Redução da pena por reparação do dano exige ato voluntário, mas não espontâneo

O artigo 16 do Código Penal permite a redução da pena em caso de reparação do dano por ato voluntário do autor do crime até o recebimento da denúncia ou da queixa. Para que isso ocorra, pouco importa se a reparação foi fruto exclusivo de sua consciência ou se teve influência externa.

Com esse entendimento, a ministra Daniela Teixeira, do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu o arrependimento posterior devido à reparação e diminuiu a pena de um advogado condenado por apropriação indébita.

Assim, a pena, que inicialmente era de um ano e cinco meses de prisão no regime semiaberto e pagamento de 13 dias-multa, foi reduzida para 11 meses no regime aberto e nove dias-multa.

Contexto

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina constatou que R$ 7 mil referentes a uma ação de busca e apreensão movida por um cliente foram depositados na conta bancária do advogado, que não repassou o dinheiro ao autor do processo.

A defesa do causídico pediu a diminuição da pena pelo arrependimento posterior, o que foi negado. Na visão dos desembargadores, não houve ato voluntário, pois a reparação do dano só aconteceu após a vítima ter ajuizado uma ação civil com esse objetivo.

Ao STJ, o advogado do réu, Acácio Marcel Marçal Sardá, do escritório Mosimann-Horn, explicou que os R$ 7 mil foram devolvidos por acordo judicial feito de forma voluntária e antes que a denúncia por apropriação indébita fosse oferecida.

Sardá ainda apontou que o TJ-SC aplicou o regime semiaberto devido à reincidência do réu, mas destacou que a legislação não determina o regime inicial para reincidentes com pena abaixo de quatro anos. Ele pediu que fosse escolhida a opção mais favorável ao condenado.

Ato voluntário

Para a ministra relatora, o TJ-SC confundiu os conceitos de ato voluntário e ato espontâneo. Segundo ela, ato voluntário “é aquele que o agente pratica sem ter sido de alguma forma coagido a fazê-lo”.

Já ato espontâneo “é aquele que o agente pratica sem que tenha ocorrido qualquer causa externa que o tivesse levado a praticá-lo” — ou seja, aquele “decorrido exclusivamente de sua consciência”.

De acordo com Teixeira, se o advogado fosse condenado na ação civil a restituir o cliente, o pagamento não seria voluntário. Mas o simples fato de a vítima ter proposto um processo civil e o réu ter elaborado um acordo judicial “não retira a voluntariedade do ato de reparação do dano”. Por isso, ela aplicou a diminuição de pena no mínimo legal de um terço.

Outros pontos

O TJ-SC também havia negado a aplicação da alínea “b” do inciso III do artigo 65 do Código Penal, que atenua a pena caso o réu tenha procurado evitar ou diminuir as consequências do crime “por sua espontânea vontade”. Os desembargadores argumentaram que não houve espontaneidade na reparação.

A ministra concordou com o tribunal, já que a reparação só ocorreu após a vítima ter ajuizado a ação civil. Ela lembrou que, segundo a mesma alínea, a pena também pode ser reduzida se o dano for reparado antes do julgamento, mas explicou que isso não é aplicado se já tiver ocorrido o arrependimento posterior. Como o réu reparou o dano antes mesmo de a ação penal ser proposta, ela afastou a atenuante do artigo 65.

Por fim, Daniela observou que o TJ-SC aplicou “a literalidade” do Código Penal ao estipular o regime aberto. Mas ela entendeu que havia “um evidente descompasso” entre esse regime e a pena imposta. “Partindo de uma interpretação constitucional do mencionado dispositivo, especificamente a respeito da proporcionalidade, deve-se aplicar o regime inicial aberto”, assinalou.

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AREsp 2.727.503

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Primeira Turma declara ilegal cobrança de tarifa para entrega de cargas em terminais retroportuários

Navios no porto de Santos (SP): cobrança de tarifa para separação, transporte e entrega de cargas nos terminais retroportuários não pode criar vantagens injustas para um participante do mercado.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a cobrança da tarifa Terminal Handling Charge 2 (THC2) pelos operadores portuários, em relação aos terminais retroportuários, configura abuso de posição dominante, na modalidade de compressão de preços (price squeeze). Para o colegiado, a prática viola a Lei 12.529/2011, que regula a defesa da concorrência no Brasil.

O entendimento foi fixado durante o julgamento de ação ajuizada pela empresa retroportuária Marimex, que questionava a cobrança da THC2 pela operadora portuária Embraport. A tarifa era exigida para separação, transporte e entrega de cargas do porto nos terminais retroportuários.

Segundo a Marimex, a THC2 já estaria incluída na tarifa box rate (THC), cobrada para o desembarque da carga do navio. A empresa alegou que a cobrança adicional representaria pagamento em duplicidade.

Embora, em primeira instância, o pedido tenha sido julgado improcedente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou o afastamento da cobrança, por entender que a exigência da THC2 violava regras concorrenciais.

No recuso ao STJ, a Embraport sustentou a legalidade da cobrança da THC2, com base na Lei 10.233/2001 e na Resolução 2.389/2012 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que regula o setor. A empresa argumentou que a agência teria competência regulatória para definir tarifas, promover revisões e reajustes tarifários e reprimir ações que atentem contra a livre concorrência ou infrações de ordem econômica.

Acesso às instalações portuárias garante ambiente competitivo

Para a relatora, ministra Regina Helena Costa, a competência regulatória conferida à Antaq pela Lei 10.233/2001 incorporou a concepção de que a garantia de acesso às instalações portuárias por todos os atores do mercado constitui elemento indispensável ao incentivo do cenário competitivo, especialmente para impedir a concentração de serviços em reduzido número de prestadores.

Ela apontou que os operadores portuários detêm posição dominante no mercado de infraestrutura portuária, podendo atuar tanto nas atividades de movimentação de cargas nos portos quanto no seu posterior armazenamento, em concorrência com os retroportos. Essa integração vertical pode gerar ganhos de eficiência, mas também viabilizar práticas que prejudiquem a concorrência.

Cobrança de serviço essencial não pode criar vantagens injustas

Conforme explicou a ministra, aplica-se ao caso a teoria das infraestruturas essenciais, segundo a qual o detentor da infraestrutura deve garantir acesso às instalações indispensáveis ao exercício de atividades econômicas pelos demais atores do mercado, especialmente quando a oferta de um produto ou serviço não se viabiliza sem acesso ou fornecimento essencial.

De acordo com essa teoria, é possível exigir tarifas para o acesso à infraestrutura essencial, mas a cobrança não pode criar vantagens econômicas injustas para um competidor em detrimento de outros, sob pena de violar os princípios da livre concorrência previstos no artigo 36 da Lei 12.529/2011.

