Comissão aprova aumento de pena para crimes de trânsito praticados sob efeito de álcool

A Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (16) projeto que aumenta as penas de crimes de trânsito praticados sob a influência de álcool ou de outra substância psicoativa. O texto também eleva a punição em caso de infrações relacionadas ao tráfego incompatível com a segurança da via.

Reunião Deliberativa. Dep. Ricardo Ayres (REPUBLICANOS - TO)
Ricardo Ayres concordou em ampliar rigor do Código de Trânsito – Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Foi aprovado o Projeto de Lei 2567/24, do deputado Cobalchini (MDB-SC), que sugere alterações em quatro artigos do Código de Trânsito Brasileiro.

São alteradas as penas para as seguintes condutas:

– praticar homicídio culposo na direção de veículo sob a influência de álcool ou substância psicoativa que determine dependência.

  • a pena atual de reclusão de cinco a oito anos passa a ser de reclusão de cinco a 18 anos. O texto prevê ainda a suspensão ou proibição da permissão ou da habilitação para dirigir.

– causar lesão corporal grave ou gravíssima sob o efeito de álcool ou outra substância psicoativa.

  • A pena de dois a cinco anos de reclusão passa a ser de dois a sete anos de reclusão.

– conduzir veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou substância psicoativa.

  • A pena passa a ser de reclusão de um a quatro anos, atualmente é de detenção de seis meses a três anos.

– trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, terminais de passageiros, logradouros estreitos ou onde haja grande movimentação de pessoas.

  • A pena atual de seis meses a um ano de detenção ou multa passa a ser de um a dois anos de detenção.

O relator, deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO), defendeu a aprovação do texto. Ele concordou com a ideia de punir com mais rigor “condutores que não têm consciência dos trágicos efeitos da mistura de bebida e direção”.

“Enquanto cabe aos órgãos de trânsito a tarefa de fiscalizar as práticas ilícitas, ao Parlamento incumbe o dever de prever punições mais elevadas para os crimes praticados  nessas condições”, pontua o relator.

Tramitação
O projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser discutido e votado pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado Federal.

Fonte: Câmara dos Deputados

Juros compensatórios em indenização por área desapropriada só incidem após titularidade

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que, no caso de três desapropriações requeridas entre 1974 e 1977 pela Petrobras, os juros compensatórios só devem incidir a partir de 2006, quando uma decisão resolveu a titularidade dos imóveis. A morte do proprietário levou a uma disputa judicial pela herança que durou cerca de 40 anos.

 

A turma julgadora também estabeleceu o patamar de 6% ao ano para os juros compensatórios, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.332 e do entendimento firmado pela 1ª Seção do STJ no julgamento da Pet 12.344, em que foram revisadas teses a respeito das desapropriações.

Os imóveis estão localizados às margens do Rio Caputera (RJ) e foram requeridos pela estatal em razão de obras complementares ao empreendimento do Terminal da Baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ).

Somente em 22 de novembro de 2014 as três ações de desapropriação foram reunidas, com os pedidos julgados procedentes. Atualizado o montante devido e subtraído o depósito referente à oferta inicial da expropriante, de R$ 30 milhões, o valor da indenização ficou estipulado em R$ 27.354.891,25, corrigido desde a data da sentença.

O juízo estabeleceu os juros compensatórios em 12% ao ano, a partir de 30 de março de 1977, e os honorários foram fixados em 5% da diferença arbitrada. Os valores foram mantidos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o que levou à interposição do recurso especial pela Petrobras no STJ.

Momento de incidência

Para o relator, ministro Francisco Falcão, a estatal tem razão ao questionar o momento em que passam a incidir os juros compensatórios. Segundo explicou, esses juros têm por objetivo a reposição da perda do rendimento que o capital propiciaria ao seu proprietário, devendo, portanto, incidir a partir do momento em que foi resolvida a discussão sobre a titularidade dos imóveis.

O ministro verificou que também deve ser alterada a taxa dos juros compensatórios, em razão do julgamento da ADI 2.332. Na decisão, o STF declarou a constitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 15-A do Decreto-Lei 3.365/1941, que trata do percentual de juros de 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem.

Falcão destacou que, a partir desse julgamento, a 1ª Seção do STJ revisou algumas teses sobre desapropriações para se adequar ao entendimento do STF.

Honorários e valor em juízo

Falcão também lembrou que a 1ª Seção, em julgamento sob o rito dos repetitivos, firmou o entendimento de que os honorários advocatícios em desapropriação devem respeitar os limites de 0,5% e 5% estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 27 do Decreto-Lei 3.365/1941.

No caso, o ministro ponderou que, embora os honorários tenham sido fixados dentro do limite legal, o alto valor da base de cálculo torna a verba excessiva, devendo o percentual ser alterado para 3%.

Por fim, o relator analisou qual o momento em que os R$ 30 milhões já depositados em juízo pela Petrobras devem ser considerados para a atualização do montante devido. O TJ-RJ entendeu que esse valor deveria ser considerado apenas no pagamento final — ou seja, posteriormente à incidência dos juros compensatórios sobre o valor integral da indenização fixado na sentença.

Na avaliação do ministro, esse depósito deve ser considerado “pagamento prévio” e deduzido no momento de seu aporte, em 11 de março de 2015, para que os juros compensatórios incidam a partir daí apenas sobre a diferença não depositada e ainda devida. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

REsp 1.645.687

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Nulidade de interrogatório no Júri: renovação apenas do ato ou de toda a instrução?

