Comissão aprova projeto que autoriza produtor rural a explorar áreas com vegetação nativa recomposta

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou projeto que autoriza a exploração de áreas com vegetação nativa recomposta.

Audiência Pública - Gargalos e desafios para escoamento da safra brasileira. Dep. Sergio Souza (MDB - PR)
Sergio Souza: proposta facilita retomada econômica em áreas consolidadas – Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

A medida está prevista no Projeto de Lei 5966/23, do deputado Tião Medeiros (PP-PR), que altera o Código Florestal para assegurar a pronta retomada de atividades agrossilvipastoris em áreas consolidadas de propriedades rurais nas quais a vegetação nativa tenha se restabelecido em razão da interrupção das atividades produtivas por questões judiciais, por fenômenos naturais adversos ou ainda para a recuperação do solo.

As áreas consolidadas correspondem às partes do imóvel já exploradas anteriormente pela agropecuária, pelo manejo de florestas ou pela construção de edificações, por exemplo. Elas deverão ser comprovadas por meio de informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

O relator, deputado Sergio Souza (MDB-PR), recomendou a aprovação do texto. Na avaliação do parlamentar, a proposta simplifica e desburocratiza o processo de reativação econômica de áreas rurais consolidadas, permitindo que os agricultores possam retomar suas atividades produtivas sem entraves administrativos desnecessários.

“Além disso, ao permitir que informações registradas no CAR sejam utilizadas para comprovar a consolidação das áreas para atividades agrossilvipastoris, o projeto assegura o justo direito ao trabalho dos produtores rurais, reconhecendo as particularidades e os desafios que enfrentam na gestão de suas terras”, afirmou o relator.

Próximos passos
O projeto ainda será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

Fonte: Câmara dos Deputados

Extinção do cargo de vogal: retrocesso social

A proposta de extinção do cargo de vogal nas Juntas Comerciais, conforme prevista no Projeto de Lei nº 3.956/2019, ameaça profundamente a pluralidade e a representatividade que são pilares fundamentais dessas instituições.

Desde a promulgação da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o Registro Público de Empresas Mercantis, os vogais desempenham um papel essencial ao garantir que as decisões colegiadas sejam embasadas por diferentes setores da sociedade. Eliminá-los seria comprometer a integridade, a imparcialidade e o caráter democrático das juntas.

A justificativa apresentada pelo relator do PL, Alessandro Vieira (MDB), que defende a substituição dos vogais por servidores com conhecimentos técnicos em Direito Comercial, parte de uma premissa perigosa. Ao centralizar o processo decisório nas mãos de poucos servidores, ignoram-se os diferentes olhares e interesses que sempre coexistiram nas Juntas Comerciais, para favorecer uma visão puramente tecnicista e, em última análise, excludente.

É ilusório acreditar que o conhecimento técnico, por si só, assegura decisões justas e equilibradas. A pluralidade proporcionada pelos vogais é o que enriquece o debate e assegura que cada decisão reflita não apenas um saber específico, mas os interesses coletivos da sociedade.

Além disso, vale lembrar que os vogais são indicados a partir de entidades de classe e categorias profissionais, o que garante que diferentes realidades econômicas estejam presentes nas discussões. Em um momento em que o País precisa de mais diálogo e colaboração entre os setores produtivos e o Estado, eliminar esse canal de participação é um verdadeiro retrocesso.

Confiança

A extinção desse cargo não apenas fragiliza a estrutura das Juntas Comerciais, mas também coloca em risco a confiança que o empresariado deposita nesse sistema. Ao reduzir a representatividade, as decisões dessas instituições podem perder legitimidade, afastando-as da realidade e das necessidades do setor produtivo.

Nos últimos anos, a CNC tem se posicionado contra essa tentativa de reforma, seja no âmbito do Projeto de Lei nº 3.956/2019, seja em outras iniciativas legislativas semelhantes, como nas Emendas 20 e 127, ambas de autoria do deputado Alexis Fonteyne (Novo/SP). O mesmo posicionamento foi mantido durante a tramitação da MP nº 876/2019 e da MP nº 1040/2021.

O motivo é claro: as Juntas Comerciais desempenham um papel fundamental na regulamentação e formalização das atividades empresariais no Brasil, e sua estrutura deve ser preservada para garantir o equilíbrio entre as diferentes partes interessadas.

É preciso também destacar o risco de centralização excessiva de poder, caso a proposta avance. A ausência dos vogais, que hoje atuam como contrapeso às decisões dos presidentes e relatores das Juntas, poderia abrir espaço para decisões menos transparentes e menos representativas dos interesses da sociedade. Em vez disso, o aprimoramento do sistema deveria focar em modernizar e fortalecer a atuação dos vogais, preservando o caráter colegiado e a pluralidade que sempre nortearam as Juntas Comerciais.

A CNC defende que qualquer reforma nas Juntas Comerciais deve considerar o equilíbrio entre eficiência técnica e representatividade democrática. A extinção dos vogais é uma medida extrema e desnecessária que, em vez de melhorar, enfraquece a estrutura administrativa dessas instituições.

O próprio governo federal emitiu Nota Técnica SEI nº 303/2024/MEMP defendendo que os vogais desempenham papel essencial na diversidade de opiniões e na legitimidade das decisões e devem ser mantidos. Da mesma forma, somos favoráveis a ajustes pontuais que otimizem o funcionamento das Juntas, mas sem comprometer sua pluralidade.

Por isso, conclamamos o Senado a rejeitar essa proposta e garantir que as Juntas Comerciais continuem sendo um espaço de pluralidade, transparência e equilíbrio, respeitando a importância de cada setor da economia no processo decisório.

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Comissão de Constituição e Justiça aprova proposta que permite ao Congresso suspender decisão do Supremo

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/24, que permite ao Congresso Nacional suspender decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

 
Discussão e votação de propostas legislativas.
Reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Conforme o texto, se o Congresso considerar que o STF ultrapassou o exercício adequado de sua função de guarda da Constituição, poderá sustar a decisão por meio do voto de 2/3 dos integrantes de cada uma de suas casas legislativas (Câmara e Senado), pelo prazo de dois anos, prorrogável uma única vez por mais dois anos.

O STF, por sua vez, só poderá manter sua decisão pelo voto de 4/5 de seus membros.

A PEC também estabelece a inclusão automática, na pauta dos tribunais, de liminar pedindo que o colegiado analise decisão tomada individualmente. 

A proposta foi aprovada por 38 votos a 12. Parlamentares de partidos ligados ao governo acusaram o texto de inconstitucional. 

“Quem é que tem a última palavra neste sistema constitucional? É o Poder Judiciário. Não agir dessa maneira é coagir o STF. Em que país do mundo o Poder Legislativo interfere no conteúdo de uma decisão judicial? Nós estamos caminhando para o caos”, criticou o deputado Bacelar (PV-BA).

O relator da PEC, deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), por outro lado, disse que a proposta retoma o intento do Constituinte. “Dá ao Congresso a possibilidade de criar um freio ao ativismo judicial desse pequeno grupo nomeado que age monocraticamente. É um freio! Não se trata de se sobrepor ao Poder Judiciário, de acabar com a independência dos Poderes. Trata-se de coabitação dos dois Poderes”, defendeu o parlamentar. 

