundo já esclarecido, nada mais é do que um administrador judicial eleito pelos credores.
Em sendo assim, algumas regras, em nosso entender, devem constar expressamente no texto de lei de modo a evitar futuras discussões.
Do mesmo modo que o administrador judicial, o limite de sua remuneração e de seus auxiliares deve ser 5%. Com efeito, se o objetivo da lei é aumentar a eficiência do processo falimentar, não nos parece lógico permitir que as despesas com a massa sangrem os ativos, questão aliás que, desde o decreto lei, é apresentada com uma das causas do não ressarcimento adequado dos credores. Se não for assim, por uma questão de igualdade, deve ser admitido que o administrador judicial (caso não seja eleito o gestor fiduciário) ao elaborar o plano de falência proponha que sua remuneração seja superior aos 5% previstos em lei e, se não houver impugnação na forma proposta pelo projeto ou for aprovado pela assembleia de credores, seja homologada pelo juiz.
Outro ponto que merece atenção nos parece a relação existente entre os sujeitos do processo e as regras que envolvem imparcialidade e transparência. Muitas regras foram criadas em torno dos critérios de nomeação dos administradores judiciais (número de nomeações, relações com os juízes, entre outras) e devem ser estendidas aos gestores fiduciários somente que agora a partir da relação deste com os credores.
A atuação dos gestores fiduciários deve se submeter a regras assemelhadas a dos administradores judiciais que envolvem a sua imparcialidade e o dever de revelação em respeito a transparência do processo falimentar. Assim, não poderão os gestores fiduciários, em nosso entender, prestar serviços por si ou por meio do grupo econômico ou jurídico de que fazem parte aos credores que o elegeram ainda que em outros processos ou áreas, como, por exemplo, consultoria.
De igual forma, acredito ser hipótese de suspeição, a atuação do gestor fiduciário nas habilitações e impugnações de crédito que envolvam os direitos dos credores que o elegeram. Assim, deverá a lei prever uma espécie de “administrador Judicial” ou “gestor ad hoc” para esses casos.
Outro ponto que merece maior reflexão para evitar discussões futuras é a seguinte sequência lógica. O credor elege o gestor fiduciário; o gestor faz o plano de trabalho; o plano de trabalho prevê a dação em pagamento de ativos para o credor que elegeu o gestor; e o credor que elegeu o gestor é que não impugna ou aprova seu plano de trabalho. Essa “simbiose” pode nos levar a crer que alguns credores poderão conduzir a escolha do gestor fiduciário para que este atue em benefício de quem o elege e não da coletividade de credores.
Aliás, desde a entrada em vigor da Lei 11.102/05, as atribuições do administrador judicial aumentaram substancialmente. Na prática, é um auxiliar do Juízo que substitui não somente parte da atividade cartorial, como emite pareceres em questões relevantes. O pressuposto desse aumento de funções é a confiança do Juízo no administrador judicial que ele nomeou. Parece difícil considerar produtivo e eficiente um sistema em que o Juízo seja obrigado a confiar nas atividades de quem ele sequer muitas vezes conhece. Neste ponto, o agente fiduciário, salvo melhor juízo, poderá provocar um retardamento do processo.
Responsabilidade Outro ponto também que deve ficar claro é a questão da responsabilidade. Evidente que a atuação do gestor fiduciário, da mesma forma que o administrador judicial, pode causar danos. E, nos limites da legislação em vigor, os danos devem ser ressarcidos. No caso do administrador judicial, escolhido pelo magistrado, nos limites da legislação vigente, a responsabilidade subsidiária pode recair no próprio Estado.
Evidente também que essa regra não se aplica ao gestor fiduciário, não podendo o Estado responder pelos danos que aqueles causou, vez que sua indicação não partiu de seu agente, mas sim da vontade da maioria dos credores; neste caso, a responsabilidade subsidiária deverá ser daqueles que o elegeram, cabendo a legislação falimentar regular a matéria, caso contrário, deverão ser aplicadas as regras gerais do Código Civil, não podendo ser a mesma excluída pelo plano de falência, por razões óbvias.