No entendimento da relatora, permitir que os terminais portuários exijam a THC2 de seus competidores diretos no mercado de armazenagem de bens oriundos do exterior como tarifa de acesso a insumo essencial ao exercício de suas atividades possibilita a compressão dos preços praticados pelos retroportos.

Ao negar provimento ao recurso, Regina Helena Costa concluiu que a cobrança configuraria as práticas vedadas pela legislação antitruste de dificultar a constituição ou o desenvolvimento de concorrente; de impedir o acesso de competidor às fontes de insumos ou matérias primas; e, ainda, de discriminar adquirentes ou fornecedores de serviços mediante a fixação diferenciada de condições de prestação de serviço.

Fonte: STJ

O direito à crítica deve ser garantido em uma sociedade democrática

Passo importante para a consolidação da democracia no Brasil é o amadurecimento e a autorresponsabilização dos líderes de nossas instituições

Os últimos acontecimentos em torno da polêmica do Pix reavivam o debate sobre a diferença entre desinformação e a crítica, especialmente nas redes sociais. O vídeo que o deputado Nikolas Ferreira postou sobre a fiscalização do Pix viralizou com mais de 300 milhões de visualizações e causou as mais diversas reações, tanto em defesa quanto em ataques.

As análises do vídeo perpassam desde as que o acusam de fake news e de hipocrisia até aquelas que acreditam que o vídeo demonstrou uma estratégia política muito bem colocada, a partir do momento em que conseguiu sintetizar a insatisfação e a falta de confiança da população no governo.

A questão desse texto não é avaliar o vídeo em si, se a estratégia política é hipócrita ou não, ou se as visualizações foram orgânicas ou impulsionadas pelos assessores, mas sim compreender que uma crítica dura, embora incômoda, faz parte do jogo. Até porque, ao contrário do que se pode pensar nos dias de hoje, criticar as ações de um governo com uma retórica forte não é crime. Na verdade, é política, e isso é ainda mais importante em uma sociedade democrática.

O que muitos podem esquecer devido aos altos níveis de polarização atuais, é que esses embates sempre aconteceram. Cabe lembrar que na época de FHC, a então oposição realizava críticas contundentes ao plano Real. Apesar de ter demonstrado ser um plano econômico que mudou a história do país, a crítica a essa medida não foi considerada crime. 

Uma sociedade verdadeiramente democrática inclui a habilidade de saber conviver e debater com quem pensa diferente. Vivemos desafios com a tecnologia massificada e a velocidade que uma desinformação pode correr, mas isso não pode ser usado como pretexto para criminalizar opiniões que são apenas divergentes. 

Esse é o perigo da supressão de opiniões como forma de combate à desinformação. Essa dinâmica pode levar aos “tribunais da verdade”. O problema é: quem define o que é verdade ou não? Limitar o discurso com base em critérios amplos, como “desordem informacional” — seja lá o que isso signifique —, gera problemas a partir do momento em que qualquer discurso de oposição pode ser enquadrado.

No documento “Liberdade de expressão: da necessidade proteção e promoção”, realizado pelo Centro Voxius através do Instituto Sivis, o texto defende que é válida a discussão de alguns limites à liberdade de expressão, desde que circunscritos e pontuais. Mas, via de regra, é a liberdade de expressão que fará a verdade, o conhecimento e a transparência florescerem, enquanto a censura certamente prejudicará esses fins.

Um passo importante para a consolidação da democracia no Brasil é o amadurecimento e a autorresponsabilização dos líderes presentes em nossas instituições. Culpar as fakes news por falta de comunicação e erros é um caminho fácil. De fato, a desinformação precisa ser combatida, mas esse problema encontra raízes profundas como a falta de educação formal e cidadã, por exemplo, que não será tratado realizando supressão de discursos em cima de critérios amplos, como autocracias fazem. 

Fonte: Jota

Banco não é responsável por golpe que utilizou boleto de conta digital

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, decidiu que não houve defeito na prestação de serviço de um banco digital em um episódio no qual estelionatários utilizaram uma conta para receber pagamentos de vítima do “golpe do leilão falso”. No caso das contas digitais, a abertura da conta e as operações bancárias são oferecidas pela instituição financeira exclusivamente pela internet.

 

Para o colegiado, independentemente de a instituição atuar apenas em meio digital, caso ela tenha cumprido com o seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, além de prevenir a lavagem de dinheiro, não há defeito na prestação de serviço que atraia a sua responsabilidade objetiva. Por outro lado, se houver comprovação do descumprimento de diligências relacionadas à abertura da conta, está configurada a falha no dever de segurança.

No caso julgado, um homem, acreditando ter arrematado um veículo em leilão virtual, pagou boleto de R$ 47 mil emitido por um banco digital. Depois de efetuar o pagamento e não receber o carro, o homem percebeu que havia sido vítima do “golpe do leilão falso”, fraude em que estelionatários criam um site semelhante ao de empresas leiloeiras verdadeiras para enganar compradores.

Vítima apontou facilidade excessiva para criação da conta

Buscando reparação, a vítima ajuizou uma ação indenizatória por danos materiais contra o banco digital, sustentando que a facilidade excessiva na criação da conta bancária permitiu que o golpe fosse aplicado pelos estelionatários. A ação foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Para o TJ-SP, além de a abertura da conta ter seguido os procedimentos definidos pelo Banco Central (Bacen), o autor do processo não teria agido com cautela ao se deixar enganar por uma oferta que era 70% inferior ao valor de mercado do veículo.

Ao STJ, a vítima argumentou que houve fortuito interno do banco, pois não teriam sido adotadas as medidas de segurança para evitar que estelionatários abrissem a conta digital. Ainda segundo a vítima, o banco deveria ter observado que a transferência feita por ele era de valor elevado, considerando os padrões daquela conta bancária.

Bacen não especifica documentos para abrir conta

A ministra Nancy Andrighi, relatora, destacou que o Banco Central publicou a Resolução 4.753/2019, estabelecendo os requisitos que as instituições financeiras devem seguir na abertura, na manutenção e no encerramento de contas de depósito no meio digital. A ministra observou que, diferentemente da antiga Resolução 2.025/1993, a nova regulamentação não especifica as informações, os procedimentos e os documentos necessários para a abertura de contas, transferindo aos bancos a responsabilidade de definir o que é essencial para identificar e qualificar o titular da conta, por meio de um processo chamado de qualificação simplificada.

Nesse contexto, a relatora ressaltou que, quando a instituição financeira adota todos os mecanismos previstos nas regulações do Bacen — ainda que a conta bancária acabe sendo usada por estelionatários posteriormente —, não há falha na prestação de serviço bancário. Para Nancy Andrighi, adotar um entendimento contrário, no sentido de exigir documentação ou formalidade específica para a criação de conta no meio digital, deturparia o objetivo da regulamentação desse tipo de conta: a bancarização da população e o desenvolvimento econômico e social do país.

