O Projeto de Lei 1052/24 torna crime, com pena de detenção ou reclusão, o chamado abandono digital, ou seja, o fato de pais deixarem de educar ou de prestar assistência no ambiente virtual, colocando em risco a segurança dos filhos.
A deputada Rogéria Santos, autora da proposta – Mario Agra / Câmara dos Deputados
A proposta prevê a pena inicial de detenção, de dois meses a um ano. Caso o abandono resulte em lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão de um a três anos. E, se resultar em morte, a pena é de reclusão de três a dez anos.
A autora do projeto, deputada Rogéria Santos (Republicanos-BA), destaca os efeitos nocivos do abandono no ambiente virtual e suas consequências decorrentes da negligência dos pais.
“As crianças e adolescentes são vulneráveis, e essa fragilidade delas também é levada para o mundo digital. Diante do princípio da Proteção Integral, o descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar acarreta a intervenção estatal a fim de resguardar os direitos de crianças e adolescentes”, afirmou a parlamentar.
Próximos Passos O projeto será analisado pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, segue para a análise do Plenário.
A Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos Deputados aprovou proposta que inclui a pessoa que necessita de curatela – como portadores de enfermidades, embriagados habituais, viciados em tóxicos e pessoas com deficiência – como legitimada a opinar sobre quem será seu curador. O juiz também deve levar em conta a ausência de conflito de interesses e influência indevida sobre o curatelado e as circunstâncias deste.
A curatela é o encargo conferido judicialmente a uma pessoa para que, como curador, cuide dos interesses de alguém que não possa administrá-lo, conforme os limites legais.
A proposta adota para a curatela compartilhada os mesmos procedimentos previstos para a guarda compartilhada – que é a responsabilização conjunta de pais e mães separados sobre o cuidado de seus filhos.
O texto aprovado é uma alteração (substitutivo) do deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) ao Projeto de Lei 9234/17, do deputado Célio Silveira (MDB-GO). O texto muda todos os artigos nas leis que tratam do tema (Código Civil e Código de Processo Civil), atualizando o nome do instituto “interdição” para “curatela”, harmonizando essas leis com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. “A interdição é estigmatizante, excludente e extirpa a chance do indivíduo da plena convivência social”, diz o autor.
Escolha do curador A proposta revoga previsão do Código Civil que estabelece a seguinte ordem de preferência para definição do curador: cônjuge em primeiro lugar, depois pais e, em seguida, filhos. Segundo Coutinho, essa previsão estava divergente da do Código de Processo Civil, que define o interesse do curatelado como referência maior para definição do curador. O deputado aponta que a divergência acarreta insegurança jurídica.
O projeto também faz alteração nas regras para testemunho previstas no Código de Processo Civil. Ele veda testemunho de pessoas que não podiam discernir os fatos quando estes ocorreram ou que não conseguem falar o que viram na data do depoimento.
Ministério Público O texto confere ainda ao Ministério Público, em regra, a legitimidade ampla para a promoção do processo que define os termos da curatela.
Hoje, a interdição, segundo o Código de Processo Civil, pode ser promovida pelo Ministério Público, mas não de forma ampla e sim restrita ao caso de doença mental grave daquele que necessita de curatela. Ainda assim, o Ministério Público só pode promover o processo que define a curatela se os demais legitimados não existirem ou não promoverem a interdição, ou, se existindo, forem incapazes.
Próximos passos A proposta ainda será analisada, em caráter conclusivo, pelas comissões de Seguridade Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Se o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito garantido pela Constituição Federal à sociedade brasileira, ilícitos ambientais que causem desequilíbrio devem gerar danos morais coletivos de maneira presumida, sem necessidade de comprovação.
Essa proposta é da ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça, e foi feita em um julgamento de recurso especial pela 1ª Turma da corte sobre extração irregular de areia do leito de um córrego localizado em uma propriedade particular em Goiás.
A ideia foi apresentada em voto divergente e acabou rejeitada por 3 votos a 2 pelo colegiado. No entanto, mesmo os ministros que formaram a maioria prometeram fazer uma reflexão sobre o tema, para processos futuros.
No caso, o Tribunal de Justiça de Goiás afastou a condenação ao pagamento de danos morais coletivos porque o prejuízo ambiental era reparável e porque não havia requisitos necessários à sua caracterização.
Para reavaliar a ocorrência desses danos, a 1ª Turma teria de se debruçar sobre fatos e provas, medida vedada pela Súmula 7. Essa foi a conclusão da maioria, de acordo com o voto do relator, ministro Gurgel de Faria.
Que prova é essa?
Ao divergir, a ministra Regina Helena Costa propôs uma nova interpretação. Em sua visão, não é preciso comprovar que toda a sociedade sofreu danos morais se uma situação comprovadamente gerou desequilíbrio ao meio ambiente.
E isso sequer seria possível, já que, em caso de responsabilidade civil por danos ambientais, as consequências são imensuráveis, o que torna possível presumir o dever de reparação. Essa posição vem sendo adotada em precedentes da 2ª Turma do STJ.
Na prática, ela levaria a 1ª Turma a superar a Súmula 7 para analisar, no caso concreto em julgamento, se é possível admitir que o dano causado enseja a indenização por danos morais coletivos.
“Como seria possível provar o sofrimento da sociedade como um todo porque se extraiu areia irregular de leito de córrego? Como a gente mede isso? Então vamos ter de medir? Então, Súmula 7. Não vamos poder mexer. Penso que essa questão não se põe numa situação como essa, com esse perfil de dano”, afirmou a ministra.
“Penso que cabe o distinguishing, cabe um olhar diferenciado, porque ficaria muito difícil. Vamos exigir a prova do sofrimento, do pesar que a sociedade sentiu na extração de areia irregular no leito do Córrego das Almas, em Goias?”, continuou ela.