A verdade é que, sem entrar, por enquanto, no mérito se deve ser levada adiante a reforma legislativa é imprescindível que os novos institutos sejam debatidos antes da aprovação do texto legislativo, pois, caso contrário, a insegurança jurídica somente prejudicará as partes do processo de insolvência e a eficiência almejada na venda ou dação dos ativos, seja abatida pela ineficiência no desenvolvimento do processo.
O Projeto de Lei 6234/23, do Poder Executivo, estabelece medidas para agilizar a investigação de crimes contra a vida de crianças e adolescentes. Pelo texto, inquéritos policiais de homicídio, feminicídio, roubo seguido de morte e outros crimes relacionados deverão ter identificada a tramitação diferenciada com a expressão “Prioridade – Vítima criança ou adolescente”.
A proposta garante à vítima, a partir de seu representante legal (pais ou responsáveis), e a familiares acesso à documentação para acompanhar o trabalho policial. Familiares da vítima, mesmo fora do processo, poderão ser ouvidos e apresentar informações e provas. Em todos os momentos do processo a criança ou o adolescente ou familiares deverão ser acompanhados de advogado ou defensor público.
A justificativa, assinada pelo agora ex-ministro da Justiça Flávio Dino, cita que o tempo médio de tramitação de inquérito em crimes letais contra crianças e adolescentes no Rio de Janeiro é de 7 anos e 5 meses. “O longo tempo de tramitação da investigação e do julgamento propiciam um quadro sistêmico de violação de direitos, há vitimização secundária da criança e de seus familiares pela ineficiência dos mecanismos de responsabilização”, afirma Dino.
O Brasil registrou 3.717 mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes, entre homicídios, feminicídios e latrocínio, segundo dados de 2019 a 2021 do Anuário Brasileiro da Segurança Pública.
O projeto insere as novas regras na Lei 13.431/17, que estabelece o sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, e na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (Lei 13.675/18).
Com a reabertura do ano forense, nesta semana, as turmas, as seções e a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomam os julgamentos dos processos. Voltam, também, as dúvidas – comuns a muitos operadores do direito – sobre como pedir preferência ou fazer sustentação oral nas sessões do tribunal, que se dividem em presenciais e virtuais.
Como fazer sustentação oral nas sessões virtuais
No plenário virtual do STJ, são julgados apenas os chamados recursos internos, ou incidentais: embargos de declaração, agravos internos e agravos regimentais.
Implementado em 2018, o plenário virtual ainda gera muitos questionamentos por parte dos advogados que têm processos tramitando na corte. Nesse tipo de julgamento, os ministros não se encontram pessoalmente; a sessão dura sete dias corridos, prazo que os magistrados têm para analisar a matéria em discussão e apresentar seus votos por escrito em um sistema eletrônico. Só depois do término da sessão, que ocorre às 23h59 do último dia, o resultado do julgamento é divulgado. A fase correspondente é lançada no andamento processual no primeiro dia útil seguinte ao encerramento da sessão.
Não há como as partes e seus patronos acompanharem as sessões virtuais pela plataforma eletrônica, podendo ser observada apenas a fase em que se encontra o processo. Também não há previsão de pedido de preferência de julgamento, porque, salvo os retirados de pauta, todos os processos serão julgados.
Por outro lado, é permitida a sustentação oral, em vídeo ou áudio, nos agravos internos e agravos regimentais, nas hipóteses previstas no artigo 7º, parágrafo 2º-B, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). Diferentemente do que acontece nas sessões presenciais, a sustentação oral na sessão virtual deve ser gravada e enviada com antecedência.
Ao gravar o arquivo de sustentação oral (não é possível fazê-lo na própria plataforma da sessão virtual), o profissional deve respeitar o formato e o tamanho máximo permitido, conforme a modalidade: para áudio, MP3 com no máximo 10MB; para vídeo, MP4 com no máximo 250MB. Uma vez gravado, o arquivo deve ser enviado por meio deste link, até 48 horas antes do início do julgamento. Após o prazo, o sistema é fechado para a remessa de sustentações orais.
Como pedir sustentação oral ou preferência nas sessões presenciais
Nas sessões presenciais, são julgadas todas as classes processuais. As fases com os resultados dos julgamentos ficam disponíveis, geralmente, no mesmo dia ou no dia seguinte. As sessões são transmitidas pelo canal do STJ no YouTube.