A proposta ainda precisa ser analisada por uma comissão especial e pelo Plenário da Câmara, em dois turnos de votação. Depois, ainda segue ao Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

 

Taxa Legal é divulgada mensalmente no Banco Central

Todo primeiro dia útil de cada mês, o Banco Central (BC) divulga a Taxa Legal que passou a ser usada para uniformizar a correção monetária e os juros para quitar débitos de contratos sem taxa combinada entre as partes, de indenizações por perdas e danos, de indenizações devidas a segurados e até de condomínios.

O novo indexador foi instituído pela Lei 14.905/2024 e entrou em vigor em setembro para uniformizar a aplicação de juros e correção sem previsão contratual. Além de divulgar a Taxa Legal, o BC também disponibiliza, a qualquer pessoa, acesso à Calculadora do Cidadão para simular correções de pagamentos atrasados com base nessa taxa para as situações previstas em lei.

A Calculadora do Cidadão está disponível para ser baixada gratuitamente no portal do BC e nas lojas de aplicativos para celulares e tablets. A aplicação, que é interativa a partir de informações inseridas pelo usuário, já é usada amplamente pela sociedade para simular outras operações do cotidiano financeiro. Para auxiliar na simulação de cálculos da Taxa Legal, foi criado um módulo específico na seção Correção de Valores do aplicativo.

Ressalta-se que o cálculo deve ser considerado apenas como referência para as situações reais e não como valores oficiais cobrados pelas instituições credoras. 

Taxa Legal 

A Lei 14.905/2024 definiu que a Taxa Legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzida do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

A lei corrigiu a lacuna do Código Civil quanto à falta de clareza sobre índice de correção de débitos na ausência de convenção contratual ou de previsão legal específica ao definir as seguintes aplicações:

Metodologia de Cálculo

Coube ao Conselho Monetário Nacional (CMN) especificar a metodologia de cálculo e a forma de aplicação desse novo referencial de juros, atribuição cumprida com a edição da Resolução CMN 5.171, em 29 de agosto de 2024. 

O CMN decidiu pela divulgação de uma taxa mensal que será calculada, para cada mês de referência, pela razão entre a acumulação das Taxas Selic diárias e a taxa de variação do IPCA-15 relativas ao mês anterior ao de referência. Se esse cálculo da Taxa Legal apresentar resultado negativo, a taxa será igual a zero no mês de referência.

Forma de Aplicação 

O CMN determinou ainda que seja empregado o regime de juros simples como forma de aplicação da Taxa Legal, inclusive para a acumulação de taxas mensais e para a apuração de juros proporcionais (fração pro rata). 

Tal opção respeita o regime de incidência de juros que vem sendo empregado nas condenações judiciais em face da Fazenda Pública, bem como em outros casos judiciais envolvendo verbas pagas a servidores e empregados públicos, benefícios previdenciários e assistenciais e em casos diversos de liquidação de sentença. 

A escolha pelo regime de juros simples, portanto, não traz inovação na forma de aplicação de juros nas situações nas quais incidiria a Taxa Legal, não tendo qualquer efeito para além do âmbito de aplicação dessa taxa.

Fonte: BC

Irresponsabilidade do Congresso é culpada por excesso de emendas constitucionais

Constituição Federal brasileira atingiu em setembro a marca de 134 emendas desde 1988, ano de sua promulgação. É um número excessivo e indesejável. A culpa, porém, é da irresponsabilidade do Congresso, e não do procedimento de reforma da Carta Magna, que não deve ser alterado.

Em setembro, Constituição Federal de 1988 alcançou a marca de 134 emendas

Nos últimos dois meses, o Congresso promulgou duas novas emendas constitucionais. A EC 133/2024 “impõe aos partidos políticos a obrigatoriedade da aplicação de recursos financeiros para candidaturas de pessoas pretas e pardas; estabelece parâmetros e condições para regularização e refinanciamento de débitos de partidos políticos; e reforça a imunidade tributária dos partidos políticos conforme prevista na Constituição Federal”.

Já a EC 134/2024 permite a reeleição para cargos de direção — como as respectivas presidências — dos Tribunais de Justiça com mais de 170 desembargadores, o que enquadra atualmente apenas as cortes de Rio de Janeiro e São Paulo.

Com isso, a Constituição de 1988 chegou à média de 3,7 emendas por ano. O número total chega a 144 caso sejam contadas as seis emendas constitucionais de revisão e os quatro tratados internacionais que têm equivalência ao texto da Carta Magna.

A atual é a Constituição brasileira que mais foi alterada. Em segundo lugar, vem a Constituição de 1946, que recebeu 27 emendas em 21 anos de vigência (média de 1,3 por ano). Completa o pódio a Emenda Constitucional 1/1969, outorgada pela Junta Militar e considerada por juristas uma nova Constituição, já que alterou completamente a Carta de 1967. A norma foi modificada 26 vezes em 19 anos (média de 1,4 por ano).

As Constituições do Império, da República e de 1930 receberam apenas uma emenda cada, em 65, 40 e três anos de vigência, respectivamente. Já a Constituição de 1967, a primeira da ditadura militar, não foi reformada nos dois anos em que vigorou.

Anos eleitorais

Anos de eleições nacionais estimulam alterações na Constituição. O recorde ocorreu em 2022, com a promulgação de 14 emendas constitucionais. A principal foi a EC 123/2022, que reconheceu o estado de emergência em função dos preços dos combustíveis e abriu caminho para o governo de Jair Bolsonaro (PL) promover despesas excepcionais para tentar a reeleição. Mas não deu certo, e ele foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O segundo ano com mais emendas foi 2014, com oito. Nenhuma delas foi tão explicitamente favorável à campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff, da qual ela saiu vitoriosa — porém, sofreu impeachment após um ano e meio de segundo mandato.

O ano 2000 teve sete alterações na Carta Magna. E outros quatro anos tiveram pelo menos seis emendas constitucionais (2021, 2019, 2015 e 1996) — desde 1992, a Constituição não passa um ano sem ser modificada.

Emendas demais

A Constituição Federal é muito detalhista. Portanto, é de esperar que tenha emendas com mais frequência do que a dos Estados Unidos, por exemplo, que é mais principiológica. Ainda assim, 134 emendas em 36 anos é um número excessivo, de acordo com os constitucionalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, avalia que a proliferação de emendas pode banalizar o sentido de “matéria constitucional”.

“Há uma falsa ideia de que tem de colocar tudo na Constituição Federal, como uma espécie de garantia de efetividade. Se no processo constituinte isso fazia sentido, afinal o passado não recomendava muito por causa da ditadura militar e da inefetividade de direitos, agora essa ‘constitucionalização da banalidade’ aponta para uma perigosa desmoralização daquilo que seja o sentido de ‘matéria constitucional’. Do jeito que vai, logo teremos uma emenda dizendo que ‘somente é matéria constitucional aquilo que…’, como já constava na Constituição de 1824.”

A média global é de uma emenda constitucional por ano, enquanto no Brasil há a promulgação de quase quatro alterações, um número elevado, conforme destaca Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“Mas como a Constituição é muito detalhista, e a realidade, muito dinâmica, seria impossível que o sistema funcionasse aqui como o norte-americano, que, nesse particular, inclusive, é bastante disfuncional. No Brasil, o que acaba protegendo o núcleo fundamental da Constituição são as cláusulas pétreas e o entendimento — que não é frequente no Direito Comparado — de que o STF pode controlar a constitucionalidade das próprias emendas, como já fez diversas vezes.”