Votou com a magistrada o ministro Paulo Sérgio Domingues, que também afastou a incidência da Súmula 7. “Se eu parto de um fato incontroverso (o dano ao meio ambiente equilibrado), dali vamos extrair se a incidência do dano moral coletivo deve ocorrer ou não.”
Súmula 7
Prevaleceu a posição do ministro Gurgel de Faria, que aplicou a jurisprudência sobre o tema. Em sua análise, não é possível revisitar a conclusão do acórdão do TJ-GO porque isso demandaria reexame de fatos e provas.
Ao formar a maioria, os ministros Bendito Gonçalves e Sergio Kukina prometeram que se dedicarão à ideia apresentada na divergência, reflexão que caberá melhor em casos futuros.
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, no caso de abuso sexual durante a infância ou a adolescência, o prazo prescricional da ação indenizatória não começa a correr automaticamente quando a vítima atinge a maioridade civil (atualmente, aos 18 anos). Segundo o colegiado, é preciso considerar o momento em que ela adquiriu total consciência dos danos em sua vida, aplicando-se, assim, a teoria subjetiva da actio nata.
Uma mulher ajuizou ação de danos morais e materiais contra seu padrasto, afirmando que sofreu abusos sexuais na infância. Alegou que, apesar dos abusos terem ocorrido entre seus 11 e 14 anos, só na idade de 34 as memórias daqueles fatos passaram a lhe causar crises de pânico e dores no peito, a ponto de procurar atendimento médico. Para amenizar o sofrimento, disse ter iniciado sessões de terapia, nas quais entendeu que a causa das crises eram os abusos sofridos na infância – situação atestada em parecer técnico da psicóloga.
O juízo de primeiro grau entendeu que o prazo de prescrição, que é de três anos para esse tipo de ação, deveria ser contado a partir do momento em que autora atingiu a maioridade civil. Como a ação só foi ajuizada mais de 15 anos após o vencimento do prazo, foi declarada a prescrição – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Manifestação dos danos decorrentes do abuso pode variar ao longo do tempo
O relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, observou que, embora os danos íntimos do abuso sexual sejam permanentes, sua manifestação pode variar ao longo do tempo, como resposta a diferentes eventos ou estágios da vida da vítima. O magistrado apontou que, muitas vezes, a vítima tem dificuldade para lidar com as consequências psicológicas do abuso e pode levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e processar plenamente o trauma que sofreu.
Por conta disso, para o ministro, não há como exigir da vítima de abuso sexual na infância ou na adolescência que tome uma atitude para buscar a indenização no reduzido prazo de três anos após atingir a maioridade civil. Segundo ele, em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso, é possível que, ao atingir a maioridade, a vítima ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das consequências que o fato poderá trazer à sua vida.
“Considerar que o prazo prescricional de reparação civil termina obrigatoriamente três anos após a maioridade não é suficiente para proteger integralmente os direitos da vítima, tornando-se essencial analisar cuidadosamente o contexto específico para determinar o início do lapso prescricional em situações de abuso sexual na infância ou na adolescência”, concluiu.
Vítima deve ter a oportunidade de comprovar quando constatou os transtornos
Segundo Antonio Carlos Ferreira, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial de contagem do prazo de prescrição para a reparação civil.
O ministro ressaltou que a aplicação da teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual infantojuvenil. “A teoria subjetiva da actio nata estabelece que o prazo de prescrição para propor ação judicial começa a ser contado do momento em que o ofendido toma ciência da extensão do dano sofrido e de sua autoria. Essa teoria desempenha papel crucial na proteção dos direitos das vítimas, garantindo que tenham a oportunidade de buscar justiça mesmo diante de circunstâncias que inicialmente dificultem o exercício de seus direitos”, declarou o relator ao dar provimento ao recurso especial.
Antes da promulgação, em 2015, do novo Código de Processo Civil, eracontrovertida a possibilidade de o Superior Tribunal de Justiça, no exercício da jurisdição infraconstitucional (artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, CF), modular suas decisões, notadamente nos casos de reviravolta jurisprudencial (overruling), em virtude da falta de previsão legal expressa, como ficou claro no julgamento do Embargos de Divergência no REsp 738.689/PR, 1ª Seção (por maioria) [1].
Não obstante, defendi, na ocasião, que a ausência de regulamentação normativa (que, como dito, só chegou com o CPC-15, artigo 927, §§ 3º e 4º) não era óbice à adoção da técnica de ajustamento da eficácia dos precedentes do STJ, no cerne do juízo de legalidade (jurisdição infraconstitucional), desde que o fizesse para resguardo de relevantes princípios constitucionais (isonomia, segurança jurídica, confiança legítima, interesse social, ordem processual etc.) [2].
Não por outra razão, mesmo muito antes do advento do CPC-15, o STJ costumava limitar, em certas circunstâncias, as consequências práticas prejudiciais de seus julgados quando se deparava com alguma injustiça da retroação da sua eficácia, sobretudo em matéria processual [3].
Autorização constitucional
A técnica de modulação da jurisprudência, na verdade, tem como razão de ser a proteção de elevadas garantias constitucionais (e, logo, está fundada na própria Constituição) [4]. Por isso, sua aplicação pelo tribunal superior independe de lei ordinária que a admita e, a fortiori, não está suscetível a restrições por ela eventualmente impostas nessa seara.
Daí por que entendo que o STJ poderá decidir prospectar os efeitos de suas decisões, mesmo quandonão estiver diante da hipótese “alteração de jurisprudênciadominante” prevista § 3º do artigo 927 do CPC [5].