Partamos de uma hipótese e da consequente indagação: se reconhecida a nulidade do interrogatório no Tribunal do Júri, por ter sido o réu impedido de responder parcialmente às perguntas, deve-se anular todos os atos da sessão ou somente o referido interrogatório?

De maneira bem direta, a anulação somente do interrogatório acarretará sua renovação, mas perante um conselho de sentença diferente daquele perante o qual foi realizada a produção da prova testemunhal da sessão de julgamento anterior, criando a curiosa, mas também ilegal oportunidade, de sete pessoas leigas julgarem com base em prova oral não produzida em suas presenças.

Esta hipótese é objetável porque a sessão de julgamento é una e os jurados que votam os quesitos — que também prestam compromisso de agir com imparcialidade e de acordo com os ditames da Justiça (CPP, artigo 472) — têm de ser os mesmos que acompanham a produção da prova oral, composta pela inquirição do ofendido, se possível, testemunhas arroladas pela acusação (CPP, artigo 473), testemunhas arroladas pela defesa (CPP, artigo 473, §1º), e o interrogatório do acusado (CPP, artigo 474).

A lógica protege-nos neste ponto, já que os jurados agem também como fiscais da produção da prova oral e nesta finalidade podem requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento aos peritos (CPP, artigo 473, §3º), bem como fazer perguntas às testemunhas por intermédio do juiz presidente (CPP, artigo 474, §2º). Assim, é até prosaico que não pode o novo conselho de sentença, formado em nova sessão de julgamento, participar apenas da realização do interrogatório para, após os debates, votar os quesitos.

Deve este novo conselho poder exercer o direito que legalmente lhe cabe na produção da prova para, com isso, afastar o odor da parcialidade e do completo desconhecimento sobre a totalidade da prova e da causa.

Nem se argumente que diante do novo conselho de sentença poderia ser exibida, aos jurados, em áudio e vídeo, a prova produzida na sessão anterior.

Esse expediente é uma maneira dúbia e inexitosa de tentar reverter a burla procedimental, já que, como apontado, o novel conselho de sentença estaria impedido de fiscalizar a prova oral cujas audições foram realizadas na sessão anterior, prova esta que, também, estaria validando eventual condenação.

Lições da doutrina

Mittermaier ensina que como, em geral, a prova testemunhal não tem tanto crédito de per si, segue-se que a testemunha deve ser indagada “sobre o fundamento de seu conhecimento dos fatos” [1], ou seja, das razões, subjetivas e objetivas que a levaram a ter ciência do ocorrido, o que só é possível se quem indaga puder acompanhar o depoimento de quem será indagado.

Também pontifica o professor Tedesco que a convicção de quem julga a causa só pode amparar-se na prova oral prestada “em pessoa perante o tribunal [ou juiz] competente”, pois somente assim “se pode e deve-se supor que foram satisfeitas todas as prescrições indispensáveis da lei e da prudência” [2].

Aliás, a doutrina especializada de Mascarenhas Nardelli assevera que o modelo mais adequado de produção de prova oral perante os jurados é o de inquirição cruzada e direta (cross examination e direct examination) — conforme a inspiração da dinâmica anglo-americana em nossa legislação [3] — a qual só é possível se a testemunha for inquirida na presença de quem for lhe julgar e em tempo real.

Consequentemente, percebe-se que o contato extemporâneo dos jurados com a prova oral transforma o depoimento da sessão anterior de julgamento numa espécie de depoimento de primeira fase, já que este sim é que pode ser exibido ao júri para que conheçam do que ocorreu antes da decisão de pronúncia, contudo, veja: mesmo nesta hipótese não está dispensada a obrigatoriedade da repetição do ato testemunhal na segunda fase, ocorrida perante o conselho de sentença e não mais diante do juiz togado.

O destinatário da prova é o juiz, mas não qualquer juiz, e sim aquele que efetivamente irá julgar (CPP, artigo 399, §2º). Há, no júri, a aplicação inconteste do princípio da identidade física, pois se de acordo com a reforma de 2008 a prova a ser valorada pelo juiz é aquela produzida em contraditório, fortalece-se a regra da imediatidade, reforçando-se o sistema da oralidade [4].

Badaró, inclusive, já alertava para a correta interpretação do artigo 399, §2º, do CPP, a fim de que não parecesse haver apenas a vinculação do juiz da instrução à sentença. Diz o mestre paulista que a efetiva oralidade só será permitida, com todas as vantagens dela decorrentes, na interpretação segundo a qual “toda a instrução deve se desenvolver perante um único juiz, que deverá ser o mesmo que sentenciará o feito”.

E quando a concentração dos atos se realizar na forma de sessões consecutivas, “o princípio da oralidade exigirá que se mantenha a identidade física do juiz durante todas as sessões de julgamento, porque senão o ocorrido perante o primeiro juiz chegaria ao conhecimento do segundo somente através das peças escritas nos autos” [5].

O ministro Francisco Campos também alertava nos idos de 1939 sobre a imediatidade e identidade física na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil: “O juiz que dirige a instrução do processo há de ser o juiz que decida o litígio. Nem de outra maneira poderia ser, pois o processo visando à investigação da verdade, somente o juiz que tomou as provas está realmente habilitado a apreciá-las do ponto de vista do seu valor ou da sua eficácia em relação aos pontos debatidos” [6].