No caso dos autos, a ministra destacou que, como o correntista do banco digital era o estelionatário, não a vítima, é inaplicável o entendimento adotado em precedentes anteriores do STJ, em que houve a responsabilização da instituição bancária porque as transações destoavam do perfil de movimentação dos correntistas. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.124.423

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TST julgará se controle de idas ao banheiro é dano moral presumido

O Tribunal Superior do Trabalho deve julgar, em 2025, um recurso repetitivo que trata do controle de idas ao banheiro e sua influência no cálculo do Programa de Incentivo Variável (PIV). O tribunal vai avaliar se esse tipo de controle fere a dignidade do trabalhador, configurando dano moral presumido, que é quando não é necessária comprovação de sofrimento da vítima.

Controle de idas ao banheiro pode se tornar dano moral presumido, de acordo com TST

O caso analisado trata de trabalhadores de teleatendimento, mas a decisão valerá para todas as categorias profissionais. Em abril de 2024, a 3ª Turma do TST considerou que a prática caracteriza abuso de poder, ao analisar o caso de uma atendente que foi indenizada em R$ 10 mil.

Decisões diferentes sobre o mesmo tema também foram publicadas em 2024. Em agosto, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região manteve decisão que negou indenização por dano moral a favor de uma trabalhadora de teleatendimento, que acionou o Judiciário por ter o uso do banheiro limitado.

“Fato de haver controle pelo empregador de eventuais afastamentos dos empregados do local de serviço, como nas idas ao banheiro, não constitui constrangimento capaz de justificar o pagamento de indenização por dano moral”, escreveu a desembargadora Dulce Maria Soler Gomes Rijo, à época, sobre o caso.

Os trabalhadores de telemarketing têm um regime de horários e pausas que difere da maioria das outras categorias. De acordo com a Norma Regulamentadora 17, eles devem ter uma jornada de seis horas diárias com pausas obrigatórias de 40 minutos, divididas em uma de 20 minutos para alimentação e duas de dez minutos. Com informações do jornal Folha de S. Paulo. 

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Consulta pública sobre moderação nas redes recebe sugestões até hoje

Termina hoje (27) prazo para envio de contribuições à consulta pública sobre a política de moderação de conteúdo das plataformas digitais no Brasil. Aberta no último dia 17, a consulta tem por objetivo receber subsídios da sociedade civil, academia, plataformas digitais, agências de checagem digitais, além de instituições públicas e privadas a respeito do tema.

As contribuições e subsídios sobre o tema devem ser enviados pela plataforma Participa + Brasil até as 18h desta segunda-feira.

Esses subsídios serão utilizados no enfrentamento à desinformação – a exemplo da propagação de fake news -, a promoção e a proteção de direitos fundamentais nas plataformas digitais. Os resultados serão sistematizados e encaminhados para o Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos sobre o tema.

Em novembro do ano passado, a Corte iniciou o julgamento de duas ações que tratam da responsabilidade civil das plataformas da internet por conteúdos de terceiros e da possibilidade de remoção de conteúdos ofensivos ou que incitem ódio a partir de notificação extrajudicial, ou seja, sem determinação judicial.

O Supremo julga a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

De acordo com o Artigo 19, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, as plataformas só podem ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, não tomarem providências para retirar o conteúdo.

A primeira ação, relatada pelo ministro Dias Toffoli, o tribunal julga a validade da regra que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos. O caso trata de um recurso do Facebook para derrubar decisão judicial que condenou a plataforma por danos morais pela criação de perfil falso de um usuário.

No segundo processo relatado pelo ministro Luiz Fux, o STF discute se uma empresa que hospeda um site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar sem intervenção judicial. O recurso foi protocolado pelo Google.

O julgamento foi suspenso no dia 18 de dezembro, após pedido de vista do ministro André Mendonça.

As contribuições também serão enviadas ao Congresso Nacional, onde tramitam projetos sobre a regulação do setor, e contribuirão em eventuais atos administrativos do governo federal sobre o tema.

Até o momento, a Advocacia Geral da União (AGU), responsável pela consulta, informou que já havia recebido 61 contribuições.

Fonte: EBC

Liberdade ou censura? Soberania digital de quem? O anúncio da Meta e as muitas perguntas sem resposta

“… tudo que é bom, ruim e desagradável está à vista. Mas isso é liberdade de expressão…”

As plataformas da Meta foram projetadas para serem espaços onde as pessoas podem se expressar livremente. Isso pode ser uma bagunça. Em plataformas onde bilhões de pessoas têm voz, tudo que é bom, ruim e desagradável está à vista. Mas isso é liberdade de expressão – foi assim que começou a publicação do Newsroom da Meta que trouxe a notícia do controverso anúncio de Mark Zuckerberg neste último dia 8 de janeiro.

O CEO da Meta, companhia responsável pelo Instagram e Facebook, divulgou em vídeo um projeto de “restauração global da liberdade de expressão”, que se dará em aliança com o governo e empresas norte-americanas. A iniciativa tem como foco principal a reformulação e a simplificação das políticas de moderação de conteúdo – à semelhança da rede vizinha de Musk – e as primeiras mudanças estão programadas para serem implementadas inicialmente nos Estados Unidos.

O falso trade-off entre censura e segurança

A motivação central para as mudanças seriam as sérias e complexas questões relacionadas à publicação de conteúdos ilegítimos, abusivos ou ilícitos, bem como aos sistemas usados para detectá-los. Nesse processo – argumenta-se – muitas pessoas que não violam os termos de uso ou as políticas de convivência das plataformas acabam sendo silenciadas de forma acidental. Para ele, isso resulta em “muitos erros e muita censura”, mesmo com a existência de mecanismos idôneos para contestação e verificação dos fatos, como o Oversight Board e os fact checkers.

Não é de hoje que o debate em torno da moderação de conteúdos em plataformas digitais é enquadrado como um dilema entre segurança e liberdade de expressão ou, mais especificamente, entre a necessidade de proteger usuários de conteúdos altamente prejudiciais – especialmente para os mais vulneráveis – e o risco de promover uma censura digital ou Ministério da Verdade. Essa concepção, polarizadora e simplista que é, acoberta as muitas nuances do problema, ignorando que é possível – e necessário – equilibrar essas duas dimensões sem sacrificar uma ou outra.