Assim, na interpretação de norma federal dúbia ou lacunosa (e no âmbito do exercício do juízo de legalidade), o STJ tem autorização constitucional para balizar a eficácia do precedente, podendo estabelecer sua aplicação ad futurum, como forma de preservar atos jurídicos constituídos ao tempo em que a dúvida ou lacuna legal era existente. Isso, cumpre registrar, não é nenhuma novidade jurídica, pois a teoria da fungibilidade recursal e a Súmula 343, STF são expressões de prospecção de eficácia decisória, fora das hipóteses de overruling, [6] e, como referido, desde há muito adotadas pelo STJ.
Necessidade e conveniência
Recentemente, a Corte Especial revisou o Tema 677 [7] para dar-lhe, no ver da maioria dos ministros, maior clareza, em razão de interpretações divergentes existentes no seio do próprio tribunal a respeito da questão.
Nada impedia, na ocasião do julgamento ou em sede de declaratórios, que fosse deliberada a modulação da eficácia desse inédito “aclaramento” decisório, garantindo, com isso, a prevalência do entendimento possível (conquanto superado), cujos efeitos se espraiaram por muitos anos, no sentido de que basta o depósito em dinheiro da dívida pelo devedor-executado para isenção do cômputo dos juros e da correção monetária previstos no título executivo.
Era, de fato, a solução que preservaria notadamente os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, que se radicam, implicitamente, nos artigos 1º, caput, 5º, caput, XXXVI, § 2º, e 37, da Constituição.
Em termos de modulação, são incontáveis as possibilidades atribuídas ao tribunal superior, desde que justifique, fundamentadamente, sua necessidade e conveniência [8]. Quer dizer, mesmo nas hipóteses em que há radical alteração de jurisprudência consolidada, não é automática a prospecção de efeitos do novo precedente, valendo lembrar também que o juízo (declaratório) de interpretação da lei, normalmente, retroage ex tunc.
Toda a vez, portanto, que o tribunal decidir restringir a eficácia temporal ou subjetiva do precedente, deve apresentar motivação criteriosíssima, para “persuadir os destinatários da norma, os operadores jurídicos e, em casos de maior controvérsia política e social, a própria opinião pública de que a restrição dos efeitos se fundou em valores legítimos e de ‘alto escalão’ e não em meros interesses políticos conjunturais, pseudo-princípios ou em ‘valores de baixo perfil’” [9].
A esse propósito, é oportuno salientar que – sobretudo nos países da common law (influenciados pelo sistema de precedentes — stare decisis) — a mutação jurisprudencial é algo excepcionalíssimo (a drastic step), que deve ser adotada apenas nas hipóteses radicais em que a orientação anterior se tornou intolerável ou mesmo débil, por circunstâncias históricas (no que se inclui o próprio desenvolvimento do direito).
A Suprema Corte dos Estados Unidos, v.g., tem uma série de rígidos requisitos para que um precedente tradicional seja suplantado, tratando o tema como algo seríssimo [10]. É que o overruling interfere na vida das pessoas (sociedade), na previsibilidade de investimentos comerciais (economia) e numa série de valores constitucionais, podendo ferir o essencial direito de igualdade (isonomia) e a segurança jurídica (a boa-fé do cidadão, expressada na sua confiança na Justiça), essência do Estado democrático de Direito (art. 1º, CF).
Trata-se de uma questão constitucionalmente sensível, porque, constituindo os precedentes judiciais fonte de direito, sobretudo os emanados dos órgãos de cúpula do Judiciário (não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada [11]), é preciso toda a cautela nessa seara para não atingir atos jurídicos perfeitos, situações consolidadas no passado, nem a própria coisa julgada, em dadas circunstâncias.
Viradas
Durante muito tempo, o STJ entendeu que a crise cambial de 1999 significou fato imprevisível, pois a alteração da política monetária àquele tempo apanhou de surpresa milhares de contratantes que firmaram seus contratos indexados ao dólar americano; e, a partir daí, passou a corte a amainar os efeitos da indexação, dividindo os encargos da súbita alta da moeda estrangeira entre as partes.
Mas, recentemente, a eg. 3ª Turma entendeu, por maioria, que a maxivalorização do dólar verificada em 1999 representou álea natural, e não imprevista, alterando o entendimento outrora pacificado. Caberá à Corte Especial, em sede de embargos de divergência já admitidos [12], julgar a questão (se mantém ou não o overruling, desconstituindo a jurisprudência erguida ao longo de anos), e, caso confirme a reviravolta, apreciar os efeitos puramente prospectivos da nova jurisprudência, com vistas à preservação de valores constitucionais, dentre os quais: a confiabilidade de suas orientações, enquanto guardião da ordem federal, e o princípio da isonomia, já que a mudança sempre traz consequências na diferença de tratamento dos cidadãos, prejudicando ou beneficiando somente as partes afetadas pelo novel precedente.
Noutra recente virada jurisprudencial, a eg. 3ª Turma, sem discutir modulação de efeitos, passou a adotar novo entendimento a respeito do cabimento dehonorários advocatícios em incidente de desconsideraçãode personalidade jurídica (IDPJ), no sentido de que “o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, tendo como resultado a não inclusão do sócio (ou da empresa) no polo passivo da lide, dá ensejo à fixação de verba honorária em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo” [13].
É outro tema sensível que, cedo ou tarde, terá de ser resolvido pela Corte Especial em sede de embargos de divergência, uma vez que essa compreensão da 3ª Turma conflita com julgados da 1ª Seção, cujas turmas, em sede de IDPJs movidos pela Fazenda Pública, vêm mantendo a orientação tradicional (não cabem honorários em IDPJ) [14]. E, havendo confirmação do overruling, cumprirá à Corte debater sobre a necessidade de prospecção de efeitos (v.g., salvaguardando os processos pendentes na data da publicação da revisão jurisprudencial); mesmo porque, qualquer decisão nessa seara irá repercutir em relação a outros incidentes processuais litigiosos nos quais o STJ não tem admitido a condenação honorária sucumbencial, pouco importando a existência de litígio e a necessidade de trabalho de advogado.