É uma particularidade brasileira que uma emenda constitucional, aprovada por três quintos dos parlamentares, possa ser suspensa por decisão monocrática de um ministro do STF, que não foi eleito pelo voto popular, ressalta Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ele também considera elevado o número de emendas à Constituição de 1988, embora diga ser natural que cartas analíticas sofram mais modificações do que as sintéticas.

“Pouquíssimos países permitem controle de constitucionalidade, pelo Judiciário, de emenda à Constituição. E creio que só o Brasil permite que um ministro isolado suspenda os efeitos de emenda. Isso e o excessivo número de reformas banaliza a edição de emendas constitucionais.”

A culpa (não) é do sistema

Apesar disso, os constitucionalistas ouvidos pela ConJur entendem que não é necessário alterar o sistema de aprovação de propostas de emenda à Constituição.

As PECs podem ser apresentadas pelo presidente da República, por pelo menos 171 deputados ou 27 senadores (um terço do total) ou por mais da metade das Assembleias Legislativas.

A tramitação começa na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da casa legislativa, que é responsável pela análise da admissibilidade da proposta. Com o aval da CCJ, a PEC é examinada por uma comissão especial. Depois disso, é encaminhada para votação no Plenário.

A PEC só é aprovada se tiver votos favoráveis de três quintos dos deputados (308) e senadores (49), em dois turnos de votação. Após a primeira votação em uma das casas legislativas, a PEC é enviada para a outra. Se o texto for aprovado sem alterações pelas duas casas, ele é promulgado como emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional. Não é necessária a sanção presidencial, como ocorre com as leis ordinárias.

Lenio Streck diz que a culpa pelo excesso de emendas é da irresponsabilidade do Congresso, e não do procedimento de tramitação delas.

“O fato de o Parlamento, de forma irresponsável, entulhar o texto da Constituição com emendas sobre vaquejada e reeleição de cargos de Tribunais de Justiça não quer dizer que devemos alterar o quórum da Constituição Federal. Não vamos jogar a água suja fora com a criança dentro. Precisamos fazer constrangimentos epistemológicos. As faculdades de Direito devem discutir isso.”

Na opinião de Pedro Serrano, o quórum exigido para proposição e aprovação de PECs é adequado, o problema é a relação entre os poderes.

“No Brasil, o Judiciário pode decidir casos concretos de controle de constitucionalidade e anular atos do Legislativo e do Executivo. Isso torna o Judiciário excessivamente forte. Nos EUA, a Suprema Corte decide casos concretos, que acabam repercutindo de forma geral por causa do sistema de precedentes. Mas ela não anula atos dos outros poderes. Na Europa, onde se anula atos dos poderes, isso é feito por uma corte constitucional que não é ligada a nenhum dos três poderes”, explica ele.

Não é necessário alterar o quórum de deliberação, somente tornar imperativo o cumprimento de regras regimentais “hoje com frequência desprezadas”, afirma Daniel Sarmento. Entre elas, as que preveem um intervalo mínimo entre cada votação de emenda em cada casa legislativa.

“Com isso, dificulta-se a aprovação de mudanças sobre assuntos importantes sem dar tempo para que a sociedade tome conhecimento do tema debatido e exerça pressão legítima sobre os parlamentares. O STF já foi provocado para examinar essa questão, que envolve às vezes duas votações da emenda no mesmo dia, uma imediatamente depois da outra, sem qualquer intervalo, mas afirmou que o assunto seria de natureza interna corpore do Parlamento, não invalidando o procedimento, no que discordo.”

Desconstitucionalização de matérias

Uma iniciativa positiva seria a desconstitucionalização de algumas matérias, afirma Daniel Sarmento, ressaltando que a Carta Magna de 1988 é a segunda mais extensa do mundo, ficando atrás apenas da Constituição da Índia.

Ele cita o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, que afirmou que “a Constituição se perdeu no varejo das miudezas”.

“A Constituição é excessivamente detalhista em matérias como servidores públicos, regras previdenciárias e orçamentárias. Entre outros problemas do excesso de detalhismo, está o fato de que se confunde a matéria constitucional com questões políticas de menor importância, que deveriam ser resolvidas pelas maiorias de cada momento. E aí governar passa a depender da formação de coalizões políticas muito amplas, o que dificulta a governabilidade. Mas é essencial preservar os direitos fundamentais, inclusive os de grupos sociais vulnerabilizados”, analisa o professor da Uerj.

Pedro Serrano também é da opinião de que é preciso desconstitucionalizar algumas matérias. Como exemplo de tema que não deveria estar na Carta Magna, ele menciona a disposição de que o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, seja mantido na órbita federal (artigo 242, parágrafo 2º, da Constituição).

Por sua vez, Lenio Streck entende que não há nada a desconstitucionalizar. “Também não há como evitar a proliferação de emendas, a não ser de dois modos: ou se copia a Constituição de 1824 (com emenda dizendo que ‘somente é matéria constitucional aquilo que…’) ou o Congresso faz uma autocontenção.”

Brasil x EUA

Em 36 anos, a Constituição de 1988 já recebeu 134 emendas. Em comparação, a Constituição dos EUA recebeu 27 emendas em 235 anos — a última foi promulgada em 1992. Outras seis emendas foram aprovadas pelo Congresso americano, mas não foram ratificadas por três quartos dos estados (38), quórum exigido para a reforma.

Os especialistas, porém, afirmam que não faz sentido comparar o número de emendas da Constituição brasileira com o da Carta dos Estados Unidos.

“São sistemas jurídicos diferentes. Até porque poderíamos dizer que, cada vez que a Suprema Corte decide algo com efeito vinculante (stare decisis), ela está aumentando o tamanho da Constituição”, ressalta Lenio Streck.

E a Constituição dos EUA dificulta o processo de modificação, aponta Daniel Sarmento. “A enorme dificuldade de emendar a Constituição — o que exige a votação de dois terços das duas casas congressuais e de três quartos dos estados — gera vários problemas, como a manutenção, até hoje, de um sistema completamente ultrapassado de eleição presidencial, em que o mais votado nacionalmente pode perder.”

A Carta Magna americana é sintética, principiológica e estabelece diretrizes gerais sobre o Estado, diz Pedro Serrano. Já a brasileira é analítica, detalhista. “E somos regrados pelo Direito positivo, ao passo que os norte-americanos são regulados pela common law, em que há prevalência dos precedentes judiciais. Esses fatores explicam por que o Brasil tem um número muito mais elevado de emendas constitucionais do que os EUA”, pondera o professor da PUC-SP.

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O caso Gusttavo Lima e a falta de isonomia ou ‘o diabo mora nos detalhes’

1. Explicando o caso

Uma juíza de Pernambuco decretou a prisão de Gusttavo Lima e da influencer Deolane – a notícia está em todos os jornais e sites. Deolane chegou a ser recolhida por alguns dias. Já Gusttavo Lima obteve habeas corpus antes de ser preso.

Gusttavo é suspeito de ter ligação com pessoas investigadas na operação “integration”, da Polícia Civil de Pernambuco, que apura um esquema de lavagem de dinheiro de jogos de azar pela internet (bets). Ele estava nos Estados Unidos em viagem com sua família, quando recebeu a notícia da concessão da ordem.