Durante a pandemia da Covid-19, o tribunal teve de suspender as sessões presenciais e adotar os julgamentos colegiados telepresenciais, por meio de videoconferência. As sessões por vídeo funcionaram praticamente como as presenciais, só que à distância, e os representantes das partes também podiam fazer sustentação oral de forma remota.
Com o fim da pandemia, o STJ retomou as sessões presenciais, mas foi mantida a possibilidade de participação dos advogados por videoconferência. Diferentemente das sessões virtuais, em que o arquivo da sustentação oral gravada deve ser enviado previamente, nas presenciais o advogado pode fazer sua sustentação na tribuna ou por vídeo, mas sempre ao vivo.
As solicitações de sustentação oral (para participação presencial na hora do julgamento) ou de preferência, com ou sem esclarecimento de fato, podem ser feitas por meio do formulário disponível no portal do STJ e devem ser confirmadas na sala de sessões com pelo menos 30 minutos de antecedência do início da sessão. Também é possível fazer o pedido presencialmente na sala de sessões, até 30 minutos antes do início dos julgamentos (as sessões começam normalmente às 14h, mas os horários estão sujeitos a alteração e devem ser conferidos no Calendário de Sessões).
Pedido de sustentação por vídeo deve ser feito até 24 horas antes da sessão presencial
Já os advogados que optarem por fazer sustentação oral ou esclarecimento de fato por videoconferência devem formalizar o pedido pelo mesmo link de inscrição, até 24 horas antes da sessão presencial. A participação é pelo aplicativo Zoom, e o link de acesso é enviado ao e-mail fornecido no pedido de manifestação.
Para fazer sustentação oral ou esclarecimento de fato por vídeo na sessão presencial, os advogados não são obrigados a usar beca, mas é exigido terno completo com gravata. Já os patronos que vierem à sede do STJ para sustentar presencialmente deverão usar beca sempre que ocuparem a tribuna. Todos os colegiados do tribunal colocam becas à disposição dos operadores do direito.
Requisitos de tecnologia para sustentar oralmente
Se a opção for pela sustentação oral por videoconferência na sessão presencial, é recomendado que seja utilizada uma rede cabeada em vez do Wi-Fi, pois a conexão por cabos é menos sujeita a interferências.
Caso o advogado precise participar da sessão por dispositivo móvel, é necessário que a rede Wi-Fi seja segura, privada e não pública. O advogado pode ainda utilizar o sinal de 4G ou 5G de sua operadora de celular, contudo, o sinal deve ter alta estabilidade.
Com relação ao sistema operacional, os computadores devem possuir Windows 10 (genuíno) ou superior; ou MacOS 10.10 ou superior. Já dispositivos móveis devem ter sistemas Android versão 6 ou superior; ou Apple com IOS versão 10 ou superior.
O processo judicial reclama, em homenagem a um elementar postulado de segurança jurídica, respeito a uma série de garantias das partes (due process of law em senso processual), cuja observância se faz incompatível com a precipitação.
Para tanto, afirma-se correntemente que os direitos subjetivos dos cidadãos devem ser providos da máxima garantia social, com o mínimo sacrifício da liberdade individual, e, ainda, com o menor dispêndio de tempo e energia.
Respeito amplo ao contraditório Ressalta, nessa ordem de ideias, Teresa Sapiro Anselmo Vaz, que a grande equação que se impõe nos dias atuais ao processualista reside, essencialmente, em conciliar esses valores e todas as consequências que deles advêm, com a obtenção de decisão que represente uma composição do litígio consonante com a verdade, e em que se respeite amplamente o regramento do contraditório e todas as garantias de defesa, pois só assim se logrará uma decisão acertada nos lindes de um processo justo (Novas Tendências do Processo Civil no Âmbito do Processo Declarativo Comum (alguns aspectos), Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 55, 1995 :925).
Desse modo, o esforço para harmonizar as garantias processuais com boa técnica de tutela substancial tem desafiado as leis dos mais diferentes sistemas jurídicos.
Tradicionalmente, a legislação processual desenha um determinado procedimento, cujas regras, em princípio, sempre foram concebidas como cogentes, não podendo ser alteradas pelos protagonistas do processo, vale dizer, nem pelo juiz e muito menos pelos litigantes.
