Terceira Turma admite envio de ofício às corretoras para encontrar e penhorar criptomoedas do devedor

Segundo o colegiado, embora esse tipo de ativo não seja considerado moeda de curso legal, as criptomoedas têm valor econômico e são passíveis de constrição.
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no cumprimento de sentença, o juízo pode enviar ofício às corretoras de criptoativos com o objetivo de localizar e penhorar eventuais valores em nome da parte executada.

O recurso chegou ao STJ após o tribunal de origem negar provimento ao agravo de instrumento – interposto na fase de cumprimento de sentença – em que o exequente sustentava a possibilidade de expedição de ofícios para tentar encontrar criptomoedas que pudessem ser penhoradas. 

O tribunal local considerou a inexistência de regulamentação sobre operações com criptoativos. Além disso, para a corte local, faltaria a garantia de capacidade de conversão desses ativos em moeda de curso forçado.

Ativo digital faz parte do patrimônio do devedor

O relator na Terceira Turma, ministro Humberto Martins, lembrou que, para a jurisprudência do STJ, da mesma forma como a execução deve ser processada da maneira menos gravosa para o executado, deve-se atender o interesse do credor que, por meio de penhora, busca a quitação da dívida não paga.

O ministro ressaltou que as criptomoedas são ativos financeiros passíveis de tributação, que devem ser declarados à Receita Federal. Conforme disse, apesar de não serem moedas de curso legal, elas têm valor econômico e são suscetíveis de restrição. “Os criptoativos podem ser usados como forma de pagamento e como reserva de valor”, completou.

O relator comentou que, conforme o artigo 789 do Código de Processo Civil, o devedor inadimplente responde com todos os seus bens pela obrigação não cumprida, ressalvadas as exceções legais. No entanto, em pesquisa no sistema Sisbajud, não foram localizados ativos financeiros em instituições bancárias autorizadas.

Para Humberto Martins, além da expedição de ofício às corretoras de criptomoedas, ainda é possível a adoção de medidas investigativas para acessar as carteiras digitais do devedor, com vistas a uma eventual penhora.

Criptomoedas representam desafios para o Judiciário

O relator lembrou que uma proposta legislativa em tramitação, o Projeto de Lei 1.600/2022, define o criptoativo como representação digital de valor, utilizado como ativo financeiro, meio de pagamento e instrumento de acesso a bens e serviços.

Em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva informou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está desenvolvendo uma ferramenta, o Criptojud, para facilitar o rastreamento e o bloqueio de ativos digitais em corretoras de criptoativos.

Cueva salientou a necessidade da regulamentação desse setor, diante das dificuldades de ordem técnica relacionadas com a localização, o bloqueio, a custódia e a liquidação de criptoativos, o que traz desafios para o Poder Judiciário tanto na esfera cível quanto na penal.

Fonte: STJ

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Projeto permite prisão preventiva nos crimes sexuais praticados por familiares contra crianças e adolescentes

O Projeto de Lei 4578/24 permite a prisão preventiva nos crimes contra a dignidade sexual quando o agressor for pai, mãe, avô, avó, padrasto, madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor ou empregador da vítima. Esses crimes estão previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

Nos casos acima, a prisão preventiva deverá ser decretada ou mantida quando:

  • for importante para a investigação do crime;
  • para garantir que a lei seja cumprida;
  • houver prova da existência do crime;
  • houver indício suficiente de que a pessoa cometeu o crime;
  • a liberdade do agressor representar perigo.

Números dos abusos
Autor do projeto, o deputado Duda Ramos (MDB-RR) cita dados do Disque 100 para justificar a prisão preventiva. “Apenas nos quatro primeiros meses de 2023, o número Disque 100 registrou mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes”, disse o parlamentar. “[Isso] representa um aumento de 68% em relação ao mesmo período do ano anterior”, comparou. 

“A casa da vítima, do suspeito ou de familiares é o pior cenário, com quase 14 mil violações”, acrescentou Ramos. 

Próximos passos
A proposta será analisada pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania; e pelo Plenário.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto permite prisão preventiva nos crimes sexuais praticados por familiares contra crianças e adolescentes

O Projeto de Lei 4578/24 permite a prisão preventiva nos crimes contra a dignidade sexual quando o agressor for pai, mãe, avô, avó, padrasto, madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor ou empregador da vítima. Esses crimes estão previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

Nos casos acima, a prisão preventiva deverá ser decretada ou mantida quando:

  • for importante para a investigação do crime;
  • para garantir que a lei seja cumprida;
  • houver prova da existência do crime;
  • houver indício suficiente de que a pessoa cometeu o crime;
  • a liberdade do agressor representar perigo.