Na mesma decisão, o desembargador derrubou a decisão que suspendeu o passaporte e o porte de arma do cantor.  Para o desembargador, a decretação da prisão de Nivaldo Batista Lima, nome do cantor, foi justificada com base em ilações (deduções).

2. O desdobramento da concessão de habeas corpus — liminarmente

Houve um frisson sobre a (quase) prisão de Gusttavo Lima. Ainda há juízes no Brasil, disseram alguns causídicos. OK. Correta a decisão do HC concedido pelo desembargador pernambucano.

Então, qual é o problema? Causa finita, certo? Sim e não.  O busílis é que, em cem pedidos de habeas corpus apreciados desde 2023 até a semana em que houve a concessão da ordem a Gusttavo Lima, o desembargador pernambucano ou não conheceu ou não deferiu (nenhuma) liminar. No mérito, os HC relatados pelo desembargador, com raras exceções, são negados à unanimidade. Portanto, a comemoração pela concessão do habeas corpus em favor de Gusttavo e Deolane fica, digamos assim, ofuscada pelas notícias que darei na sequência. Já explicarei.

3. Uma questão de isonomia ou “isonomia – eu quero uma para aplicar no Direito”

Lembro-me que fui pioneiro, como procurador de Justiça, em lançar uma tese pela qual se deveria aplicar, por isonomia, a benesse concedida aos sonegadores de tributos – extinção da punibilidade pelo pagamento do prejuízo – aos acusados de furto e estelionato. Há dezenas de acórdãos nesse sentido, da lavra da 5ª. Câmara criminal do TJ-RS em que eu atuava. Um dos acórdãos teve a seguinte ementa:

“Lição de Lenio Luiz Streck: os benefícios concedidos pela Lei Penal aos delinquentes tributários (Lei 9.249/95, artigo 34) alcançam os delitos patrimoniais em que não ocorra prejuízo nem violência, tudo em atenção ao princípio da isonomia. Recurso provido para absolver o apelante. (TARS. 2ª Câmara Criminal. Apelação criminal nº 297.019.937. Relator: Amilton Bueno de Carvalho. Data do julgamento: 25 de Setembro de 1997)”.

Portanto, minha crítica não era (e não é) contra a concessão de favor legis aos sonegadores de tributos (como não sou contra, por óbvio, à concessão de habeas corpus a Gusttavo Lima); minha crítica era — e continua sendo —, sim, a não aplicação da isonomia. É disso que se trata.

A primeira vez em que defendi a tese (é uma de tantas) foi no caso de uma bicicleta furtada e que foi recuperada em seguida. Zero de prejuízo. E a tese foi aplicada, a partir de meu parecer. Isso em 1990, portanto, há 35 anos. Lutei muito por essa isonomia de tratamento. Coerência e integridade — que depois consegui incluir no CPC de 2015, artigo 926.

Portanto, insisto, não está errada a decisão que concedeu o HC em favor de Gusttavo Lima. Porém, talvez não tão corretas estejam muitas das decisões do desembargador (ou do tribunal) que não concederam liminar (e/ou o habeas corpus no mérito) a acusados presos cautelarmente no estado de Pernambuco (sim, sei que no restante do Brasil isso se repete).

Veja-se que a mesma Câmara que concedeu habeas corpus — liminar e monocraticamente — a Gusttavo Lima e para a influencer Deolane, negou o remédio heroico em um caso em que o acusado está preso desde 25/6/2019 – encarcerado há cinco anos (aqui, para além dos cem casos de não concessão de liminar, foram examinados apenas os últimos 40 acórdãos da Câmara em sede de habeas corpus) [1]. Mesmo se fosse crime de júri, ainda assim há um problema, certo?

Ou quem sabe a Câmara tenha acertado no caso de Gusttavo e errado ao negar habeas corpus (mesmo relator), à unanimidade, de um réu preso desde 13/10/2021. Portanto, recolhido há mais de três anos.

Os casos são muitos. Lembro de outro, em que o réu está preso desde 28/10/2022. E a mesma Câmara que concedeu liminar em habeas corpus para Gusttavo, negou o remédio heroico à unanimidade, seguindo voto do desembargador relator do caso Gustavo.

Também tenho notícia de que a Câmara negou habeas para acusado que está preso por não ter dinheiro para pagar fiança de um salário-mínimo (proc. 0022911 21.2023.8.17.9000). Sim, ficou preso (e parece que continua assim) porque não tinha o valor para pagar fiança. O tribunal alega que a questão da fiança não tem relevância porque há outros motivos para a prisão (contumácia delitiva). Há outro caso de pessoa presa deste 6/1/2021. E por aí afora.

Por justiça, registro que nos casos de um preso recolhido há 900 dias e de outro recolhido há mais de 400 dias, houve a concessão da ordem para ambos. Também foi concedida a ordem em um caso de tráfico de drogas (77 g de maconha).

É disso que falo quando escrevo em busca de coerência e integridade. Por isso lutei para incluir no CPC o artigo 926. Garantismo é fazer democracia no Direito e por meio do Direito. Garantias processuais são para todos, inclusive para os não-gustavos.

Só para registrar, pelo levantamento minha assessoria apontou que nenhuma liminar foi concedida pelo desembargador na centena de decisões monocráticas em sede de habeas corpus analisadas, desde 2023 até a semana em que foram proferidas as de Gusttavo Lima e da influencer Deolane (pode até existirem concessões nas cem decisões anteriores a essas últimas cem)Algum problema legal? Não. O desembargador pode alegar que cada caso é um caso. E que decide assim levando em conta a jurisprudência do tribunal. Portanto, tudo dentro da legalidade. OK. De minha parte, apenas falo de isonomia. Por mais graves que sejam os crimes dos réus que tiveram habeas negados, há uma coisa que salta aos olhos: o excesso de prazo (sem contar o caso da falta de dinheiro para fiança). No caso de Gusttavo Lima, não houve sequer a concretização da prisão ilegal. Que bom. Porém, nos casos dos não-gustavos, é provável que o excesso de prazo já tenha extrapolado qualquer razoabilidade e proporcionalidade – mesmo aquela “proporcionalidade raiz”, a do Código prussiano.

É disso que se trata.

Há mais de 30 anos eu dizia nas palestras e textos: no Brasil, la ley es como la serpiente; solo pica al descalzos. A frase é de um camponês salvadorenho, repetida por Jesus José  de La Torre Rangel.

O resto é autoexplicativo pela modernidade tardia brasileira.

No Brasil, pessoas como Gusttavo Lima sabem se defender (meus cumprimentos ao trabalho eficaz dos seus advogados); minha preocupação é com os não-gusttavos. De todo o Brasil.


[1] Foram analisados os últimos 40 acórdãos encontrados a partir da busca de jurisprudência no site do TJ-PE com os requisitos de busca por “PESQUISA LIVRE” (Defensoria Pública), “CLASSE CNJ” (Habeas Corpus Criminal) e “RELATOR” (Eduardo Guilliod Maranhão). Admite-se, por consequência, que, por outros meios, talvez pudesse ser alcançado outro resultado.

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Terceira Turma afasta usucapião de imóvel de sociedade de economia mista com destinação pública

Os ministros consideraram que a área sob litígio se destina à prestação do serviço público de abastecimento de água potável para a população do Distrito Federal, o que impede a usucapião.
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, rejeitou o pedido de reconhecimento de usucapião de um imóvel de propriedade da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). Para o colegiado, como o imóvel pertence à sociedade de economia mista e tem destinação pública, não seria possível a usucapião.