Por exemplo, o STJ entende que no incidente executivo formado para discutir a ordem de prelação da penhora e, por conseguinte, a preferência para recebimento do produto da alienação do bem, não cabe condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao vencido (ou credor preterido na ordem), mesmo havendo, nesse incidente apartado, disputa entre credores (alguns terceiros estranhos ao próprio processo de execução) e intenso trabalho de advogados [15].
De igual forma, a Súmula 519 do STJ, no sentido de que “na hipótese de rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença, não são cabíveis honorários advocatícios”, entendimento criado justamente com base na compreensão de que em incidentes processuais não são devidos honorários (confira-se, neste sentido, as razões decisórias do leading case, REsp 1.134.186/RS).
Cumpre esperar para saber se o STJ passará a admitir condenação ao pagamento sucumbencial honorários em todos os incidentes processuais, ou só no IDPJ, e, ainda, se irá aplicar aqui algum tipo de ponderação eficacial.
Aliás, seria conveniente, a bem da segurança jurídica (previsibilidade do direito) que essa matéria controvertida (honorários advocatícios em IDPJ) fosse logo, ex officio, regimentalmente afetada por uma das turmas à Corte Especial, a fim de se resolver rapidamente a divergência interna, evitando, também com isso, uma enxurrada de recursos, nos tribunais a quo e no próprio STJ, só para tratar dessa questão.
Pedido de relativização temporal
Outra questão importante — e que também se debate no STJ — diz respeito à oportunidade processual para parte ou amicus curiae postularem a relativização temporal do precedente inédito ou reformador. Parece não haver dúvida, em primeiro lugar, que se trata de matéria cognoscível ex officio, como já assentou o próprio STJ [16], mesmo porque decorre do exercício de política judiciária [17].
Quer dizer, é o Estado-Juiz, antes de qualquer outra pessoa, que deve se preocupar quando altera suas próprias orientações ou nas hipóteses em que aclara ou supre lacuna de certo ato normativo, com risco de afetação de situações consolidadas. Daí a obrigação da corte, nestas hipóteses, de ter todo o cuidado de estabelecer, também, o “direito intertemporal” do seu decisum, quando vislumbrar dano social-econômico-jurídico em escala.
Sem embargo, em geral, o julgamento da modulação é bifásico, e pode dar-se depois de encerrada a análise da questão de fundo que, por sua vez, só é concluída com o julgamento dos primeiros embargos declaratórios (de mérito). Cuidando-se, pois, de questão final, ulterior à decisão da causa (juízo de legalidade), e que às vezes se efetiva apenas com cognição dos primeiros aclaratórios de mérito, a modulação dos seus efeitos poderá ser suscitada até mesmo em segundos embargos de declaração.
Mas o STJ negou a possibilidade de suscitação da modulação em segundos aclaratórios, quando julgou o Embargos de Divergência no Agravo nº 884.487/SP, Corte Especial, tema que, data venia, mereceria melhor ponderação. Isso porque, na jurisprudência do Supremo não se discute o cabimento dos embargos de declararão para provocar a discussão e, ademais, o tema costuma se alongar, em vários recursos sucessivos à definição do mérito, justamente em razão da delicadeza da questão e suas repercussões fora do âmbito da causa julgada [18].
Além disso, à semelhança da jurisdição constitucional, há possibilidade de o STJ, embora não tenha, de início, admitido flexibilizações temporais, adotá-las em fase posterior, ao tempo da aplicação do precedente, à luz de dificuldades enfrentadas pelas partes nos casos concretos em que a mutante ou inédita orientação judicial venha a incidir, protegendo situações consolidadas (ou irreversíveis) e, até mesmo, a coisa julgada, para evitar múltiplas ações rescisórias.
Em outras palavras, não há preclusão que possa obstar a Corte de voltar ao tema posteriormente ou mesmo impedir a parte prejudicada ou amigos da corte de suscitá-la mais adiante; para tanto, bastará que o tribunal perceba os efeitos danosos práticos de não ter modulado seu decisum logo no ato de sua publicação/edição.
Revisão pelo STF
Finalmente, pondero que a apreciação dos tribunais superiores (STJ, TST, TSE) acerca de modulação decisória de jurisprudência é passível de enfrentamento por meio de recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102, III, “a”, CF). Cuida-se, realmente, de tema relevantíssimo do ponto de vista social, econômico e político, amparado diretamente na aplicação de princípios constitucionais, a merecer, em certos casos, a revisão do STF [19], sem necessidade de exame de provas quando se tratar de circunstâncias notórias (a violação ao princípio da isonomia, coisa julgada v.g.).
Sem contar que, como se dá cotidianamente, em matéria processual e tributária cumpre às cortes superiores aplicar regras jurídicas e precedentes simetricamente, donde o STF, pela via do recurso extraordinário, poderá dar a última palavra a respeito (sobre a incidência de honorários advocatícios de sucumbência, por ex.). Assim, uma vez alçada a questão ao Supremo, este poderá, inclusive cautelarmente, em sede de tutela provisória, estabelecer temperamentos à eficácia do decisum-precedente do STJ, na hipótese de entender existir comprometimento da ordem jurídica a dano da Constituição, ou, até mesmo, excluí-los, para impor a eficácia retroativa.
São estes alguns temas controvertidos do “direito intertemporal jurisprudencial” que, agora, estão sendo enfrentados pelo egrégio STJ, no exercício do juízo de legalidade.
[1] Rel. min. Teori Albino Zavascki, m.v., j. 27/06/07, DJ 22/10/2007.