Possibilidade de autocomposição Esta premissa, contudo, jamais impediu que, no plano do direito material, as partes pudessem (como podem) por fim à controvérsia, mesmo depois de judicializada a pendência entre elas existente, por meio de inúmeros expedientes, entre eles, e. g., a transação judicial ou, mesmo, extrajudicial.
Nesse sentido, procurando infundir a cultura da pacificação entre os protagonistas do processo, o vigente Código de Processo Civil, em inúmeros preceitos, sugere a autocomposição. Dispõe, com efeito, o parágrafo 2º do artigo 3º que: “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”. Dada a evidente relevância social da administração da justiça, os Poderes constituídos devem mesmo empenhar-se na organização de instituições capacitadas a mediar conflitos entre os cidadãos. No Brasil, o Ministério da Justiça preocupa-se em fornecer os meios necessários a várias organizações não-governamentais, que têm como missão precípua a instalação e gestão de sistemas alternativos de administração de controvérsias.
Aduza-se que o próprio diploma processual em vigor, comprometido com o sistema “multiportas” de solução dos litígios, de forma muito original, fomenta, no artigo 174, a criação, pela União, estados, Distrito Federal e pelos municípios, de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.
Além destas importantes iniciativas, que seguem tendência mundial, o parágrafo 3º do artigo 3º recomenda de modo expresso a solução amigável (autocomposição), que deverá ser implementada, na medida do possível e inclusive no curso do processo, “por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público”.
Assim, uma vez passível de composição suasória o direito questionado, as partes, transigindo, podem celebrar acordos acerca do objeto litigioso, circunstância implicativa da extinção do processo, pela sua inarredável inutilidade superveniente.
Efeito processual e homologação Encerrada a desavença no plano do direito substancial em decorrência do negócio jurídico consubstanciado na transação (efeito material), aflora, de forma inexorável, o seu efeito processual, que é, consequentemente, o de determinar a prolação de sentença homologatória, como se o próprio mérito tivesse sido examinado pelo órgão jurisdicional.
Bem é de ver que, judicial ou extrajudicial a transação, a sua eficácia se subordina à homologação judicial. É, pois, pela homologação que “o negócio jurídico se processualiza”.
Deve ter-se presente, nesse particular, que as convenções sobre os atos procedimentais têm natureza estritamente processual, não se confundindo com os negócios propriamente ditos, que ocorrem incidentalmente no âmbito do processo e que têm por objeto o próprio direito litigioso.
As duas espécies de negócio jurídico processual Essa faculdade de as partes celebrarem tais convenções, em particular, durante a tramitação do processo, tem sido destacada na atual literatura processual europeia, sobretudo, em dois livros que foram recentemente publicados: Guillermo Schumann Barragán, Derecho a la Tutela Judicial Efectiva y Autonomia de la Voluntad: los Contratos Procesales (Madrid, Marcial Pons, 2022); e a coletânea coordenada por Anna Nylund e Antonio Cabral, Contractualisation of Civil Litigation (Cambridge, Intersentia, 2023).
Diante de tais premissas, sob o aspecto dogmático, o gênero negócio jurídico processual pode ser classificado nas seguintes espécies: a) negócio jurídico processual (stricto sensu), aquele que tem por objeto o direito substancial; e b) convenção processual, que concerne a acordos entre as partes sobre matéria estritamente processual.
As convenções almejam, pois, alterar a sequência programada dos atos processuais prevista pela lei, mas desde que não interfiram em seus efeitos. Enquanto há disponibilidade no modo de aperfeiçoamento dos atos do procedimento, a sua eficácia descortina-se indisponível, ainda que o objeto do litígio admita autocomposição.
Trilhando esse mesmo raciocínio, frisa Cândido Dinamarco que a escolha voluntária para regrar o procedimento não vai além de se direcionar em um ou outro sentido, sem liberdade, contudo, para construir o conteúdo específico de cada um dos atos. Os seus respectivos efeitos são sempre os que resultam da lei e não da vontade das partes (Instituições de direito processual civil, vol. 2, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2004, pág. 471).
Daí porque é vetado às partes, por exemplo, estabelecerem que não se aplica a presunção de veracidade se algum fato não for contestado pelo réu, ou, ainda, atribuir peso/valor a determinada prova em relação a outro meio probatório.