No julgamento, o colegiado considerou viável, em ação de usucapião, proteger a posse da empresa estatal sobre o bem público ocupado irregularmente. Assim, manteve a decisão judicial que, no mesmo processo, acolheu o pedido da Caesb para a reintegração de posse.

Os autores da ação de usucapião extraordinária ajuizada contra a Caesb argumentaram que ocupam uma área de mais de sete mil metros quadrados há mais de 15 anos, o que seria suficiente para o reconhecimento da aquisição da propriedade pelo decurso do tempo.

Instâncias ordinárias rejeitaram o pedido de usucapião

Em primeiro e segundo graus, a ação foi julgada improcedente. Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), não seria possível reconhecer o exercício de posse pelos autores, mas a mera detenção. O TJDFT também entendeu que, constatado o domínio público sobre o imóvel indevidamente ocupado, deveria ser determinada a sua desocupação, conforme pedido apresentado pela Caesb na contestação.

Por meio de recurso especial, os ocupantes do imóvel alegaram que, sendo a Caesb uma sociedade de economia mista submetida ao regime de direito privado, nada impediria o reconhecimento da usucapião. Eles também questionaram a possibilidade do pedido de reintegração de posse no mesmo processo.

Usucapião é inviável quando demonstrada efetiva ou potencial destinação pública

A ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que o artigo 1.238 do Código Civil disciplina a usucapião extraordinária, cujo reconhecimento exige a posse do imóvel pelo prazo mínimo de 15 anos, sem interrupção nem oposição, independentemente de título e boa-fé. Nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo, o prazo pode ser reduzido para dez anos caso o possuidor more habitualmente no local ou tenha feito obras ou serviços de caráter produtivo no imóvel.

Por outro lado, a relatora destacou que, conforme previsto no artigo 102 do Código Civil, os bens públicos não estão sujeitos à usucapião.

Nesse contexto, Nancy Andrighi citou jurisprudência do STJ (REsp 1.719.589) no sentido de que os bens de sociedade de economia mista sujeitos a destinação pública podem ser considerados bens públicos e, portanto, insuscetíveis de usucapião. O fato de o imóvel estar momentaneamente vazio ou desocupado não afasta a caracterização da destinação pública. Essa característica tem recebido uma interpretação abrangente pela corte, de modo a significar a utilização efetiva ou potencial do bem para serviços e políticas públicas (REsp 1.874.632).

Área é destinada ao abastecimento de água para a população do DF

No caso dos autos, a ministra lembrou que, além de pertencer à Caesb e estar localizado em área de proteção ambiental, o imóvel se destina à prestação do serviço público de abastecimento de água potável para a população do DF, havendo, inclusive, um reservatório de água na área discutida na ação.

“Tais premissas, portanto, acarretam a impossibilidade de reconhecimento da usucapião, bem como a necessidade de se conferir proteção possessória à Caesb, que, atualmente, encontra-se impossibilitada de utilizar integralmente o imóvel em favor do interesse público, diante da ocupação ilícita por parte dos recorrentes”, completou a ministra.

Sobre a reintegração de posse no âmbito da ação de usucapião, Nancy Andrighi lembrou que a parte autora formulou pedido expresso de manutenção da posse do imóvel. Para se contrapor a esse pedido, apontou, a Caesb, em contestação, pugnou expressamente pela desocupação da área, com a reintegração de posse do imóvel.

“Portanto, ao invocar debate sobre a posse do bem na petição inicial, a própria parte autora atraiu a possibilidade de que a parte ré formulasse pedido de proteção de sua posse em sede de contestação, em conformidade com os artigos 556 e 561 do Código de Processo Civil”, concluiu a ministra.

Fonte: STJ

Tutela específica de obrigação de fazer nos contratos de seguro

O Direito Processual Civil brasileiro disciplina o julgamento dos conflitos relacionados com o descumprimento de obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. Quando julga procedente o pedido, o juiz deve conceder a tutela específica ou determinar providências que assegurem a obtenção do resultado prático equivalente ao adimplemento (CPC, artigo 497).

O regime da tutela específica foi introduzido em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 213) e pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 84), seguidos pela Lei nº 8.952 de 1994, uma das micro reformas por que passou o CPC/73 naquela época (artigo 461). Foi uma reação do sistema. A tutela ressarcitória (sancionatória) tradicional se mostrou insuficiente para atender às pretensões insatisfeitas quando o bem da vida perseguido não era pagamento em dinheiro, mas sim uma atividade pessoal do devedor [1]. Em muitos casos, sobretudo nas obrigações infungíveis, o ressarcimento do dano já consumado não passa de um melancólico “prêmio de consolação”, na expressão de Barbosa Moreira, para quem “nem todos os tecidos deixam costurar-se de tal arte que a cicatriz desapareça por inteiro” [2].

Era preciso imprimir mais efetividade à prestação jurisdicional para torná-la capaz de inibir a ameaça do ilícito, evitar sua repetição ou cessar sua continuidade, campo de trabalho das tutelas inibitórias e reintegratórias (de remoção) [3], movimento iniciado na doutrina italiana apontando um catálogo de “novos direitos” que reclamavam proteção especial. A falta de procedimento para regular a execução de obrigação de fazer e não fazer constituía uma obscura terra de ninguém (“un’ambigua terra di nessuno”), queixava-se Sergio Chiarloni nos anos 80 [4].

As preocupações se voltaram para os direitos não patrimoniais da personalidade (vida, integridade física e psíquica, liberdade, honra, imagem), da concorrência, da propriedade intelectual, práticas abusivas no mercado de consumo, degradações ao meio ambiente, conflitos de família [5] etc. Com ênfase no direito fundamental do credor [6], a preferência do sistema pela tutela específica convoca o devedor a produzir resultado igual, ou o mais próximo possível, ao que produziria se tivesse a prestação sido cumprida, sob pena de medidas de pressão psicológica para curvá-lo ao adimplemento [7].

Conversão

Entretanto, existem limites à busca do cumprimento “in natura”. A lei dispõe que a obrigação pode ser convertida em perdas e danos em duas hipóteses: (a) se o autor requerer essa conversão ou (b) se for impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente (CPC, artigo 499). Vale dizer, se a tutela específica não puder ser realizada, porque se tornou inviável, o interessado pode requerer um resultado prático equivalente. Mas se não quiser nem uma coisa nem outra, ou seja, nem o objeto específico nem algo que lhe faças as vezes, o credor pode requerer uma indenização que compense o prejuízo gerado pela inadimplência.

Na técnica processual, ele pode ajuizar diretamente sua pretensão ressarcitória ou formular seus pedidos em cumulação eventual (se não me der o bem A, quero a indenização B[8]. Nada impede também que solicite a conversão no curso do processo quando a tutela específica não tiver mais aderência à realidade material [9], seja na fase de conhecimento [10], seja no cumprimento de sentença [11].

Aqui, a grande discussão era a seguinte: o órgão judicial pode converter a pretensão específica para o procedimento de perdas e danos sem requerimento do credor? A resposta é sim. As hipóteses são alternativas: requerimento do autor ou impossibilidade de cumprimento da prestação. A conversão pode ser voluntária, se o autor preferir, mas pode também ser aplicada de ofício diante das circunstâncias pessoais ou materiais que impossibilitam o cumprimento da obrigação original (conversão compulsória) [12], gatilho que vem do Código de 1973 [13], seguido pelo atual [14].