[2]O contexto do desenvolvimento legal-jurisprudencial da modulação no sistema jurídico brasileiro está longamente descrito em minha tese de doutorado na USP, intitulada “Modulação dos efeitos das decisões no processo civil” (São Paulo, 2013). A tese está disponível nos canais eletrônicos da internet e foi editada em formato de livro (quem se interessar pela obra neste formato, poderei disponibilizá-la gratuitamente, até o limite disponível de edições: ficam aqui meus contatos: apn@apnadv.com.br).
[3]Antes do CPC/2015, o STJ modulou sua jurisprudência (a) quando adotou a súmula 343 do STF, segundo a qual a decisão não pode ser rescindida se fundada em jurisprudência controvertida sobre interpretação de lei, sendo irrelevante, portanto, a eficácia daquela posteriormente ditada e consolidada pelo STJ; (b) no julgamento das Medidas Cautelares 2.454/RJ e 2.501/MG, ao estabelecer que a divergência interna existente no STJ permitia a adoção das várias teses diversas sobre o cabimento do remédio processual para destrancar o recurso especial retido por força do § 3º do art. 542 do CPC, até que houvesse a pacificação da jurisprudência na Corte Especial; (c) no reconhecimento da teoria da fungibilidade recursal, cuja aplicação resulta em afirmar que certas decisões sobre direito processual (i.é., a jurisprudência que pacifica a controvérsia indicando o recurso mais adequadamente cabível) têm aplicação prospectiva, de forma que só a partir de então passará a ser erro grosseiro a interposição de recurso diferente daquele que a jurisprudência, em especial, a do tribunal superior, entende como o admissível; (d) na preservação da tempestividade dos recursos que se fundavam em entendimento posteriormente alterado pelo próprio STJ, conforme decidido no HC 28.598/MG; e (e) ao relativizar os efeitos retroativos do pronunciamento da Corte Especial sobre a desnecessidade de ratificação do recurso especial interposto anteriormente ao exame dos embargos declaratórios (AgRg 827.293/RS ) – v., Modulação dos efeitos das decisões no processo civil, op. cit., p. 124.
[4]É copiosa a doutrina que entende que não é a legislação federal, mas sim a Constituição que permite as mais variadas formas de delimitação da eficácia dos precedentespelos tribunais superiores. Por todos, vejam o fundado voto do Ministro Herman Benjamin nos Embargos de Divergência 738.689/PR. Provamos isso longamente em Modulação, FADUSP, 2013, op. cit., p. 11 e ss.. O ministro Gilmar Mendes, em consideração alusiva ao TSE, mas totalmente aplicável ao STJ, já observou que “mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral deve adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral” (Repercussão Geral no RE nº 637.485/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 01/08/2012).
[5] “Art. 927. (…) § 3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.
[6] Como provamos em nosso Modulação dos efeitos das decisões no processo civil, FADUSP, 2013, op. cit., pp. 126 e 208 e ss.. No mesmo sentido, sobre o fato de a súmula 343 STF significar restrição de efeitos jurisprudenciais sem overruling, v. MALLET, Estêvão. “A jurisprudência sempre deve ser aplicada retroativamente?”, Repro 133/67, p. 81. Cuida-se, a rigor, do chamadocase of first impression do direito norte-americano, cuja teoria está a admitir que um certo precedente judicial inédito, interpretando uma regra até então incompleta, gere apenas efeitos ex nunc, com vistas a preservação das situações já consolidadas, sobretudo se houver juízo de ilegalidade (REYNOLDS, Willian L., Judicial Process, 3ª ed., St. Paul: Thomson West, 2003.p. 90).
[7] REsp nº 1.820.963/SP, Corte Especial, j. em 18/10/2022.
[8] Tratei disso em minha tese explicitando que o tribunal, v.g., pode escolher as situações que quer preservar ou mesmo detalhar o caráter temporal da eficácia; e, pode, até mesmo, especificar grupos de partes sujeitos à decisão (v. Modulação, FADUSP, 2013, op. cit., p. 11 e ss.).
[9] MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional, tomo II, Coimbra: Coimbra, 2005, p. 297. Sobre a necessidade de fundamentação para fins de modulação, cuja aplicação perpassa inclusive por prova de dados e estatísticas, v. Modulação, FADUSP, 2013, op. cit., pp. 148 e ss..
[10] V., sobre o tema: TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law, 3ª edição, vol. 1, New York: Foundation Press, 2000. p. 225 e ss.; e, em especial, a crítica ao overruling por BRENNER, Saul e SPAETH, Harold J.. Stares Indecisis – the alteration of precedent on the Supreme Court, 1446-1992. New York: Cambridge, 2003.
[11] Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 5ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 616.
[12] ED no REsp nº 1.447.624/SP, Corte Especial, Rel. Min. Mauro Campbell Marques.
[13] REsp 1.925.959/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2023, DJe de 22/9/2023.
[14]V.g., AgInt no REsp n. 2.114.186/SE, 1ª Turma, Relatora Ministra Regina Helena Costa, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024 e AgInt no AREsp n. 2.137.999/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.
[15] v. REsp 1.774.440/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 10/05/2021.
[17]Questão de política judiciária, cf. STF, CC nº 7.204-1/MG, Pleno, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. 29/06/2005.
[18] V.: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA DECISÃO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE. (…) O Supremo Tribunal Federal, ao tomar conhecimento, em sede de embargos de declaração (antes, portanto, do trânsito em julgado de sua decisão), de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social que justifiquem a modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não deve considerar a mera presunção (ainda relativa) obstáculo intransponível para a preservação da própria unidade material da Constituição. 3. Os embargos de declaração constituem a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de inconstitucionalidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do Direito panoramas caóticos, do ângulo dos fatos e relações sociais. Panoramas em que a não salvaguarda do protovalor da segurança jurídica implica ofensa à Constituição ainda maior do que aquela declarada na ação direta. (…)” (ED na ADI 2797, Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, j. em 16/05/2012. Destacamos). No mesmo sentido, admitindo embargos declaratórios para esclarecer a eficácia temporal da decisão, v. ED na ADI 3601/DF, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 09/09/2010.