Uma concepção complementar e não-excludente

Tradicionalmente, observa-se um aparente contraponto entre a segurança nas redes, garantida pela moderação de conteúdos, e a liberdade de expressão, especialmente na sua ampla concepção norte-americana. Essa visão, contudo, difere significativamente do modelo constitucional brasileiro, que adota a ideia de irradiação dos direitos fundamentais nas relações privadas, sejam elas horizontais ou diagonais, incorporando uma abordagem mais equilibrada e contextualizada para harmonizar esses valores – ambos tão caros e necessários para a vida em qualquer sociedade democrática e para o desenvolvimento de modelos de negócio.

Soberania digital e a interpretação do Direito por agentes privados transnacionais

Soberania, tradicionalmente, é um conceito relacionado ao Estado e às respectivas capacidades de governar um povo em um dado território, incluindo-se a criação e a interpretação do Direito, bem como sua aplicação, especialmente com o exercício da jurisdição pelos legitimados nos limites estabelecidos. Daí que, neste tema, uma das concepções de soberania – agora digital – se refere, de um lado, à regulação das tecnologias (independente do modelo regulatório adotado) e, de outro, à interpretação do direito existente e o acomodamento das novas situações advindas das relações online nos preceitos jurídicos pensados para o mundo offline.

Com o surgimento de poderosas empresas tecnológicas transnacionais, que atuam como intermediárias indispensáveis para o acesso e a participação no ambiente digital – fornecendo o que é essencial para a presença digital de Estados, cidadãos e empresas –, essas corporações passaram a exercer, de forma cada vez mais evidente, o papel de intérpretes e até mesmo criadoras do Direito (o código é a lei, não é?), o que foi permitido pelo direito privado através dos termos e condições de uso unilateralmente elaborados e automatizadamente executados. A percepção pública do que é liberdade, expressão e censura (que varia entre jurisdições) está, pois, sendo configurada globalmente por esses agentes com o apoio do governo norte-americano, sem nenhuma força legitimadora e de forma pouco democrática.

Não tão livre desenvolvimento da personalidade e facilitação da exclusão e da violência

Mas soberania digital também se refere ao autogoverno de grupos e indivíduos e ao direito/poder que eles (assim como todos, pelo menos em teoria) têm de ter a sua identidade e sua personalidade respeitadas, possibilitando o seu livre desenvolvimento. E isso foi impactado diretamente pela “simplificação” das políticas de moderação da Meta que, entre outras coisas, passa a permitir “alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual, dado o discurso político e religioso sobre transgenerismo e homossexualidade”, abrindo espaço para “linguagem insultuosa no contexto de discussão de tópicos políticos ou religiosos, como ao discutir direitos transgêneros, imigração ou homossexualidade”.

Outro ponto de destaque foi que a nova versão da política – por ora em vigor somente nos Estados Unidos – retirou algumas restrições referentes a termos como autoadmissão de intolerância com base em características protegidas (discriminações ilícitas), incluindo as de caráter homofóbico, islamofóbico e racista. Claro, em nome da liberdade de expressão – em detrimento da (já parca) proteção de grupos vulneráveis online e do próprio livre desenvolvimento da personalidade.

Isso pode ter como resultado a discriminação, a exclusão e o aumento da violência (tanto online quanto offline) para grupos historicamente marginalizados ou tidos como menos merecedores por algum motivo, como os doentes, as pessoas com deficiência, LGBTQIA+, negros, indígenas e assim por diante. De um lado, um silenciamento involuntário por esse contexto e, de outro, um silenciamento voluntário por medo de represálias se esses impactos forem negligenciados e – o pior – impulsionados para um público cada vez maior por algumas centenas de milhares de dólares.

Aliança com governo norte-americano e o mito da neutralidade das redes escancarado

Outra questão relevante a ser destacada é o ponto de inflexão cultural que se refletiu na última campanha eleitoral nos EUA,  que significa, na avaliação de Mark, que a sociedade novamente prioriza a liberdade de expressão e quer, sim, ter acesso a informações de cunho político por meio de redes sociais. E isso gerará maiores recomendações de conteúdos com esse tom aos usuários – e possivelmente maior receitas à Meta pela monetização do impulsionamento.

A relação entre plataformas digitais, governos e sociedade é – já se sabe – complexa, especialmente no que diz respeito ao papel das redes sociais em campanhas eleitorais, na disseminação de conteúdo político e nos diversos processos democráticos que encontram espaço de organização e execução, no mais das vezes, pelas redes. Com esse novo anúncio – que não é um mero dizer, é uma declaração – expuseram-se ainda mais as tensões entre liberdade de expressão (e outros direitos fundamentais), regulação de plataformas digitais e a suposta neutralidade das redes.

A neutralidade das redes, em realidade, nunca existiu. A partir do momento em que há mais de um conteúdo a ser mostrado aos internautas, deve haver um critério de exibição. Com esse critério, escolhido pela empresa organizadora da aplicação de internet, deixa a plataforma de ser neutra e passa a privilegiar determinado parâmetro. Isso é agravado, inclusive, quando esses atores são formadores de opiniões públicas e esses critérios e parâmetros passam também a ser monetizados, impulsionados e gerenciados conforme os interesses – bem econômicos – dessas mesmas plataformas (e de quem as paga), independentemente da prejudicialidade do conteúdo e das mensagens disseminadas, sem nem mesmo mencionar os impactos polarizantes daí advindos.

Substituição de fact checkers por notas da comunidade

Retornando às eleições de 2016, Mark Zuckerberg destacou como a mídia passou a apontar consistentemente que as redes sociais poderiam representar uma ameaça à democracia. Em resposta a essas críticas, suas empresas implementaram parcerias com verificadores de fatos (fact checkers) para combater a desinformação e fortalecer a confiança social. Esse programa de verificação tem mais de 200 parceiros em 115 países, tendo sido a Meta um dos maiores financiadores de checagem independente de fatos nas redes.

No entanto, segundo a avaliação de Zuckerberg, esses verificadores – mesmo que sem poderes para derrubar posts – começaram a demonstrar vieses políticos, o que acabou distorcendo a intenção original e, paradoxalmente, enfraqueceu a confiança da sociedade nas plataformas digitais e nas instituições. Essas são as razoes pelas quais esse sistema de checagem, por parte da Meta, vai ser encerrado e será substituído por notas da comunidade, semelhante ao que acontece no X, falecido Twitter.

No ex-passarinho azul, o programa funcionava a partir da inscrição do usuário, o qual poderia acrescer notas em publicações para fornecer contexto ou corrigir informações eventualmente falsas ou enganosas. Após, outros colaboradores avaliariam a nota e, caso um número suficiente de participantes chegasse a um consenso razoável, ela se tornaria pública e apareceria junto à publicação original. A ideia está centrada na noção de moderação comunitária, sem a ingerência da própria plataforma, a menos que haja violação dos termos de uso e congêneres.