O artigo 190 do CPC Pois bem, dentre as novidades inseridas no vigente Código de Processo Civil brasileiro destaca-se aquela contemplada no caput do artigo 190, que tem a seguinte redação: “Versando o processo sobre direitos que admitem autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.
Ademais, o subsequente artigo 191, dispõe sobre a possibilidade de o juiz em conjunto com as partes fixarem, de comum acordo, calendário para a prática dos atos do procedimento.
É certo que as convenções de natureza processual já existiam em nosso sistema processual (dispensa de audiência, suspensão do processo, distribuição do ônus da prova, critério para a entrega de memoriais, adiamento de julgamento em segundo grau), embora sem a amplitude que vem prevista no Código de 2015.
Não é preciso registrar que, à luz desse novo horizonte que se descortina sob a égide do vigente diploma processual, a efetivação de convenções processuais, no plano do procedimento, ganha inegável relevo.
CPC/15 concedeu mais poderes às partes Com efeito, como restou assentado no julgamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 1.738.656/RJ, da relatoria da ministra Nancy Andrighi:
“Embora existissem negócios jurídicos processuais típicos no CPC/73, é correto afirmar que inova o CPC/15 ao prever uma cláusula geral de negociação por meio da qual se concedem às partes mais poderes para convencionar sobre matéria processual, modificando substancialmente a disciplina legal sobre o tema, especialmente porque se passa a admitir a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos”.
Convenções processuais x Mérito da controvérsia Vale salientar que esta prerrogativa concedida às partes não pode ser identificada com os modos de solução consensual da controvérsia, que decorrem, como acima frisado, de verdadeiros negócios jurídicos, atinentes ao mérito da controvérsia.
As convenções processuais propiciadas pela regra do artigo 190 encerram a possibilidade de as partes acordarem sobre a realização de atos procedimentais e, ainda, acerca de ônus, faculdades e deveres processuais, que vinculam o juiz e que não estão sujeitos à homologação (artigo 200 do CPC), mas apenas ao controle de sua respectiva higidez, sobretudo no que se refere às garantias processuais, que não admitem preterição em hipótese alguma.
Antes e depois Tais pactos, à exemplo do que se verifica no terreno da arbitragem, podem ser projetados antes mesmo da eclosão da lide ou celebrados incidentalmente já no curso do processo judicial. Não se afasta, pois, a possibilidade da ocorrência de mais de uma convenção processual entre as partes num mesmo processo (v., a propósito, Robson Godinho, Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil, São Paulo. Ed. RT, 2015).
Importa acrescentar, em conclusão, a evitar qualquer dúvida, que as convenções processuais, amplamente admitidas pelo artigo 190 do Código de Processo Civil, que ostentam natureza e conteúdo estritamente processual, não têm qualquer identidade dogmática com os negócios jurídicos processuais, de cunho substancial e que têm por objeto o direito controvertido.
Por entender que o delito de injúria racial foi fartamente comprovado por meio dos depoimentos de testemunhas, o juiz Leonardo Prazeres da Silva, da 9ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda, em São Paulo, condenou um professor universitário por causa de ofensas contra uma aluna negra.
Conforme está relatado nos autos, a autora da ação abordou o professor para oferecer café que era vendido por outra aluna, e o réu respondeu: “Não quero porque já tomei café e também não quero ficar da sua cor. Já causo polêmica sendo branco, imagina ficando da sua cor”. Em sua defesa, o professor alegou que não teve a intenção de ofender a aluna e que fez uma “brincadeira absolutamente inocente”.
Ao analisar o caso, porém, o juiz destacou que a versão do professor não foi corroborada por ninguém, enquanto a da autora foi confirmada por testemunhas.
“O acusado era, na data dos fatos, imputável, tinha plena consciência da ilicitude de sua conduta, não havendo quaisquer excludentes de ilicitude ou de culpabilidade que possam beneficiá-lo. A prova é certa, segura e não deixa dúvidas de que o acusado praticou o delito descrito na denúncia, devendo responder penalmente pelo praticado”, resumiu o julgador.