[19] V., neste sentido, REsp nº 1.551.640, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23/08/2018. Mas o STF tem sido refratário a interferir na definição da modulação cabível ao STJ, entendendo que o tema exigiria apreciação de matéria “infraconstitucional” (RE 1.333.276, Pleno, j. 26/08/2021). Em outro julgado, o STF recusou o RE forte no argumento de que a ponderação sobre a modulação demandaria vedado exame de provas e fatos, que, naquele caso, não eram sequer notórios (v. Ag. Reg. no RE 845.766/SC, 2ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, j. 05/04/2016). A questão ainda está em aberto, pois, a apesar dessa inicial retração, o STF será obrigado, inevitavelmente, a apreciar temas que, como dissemos acima, lhes são comuns, sobre aplicação de direito processual e tributário, cabendo aí definir se irá, ou não, adotar a mesma modulação aplicada (ou não) pelo STJ. À medida em que o STJ passar a aprofundar mais a atividade decisória a esse respeito, ou mesmo à medida em que praticar overruling, maior será a provocação do STF via recurso extraordinário.
Um homem assumidamente gay, mesmo sem ser homofóbico, pode cometer o crime de injúria por preconceito ao chamar outro homossexual de “veado”. As condutas não se confundem e quem precisa dizer o que a ofende ou não é a vítima.
Com esse entendimento, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, condenou um homem por injúria em razão da sexualidade, crime previsto no artigo 2º-A da Lei 7.716/1989.
O caso ficou nacionalmente conhecido porque a vítima é o ator Victor Meyniel. Ele foi agredido com socos na portaria do prédio de um estudante de medicina, que conheceu na saída de uma balada, na capital fluminense.
A pena ficou em 2 anos de reclusão e 8 meses de detenção — ambas indicam prisão, mas a diferença entre elas é que apenas a reclusão admitiria que fosse cumprida em regime inicial fechado, por se destinar a condutas mais graves. O regime escolhido pelo juiz é o semiaberto.
A maior parte da pena decorreu justamente da condenação pela injúria por preconceito, que rendeu ao réu 2 anos de reclusão. As outras condenações foram por lesão corporal e falsa identidade — por se apresentar falsamente aos policiais como médico militar.
O magistrado aplicou ao caso a orientação do Supremo Tribunal Federal, que equiparou, em 2019, as práticas de homofobia e transfobia ao crime de racismo, previsto na Lei 7.716/1989.
Injúria x homofobia
Na instrução, o réu negou que tenha praticado homofobia. Explicou que a altercação com a vítima, já na portaria do prédio, se deu em razão do desentendimento e que ambos se chamaram de “veado”, o que é confirmado pelo relato do porteiro, como testemunha.
Explicou que se assumiu gay para familiares e amigos aos 14 anos, foi casado com outro homem e que a briga não teve relação com o fato de ter sido chamado de “veado”.
E apontou que é comum a comunidade LGBTQIA+ se chamar de “bicha” e “veado”, palavras usadas como vocativos que não são pejorativas. Disse ainda que o termo “gay” ou “veado” não o afeta.
Para o juiz Flavio Itabaiana, a argumentação é equivocada, já que o crime de injúria por preconceito não se confunde com a homofobia. Entendeu que a expressão “veado” usada pelo réu feriu a honra subjetiva da vítima, a quem cabe dizer o que a ofende ou não.
“Cumpre ressaltar que a comunidade LGBTQIA+ ainda sofre muitos preconceitos em nossa sociedade e qualquer ofensa precisa ser, da mesma forma, amplamente recriminada e punida, não restando dúvidas, após a colheita da prova oral, que o réu efetivamente injuriou a vítima, utilizando-se de elemento referente à orientação sexual.”
A defesa de Victor Meyniel, representada pelos advogados Maíra Fernandes, Guilherme Furniel e Ricardo Brajterman, recebeu com serenidade a sentença. “Esperamos que com isso a vítima possa ter paz e tranquilidade para seguir sua vida, com a sensação de que a justiça foi feita.”
Clique aqui para ler a sentença Ação Penal 0918630-71.2023.8.19.0001
A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3716/19, que permite sociedades de advogados firmem entre si consórcio para prestação de serviços jurídicos, com a delimitação do âmbito de atuação e das responsabilidades de cada parte. A proposta muda o Estatuto da Advocacia.
A deputada Laura Carneiro recomendou a aprovação da proposta – Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), recomendou a aprovação. Ela entende que a formação de consórcios entre escritórios de advocacia aumenta eficiência e a qualidade dos serviços prestados, reduz custos e amplia a cobertura geográfica de atuação dos participantes.
“A aprovação do projeto representará um importante avanço para o sistema jurídico, permitindo que os escritórios de advocacia se adaptem às novas demandas do mercado e ofereçam serviços de melhor qualidade aos clientes”, disse Laura Carneiro.
A proposta foi apresentada pela ex-deputada e atual senadora Dorinha Seabra Rezende (União-TO).
Próximos passos O PL 3716/19 será analisado agora, em caráter conclusivo, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
Qual seriam os fundamentos para classificar um movimento paredista de abusivo ou ilegal?
Há tempos, ou melhor, depois da Constituição Federal de 1988 e, em especial, após a Lei nº 7783/89, chamada Lei de Greve, o julgamento de greves pelo Judiciário Trabalhista se pautou na classificação do movimento como legal ou ilegal, abusivo ou não abusivo.
Anteriormente à Constituição Federal, a greve era regulada pela Lei nº 4.330, de 1964. Todavia, a deflagração de movimentos de paralisação poderia ser considerada como atividade subversiva, com perseguição pelo regime militar, intervenção em sindicatos, desestimulando os trabalhadores a qualquer iniciativa, cabendo-lhes o silêncio e o inconformismo sufocado.