Problemas da moderação comunitária e a desinformação

Notas da comunidade funcionam em assuntos em que há determinado nível de consenso entre os usuários. Apesar de se chegar a consenso atualmente parecer ser tão difícil dada a intolerância nas redes, outros problemas também despontam nesses sistemas de avaliação de conteúdos.

Há, por exemplo, a falta de expertise em determinados assuntos, o que pode levar a contribuições de baixa qualidade e à incapacidade técnica para avaliar corretamente conteúdos mais sensíveis. Além disso, existe o risco de polarização ideológica, cultural ou política, que pode resultar na aprovação de notas que favorecem determinados grupos ou narrativas. Outro problema relevante é a cooptação do sistema, em que grupos organizados podem se mobilizar para influenciar as decisões, aprovando ou rejeitando conteúdos com base em interesses próprios, e não nos da comunidade como um todo.

Como consequência desses fatores, há também o risco de perpetuação da desinformação, quando as notas apresentam contextos limitados ou utilizam fontes pouco confiáveis, falhando em corrigir informações enganosas. Esse problema é agravado pela possível hiperconfiança nas notas, que podem ser vistas como fontes primárias de informação por usuários, sem questionamentos adicionais ou verificação por outras fontes – especialmente preocupante, considerando que uma parcela significativa da população hoje se informa exclusivamente por meio de redes sociais ou aplicativos como WhatsApp, onde a circulação de informações pode ocorrer sem filtros adequados ou validação crítica.

Novos poderes, nova regulação?

Historicamente, quando o poder é exercido de (certo) modo desmedido ou sem justificação, formas de contenção são desenvolvidas. O próprio Direito pode ser assim concebido: para os monarcas, a garantia de liberdades individuais e a supremacia das leis; para o Estado, os direitos fundamentais e a supremacia da constituição. E para as plataformas? Regulação de plataformas digitais, como as redes sociais, é um tema bastante espinhoso que comporta posicionamentos bastante diferentes e até mesmo divergentes: desregulação, autorregulação, autorregulação regulada e heterorregulação são algumas das propostas de análise jurídica do fenômeno.

Mas é importante que se frise que esses agentes não operam em um vácuo: os mandamentos do ordenamento jurídico de qualquer território em que operam continuam válidas e em vigor. Equivale a dizer que muitos dos preceitos que já temos estabelecidos são plenamente aplicáveis: apesar de não focar exatamente em plataformas, o direito do consumidor, a proteção de dados pessoais, propriedade intelectual, direito civil e do trabalho etc. permanecem cogentes e de observância obrigatória. Não que, pela especificidade do meio digital, das atividades exercidas por essas plataformas e dos seus impactos coletivos e individuais, não será necessária nova norma a respeito – não se trata disso, senão da aplicação do que já se tem, no que e como couber.

Direitos fundamentais e humanos como parâmetros e limites das atividades econômicas

Daí igualmente destacarmos o papel fundamental da Constituição Federal e dos respectivos direitos fundamentais como guia, mandamento e base civilizatória. No seu viés objetivo, eles estabelecem parâmetros estruturantes para a organização da sociedade e do Estado, orientando a formulação de políticas públicas e decisões dos Poderes, garantindo que os princípios de dignidade humana, liberdade e igualdade sejam promovidos e protegidos. Essa é a concepção dos direitos fundamentais como limites à atuação do Estado – ou seja, ao poder do Estado.

Atualmente, com os poderes das plataformas, há a valorização progressiva de uma concepção que no Brasil é (não sem contradições e intensos debates, relativamente) aceita e aplicada pelos tribunais: a aplicação horizontal dos direitos fundamentais (entre privados simétricos/paritários) e diagonal (entre privados assimétricos/não paritários). É que dos direitos fundamentais nascem não só parâmetros para o Estado, mas uma espécie de acordo implícito para toda a sociedade que coloca, ou pretende colocar, a pessoa humana não no centro do ordenamento como valor mais elementar, mas de toda a vida em sociedade – aqui entrando, por lógica, a iniciativa privada.

No âmbito digital, com a atuação dessas aplicações de internet, garantias constitucionais como o devido processo (informacional), contraditório e ampla defesa tornam-se chaves-mestras para lançar luz ao exercício opaco de poder de sistemas informáticos e digitais, como demonstrado no julgamento do Superior Tribunal de Justiça sobre decisões automatizadas e descredenciamento unilateral de usuários de plataformas digitais (REsp 1.952.565/DF, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 18/3/2024).

Como se percebe, retomam-se os direitos fundamentais, pelo viés objetivo, o qual transcende a dimensão individual dos direitos fundamentais, como valores estruturais da ordem jurídica que conformam as atividades econômicas também, inclusive aquelas cujo teor econômico advêm de novas estruturas sociais, como as digitais. Devem, pois, servir como balizas para guiar a atuação de instituições públicas e privadas e promover um equilíbrio entre interesses coletivos e individuais, sociais e econômicos, da comunidade e das empresas.

Nesse sentido, os direitos fundamentais tornam-se não apenas garantias individuais, mas também princípios norteadores do desenvolvimento de uma sociedade justa e democrática. Igualmente, serão limitadores do poderio tecnológico que representa formas de governança privada não legitimizada democraticamente, apenas economicamente e por quem lhe retira proveito, inclusive com impulsionamento de conteúdos que ferem outros direitos humanos e fundamentais.

Os caminhos da cooperação global, regionalidades e o novo imperialismo digital

Dada a transnacionalidade das principais plataformas digitais, que concentram a maior parte dos usuários — sejam consumidores ou profissionais —, torna-se imprescindível adotar uma abordagem internacional convergente e abrangente para enfrentar os desafios regulatórios.

No entanto, esse cenário parece cada vez mais distante de se concretizar, especialmente considerando as profundas divergências entre os sistemas jurídicos, interesses econômicos e prioridades políticas das diversas nações envolvidas. Um exemplo claro disso é a revogação da Executive Order de Biden sobre inteligência artificial com o novo mandato de Trump, que sinaliza uma mudança de postura em direção a um novo imperialismo digital, centrado em interesses nacionais e corporativos dos Estados Unidos, frequentemente em detrimento de uma governança digital global e inclusiva.

Para além da regulação local, uma cooperação global eficaz deve criar mecanismos que alinhem as práticas empresariais aos direitos humanos, assegurando que valores universais, intrínsecos à dignidade humana, sejam respeitados e promovidos. Contudo, a tendência atual de políticas corporativas e governamentais prioriza interesses econômicos imediatistas, promovendo um modelo de governança digital que reforça a assimetria de poder entre nações e marginaliza os mais vulneráveis.