Inicialmente, o professor foi condenado a um ano de reclusão em regime semiaberto. Em seguida, foram apresentados embargos de declaração contra a decisão pela parte autora. Ao julgar o recurso, a juíza Mariana Parmezan Annibal considerou que o crime foi praticado na presença de terceiros e, por isso, aumentou a pena para um ano, seis meses e 20 dias de reclusão, além de 14 dias-multa. Por fim, a magistrada substituiu a pena privativa de liberdade por multa no valor de dois salários mínimos.
Dois médicos, ex-sócios, foram condenados a indenizar uma paciente após problemas em cirurgia na qual atuaram juntos. Um deles pagou sozinho e entrou com ação de regresso contra o outro.
Em razão de divisão de responsabilidades definida em instrumento de distrato, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por médico que, após pagar integralmente indenização a paciente por dano sofrido durante cirurgia, buscava ser ressarcido da metade do valor por meio de ação de regresso ajuizada contra o antigo sócio. Para justificar o pedido de regresso, o médico havia apontado que a própria sentença reconheceu a solidariedade ao estabelecer a condenação.
De acordo com o colegiado, contudo, o distrato previa que cada médico assumisse responsabilidade civil, criminal, técnica e ética pelos seus atos e pacientes – no caso, a paciente estava sob os cuidados do recorrente, tendo o antigo sócio, também médico, apenas prestado auxílio na cirurgia.
Na origem do processo, os dois médicos foram condenados solidariamente a ressarcir os danos causados à paciente em cirurgia na qual atuaram, tendo a sentença transitado em julgado. Na fase de execução, o recorrente arcou integralmente com a condenação, mas propôs ação de regresso contra o colega de profissão, por entender que ele deveria ressarci-lo em 50% do valor indenizatório.
O juízo de primeiro grau negou o pedido sob a alegação de que o distrato estabelecido entre autor e réu visava exatamente separar obrigações e direitos que os sócios tivessem compartilhado no período em que atuaram juntos. Ao manter a sentença, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) reforçou que a vítima era paciente do recorrente.
Em recurso especial, o médico argumentou, entre outros pontos, que o distrato não poderia ser utilizado para alterar a relação de responsabilidade solidária definida na sentença.
Divisão de responsabilidades de codevedores é regulada pelo Código Civil
Segundo o relator do processo, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, o devedor que pagar dívida comum por inteiro tem o direito de exigir dos demais codevedores a sua quota-parte, conforme previsto no artigo 283 do Código Civil. Caso a dívida se refira exclusivamente a um dos envolvidos, ressaltou, ele responderá pela integralidade do montante.
O ministro acrescentou que, mesmo quando a solidariedade decorre da reparação de danos analisados sob a ótica da responsabilidade objetiva, a regra do artigo 283 – caracterizada pelo contexto negocial – pode ser afastada para que seja analisada a contribuição de cada devedor para o prejuízo.
Villas Bôas Cueva observou que, no entendimento do TJMS, as partes estabeleceram a forma como a responsabilidade iria ser dividida, além de reconhecer, com fundamento no artigo 285 do Código Civil, que a dívida interessava apenas ao recorrente. Entretanto, de acordo com Cueva, para que a corte estadual pudesse confirmar que o proveito financeiro seria apenas do recorrente, haveria a necessidade de verificar como os médicos dividiam os honorários entre si quando auxiliavam na realização das cirurgias, o que não foi examinado pelo tribunal local.
Distrato é o instrumento adequado para verificar atribuições de cada sócio
Por outro lado, o ministro Cueva apontou que as partes, no momento da dissolução da sociedade, firmaram o distrato e definiram a divisão das responsabilidades entre eles. O instrumento foi pactuado em agosto de 2000, e a cirurgia, datada de março de 1999, foi realizada ainda durante a vigência da sociedade, sendo incabível, para o relator, afastar a incidência do ajuste firmado entre as partes.
Quanto à alegação do recorrente de que o distrato não poderia ser usado para regular as relações pessoais entre os médicos, Villas Bôas Cueva salientou que o instrumento trata exatamente das atribuições assumidas por cada sócio a partir da dissolução da sociedade.
“Assim, tendo o recorrente assumido a responsabilidade ‘civil, criminal, técnica e ética por seus atos e pacientes’, deve responder pela integralidade da dívida decorrente de ação indenizatória movida por paciente sua”, concluiu o relator.
Fonte: STJ
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