E assim foi até 1979, quando eclodiram as greves do ABC e, contra este fato, não havia regra que pudesse impedir o fortalecimento das reivindicações, especialmente no campo da reposição salarial em razão do alto índice de inflação.
Com a Constituição em 1988, houve a revogação da antiga lei de greve e, pelo artigo 9º, se assegurou o direito fundamental dos trabalhadores de paralisarem as atividades e de utilizar a greve para defender os interesses que considerassem legítimos.
Lacuna e impasses
Entretanto, a ausência de uma lei que regulamentasse o exercício do direito de greve criou diversos impasses, entre eles o de saber se os dias de greve seriam remunerados pelo empregador e, ainda, como seria colocado fim à greve caso não houvesse acordo entre trabalhadores e empregadores.
Reclamava-se a necessidade de uma lei sobre a regulamentação do exercício do direito de greve. Em outras palavras, a garantia constitucional parecia não ser suficientemente segura para entrar e sair da greve.
A Justiça do Trabalho chegou a extinguir dissídios de greve por entender que não era competente por ausência de lei sobre o assunto. Talvez esse tivesse sido o caminho ideal para que trabalhadores e empregadores dispusessem com responsabilidade as regras para lidar com as paralisações.
Legalidade ou ilegalidade
Com a Lei nº 7.883/89, o que parecia ter sido resolvido permaneceu da mesma forma. A nova lei apenas deu ao Judiciário os caminhos do julgamento, pois podia então aplicar a lei. Na prática, a nova lei tem sido frequentemente descumprida e, nem por isso, a greve deixa de ser considerada um fato jurídico.
Ocorre, todavia, que muito embora a lei tenha estabelecido as regras para a deflagração do movimento de greve, como se disse, nem sempre as condições são observadas pelos trabalhadores, resultando que, efetivamente, a greve, como fato social inquestionável, passou a ser julgada com os parâmetros legais para afirmar sua legalidade ou ilegalidade, consoante preenchidos ou não os requisitos da lei.
Contudo, não consideramos adequado atribuir ao movimento grevista a sua ilegalidade ou abusividade, pois há um direito maior e fundamental a ser respeitado que é o direito de greve.
De outro lado, para a greve ser classificada de abusiva dependeria do mal uso do direito pelos trabalhadores, que seria enquadrado no conceito de abuso de direito de acordo com o Código Civil, no artigo 187, carecendo de prova de que o direito tenha sido exercido além dos “limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes”.
Motivação e política
Os fins perseguidos pela paralisação, isto é, sua motivação pode dar ensejo à ilicitude do movimento, mas se o fim perseguido é legítimo, a greve não deve ser considerada abusiva ou, ainda, podem ser abusivos os atos praticados no seu exercício, em especial relativamente a terceiros. Quando se trata de greve de motivação política, o Judiciário, equivocadamente a nosso juízo, tem entendido pela abusividade, porque estaria ausente pretensão de mérito trabalhista ou social.
O site do TST, a propósito do tema, publicou notícia em 19/4/24 com o seguinte título “Greve de rodoviários de Recife é declarada não abusiva por empresas descumprirem acordo”. O fundamento que justificou a deflagração da greve sem respeitar as condições legais da Lei nº 7.783, de 1989 decorreu do fato de que o empregador deixou de cumprir compromisso inserido em acordo coletivo, anteriormente avençado com os trabalhadores representados pelo sindicato. Além disso, determinou a decisão que os dias de paralisação fossem pagos pelo empregador (ROT – 1377-18.2020.5.06.0000 ).
O relator do recurso da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), ministro Maurício Godinho Delgado, sustentou o fundamento de seu voto na própria lei que não considera abusiva a greve na vigência de norma coletiva contra o seu não cumprimento pelo empregador, caracterizando-se legítima a resistência dos trabalhadores com direito dos grevistas ao pagamentos dos dias parados.
Como se vê, a abusividade do exercício do direito de greve não tem em conta os aspectos formais da lei para sua deflagração, mas as razões da sua motivação, permitindo ao julgador considerar o fato social, isoladamente dos seus aspectos formais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou nesta quinta-feira (25) a conclusão do julgamento sobre a constitucionalidade de investigações próprias realizadas pelo Ministério Público (MP).
A Corte julga ações protocoladas pelo PL e entidades que atuam em defesa de delegados de polícia para limitar o poder de investigação do órgão.
Foram questionados dispositivos do Estatuto do Ministério Público da União e da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. As normas autorizam o MP a fazer diligências investigatórias e requisitar perícias, entre outras medidas.
Até o momento, a Corte formou maioria de votos para confirmar o poder de investigação do órgão e determinar que os prazos de investigação em procedimentos do MP devem seguir os prazos estabelecidos para os inquéritos policiais. Além disso, os procedimentos abertos por promotores e procuradores devem ser comunicados à Justiça para permitir supervisão.
Ainda não houve consenso no fechamento das demais questões analisadas no julgamento, que serão examinadas na sessão marcada para 2 de maio.
Na retomada do julgamento, os ministros vão decidir se o MP tem a obrigação de abrir investigações para apurar mortes ocorridas em operações policiais. A sugestão foi feita pelo ministro Edson Fachin, relator das ações julgadas.
O ministro entendeu que a abertura de investigação para apurar mortes ocorridas em operações é obrigatória sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes de segurança pública em mortes ou ferimentos graves em consequência da utilização de armas de fogo. Em caso de descumprimento, será cabível a responsabilização funcional de membros do órgão.