Nada impede também o devedor de requerer a conversão em perdas e danos, desde que prove a impossibilidade de cumprir a obrigação. É o caso do provedor de internet que, condenado a reativar o perfil do usuário indevidamente excluído da plataforma, consegue demonstrar que é tecnicamente inviável a recuperação do conteúdo apagado do sistema [15].

Agora façamos o caminho inverso. Uma vez pleiteada a conversão pelo autor, pode o órgão discordar para manter o pleito de recebimento do objeto específico? A resposta é negativa. Não se pode impor prestação original a quem já desistiu dela pelos desgastes da inadimplência. A conversão constitui um direito do credor de preferir o ressarcimento e seguir nele até o fim (CC, artigo 247 e 249). Se ficar evidenciado algum abuso de sua parte, isso não lhe retira a pretensão ressarcitória, podendo render algum reflexo negativo na liquidação do dano por falta de mitigação do próprio prejuízo [16].

Portanto, o fato de a lei autorizar a conversão da demanda em perdas e danos, quando houver requerimento do autor ou quando impossível a tutela específica, não significa que, na situação contrária, a demanda de ressarcimento pode ser “convertida” de ofício em tutela específica. Uma vez realizada a conversão, ou preenchidas as condições para tanto, nem o juiz pode impor e nem o réu pode “insistir” no cumprimento de uma obrigação a contragosto do autor. Seria muita invasão em sua esfera de disponibilidade [17].

Como lembrado de início, tudo foi pensado para resolver a crise dos direitos não patrimoniais, o que justifica o esforço pela tutela específica dentro de certos limites. Fora do seu raio, o sistema abre a porta da pretensão ressarcitória.

O § único do artigo 499 do CPC

No entanto, as coisas mudaram com a Lei nº 14.833, de 27/3/2024. O Congresso introduziu um § único no artigo 499 do CPC, que ganhou a seguinte redação:

“Art. 499. A obrigação somente será convertida em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Parágrafo único. Nas hipóteses de responsabilidade contratual previstas nos arts. 441618 757 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e de responsabilidade subsidiária e solidária, se requerida a conversão da obrigação em perdas e danos, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o cumprimento da tutela específica.”

O novo dispositivo está dizendo agora que, mesmo após formulado o pleito de conversão em perdas e danos, o juiz concederá, primeiramente, a faculdade para o cumprimento da tutela específica nos casos de vícios redibitórios (CC, artigo 441), nos contratos de empreitada (CC, artigo 618), de seguros (CC, artigo 757) e na responsabilidade subsidiária e solidária.

A redação não ficou clara. O verbo “conceder” é transitivo indireto. Quem concede, concede algo a alguém. Faculdade conferida a quem? Ao sujeito passivo? Parece que sim. Ora, se o juízo deve consultar o devedor sobre o interesse dele em cumprir a obrigação, então significa, no fundo, que o credor deixou de ser o titular do direito de preferir o caminho das perdas e danos. A lei transferiu àquele a prerrogativa de avaliar a conveniência da medida.

Aparentemente sutil, a modificação mexe bastante no sistema processual. O que antes foi estruturado para oferecer tutela específica vocacionada ao cumprimento de prestações de cunho não patrimonial a critério do credor, agora está sendo esgarçado para impor obrigações tipicamente patrimoniais a serviço do devedor. Uma supervalorização da tutela específica com mudança no centro de controle.

Múltiplas interrogações estão brotando do novo parágrafo. Qual foi a razão dessa reforma? O Projeto de Lei nº 2.812/2013 nasceu na Câmara dos Deputados por iniciativa dos parlamentares Luciano Bivar (União-PE) e Fernando Marangoni (União-SP). A justificativa era a necessidade de conceder oportunidade para o devedor honrar sua obrigação como forma de preservar a intenção original das partes, especialmente quando o inadimplemento não foi intencional ou foi causado por circunstâncias alheias à vontade do devedor. Registrou-se também que era preciso prestigiar a conservação dos negócios jurídicos e garantir a execução menos gravosa.

Evidente que a motivação política carrega uma crítica às pretensões ressarcitórias. Porém, o projeto parece preocupado com situações muito laterais que não justificam tamanha mudança no regime processual, com reflexo no campo das obrigações. Muitas vezes, o conflito decorrente da inadimplência gerou um estado de coisas tão desgastante que, mesmo sendo possível sua continuidade, o credor não confia e nem aceita mais a presença do prestador de serviço em sua residência ou empresa para continuação de uma obra que não deu certo por uma série de motivos. Não é justo que essa decisão se transforme em direito potestativo na mão do devedor.

Seguros

Avançando um pouco mais, o que têm os contratos de seguro a ver com isso? Os segurados, beneficiários e terceiros prejudicados têm pretensões tipicamente indenizatórias, fundadas no descumprimento de obrigação de pagar quantia certa, sujeitas às condições contratuais e limites de cobertura. Contam-se nos dedos as obrigações de fazer da companhia de seguros: prestar o serviço de regulação do sinistro, proceder à contratação, à prorrogação ou à renovação do contrato em determinadas situações particulares, constituir reserva técnica etc.

Talvez alguma proximidade com o seguro-garantia de obrigações contratuais. Excepcionalmente, em obras e serviços de engenharia, havendo inadimplência no contrato de prestação de serviço, a seguradora pode assumir o compromisso de dar prosseguimento ao projeto para concluí-lo sob sua responsabilidade. É a chamada cláusula de retomada [18], uma experiência da nova Lei de Licitações [19], buscando resolver a crise das obras públicas inacabadas no Brasil [20].

Entretanto, antes de assumir a direção dos trabalhos, a seguradora precisa instaurar o processo de regulação do sinistro à luz do contrato de seguro. Imaginemos então que ela investigue a crise contratual, apure suas causas, mas conclua pela ausência de cobertura, o que significa que não deve assumir a obra e nem pagar indenização ao segurado. Diante desse fato, o segurado ingressa em juízo com ação cominatória para obrigá-la a tocar o serviço mal-acabado, mas depois pede sua conversão em perdas e danos. De acordo com o § único do artigo 499 do CPC, o juiz deve perguntar à companhia de seguros o que ela prefere fazer: executar a obra por meio de terceiros ou pagar a indenização ao segurado?

A essa altura dos acontecimentos, já recusada a cobertura, é muito provável que ela não queira e nem possa assumir a execução do projeto no lugar do agente inadimplente. Aceitará a conversão em perdas e danos. Até pelo princípio da menor onerosidade (CPC, artigo 805), depositar a indenização em juízo, se for o caso, será muito mais palatável à seguradora do que providenciar a execução do contrato por intermédio de empreiteira às suas custas.

Difícil enxergar alguma utilidade prática nessa prerrogativa para os contratos de seguro. Mais estranho ainda ficará essa “consulta” quando o segurado já optou por ajuizar originalmente sua pretensão de cobrança da indenização securitária.

A benesse cria distinções. Parece aplicável a todos os seguros, incluindo contratos de consumo e empresariais, massificados e grandes riscos, mas privilegia corresponsáveis solidários em detrimento dos não solidários. Como fica o princípio da igualdade? É uma boa pergunta formulada por José Miguel Garcia Medina [21]. Aliás, curioso observar que, surgindo a necessidade de conversão na fase de conhecimento, o juiz terá que dizer antecipadamente se existe ou não solidariedade, quando essa seria uma questão a ser dirimida pela sentença ou decisão parcial de mérito.