Um possível caminho eficiente incluiria a harmonização de normas internacionais, a implementação de sistemas legítimos e ágeis de resolução de conflitos que considerem a vulnerabilidade digital das pessoas e a valorização das regionalidades, disparidades econômicas e culturais na definição do que é direito e justiça em plataformas digitais, e não o contrário. Entretanto, equilibrar especificidades locais com a eficácia de padrões globais exigiria concessões significativas por parte de todos os envolvidos, algo que parece improvável em um cenário de crescente fragmentação política e econômica.

Nesse contexto, fóruns multilaterais como a ONU, blocos regionais e organizações intergovernamentais podem desempenhar um papel extremamente importante ao criar espaços para negociações e debates que busquem políticas inclusivas, universais e resistentes a imperialismos. A cooperação global também deve incluir as empresas de tecnologia como atores centrais, reconhecendo que, apesar de não serem Estados, elas exercem um poder equivalente ou superior em muitas dimensões digitais, moldando normas e influenciando decisões políticas, coletivas e até mesmo individuais.

Para garantir uma governança digital sustentável, seria essencial a criação de normas vinculantes e mecanismos de monitoramento internacional que alinhem interesses públicos e privados. Essa abordagem não apenas conteria os excessos do novo imperialismo digital, mas também garantiria que a evolução tecnológica beneficie a sociedade global de forma equitativa e responsável, em vez de perpetuar desigualdades e ampliar os abismos digitais (mas muito reais).

O que esperar da responsabilidade das plataformas digitais no Brasil?

A resposta da Meta em português à AGU foi lida como uma tomada de posição supostamente mais amena que o vídeo de seu CEO. Entretanto, seus termos parecem mais lacônicos do que contundentes no que concerne a uma postura da empresa que se pretenda ser efetivamente proativa e condizente com à legítima expectativa dos consumidores e instituições brasileiras.

Desta forma, se já perante o atual estado de coisas quanto à responsabilidade dos provedores haja sérias dúvidas sobre o real comprometimento do fornecedor com uma “Due diligence” capaz de cumprir adequadamente suas próprias cláusulas contratuais em forma de política de conteúdo, imagine frente ao provável standard trazido pelo Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade (ou interpretação conforme a constituição) do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A proposta do ministro Toffoli sintetiza uma série de conteúdos potencialmente lesivos que exigirão uma conduta muito mais proativa dos provedores de aplicação (especialmente os de redes sociais) para a moderação de conteúdo.

Caso queira se impor a linha de conduta assustadoramente exposta pelo CEO, de que “liberdade de expressão” parece se confundir com um mundo sem regras, não surpreenderá se cedo ou tarde as redes sociais da Meta tenham o mesmo destino (ainda que breve) do X e Telegram.

Concluindo…

Para concluir esta provocação, ainda que conscientes de que o tema está longe de ser esgotado, é pertinente deixar em aberto algumas das muitas questões que continuam a exigir reflexão e debate aprofundado:

O que é liberdade no contexto digital?

O que significa expressão em um mundo mediado por plataformas?

Quem define esses termos em âmbuto global e os impõe local?

Onde termina a liberdade de expressão e começa a censura?

Quem detém a soberania na dimensão digital?

Como incorporar direitos humanos e fundamentais em contratos privados?

É possível alcançar neutralidade em redes sociais e plataformas digitais?

Qual é, afinal, a melhor forma de regulação?

…?

Sem respostas, cabe frisarmos: a Meta e outras gigantes tecnológicas enfrentam uma encruzilhada histórica; se persistirem em um modelo que prioriza interesses econômicos de curto prazo, podem levar à erosão sua relevância e legitimidade; se, por outro lado, assumirem um papel ativo na promoção de direitos fundamentais/humanos e na construção de um ambiente digital responsável, podem não apenas garantir sua sobrevivência no mercado, mas também consolidarem sua posição como líderes globais em inovação ética.

O futuro das plataformas digitais será definido pelas escolhas feitas hoje, e cabe a nós, também, pressionar por um caminho mais justo e equilibrado.

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Comissão aprova projeto que reduz pela metade depósito recursal para entidades religiosas

A Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados aprovou, em dezembro, proposta que concede a instituições religiosas 50% de desconto nos depósitos recursais exigidos pela Justiça do Trabalho.

Esse depósito é o valor exigido em ações trabalhistas para que se possa recorrer da decisão de primeira instância, levando o caso para órgãos colegiados, como os tribunais.

Atualmente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que é alterada pela proposta, já permite que entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte paguem apenas a metade do valor do depósito recursal.

Os valores dos depósitos, definidos pelo Tribunal Superior do Trabalho, são de até R$ 13.133,46 para recurso ordinário e o dobro (R$ 26.266,92) para os demais recursos (embargo, extraordinário etc).

Foi aprovado, com emenda, o Projeto de Lei 3380/19, do deputado Jorge Braz (Republicanos-RJ). O autor argumenta que, apesar de a Constituição Federal prever imunidade tributária para as entidades religiosas, desobrigando-as de pagar tributos, esse entendimento não prevalece na aplicação do depósito recursal.

“As igrejas, na condição de entidade religiosa, são necessariamente detentoras do benefício da CLT, não pode prevalecer outro entendimento”, reforça o autor.

Relator na comissão, o deputado Ossesio Silva (Republicanos-PE) propôs emenda apenas para aperfeiçoar a redação da proposta. “Propomos uma emenda de redação para substituir o termo ‘ratificar’ por ‘incluir’, com o objetivo de refletir com exatidão a intenção legislativa de estender o benefício às instituições religiosas, garantindo maior clareza e precisão ao texto normativo”, explicou.

Próximas etapas
A proposta será ainda analisada, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Fonte: Câmara dos Deputados

O impacto das redes sociais na formação da vontade política: um desafio à democracia

A formação da vontade política em uma democracia é um processo coletivo fundamentado na interação entre diferentes atores sociais, mediados por veículos de comunicação que servem como canais para o debate público e a disseminação de informações. Tradicionalmente, a imprensa desempenhou um papel central na construção da opinião pública, contribuindo para o fortalecimento das instituições democráticas. Contudo, a ascensão das redes sociais como principal veículo de comunicação revolucionou esse panorama, gerando novos desafios para a integridade do processo político.

No Brasil, as plataformas da Meta (principalmente Facebook, Instagram e WhatsApp) têm uma penetração profunda na sociedade brasileira. A empresa controla ferramentas centrais de comunicação e informação para grande parte da população. Muitas pessoas, especialmente em regiões onde o acesso a fontes tradicionais de notícias é limitado, dependem quase exclusivamente dessas plataformas para obter informações, inclusive sobre política.

Segundo pesquisa do Senado e da Câmara dos Deputados, realizada em 2019, as redes sociais influenciam o voto de 45% da população. Quase metade dos entrevistados (45%) afirmou que decidiu o voto em período de eleições levando em consideração informações vistas em alguma rede social. As redes sociais mais citadas foram o Facebook (31%) e o WhatsApp (29%) [1].