A importância de um Judiciário atuante e independente e de uma imprensa forte e livre como pilares do Estado Democrático de Direito foi enaltecida por autoridades e vencedores durante a cerimônia de entrega do I Prêmio Nacional de Jornalismo do Poder Judiciário, realizada nesta quarta-feira (24), na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Flávio Lara Resende, destacou a importância do prêmio: “Não existe democracia sem uma imprensa livre e sem liberdade de imprensa. Premiar jornalistas que, de alguma forma, colaboram para a consolidação de uma democracia cada dia mais forte no Brasil é uma iniciativa esplêndida. É importante que isso se repita todos os anos”.
No mesmo sentido, o vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rafael Horn, afirmou que a imprensa é um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito. Ao reconhecer o trabalho dos jornalistas profissionais – apontou –, o Judiciário reforça a importância da própria liberdade de expressão. “Precisamos conscientizar a população, por meio da imprensa, de que o bom funcionamento do Sistema de Justiça fortalece a democracia”, disse.
Já Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e jurado no Eixo 1 – STF do prêmio, ressaltou que a aproximação entre o Poder Judiciário e a imprensa é fundamental para que a população brasileira conheça seus direitos e tenha melhor compreensão acerca das decisões judiciais. “A cada dia, é mais importante que o Judiciário consiga falar com clareza e simplicidade com essa população, que é a destinatária do nosso serviço”, comentou.
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e jurada do Eixo 4 – TST, Luciana Paula Conforti, avaliou que as reportagens que concorreram à premiação abordam questões relevantes para a sociedade e para o Judiciário.
Vencedores destacam reconhecimento dos jornalistas brasileiros
Na categoria vídeo do Eixo 1 – STF, Luiz Fernando Ávila, diretor de jornalismo da Globo Brasília, recebeu o prêmio pelo projeto “Cobertura do 8 de janeiro: dos ataques à vitória da democracia”, de autoria de Daniel Guaraciaba Martins. De acordo com Luiz Ávila, o jornalismo profissional e os poderes institucionais da República desenvolveram uma parceria histórica na defesa do Estado Democrático de Direito. “Ver os principais tribunais do país reconhecerem esse trabalho nos dá mais confiança de que estamos no caminho certo”, comentou.
Ganhador na categoria áudio do Eixo 2 – TSE com o podcast “Paredes são de vidro”, Felipe Recondo Freire, jornalista do portal Jota, celebrou a iniciativa como uma valorização do jornalismo jurídico: “O Brasil tem muita tradição de cobertura do Judiciário. Então, receber esse reconhecimento é muito representativo”.
Pedro Tavares Ladeira, da Folha de S.Paulo, que venceu na categoria vídeo no Eixo 3 – STJ, disse se sentir muito feliz e honrado em receber o prêmio. Seu documentário “Fantasmas da lama” conta um pouco da história das vítimas da tragédia de Mariana (MG). “Um dos principais dramas dos atingidos é exatamente a invisibilidade depois de muitos anos do desastre. Essa é uma forma de comemorar a vida de cada um e a sua luta por justiça, que eu acho que é mais importante”, disse.
A reportagem “Flagrante de 207 safristas em trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves/RS”, publicada no jornal Zero Hora/Pioneiro, foi a vencedora da categoria jornalismo escrito do Eixo 4 – TST. Segundo a jornalista Vitória Leitzke, uma das autoras da reportagem, a premiação demonstra que o Poder Judiciário é um incentivador da imprensa livre e independente.
Credibilidade para a imprensa tradicional
João Paulo Biage, jornalista da Rádio O Povo, recebeu o prêmio em nome de seu colega Luciano Cesário da Silva, vencedor da categoria áudio no Eixo 5 – STM. Ao falar sobre a reportagem vencedora, “Acervo vivo: Superior Tribunal Militar une memória e inclusão para a digitalização de arquivos”, Biage destacou que o prêmio dá credibilidade para a imprensa tradicional e traz motivação aos jornalistas. “Lembro que o jornalismo é uma das profissões mais perigosas hoje no Brasil, com ataques diários. Então, é uma motivação a mais para enfrentarmos essas situações”, declarou.
O jornalista Renato Carlos Alves Costa, de O Tempo, representou seu colega Frederico Magno, que foi um dos ganhadores da categoria fotojornalismo pelo trabalho intitulado “Crise Yanomami”. Segundo ele, “é um tema muito sensível. Ficamos duas semanas lá para fazer a cobertura e foi muito interessante. Tenho certeza que eles vão comemorar muito vencer um prêmio dessa importância”.
Gabriela Biló, da Folha de S.Paulo, também foi vencedora na categoria fotojornalismo. Para ela, o prêmio se tornou especialmente importante depois dos ataques às sedes dos poderes da República, no dia 8 de janeiro de 2023. “Fotojornalistas e cinegrafistas foram especialmente atacados pela vulnerabilidade de estar com equipamentos facilmente reconhecíveis. Ter esse reconhecimento do Poder Judiciário para esses profissionais é muito significativo”, comemorou.
Vencedor na categoria vídeo pelo Eixo 4 – TST, Rodrigo Favero Carvalho de Castro e a equipe da TV Record acompanharam o trabalho de auditores fiscais durante operações de combate ao trabalho análogo à escravidão em carvoarias no interior de Minas Gerais. “Temos orgulho desse prêmio, pois abordamos um tema que precisa ser debatido e combatido. Já tivemos essa tristeza em nossa história e ela continua até hoje. É muito bom poder mostrar isso e ser reconhecido”, comentou.
A ganhadora na categoria jornalismo escrito pelo Eixo 2 – TSE foi a repórter Mariana Muniz, do jornal O Globo. Ela produziu uma reportagem sobre a atuação do TSE na punição à fraude de cotas de gênero nas eleições. “Essa maneira de prestigiar nosso trabalho significa que a Justiça tem um olhar sobre isso e entende a defesa que nós fizemos da democracia. Temos mesmo que celebrar e desejar vida longa ao projeto”, salientou. —
Fonte: STJ
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