Percebe-se que o exame direto e cruzado da prova oral, a oralidade e a imediatidade na construção probatória não são possíveis se o ato processual de inquirição da testemunha se desenvolver perante pessoas física diversa daquela que irá julgar [7] e por isso não há cumprimento do devido processo legal quando, nulificado o interrogatório no júri, renove-se apenas este ato e não toda a instrução plenária, perante o novo conselho sentença.


[1] Mittermaier, Carl Joseph Anton. Tratado da prova em matéria criminal. 5 ed. São Paulo: Campinas, 2008, p. 356.

[2] Idem, p. 360.

[3] Mascarenhas Nardelli, Marcella. A prova no tribunal do júri. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 475.

[4] Badaró, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 217.

[5] Idem, p. 217-218.

[6] Maya, Andre Machado. Oralidade e Processo Penal. Tirant Brasil, p. 144, 29 dez. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559080328>

[7] Maya, André Machado. Oralidade e Processo Penal. Tirant Brasil, p. 145, 29 dez. 2020. Disponível em: <https://biblioteca.tirant.com/cloudLibrary/ebook/info/9786559080328>

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Fiscobras 2024 será analisado nesta quarta-feira

Plano anual de fiscalização em obras está na 28ª edição. Neste ano, o TCU avalia o processo de execução de 23 obras públicas financiadas com recursos da União

O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa, na sessão plenária desta quarta-feira (16/10), a partir das 14h30, o Relatório Consolidado do Fiscobras referente ao ano de 2024. Esta é a 28ª edição da publicação. Os dados servirão para auxiliar o Congresso Nacional na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025. O relator do processo é o ministro Antonio Anastasia.

Nesta edição do Fiscobras, 23 obras foram fiscalizadas e 17 delas apresentaram indícios de irregularidades graves, uma delas com indicação de paralisação. Em 2024, as obras de saneamento, habitação e infraestrutura urbana e de rodovias foram as mais auditadas. Ao mesmo tempo, também foram analisados empreendimentos de energia e do setor de transportes, entre outros.

Fiscobras é o plano de fiscalização anual que apresenta um conjunto de ações de controle do TCU. O objetivo é verificar o processo de execução de obras públicas financiadas, total ou parcialmente, com recursos da União. O relatório é produzido anualmente e enviado ao Congresso Nacional para que os parlamentares avaliem quais obras devem, ou não, receber recursos da União.

Fonte: TCU

Problema não é o reconhecimento por foto, mas o modo de sua apresentação

O reconhecimento de suspeitos de crimes por fotografias, por si só, não diminui a confiabilidade do resultado. É preciso garantir que a forma de apresentação seja a mais adequada para permitir o procedimento sem sugestionar a vítima.

William Cecconello 2024
William Cecconello defendeu que fotografia é alternativa válida para o reconhecimento de suspeitos de crime – Gustavo Lima/STJ

Essa conclusão é do professor de Psicologia e coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Cognição e Justiça, William Cecconello, que falou sobre o tema no Seminário Internacional Provas e Justiça Criminal, sediado pelo Superior Tribunal de Justiça na semana passada.

O uso de fotos para o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal foi o que primeiro motivou uma virada jurisprudencial do STJ.

Em 2020, a corte concluiu que essa prática teria de ser vista como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não poderia servir para embasar condenações.

A jurisprudência evoluiu para anular provas em casos de total desrespeito ao artigo 226 do CPP, que traz um rito: a vítima deve descrever o suspeito e reconhecê-lo ao lado de outras pessoas que com ele tenham semelhança.

O tema motivou a criação de um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça, resultou na edição de uma resolução para orientar juízes e atores do sistema de Justiça e levou à publicação recente de um manual de procedimentos.

Dados do advogado e pesquisador David Metzker mostram que, neste ano, o STJ concedeu ordem em Habeas Corpus para anular provas por desrespeito ao artigo 226 do CPP em 174 processos. Deles, 141 tratam de reconhecimento feito por fotografia (81% do total).

Ao citar os dados no evento, a ministra Daniela Teixeira, do STJ, deu exemplos que passaram por seu gabinete em que o uso de fotografia prejudicou o procedimento. “Em um deles a fotografia era preta e branca. Era impossível de saber de quem se tratava.”

Segundo Cecconelo, estudos científicos mostram que o uso de fotografia é alternativa válida para o reconhecimento de pessoas. O problema é a forma como essas imagens são apresentadas às vítimas.

 
Daniela Teixeira 2024
Daniela Teixeira citou casos em que a prova foi anulada porque o reconhecimento foi erroneamente feito por foto – Gustavo Lima/STJ

 

Show-up e álbum

Trata-se de uma questão de método. Um dos mais utilizados pelas polícias é o chamado show-up: a pessoa é apresentada isoladamente, por foto ou presencialmente, para que seja reconhecida de maneira informal.

Segundo o CNJ, essa apresentação isolada faz com que a vítima ou testemunha não tenha rostos para comparar, e essa falta de opções pode levá-la a reconhecer alguém inocente com muita confiança.

Outro método indevido é o uso do chamado álbum de suspeitos: um conjunto de fotografias de pessoas previamente investigadas que esteja nos arquivos policiais. Trata-se de um procedimento sugestivo e, portanto, parcial.

As pessoas apresentadas pela polícia, absolvidas ou não, tornam-se potenciais autoras do crime e ficam à mercê de um reconhecimento errôneo. A conduta também tem potencial para reforçar preconceitos e estereótipos raciais.