Em 7 de janeiro de 2025, a Meta informou publicamente a decisão de encerrar a sua política de checagem independente de fatos. Mais do que isso – na contramão do movimento que vinha fazendo nos últimos anos – seus algoritmos voltarão a recomendar publicações sobre política para os usuários, mesmo que as postagens sejam de contas que eles não seguem [2].

O presente artigo examina como as redes sociais, ao ocuparem um papel central no debate público e na formação de opiniões políticas, podem gerar problemas significativos para o funcionamento da democracia. Nesse contexto, identifica os fatores que tornam as redes sociais suscetíveis à manipulação. Por fim, o texto busca explorar os impactos dessas dinâmicas não apenas no nível individual, mas também numa estrutura política e social mais ampla.

1. O papel das redes sociais e da imprensa tradicional na formação da vontade política

Historicamente, a imprensa tradicional foi a principal mediadora entre os acontecimentos políticos e o público. Guiada por princípios editoriais e éticos, como a verificação dos fatos e o compromisso com a imparcialidade, a imprensa contribuía para a formação de uma opinião pública informada. Ainda que sujeita a críticas quanto à concentração de poder informacional, a imprensa tradicional era limitada por legislações específicas, como leis de responsabilidade civil e penal, e por códigos de conduta profissional.

As redes sociais, todavia, trouxeram uma democratização do acesso à informação e ampliaram as possibilidades de participação política. Plataformas como Facebook e Instagram permitem que cidadãos comuns se tornem emissores de conteúdo, desafiando o monopólio da informação pela imprensa. No entanto, essa descentralização informacional é acompanhada por uma ausência de padrões éticos e regulatórios comparáveis aos aplicados à mídia tradicional.

Ao contrário da imprensa tradicional, que é juridicamente e moralmente vinculada a determinados padrões de responsabilidade, as redes sociais operam, em grande medida, sob uma lógica algorítmica que prioriza o engajamento ao invés da veracidade. Isso significa que conteúdos sensacionalistas ou polarizadores frequentemente têm maior alcance, promovendo uma “bolha informacional” onde indivíduos se expõem apenas a opiniões que reforçam suas crenças pré-existentes, comprometendo o debate público.

Demais disso, enquanto a imprensa tradicional está em regra sujeita a regulamentações nacionais, as redes sociais operam em um espaço transnacional, muitas vezes sem supervisão adequada. Isso dificulta a aplicação de normas e a responsabilização de conteúdos nocivos ou prejudiciais, criando um ambiente onde é mais difícil garantir a conformidade com padrões éticos e legais.

2. Fatores de manipulação da opinião pública nas redes sociais

O escândalo da Cambridge Analytica revelou ao mundo como a manipulação de dados eleitorais representa uma ameaça significativa à integridade democrática ao evidenciar o uso indevido de informações pessoais de milhões de usuários do Facebook para influenciar resultados eleitorais. A empresa utilizou algoritmos avançados para criar perfis psicológicos detalhados dos eleitores, direcionando campanhas personalizadas que exploravam vulnerabilidades emocionais e reforçavam discursos polarizadores [3].

Este caso ilustrou como a coleta e o tratamento inadequados de dados pessoais podem distorcer o debate público, comprometer a igualdade de condições entre candidatos e violar direitos fundamentais, como a privacidade e a liberdade de escolha [4]. O episódio gerou intensos debates sobre a necessidade de regulamentação mais rigorosa da proteção de dados, bem como sobre a responsabilidade de plataformas digitais e consultorias políticas em processos eleitorais [5].

Não bastasse a manipulação de dados, a disseminação de notícias falsas, conhecidas como fake news, constitui um dos principais mecanismos de manipulação informacional no ambiente digital. Estudos revelam que notícias falsas se espalham cerca de seis vezes mais rápido do que as verdadeiras, graças ao seu caráter sensacionalista, que naturalmente atrai mais atenção [6]. Esse processo não apenas compromete a qualidade da informação consumida, mas também intensifica a polarização no debate público, criando divisões profundas entre grupos sociais, que se tornam cada vez mais radicalizados e distantes dos fatos e da realidade.

Essa polarização é agravada pelos algoritmos das redes sociais, que personalizam o conteúdo exibido com base no comportamento online de cada usuário. Esse mecanismo dá origem às chamadas bolhas de filtro, nas quais as pessoas são expostas quase exclusivamente a informações que confirmam suas crenças pré-existentes, limitando a diversidade de pontos de vista [7].

Outros fatores que contribuem para a manipulação do debate público é o uso de Bots [8]trolls [9], e microtargeting [10] nas redes sociais. Bots podem replicar mensagens em massa, sugerindo que uma ideia tem mais apoio popular do que realmente possui. Trolls são usuários que atuam em conjunto para amplificar mensagens específicas e criar uma falsa sensação de consenso. Paralelamente, a prática de microtargeting aprofunda essas dinâmicas de manipulação ao direcionar mensagens políticas personalizadas a indivíduos ou grupos específicos [11] com base em dados pessoais, como preferências, comportamentos e características demográficas.

3. Consequências para a democracia

As redes sociais, ao permitirem a disseminação rápida de informações, têm desempenhado um papel crucial na transformação do debate público. Contudo, a desinformação e a polarização ideológica têm causado uma erosão significativa desse espaço. Discussões racionais e construtivas, que deveriam promover o intercâmbio de ideias e a busca por soluções coletivas, estão sendo substituídas por confrontos ideológicos que frequentemente carecem de embasamento factual.

A manipulação da opinião pública é outro fator que agrava esse cenário, afetando a confiança da sociedade em instituições fundamentais. A imprensa, o sistema eleitoral e o Judiciário, pilares da democracia, têm sua credibilidade abalada por campanhas que promovem desinformação e narrativas falsas. Quando os cidadãos deixam de confiar nessas estruturas, o tecido social e democrático se fragiliza, criando um ambiente de descrença generalizada que pode ser explorado para fins autoritários ou antidemocráticos [12].

Por fim, a falta de moderação efetiva nas plataformas digitais permite a amplificação de discursos de ódio e intolerância. A propagação de conteúdos que promovem discriminação, preconceito e violência exacerba tensões sociais e cria ambientes hostis, tanto online quanto offline. Sem mecanismos robustos para identificar e conter esses discursos, redes sociais tornam-se terreno fértil para a radicalização de grupos e o aprofundamento de conflitos.

4. Conclusão

Confiar a formação da opinião política de uma sociedade a empresas privadas cujo principal objetivo é o lucro revela uma ingenuidade preocupante, pois ignora os potenciais conflitos entre os interesses corporativos e os valores democráticos. Essas empresas, frequentemente baseadas em plataformas digitais, priorizam algoritmos que maximizam engajamento e receita publicitária, muitas vezes amplificando conteúdos polarizadores, sensacionalistas ou mesmo desinformativos, em detrimento de informações equilibradas e confiáveis.