Números dos abusos
Autor do projeto, o deputado Duda Ramos (MDB-RR) cita dados do Disque 100 para justificar a prisão preventiva. “Apenas nos quatro primeiros meses de 2023, o número Disque 100 registrou mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes”, disse o parlamentar. “[Isso] representa um aumento de 68% em relação ao mesmo período do ano anterior”, comparou. 

“A casa da vítima, do suspeito ou de familiares é o pior cenário, com quase 14 mil violações”, acrescentou Ramos. 

Próximos passos
A proposta será analisada pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania; e pelo Plenário.

Fonte: Câmara dos Deputados

Proposta inclui contravenção penal como causa de reincidência criminal

 

O Projeto de Lei 4770/24, do deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), inclui as contravenções penais como causa de reincidência criminal. Ou seja, se a pessoa cometer um crime e depois uma contravenção penal, será considerado reincidente. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

Atualmente, o Código Penal estabelece a reincidência apenas para quem já tiver sido condenado por crime – no Brasil ou no exterior. O projeto acrescenta a contravenção como causa de reincidência, desde que a condenação tenha ocorrido no Brasil.

Tanto o crime como a contravenção são infrações penais. O crime é mais grave, com penas mais altas. Por exemplo: roubar é crime; já fazer barulho excessivo é contravenção penal.

Contagem do tempo
Atualmente, a contagem do tempo para uma pessoa deixar de ser reincidente (cinco anos) começa já na suspensão condicional da pena ou livramento condicional, quando houver.

Pela proposta, a contagem desse prazo vai se iniciar apenas após o cumprimento ou extinção da pena. “Não se tem por objetivo a extinção de tais benefícios ao agente infrator, mas sim a reafirmação e fortalecimento do sistema de reincidência”, disse Vieira de Melo.

Pena por multa
O projeto também proíbe que a prisão seja trocada por multa quando a condenação previr ambas as penalidades. Segundo Vieira de Melo, esse é o entendimento de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 1996.

Próximos passos
A proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Afinal, qual a amplitude do direito de acesso amplo e integral aos autos?

Direito de acesso amplo e integral aos autos (artigo 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94 e SMV nº 14/STF)

Apesar de toda celeuma filosófica ocasionada por essa discussão, o processo penal brasileiro se preocupa com a verdade, mas não a qualquer custo. Não à toa que, ao disciplinar o instituto da revisão criminal, o artigo 621, III, do Código de Processo Penal (CPP) permite a rescisão da coisa julgada em razão de prova nova que demonstre a inocência do acusado, mas jamais a culpabilidade deste. Em suma, ao reconstruir suposto fato criminoso pretérito, convolado em hipótese acusatória, o processo penal justo (e eficiente) coaduna verdade, direitos fundamentais e garantias processuais, sendo esta a hélice tríplice sustentada por nós: garantia, justiça e eficiência [1].

Desse modo, Gustavo Henrique Badaró sustenta que “o resultado do processo penal somente será justo e legítimo, caso sejam respeitados três fatores concorrentes: um correto juízo fático, com vistas à reconstrução histórica dos fatos imputados; um correto juízo de direito, com uma acertada interpretação da lei e aplicação da norma aos fatos; e, por fim, o funcionamento do instrumento processual, respeitando direitos e garantias das partes, com estrita observância do rito legal” [2]. Em poucas palavras, Francesco Carnelutti dizia que “[a] função do processo penal é a de pôr a descoberto a inocência ou culpa do acusado” [3].

Nesse contexto, um direito específico assume especial relevância: o de acesso amplo e integral aos autos. Afinal, antes de esboçar qualquer espécie de defesa, deve-se conhecer a hipótese acusatória (ou investigatória) e os respectivos elementos de prova. Com os olhos vendados, a presença do advogado se torna inócua e meramente formal, considerando que, muito além do conhecimento jurídico, é necessário ter pleno conhecimento sobre os fatos, sob pena da defesa técnica se confundir com uma aventura judicial – vedada pelo art.igo 2º, VII, do Código de Ética da OAB.