“O reconhecimento fotográfico não é o problema. O problema é usar álbum de suspeitos e show-up. É importante esclarecer isso, senão a gente elimina a foto e parece que resolveu o problema. Se, em vez de mostrar a foto, você apresentar a pessoa, o risco é o mesmo”, disse Cecconello.

“É importante que a gente olhe para os procedimentos, não só para o meio que é utilizado para o reconhecimento, porque senão talvez a gente não avance nessa questão”, acrescentou o pesquisador.

 
Evento reconhecimento pessoal
Anderson Giampaoli mostra fillers produzidos com ajuda de inteligência artificial – ConJur

 

Fillers

São vastos os exemplos de injustiças praticadas por meio do uso de álbuns ou show-ups. Eles são comuns porque permitem uma identificação rápida pela polícia, por vezes no momento da ocorrência, por meio do uso de aplicativos de mensagens ou redes sociais.

Um dos casos mais graves é o de um homem negro do Rio de Janeiro que teve a foto retirada do Facebook e exibida em álbum de suspeitos da polícia. Ele foi reconhecido por 70 vítimas, foi alvo de 62 ações e condenado 11 vezes até o STJ determinar o reexame dos casos.

Presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho destacou que esse tipo de conduta colabora para a ocorrência de erros judiciais.

“Mais grave é o reconhecimento fotográfico. Quando você apresenta uma foto, você induz a vítima. E quando apresenta várias, cria a possibilidade de eleger um suspeito errado.”

Responsável pela Secretaria de Cursos de Formação da Academia de Polícia Civil de São Paulo, o delegado de polícia Anderson Giampaoli destacou que o método show-up foi proibido em São Paulo e levantou uma reflexão: como e onde encontrar os fillers?

Fillers são as pessoas que aparecerão lado a lado com o suspeito, para o reconhecimento — seja pessoalmente ou por foto. Elas precisam ter semelhanças com a pessoa a ser reconhecida, sob risco de sugestionar a escolha da vítima.

Giampaoli apresentou no evento duas soluções tecnológicas possíveis. A primeira usa inteligência artificial para vasculhar os dados da polícia em busca de pessoas parecidas com o suspeito ou que se enquadrem na descrição dada pela vítima.

A segunda é usar a IA para criar imagens a partir do suspeito: pessoas parecidas, vestidas da mesma maneira, mas com semelhanças suficientes para dar à vítima a oportunidade de apontar quem, de fato, cometeu o crime.

“A reflexão que deixo é: diante dos avanços, a pergunta que São Paulo enfrenta é como encontrar e onde encontrar os fillers. São muitas iniciativas. Isso não está normatizado.”

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Repositório do CNJ reúne base de dados inéditos sobre prevenção e combate à corrupção

O Programa Justiça 4.0 lançou, nesta quinta-feira (10), o Repositório Anticorrupção e Tecnologia do Poder Judiciário. Trata-se de uma base de dados que reúne, de forma inédita, levantamentos bibliográficos sobre prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e recuperação e gestão de ativos.

Também foi disponibilizado um relatório cujos resultados serviram de base para a construção do painel interativo. O documento aborda a atuação do Poder Judiciário em ações anticorrupção. Além disso, convida magistrados e magistradas, servidores e servidoras e a comunidade jurídica em geral a participar de uma reflexão sobre tecnologias e ferramentas que possam apoiar o Judiciário a aprimorar sua atuação nesses temas.

Ao acessar a base de dados, é possível buscar referências bibliográficas por categorias como ano de publicação, idioma e tipo de documento. Outra possibilidade são os filtros de pesquisa por área de conhecimento, assunto ou especificação da base de dados a ser consultada.

Já para acessar algum documento listado na página inicial, basta selecionar a opção “acessar documento” e realizar o download em formato PDF. São mais de 500 documentos disponíveis em português, inglês, espanhol e francês. Além de artigos científicos, constam para consulta livros, monografias, teses, decretos, portarias e outros documentos técnicos.

No repositório, atores sociais e estatais podem consultar formas inovadoras de atuar na prevenção e no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro bem como na recuperação e gestão de ativos, além de outras experiências de uso de tecnologia por atores das esferas pública e privada e da sociedade civil.

“A divulgação pública e ampla deste relatório, bem como de um painel interativo com os resultados identificados, é um convite para que magistrados, servidores e a comunidade jurídica em geral participem dessa reflexão sobre instrumentos que possam aperfeiçoar a atuação do Judiciário nesses temas”, pontua o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso.

Para mais informações, confira a página do repositório no Portal CNJ, consulte o relatório publicado ou acesse diretamente a base de dados clicando aqui.

Programa Justiça 4.0

O Repositório Anticorrupção e Tecnologia do Poder Judiciário é um produto do Programa Justiça 4.0, fruto de um acordo de cooperação firmado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apoio do Conselho da Justiça Federal (CJF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O objetivo do Programa é desenvolver e aprimorar soluções tecnológicas para tornar os serviços oferecidos pela Justiça brasileira mais eficientes, eficazes e acessíveis à população, além de otimizar a gestão processual para magistrados, servidores, advogados e outros atores do sistema de Justiça.

Fonte: Agência CNJ de Notícias

Projeto torna crime hediondo roubo em residência com ameaça a vítimas

O Projeto de Lei 3142/24 torna crime hediondo o roubo praticado em residência urbana ou rural e aumenta a pena para esses casos. Crimes hediondos são inafiançáveis e não podem ser beneficiado com liberdade provisória. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.