Além disso, considerando que os detentores de tais plataformas exercerem controle significativo sobre o fluxo de informações, é de se esperar um ambiente suscetível à manipulação, onde os interesses comerciais tendem a sobrepor-se às necessidades da sociedade por um debate público saudável e imparcial. Tal cenário expõe a fragilidade de uma democracia que permite que atores privados, repita-se, motivados por ganhos financeiros, desempenhem um papel central na modelagem do discurso político e na formação da vontade coletiva.

A manipulação informacional no processo eleitoral brasileiro constitui uma ameaça à integridade democrática, exigindo uma abordagem abrangente para seu enfrentamento. Em primeiro lugar, é imprescindível o fortalecimento da legislação eleitoral vigente, ampliando mecanismos de responsabilização de indivíduos e entidades que promovam a disseminação de desinformação. A modernização do Código Eleitoral e a criação de normas específicas para regulamentar a atuação de plataformas digitais devem ser prioridades legislativas.

Outra medida essencial é a promoção da educação midiática e digital entre os eleitores. Campanhas institucionais devem ser conduzidas de forma contínua, especialmente em períodos pré-eleitorais, com o objetivo de conscientizar os cidadãos e capacitá-los a identificar conteúdos falsos ou enganosos. Tal iniciativa deve envolver não apenas órgãos públicos, mas também organizações da sociedade civil, criando uma abordagem integrada para a formação de uma sociedade mais crítica e resiliente a influências manipuladoras.

Por fim, é indispensável assegurar a transparência no uso de ferramentas digitais por candidatos e partidos políticos, com a obrigatoriedade de prestação de contas detalhada sobre gastos com publicidade online, uso de dados pessoais e estratégias de comunicação. A implementação de auditorias independentes constitui uma salvaguarda essencial para impedir o uso abusivo de tecnologias que comprometam a equidade e a legitimidade do processo eleitoral. Somente por meio de um esforço coordenado será possível enfrentar de maneira eficaz os desafios impostos pela manipulação informacional no cenário eleitoral brasileiro.


[1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/625052-redes-sociais-influenciam-voto-de-45-da-populacao-segundo-pesquisa-do-senado-e-da-camara/; Acesso em 18 de janeiro de 2025.

[2] Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2025/01/12/quais-mudancas-na-meta-ja-valem-para-o-brasil-entenda-em-5-pontos.ghtml; Acesso em 17 de janeiro de 2025.

[3] UR REHMAN, I. (2019). Facebook-Cambridge Analytica data harvesting: What you need to know. Library Philosophy and Practice, pp. 1-11.

[4] Sobre o tema vide DE OLIVEIRA, Luciana Carneiro. Democracia hackeada: o uso de dados pessoais em campanhas eleitorais e as garantias previstas nos regulamentos gerais de proteção de dados pessoais, 2023.

[5] No Brasil, o Facebook foi condenado no valor de R$ 6,6 milhões devido ao vazamento de dados de 443 mil brasileiros. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/facebook-e-condenado-a-pagar-r-6-6-mi-por-vazar-dados-de-usuarios; Acesso em 18 de janeiro de 2025.

[6] VOSOUGHI, S., ROY, D., & ARAL, S. (2018). The spread of true and false news online. Science359(6380), pp. 1146-1151.

[7] EADY, G., NAGLER, J., GUESS, A., ZILINSKY, J., & TUCKER, J. A. (2019). How many people live in political bubbles on social media? Evidence from linked survey and Twitter data. Sage Open9(1), p. 2.

[8] KELLER, T. R., & KLINGER, U. (2019). Social bots in election campaigns: Theoretical, empirical, and methodological implications. Political Communication36(1), pp. 171-189.

[9] BULUT, E., & YÖRÜK, E. (2017). Mediatized populisms| digital populism: Trolls and political polarization of Twitter in Turkey. International Journal of Communication11, p. 25.

[10] ZUIDERVEEN BORGESIUS, F., MÖLLER, J., KRUIKEMEIER, S., Ó FATHAIGH, R., IRION, K., DOBBER, T., BALAZS. B. & DE VREESE, C. H. (2018). Online political microtargeting: Promises and threats for democracy. Utrecht Law Review14(1), pp. 82-96.

[11] WAGNER, A. (2022). Tolerating the trolls? Gendered perceptions of online harassment of politicians in Canada. Feminist Media Studies22(1), pp. 32-47.

[12] LEVITSKY, S., & ZIBLATT, D. (2024). How democracies die. Routledge, pp. 73-80.

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Na ação renovatória, juros sobre diferença de aluguéis incidem após intimação do locatário para pagar

A ação renovatória é usada pelo locatário para assegurar a renovação compulsória do contrato de locação comercial e, assim, manter seu negócio funcionando no mesmo ponto.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que o termo inicial de incidência dos juros de mora sobre as diferenças de aluguéis vencidos e apurados em ação renovatória de locação comercial é a data da intimação do locatário na fase de cumprimento definitivo de sentença.

Uma empresa locatária ajuizou ação buscando a renovação compulsória do contrato de locação, e o juízo, ao julgar o pedido parcialmente procedente, renovou o aluguel e fixou seu novo valor. O tribunal de segundo grau, além de reduzir o valor, decidiu que o termo inicial dos juros de mora sobre a diferença dos aluguéis vencidos deveria ser a data da intimação das partes quanto ao conteúdo da sentença, por entender que nesse momento já existe o valor líquido que o locatário deve suportar.

No recurso dirigido ao STJ, a locatária sustentou que os juros de mora deveriam incidir a partir da sua intimação na fase de cumprimento definitivo de sentença.

Valor fixado na sentença pode mudar em julgamento de recurso

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que não é possível considerar que o valor estabelecido para o aluguel na sentença tenha liquidez, pois ele pode ser alterado em grau recursal, já que a ação ainda está na fase de conhecimento.

“Somente com o trânsito em julgado da definição desse montante é que seria possível constituir o devedor em mora”, enfatizou.

A ministra reconheceu que a intenção do tribunal de origem foi evitar a procrastinação por parte da locatária, que poderia adiar ao máximo o pagamento de um aluguel mais caro. Todavia, ela observou que essa preocupação também seria válida em relação ao locador, que poderia demorar para apresentar os cálculos do valor que entende ser devido, já que, no caso, houve a redução do aluguel.

Nancy Andrighi lembrou que, em situações similares, o STJ entendeu que a diferença entre o antigo e o novo valor do aluguel depende da formação do título executivo judicial para ser exigido.

Leia o acórdão no REsp 2.125.836

Fonte: STJ