Na verdade, não havia necessidade de mencionar o artigo 757 do Código Civil numa regra processual com tamanha generalidade. Tampouco se teve preocupação de ouvir especialistas para entender qual seria o impacto da proposta na relação securitária. Esse mesmo dispositivo pode sofrer alterações no futuro próximo, seja pelo processo de atualização do Código Civil no Congresso Nacional, seja por força do Projeto de Lei nº 2.597/2024, que propõe a revogação do seu Capítulo XV para estabelecer uma lei específica em matéria de seguros.

É preciso ter cautela. O acesso à Justiça que prestigiou o sistema de tutelas específicas, com balanceamentos graduais à disposição do credor, é o mesmo acesso à Justiça que pode sair machucado agora com as extravagâncias que essa inversão de papeis pode causar na dinâmica dos litígios. Para dar um tempero ao § único do artigo 499 do CPC, sua leitura poderia ser a seguinte: o juiz deve consultar as partes sobre a possibilidade de cumprimento da tutela específica. Apenas um convite ao diálogo e não uma imposição a contragosto do credor.

Esta coluna é produzida pelos professores Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, bem como por convidados.


[1] DIDIER JR, Fredie et alCurso de Direito Processual Civil – Execução. 9ª ed., Salvador: Juspodium, 2019, v. 5, p. 593.

[2] Essa crítica vinha em construção: BARBOSA MOREIRA, J. C. Tutela sancionatória e tutela preventiva. Temas de direito processual (2ª série). São Paulo: Saraiva, 1980, p. 21-30.

[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela e obrigações de fazer e de não fazer. Gênesis – Revista de Direito Processual Civil, v. 2, 1997, p. 111.

[4] CHIARLONI, Sergio. Misure coercitive e tutela dei diritti. Milano: Giuffrè, 1980, p. 102; RAPISARDA, Cristina. Profili della Tutela Civile Inibitoria. Pádova: Cedam, 1987, p. 77.

[5] MARINONI, Luiz GuilhermeTutela inibitória (individual e coletiva). 4ª ed., São Paulo: RT, 2006, p. 272.

[6] GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003, p. 116.

[7] BARBOSA MOREIRA, J. C. A tutela específica do credor nas obrigações negativas. Temas de direito processual (2ª série). São Paulo: Saraiva, 1980, p. 33; MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Execução específica das obrigações de fazer e não fazer. In: ARRUDA ALVIM et al (Coord.). Execução civil e temas afins do CPC/1973 ao novo CPC – Estudos em homenagem ao Professor Araken de Assis. São Paulo: RT, 2014, p. 338.

[8] SCARPINELLA BUENO, Cassio. Manual de Direito Processual Civil. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2022, p. 527.

[9] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Comentário ao artigo 499. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª ed., São Paulo: RT, 2016, p. 898.

[10] Enunciado 525 do FPPC: “A produção do resultado prático equivalente pode ser determinada por decisão proferida na fase de conhecimento”.

[11] STJ, 3ª T., REsp 1.760.195-DF.

[12] CUNHA, Leonardo Carneiro da. CPC comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 778.

[13] STJ, 4ª T., AgInt no Agravo em RESP 2.081.278-SP.

[14] STJ, 4ª T., AgInt nos EDcl no RESP 1.821.265-SP.

[15] Precedentes envolvendo o Facebook: TJSP, 31ª Câmara de Direito Privado, Agravo nº 2184697-88.2024.8.26.0000, Des. Antonio Rigolin, j. 12.07.2024; 19ª Câmara de Direito Privado, Agravo nº 2144045-29.2024.8.26.0000, Des. Cláudia Tabosa Pessoa, j. 13.08.2024.

[16] TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer e sua extensão aos deveres de entrega de coisa. 2ª ed., São Paulo: RT, 2003, p. 331.

[17] Interessante reflexão à luz do CPC anterior: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. A Tutela Específica e o Princípio Dispositivo – Ampla Possibilidade de Conversão em Perdas e Danos por vontade do Autor – https://blog.grupogen.com.br/juridico/.

[18] Circular SUSEP nº 662/2022, art. 21, inc. II.

[19] Lei nº 14.133/2021, art. 102.

[20] MELO, Roque de Holanda. A busca pela efetividade do seguro garantia nas contratações públicas. In: GOLDBERG, Ilan & JUNQUEIRA, Thiago (Coord.). Direito dos Seguros em Movimento. São Paulo: Foco, 2024, p. 306.

[21] MEDINA, José Miguel Garcia. Tutela específica mitigada: alteração do CPC pela Lei 14.833, de 27/3/2024 – https://www.conjur.com.br/2024-mar-28/a-tutela-especifica-mitigada-a-alteracao-do-cpc-pela-lei-14-833-de-27-3-2024/.

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A quem pertence o ônus de comprovar a cadeia de custódia da prova?

Desde que a Lei 13.964/2019 tipificou regras básicas a respeito da cadeia de custódia da prova, o debate sobre tema se tornou rotineiro nos tribunais.

Na jurisprudência edificada a respeito do tema, se consolidou o entendimento de que caberia à defesa demonstrar e comprovar a quebra da cadeia de custódia, a título de exemplo: “a defesa não logrou demonstrar prejuízo em razão do alegado vício, tampouco comprovou cabalmente a ocorrência de quebra da cadeia de custódia (…)” [1],

“Para demonstrar a quebra da cadeia de custódia é imprescindível que seja demonstrado o risco concreto de que os vestígios coletados tenham sido adulterados.(…)”[2], “(…) A configuração da quebra da cadeia de custódia pressupõe a existência de irregularidades no procedimento de colheita e conservação da prova, não demonstrados de plano pelo recorrente. (…)” [3] e outras diversas decisões no mesmo sentido.

Essa visão a respeito do ônus da prova [4] é mais uma das inadequadas importações do processo civil, da qual se extrai a conclusão de que a prova do fato incumbe a quem a fizer. Logo, se é a defesa quem alega a quebra da cadeia de custódia, cabe a ela comprovar a inobservância do rito previsto no artigo 158-A a 158-F do CPP ou qualquer outro vício que contamine a higidez da prova (por exemplo, a inobservância da ABNT/ISSO 27037/2013 que regulamente o tratamento de evidências digitais).

Quando o artigo 156 do CPP repete esta afirmação, está se referindo à prova da alegação acerca da prática de um crime, incumbindo a quem acusa demonstrar através das provas (lícitas) a autoria e materialidade [5], não sendo razoável inverter esta interpretação a ponto de aceitar que caberia a parte adversa comprovar a quebra da cadeia de custódia de uma prova que não foi responsável pela colheita ou produção.

Mais do que inverter o ônus da prova a respeito da cadeia de custódia, o que não se admite por qualquer prisma no processo penal, isso seria o mesmo que exigir da parte adversa uma “prova diabólica”, para utilizar um termo recorrente na linguagem de que acusa.

Controle de confiabilidade

O controle de confiabilidade de uma prova pressupõe a realização de uma “prova sobre a prova” [6] por razões óbvias. Somente quem produziu e colheu a prova poderá (leia-se: deverá) comprovar a higidez e fiabilidade desta prova.