Deputado Lucio Mosquini fala ao microfone
Lucio Mosquini quer desencorajar a prática de roubos em residências – Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Pelo texto, do deputado Lucio Mosquini (MDB-RO), se o roubo for praticado com grave ameaça, física ou psicológica, às vítimas mantidas em cativeiro, a pena será aumentada de 1/3 até a metade e será considerado crime hediondo.

Lucio Mosquini argumenta que o roubo em residência apresenta características que o tornam especialmente traumático para as vítimas.

“Diferentemente do roubo praticado contra pedestres na rua, que geralmente dura poucos segundos, o roubo em domicílio pode se estender por horas, durante as quais as vítimas são submetidas a intenso sofrimento psicológico”, afirma o parlamentar.

Lei atual
O projeto altera o Código Penal, que hoje prevê reclusão de quatro a dez anos e multa para o crime de roubo. A pena aumenta se o crime for cometido com arma de fogo ou se resultar em morte, entre outros agravantes.

Por sua vez, a Lei dos Crimes Hediondos, que não é alterada pela proposta, já considera hediondo o roubo com restrição de liberdade da vítima, emprego de arma de fogo e com lesão corporal grave ou morte.

Próximos passos
O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário da Câmara. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

Instituição e custeio suficiente do Sistema Único de Meio Ambiente

Articular e coordenar os esforços de combate às mudanças do clima com os demais ministérios e entes federados é um desafio tão gigantesco quanto urgente. As mudanças climáticas não são o “novo normal”, são o início de uma era dos extremos que demandam medidas e mudanças igualmente extremas na forma de planejar, articular e financiar as políticas de meio ambiente e clima.

O anúncio da criação da Autoridade Climática, com quase dois anos de atraso, é um alento após sucessivas e trágicas enchentes, como as do Rio Grande do Sul e em outras cidades, e em meio ao fogaréu que faz arder quase todo o país. Mas o Estatuto da Emergência Climática que está sendo anunciado como principal instrumento é pífio frente à magnitude do desafio. O que o referido estatuto busca fazer é tão somente antecipar, ainda que em meses, a “licença para gastar” fora do limite dos gastos primários.

Ao decretar estado de emergência e calamidade, tem-se a liberação legal para edição de créditos extraordinários. Trata-se de um paliativo mal remendado contra o arcabouço das finanças sustentáveis, o qual, na prática, torna insustentável a condução de políticas ambientais e climáticas na escala, velocidade e permanência requeridas para mitigar emissões e prevenir e reduzir os danos causados pelos extremos climáticos.

Não é viável para um país com estas dimensões continentais e de problemas econômicos e sociais – que só se agravarão com os extremos climáticos – construir uma ação articulada, permanente e contundente apoiada em sucessivas antecipações de estados de calamidade, e financeiramente egocentrada no governo federal. Os extremos climáticos serão cada vez mais diversos e intensamente sentidos nos lugares onde as pessoas vivem, em espaços profundamente marcados por desigualdades sociais, de raça e de gênero.

A necessidade de sistema único

E o estado quase permanente de calamidade não poderá ser enfrentado sem ampliação significativa de recursos finalísticos e capacidade estatais em todo o território nacional e em todos os níveis federativos. Está na hora de colocar o discurso do federalismo e da governança climáticos em prática. A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) e o novo Plano Clima, prestes a ser lançado, precisam resolver o dilema da repartição de responsabilidades e recursos entre os entes. É preciso dar o passo que falta na construção interrompida da Política Nacional de Meio Ambiente, incorporando a dimensão climática junto com o equacionamento da repartição de recursos condicionada a metas estabelecidas nacionalmente e pactuadas entre todos os entes.

Precisamos de um Sistema Único de Meio Ambiente e Clima (Sumac), inspirado e aperfeiçoado a partir do arranjo construído na política de saúde. Com todos os problemas e desafios, temos uma política pública que funciona e salva vidas neste país: o Sistema Único de Saúde (SUS). E faz isso porque viabiliza que responsabilidades e recursos sejam compartilhados entre os entes federativos. No caso do meio ambiente e clima, já temos no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 760 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 54, as quais estabelecem a vedação ao contingenciamento e a obrigação de destinação de recursos orçamentários suficientes para o enfrentamento da crise climática. Essas decisões são base para que possamos ter um planejamento ambiental e climático com pactuação federativa, capaz de ser implementada efetivamente e estruturalmente.

Não podemos enfrentar esses eventos extremos sem uma política ambiental e climática tão ampla quanto profunda, que esteja pautada na ciência, na fina capacidade de coordenação e cooperação, na divisão de responsabilidades e de recursos. Uma política capaz de fiscalizar e punir, mas também de prever extremos e se antecipar a eles, de regular atividades poluentes e impactantes, de incentivar a preservação e, não menos importante, de mudar mentes incendiárias.

Não serão os créditos extraordinários abertos em Brasília, com a segurança jurídica do Estatuto da Emergência Climática, que resolverão os dilemas da construção interrompida de uma Política Nacional de Meio Ambiente e Clima, cuja fragilidade nos colocou onde estamos, sem ar para respirar.

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Projeto permite anular totalmente dias de pena perdoados caso preso cometa falta grave

O Projeto de Lei 2616/24 permite que o juiz, em caso de falta grave cometida pelo preso, anule totalmente o período de perdão de pena acumulado em razão de trabalho ou estudo. A Câmara dos Deputados analisa a proposta, que altera a Lei de Execução Penal (LEP).

Discussão e votação de propostas. Dep. Kim Kataguiri (UNIÃO - SP)
O deputado Kim Kataguiri é o autor da proposta – Mario Agra / Câmara dos Deputados

Segundo a LEP, editada em 1984, o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semiaberto pode diminuir um dia de sua pena a cada três dias de estudo ou trabalho comprovados. As atividades de estudo podem ocorrer de forma presencial ou a distância.

A Lei 12.433/11, mais recente, estabeleceu que o cometimento de falta grave pode levar o preso a perder até 1/3 do tempo total de pena perdoado.

“Discordamos frontalmente dessa alteração, já que a limitação de perda de até um terço dos dias remidos pode se revelar absolutamente desproporcional, considerando a gravidade da conduta praticada pelo condenado”, avalia o autor, deputado Kim Kataguiri (União-SP). “Por exemplo, se o preso chegar a cometer um crime de homicídio qualificado dentro do estabelecimento prisional, ele não poderá perder a integralidade dos dias perdoados.”

Próximos passos
O projeto será analisado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, segue para análise do Plenário. Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Novo tipo penal de feminicídio e outras alterações

Com o fundamento na necessidade de reforçar a proteção jurídica das mulheres no Brasil diante da evidência dos altos índices de violência de gênero, o Projeto de Lei nº 4.266/2023 foi proposto pelo parlamento com a finalidade de corrigir deficiências no tratamento penal dos crimes cometidos contra a mulher, especialmente em relação ao feminicídio.

Além de criar um tipo penal autônomo do feminicídio e recrudescer a moldura penal para a mais alta do ordenamento jurídico brasileiro, o projeto visava a preencher as lacunas legislativas existentes e garantir que a violência de gênero, seja ela doméstica ou em contexto de discriminação ou menosprezo, seja combatida de forma integral, dura e eficaz.

A violência contra a mulher é um fenômeno multifacetado, que envolve questões culturais, sociais e institucionais. Ao transformar o feminicídio em crime autônomo e ampliar sua pena e as medidas de proteção, além do efeito pedagógico e preventivo, a nova norma se alinha a esforços internacionais e nacionais de promoção dos direitos das mulheres, em especial sua vida e sua autonomia.

Contudo, ainda que se reconheça a necessidade de repressão penal na contenção da violência feminicida, sabe-se ser algo secundário, porque o problema guarda grande complexidade. As reflexões sobre o tema não podem ser reducionistas, criando a fantasia da solução com o Pacote Antifeminicídio, porque termina desviando o foco dos motivos determinantes da violência contra a mulher.

Os motivos determinantes do feminicídio são profundamente estruturais, culturais e históricos. Os círculos de criminalidade espelham a sociedade. A violência de gênero encontra-se espelhada na sociedade que historicamente desvaloriza e discrimina a mulher. O menosprezo e a discriminação de gênero integram as relações sociais e familiares. A desigualdade de poder entre homens e mulheres permanece enraizada na estrutura da sociedade brasileira, apresentando-se como um dos principais fatores que contribuem para ações feminicidas.

A diminuição da distância do idealismo constitucional para a realidade prática é o desafio para a redução do feminicídio no Brasil. O Estado deve concretizar políticas públicas eficazes e abrangentes que promovam os direitos das mulheres, garantindo sua segurança e igualdade de condições. A educação desempenha um papel central nesse processo, porque a baixa qualidade do ensino sobre questões sensíveis como igualdade de gênero e respeito às diferenças impede as mudanças culturais necessárias. A educação, quando orientada de maneira inclusiva e transformadora, pode desconstruir estereótipos e promover novas formas de relação entre os gêneros, baseadas no respeito e na equidade.

Não se pode perder de vista que o feminicídio é a face mais extrema de um ciclo de violências físicas, psicológicas, sexuais, morais e patrimoniais, muitas vezes negligenciadas pelas agências de controle. Deste modo, o desafio da redução do feminicídio no Brasil é multidimensional. Como fenômeno complexo de violência, o feminicídio jamais será enfrentado com movimentos sediados em ideias de lei e ordem, direito penal do inimigo, dentro outras ideias incompatíveis com a ordem constitucional. O caminho passa por mudanças estruturais profundas e, por seguinte, ainda será longo, mesmo após o Pacote Antifeminicídio.

Lei 14.994/2024

A nova Lei do Feminicídio, agora publicada, promove alterações significativas em várias leis, incluindo o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei Maria da Penha e a Lei dos Crimes Hediondos. Essas mudanças visam, em primeiro lugar, a tratar o feminicídio como crime autônomo, além de incrementar as penas, redesenhando as majorantes aplicadas ao delito, ampliando alguns efeitos penais da condenação etc.

A nova lei busca reforçar a responsabilização dos agressores por meio de efeitos penais adicionais, como a proibição de assumir cargos públicos e a perda de direitos familiares em situações de violência doméstica.

A nova legislação também define, sistematiza e incrementa as penas de outros delitos relacionados à violência de gênero, seja com o aumento da moldura penal de qualificadoras, seja com a ampliação de causa de aumento (majorantes). Ocorrem também severas alterações na progressão de regime e relativamente aos benefícios da execução penal.

A novidade legislativa também prevê a adequação de dispositivos processuais para garantir uma tramitação mais célere dos casos que envolvem violência contra a mulher e reflete a intenção do legislador de garantir uma resposta mais eficaz do sistema jurídico à violência de gênero.