Seria impossível esperar que a defesa comprovasse a quebra da cadeia de custódia de uma prova extraída de um celular ou computador, se não lhe foi fornecido o código hash. Pela mesma lógica, também seria impossível que a defesa comprovasse a quebra da cadeia de custódia de objetos apreendidos na cena do crime, sem que lhe fosse apresentado informações sobre a coleta, acondicionamento, transporte e outras informações no processamento da prova até a perícia.

Diferentemente do que ocorre no direito administrativo, no processo penal não vige o princípio da presunção de veracidade dos atos oriundos da administração pública, pelo qual se justificaria uma confiança pré-constituída na higidez e fiabilidade da prova produzida pelas Polícias, Ministérios Públicos e outras agências de Estado. Não se espera outro comportamento em relação à prova produzida pela defesa, excetuando-se os casos em que a própria jurisprudência admite a prova ilícita pro reo. [7]

No processo penal, os princípios regentes são outros, tais como a legalidade presunção de inocência — não basta qualquer prova, é necessário que seja lícita [8] e colhida sobre égide da legalidade, ou seja, preservando a cadeia de custódia —, e por isso, sobre a prova acusatória apresentada vige aquilo que Geraldo Prado propôs chamar de “princípio da desconfiança” que recai sobre a autenticidade da prova [9].

Quebra da cadeia de custódia

A quebra da cadeia de custódia pode se dar de duas formas, por ação ou omissão: comportamento comissivo: quando se constata algum vício na cadeia de custódia da prova; ou comportamento omissivo: quando sequer é fornecida a cadeia de custódia da prova.

Reconhecendo que a quebra da cadeia de custódia pode ser consequência de um comportamento omissivo de quem colheu ou produziu a prova, ao não comprovar os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado, em decisão da 5ª Turma do STJ, a ministra Daniela Teixeira reconheceu a quebra da cadeia de custódia anotando que “a falha na cadeia de custódia pode resultar na imprestabilidade da prova, sendo que a mera alegação de correção na coleta das provas pelo Estado não é suficiente para garantir sua admissibilidade”, concluindo que “a falta de documentação adequada sobre o local e os objetos periciados gera insegurança jurídica e torna as provas inadmissíveis para fins penais” [10].

Respondendo à pergunta que deu origem a este texto: incumbe a quem colheu ou produziu a prova (acusação ou defesa) o ônus de comprovar a cadeia de custódia, ou seja, a higidez e fiabilidade da prova apresentada. Não por outro motivo a ausência da demonstração de “todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado” (artigo 158-A do CPP) configura, por si só, a quebra da cadeia de custódia e impede que a prova seja admitida e valorada.


[1] STJ, AgRg no AREsp n. 2.684.625/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 16/9/2024.

[2] STJ, AgRg no HC n. 825.126/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 11/9/2024.

[3] AgRg no HC n. 870.078/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024.

[4] Concordamos com Aury Lopes Jr. quando demonstra que a adequação do termo ao processo penal requer o uso do substantivo “carga” e não “ônus” da prova e por consequência não há distribuição de cargas, vide LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 19ª Ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 425/427.

[5] Neste sentido, vasta doutrina: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 8ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020, p. 490/496; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Et. Al. Código de Processo Penal Comentado, 4ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 500/501; ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. 6ª Ed. Florianópolis: EMais, 2020, p. 662; LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 19ª Ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 425/427 e outros.

[6] BELTRÁN-FERRER, Jordi. Valoração Racional da Prova. Tradução: Vitor de Paula Ramos. Salvador: Editora Juspodivm, 2021, p. 130.

[7] STJ, RHC 173.639/DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, decisão monocrática, j. 06/06/2023.

[8] ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiroanálise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 463.

[9] PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2021, p. 150/153.

[10] STJ, AgRg no AREsp n. 2.460.649/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 13/9/2024.

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Quinto constitucional amplia caminhos para a justiça, dizem ministros do STJ

Nomeados para o Superior Tribunal de Justiça em vagas destinadas à advocacia, os ministros Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sebastião Reis Júnior exaltaram a cooperação entre advogados e magistrados como sendo algo capaz de criar novos caminhos para a Justiça.

Antonio Carlos Ferreira 2024

Ex-advogado, ministro Antonio Carlos Ferreira foi um dos homenageados – Pedro França/STJ

 

O trio foi homenageado em evento na sede da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na noite desta segunda-feira (7/10). A cerimônia exaltou o papel do quinto constitucional nos 35 anos de instalação do STJ.

Também receberam homenagens o ministro João Otávio de Noronha, que está em viagem a serviço do STJ, e as ministras Maria Thereza de Assis Moura e Daniela Teixeira, que estavam em compromisso no tribunal.

O quinto constitucional é a previsão de que uma parcela da composição dos tribunais de apelação seja de advogados e membros do Ministério Público, como forma de oxigenar posições e democratizar julgamentos. No STJ, ele é maior: um terço da composição tem essa origem, ou seja, 11 dos 33 ministros.

Os três foram indicados, sabatinados e nomeados conjuntamente em 2011. Todos eram registrados na OAB-DF, e foram elogiados pelo presidente do Conselho Federal da OAB, Beto Simonetti, e pelo presidente da seccional distrital, Délio Lins e Silva Jr.

Quinto constitucional

Antonio Carlos Ferreira destacou que chegou ao STJ reiterando o compromisso de respeitar as prerrogativas da advocacia, uma missão assumida ao receber a carteira da OAB e reforçada na sabatina no Senado, quando da indicação para a vaga na corte superior.

Para ele, o exercício diário da advocacia leva a compreender que as prerrogativas pertencem ao cidadão, que tem direito ao exercício da defesa de seus interesses por um advogado altivo, independente e seguro de que pode atuar sem receio algum.

“Juntos com nossos trabalhos, independentes, mas com harmonia, podemos criar caminhos para atenuar e suprimir as dores de quem procura Justiça, pelo bem comum, paz social e construção de uma sociedade que seja verdadeiramente melhor para todos”, disse Ferreira.

Villas Bôas Cueva, por sua vez, destacou que os indicados pelo quinto constitucional carregam consigo a bagagem do advogado enquanto engenheiro social, formado para resolver e mediar conflitos, em defesa de valores constitucionais e do Estado de Direito.

“Hoje, não há mais ninguém que ouse falar contra o quinto constitucional. Até mesmo entidades representativas de juízes não falam, porque veem como isso os complementa na busca de vozes diferentes que produzam Justiça.”

“Advogados, promotores e juízes, somos todos atores auxiliares de processos complexos. A cooperação entre todos é fundamental. Essa tradição brasileira de ter sempre nos tribunais de apelação representantes da advocacia e do Ministério Público contribuiu muito para que essa pluralidade continue a existir”, complementou Cueva.

Já Sebastião Reis Júnior destacou que os egressos da advocacia têm a oportunidade de levar aos advogados a experiência da magistratura. E relembrou lição do ex-ministro do Tribunal Federal de Recursos e professor da UnB Paulo Távora: o advogado deve ajudar o juiz a ajudá-lo.

“Da mesma forma que juiz não sabe da advocacia, advogado não sabe o que é a magistratura. Esse diálogo é importante e a figura do quinto constitucional facilita. Hoje posso falar que isso incomoda o juiz ou não, que isso pode ou não, porque tenho experiencia desse lado do balcão.”

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