Autonomia do crime de feminicídio

O feminicídio estava previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde 2015, quando foi incluído pela Lei nº 13.104, com alterações posteriores das Lei nº 14.344/2022 e Lei nº 13.771/2018. Porém, se tratava de uma qualificadora do crime de homicídio, ao lado de outras, embora com a possibilidade de aplicação de majorantes específicas a esta qualificadora.

Agora, com a nova lei, ganha autonomia e se torna um tipo de crime de homicídio, tal como ocorre, desde a redação originária do Código Penal, com o crime de infanticídio. Esse tratamento autônomo reflete uma abordagem mais rigorosa e específica, que visa a destacar a natureza odiosa desses atos. Deste modo, a legislação busca combater a impunidade e a alta prevalência da violência contra a mulher, proporcionando maior proteção às vítimas e punições mais severas aos agressores.

O feminicídio, agora previsto no artigo 121-A do Código Penal, é definido como o ato de matar uma mulher por razões da condição de sexo feminino, repetindo substancialmente a redação anterior e, neste ponto, não trazendo nenhuma novidade legislativa relativamente à previsão típico normativa do caput ou mesmo quanto à introdução ou supressão de alguma elementar.

Como na redação anterior, a previsão típica destaca que o crime ocorre quando há supressão da vida da mulher realizada com violência doméstica e familiar ou quando o homicídio é motivado por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. As elementares do tipo exigem que o crime esteja diretamente, mas não exclusivamente, relacionado a essas condições, estabelecendo uma diferenciação clara entre o feminicídio e outras formas de homicídio.

Quando exige no feminicídio que a motivação do agente esteja atrelada à condição de sexo feminino da vítima — violência doméstica ou familiar; discriminação e o menosprezo — o legislador  toma o cuidado de especificar essas condições para garantir que o crime seja adequadamente distinguido de outros homicídios, reforçando a importância do reconhecimento das causas que levam à prática desse tipo de violência.

O bem jurídico protegido é a vida humana extrauterina, com ênfase especial na proteção da dignidade e integridade física e psicológica da mulher. O tipo penal decorre do reconhecimento de que a mulher, historicamente, foi colocada em uma posição de vulnerabilidade, inclusive pelo próprio Estado, como se pode verificar de inúmeras legislações e práticas que submetiam à mulher uma injusta e irracional posição de inferioridade em relação ao homem.

O sujeito passivo do crime de feminicídio é a mulher, abrangendo a mulher trans, conforme orientação prevalente na doutrina e decisão do STJ (HC 541237). A motivação do crime deve estar diretamente relacionada à condição de mulher da vítima, seja em função de violência física, psicológica ou simbólica.

Já na posição de agressor, pode ser qualquer pessoa de qualquer gênero, inclusive no âmbito de relações homoafetivas entre mulheres quando previu que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (artigo 5º, Parágrafo único). Neste mesmo sentido, o STJ (HC 277.561) decidiu que o sujeito ativo do crime pode ser tanto o homem quanto a mulher. Embora a violência de gênero possa ser exercida tanto por homens quanto por mulheres, na maioria dos casos o sujeito ativo é pessoa do sexo masculino.

No caso de concurso de agentes, a alteração normativa inclui o § 3º ao artigo 121-A, determinando de forma expressa que “comunicam-se ao coautor ou partícipe as circunstâncias pessoais elementares do crime previstas no § 1º deste artigo”.

Agora considerado como crime autônomo, outro debate poderia se iniciar sobre a incidência da norma penal sobre eventuais coautores ou partícipes sem a mesma motivação do autor. O acréscimo do §3.º ao artigo 121-A não deixa qualquer dúvida, porque se estende aos coautores e partícipes por expressa opção do legislador.

É importante destacar que o feminicídio pode envolver uma série de agressões prévias à morte da vítima, como violência física, psicológica ou ameaças, que podem ser parte do contexto da violência de gênero. Contudo, o crime só se consuma com o resultado morte. Se houver agressões que não resultem em morte, o agente poderá responder por lesão corporal, em concurso de crimes ou de forma continuada, ou tentativa de feminicídio, dependendo da extensão das lesões e da intenção de matar.

Classificação e retroatividade da lei

Doutrinariamente, a nova figura penal do feminicídio possui a seguinte classificação: comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa; simples, porque lesiona apenas um bem jurídico; de dano, porque causa uma lesão efetiva; de ação livre, porque pode ser praticado por qualquer meio; instantâneo de efeitos permanente, porque, na forma consumada, os efeitos da ação de matar são permanentes; material, porque somente se consuma com a ocorrência do resultado morte da mulher.

No tocante à retroatividade, a nova lei que tipifica o feminicídio não pode retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, em obediência ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, previsto no artigo 5º, XL, da Constituição.

A irretroatividade da lei penal garante a segurança jurídica dos atos já praticados, impedindo que os agentes sejam punidos por condutas que, no momento de sua prática, não configuravam feminicídio. Isso não significa, contudo, que os crimes de homicídio contra mulheres antes da vigência da nova lei sejam tratados de forma branda, pois as qualificadoras de homicídio podem ser aplicadas, especialmente em casos que envolvem violência doméstica ou discriminação de gênero.

Por óbvio, não se pode falar em abolitio criminis em face da revogação do inciso VI do § 2º e os §§ 2º-A e 7º, todos do artigo 121 (artigo 9º da nova lei), pois o novel artigo 121-A opera o que se convencionou tratar como Princípio da Continuidade Normativo-Típica, pois a mesma conduta prevista na norma penal revogada continua sendo crime na norma penal revogadora, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário (STJ — HC 204.416).

Ampliação da pena aplicada

A pena prevista para o feminicídio é de reclusão, de 20 a 40 anos. Passa a ser a maior pena do ordenamento jurídico brasileiro. Antes, quando era uma qualificadora do homicídio, a pena cominada era de 12 a 30 anos.

Além disso, a nova legislação prevê causas de aumento de pena na terceira fase da dosimetria que podem, inclusive, elevar a pena acima da previsão máxima da moldura penal. Ou seja, com a configuração de uma ou mais destas majorantes, mesmo relativamente a apenas uma conduta de feminicídio consumada, a pena pode chegar ao patamar de 60 anos de privação de liberdade.

Algumas das causas de aumento dispostas no §2º do artigo 121-A já tinham previsão anteriormente na norma revogada, o §7º do artigo 121, outras, como fato de a vítima ser mãe ou responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade; ou por ser menor de 14 anos, são novidade na lei.

A nova lei passou a prever como majorante do crime de feminicídio as qualificadoras do crime de homicídio elencadas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do artigo 121 do Código Penal. Como se pode observar, acrescentou três novas causas de aumento de pena:

  • (a) emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
  • (b) traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; e
  • (c) emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

A norma penal do feminicídio não estabelece qualquer causa de diminuição de pena. Ao contrário do que ocorreu com algumas das circunstâncias qualificadoras do homicídio, que passaram a ser previstas expressamente como majorantes, o legislador escolheu por não transplantar as hipóteses de homicídio privilegiado para dentro do novo tipo penal de feminicídio.

O feminicídio é classificado como crime hediondo, pois consta na nova lei a inscrição do artigo 121-A na lista dos crimes desta espécie previstos na Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos). Essa classificação implica uma série de consequências penais, como a proibição de concessão de anistia, graça ou indulto, o início do cumprimento de pena em regime fechado e a progressão de regime mais rigorosa, exigindo o cumprimento de 2/5 da pena para réus primários e 3/5 para reincidentes.

Com a nova lei, a condenação por feminicídio passa a acarretar automaticamente (artigo 92, §2º, III) a perda do poder familiar, da tutela ou da curatela; a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo; e a vedação à nomeação, designação ou diplomação em qualquer cargo, função pública ou mandato eletivo desde o trânsito em julgado da condenação até o efetivo cumprimento da pena.

Outras alterações penais

Em relação ao artigo 129, CP, que trata da lesão corporal, houve alteração do patamar mínimo e máximo da qualificadora da circunstância de ser cometido o crime em violência doméstica (§9º), antes com pena de detenção, de três meses a três, agora com pena de reclusão de 1 a 4 anos.

Os artigos 141 e 147, do Código Penal, foram modificados para incluir a duplicação da majorante, e o artigo 21, da Lei das Contravenções Penais, teve causa de aumento triplicada, em casos de crimes cometidos contra mulheres por essa razões da condição de sexo feminino. Relativamente ao crime de ameaça, expressamente impõe ação penal pública incondicionada se for cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino (artigo 147, §3º).

O artigo 7º  altera o artigo 24-A da Lei Maria da Penha para ajustar a pena do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência. A pena prevista que antes era de detenção, de três meses a dois anos, passou a ser de reclusão de seis meses a dois anos.

Modificação na LEP

A nova lei traz alterações à Lei de Execução Penal para vedar ao condenado por crimes contra a mulher o direito à visita íntima (artigo 41); transferência do condenado para estabelecimento penal distante do local de residência da vítima (artigo 86); inclusão de um novo critério para a progressão de regime, sendo primário, após o cumprimento de 55% da pena, sem direito a livramento condicional; obrigatoriedade do uso de monitoramento eletrônico para condenados por crimes contra a mulher, quando estiverem em gozo de qualquer benefício que envolva a saída do estabelecimento penal (artigo 146-E).

Embora essas mudanças busquem garantir uma maior segurança para as vítimas de violência doméstica e familiar, evitando novos confrontos ou ameaças após a condenação, sua generalização é de constitucionalidade  duvidosa, de forma que a aplicação deve ser analisada detalhadamente no caso concreto.

Alterações processuais

A lei também busca garantir a tramitação prioritária de processos que envolvem crimes contra a mulher, de forma a assegurar que a justiça seja aplicada de forma mais ágil e eficiente. Isso diminui o risco de impunidade, responde à urgência da proteção das vítimas, e visa a prevenir novas violências.

Há, ainda, a previsão expressa de isenção de custas judiciais para as vítimas ou seus familiares em casos de feminicídio, reforçando o caráter inclusivo da legislação. A previsão de isenção de custas é uma medida fundamental para garantir o acesso à Justiça para as famílias das vítimas, muitas das quais podem enfrentar dificuldades financeiras após o crime. Essa isenção abrange todos os atos processuais necessários para a persecução penal do feminicídio, garantindo que as famílias possam buscar justiça sem impedimentos financeiros.

A nova legislação reforça a pretensão do legislador de incutir um duvidoso — para não dizer nunca concretizado — caráter preventivo e protetivo ao direito penal, por meio do aumento do rigor na punição, e as mudanças efetivadas refletem justamente o anseio justo, mas de não comprovada efetividade, de garantir a proteção ä mulher por meio de uma resposta penal proporcional à gravidade do feminicídio, considerando as circunstâncias que envolvem maior vulnerabilidade da vítima.

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