No campo normativo, afora estar inserido dentro do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), o direito de acesso amplo e integral aos autos encontra resguardo expresso no artigo 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94:

“Art. 7º São direitos do advogado: […]

XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos;

XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital”  

Do mesmo modo, analisando-se a legislação internacional, pode-se dizer que o direito de acesso amplo e integral aos autos se situa dentro do artigo 14, 3., “d”, do Pacto Internacional sobre Direito Civis e Políticos – PIDCP (Decreto nº 592/92) e do artigo 8, 2. “c”, do Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/92), respectivamente nos “meios necessários” e “meios adequados” na preparação da defesa técnica:

“ARTIGO 14

  1. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as seguintes garantias: […]
  2. b) De dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha;”

***

“ARTIGO 8

  1. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
  2. c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;”

Como se vê, malgrado o direito de acesso amplo e integral aos autos possua amparo normativo desde o século passado, o início do século 21, caracterizado pela consolidação das grandes operações, acabou flexibilizando referido direito. Alberto Zacharias Toron elucida que, “[c]om o advento das grandes Operações da Polícia Federal a partir de 2003, inaugurou-se um ‘novo’ método investigativo”, qualificado pela bipartição das investigações em duas fases: a oculta e a ostensiva, cujo acesso aos autos era negado para “impedir que os investigados combinassem suas defesas” [4].

Não obstante, o STF sempre foi claro e categórico, no sentido de que “do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial – é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV)” (STF, HC nº 82.354/PR, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1º Turma, j. 10/8/2004).

A despeito disso, em razão das frequentes violações ao art. 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94, o Conselho Federal da OAB ajuizou um pedido de edição de súmula vinculante, ensejando na edição da Súmula Vinculante nº 14 em 02/02/2009 pelo Plenário do STF, responsável por dissipar quaisquer dúvidas sobre a existência do direito de acesso amplo e integral aos autos:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

De lá para cá, na permanente interpretação (e atualização) do direito de acesso amplo e integral aos autos (artigo 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94 e SMV nº 14/STF), algumas diretrizes interpretativas foram adotadas pelas cortes superiores:

– o direito de acessar todos os elementos de prova produzidos (STF, INQ nº 2.266/AP, rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 26/05/2011, DJe 13/3/2012);

– o direito de obtenção de cópias (STF, RCL nº 23.101/PR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, j. 22/11/2016, DJe 06/12/2016);

– o direito da vítima de ter acesso amplo e integral aos autos (STJ, RMS nº 55.790/SP, rel. min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 6/12/2018, DJe 14/12/2018); e

– a nulidade oriunda da violação do direito de acesso amplo e integral aos autos (STJ, RHC nº 114.683/RJ, rel. min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 13/4/2021, DJe 27/4/2021).

A denominada operação “lava jato”, responsável por implementar meios heterodoxos durante a persecução penal, não deixou incólume o direito de acesso amplo e integral aos autos (artigo 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94 e SMV nº 14/STF). À época, não era incomum que a imprensa tomasse conhecimento de informações processuais antes mesmo dos próprios advogados e que o acesso a elementos de prova fosse sonegado, especialmente aos apensos dos acordos de colaboração premiada. Não à toa que, ante as frequentes práticas heterodoxas, foi aprovada a Lei nº 13.869/19, responsável por criminalizar a violação do direito de acesso amplo e integral aos autos:

“Art. 32.  Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

Atualmente, apesar de toda a evolução normativo-interpretativa, o direito de acesso amplo e integral aos autos (art. 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94 e SMV nº 14/STF) continua sendo objeto de flexibilização e cerceamento pelo Estado. Inclusive, com o recentemente julgamento da denúncia oferecida pela PGR contra o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro e demais acusados em razão dos atos antidemocráticos, julgamento protagonizado pela Primeira Turma do STF, o debate acerca da amplitude normativa do art. 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94 e da Súmula Vinculante nº 14/STF adquiriu novos contornos, precisamente sob quais elementos de prova são englobados por referido direito.

Afinal, a defesa tem o direito de acessar apenas os elementos de prova explorados pelo Estado (v.g. Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Judiciária) ou todos os elementos de prova produzidos, independentemente de eventual correlação com a hipótese acusatória (ou investigativa)?

Direito de acessar ‘tudo’ (não apenas o que corrobora a hipótese acusatória)!

O advento da Lei nº 13.964/19, responsável por inserir o novel artigo 3º-A no CPP, dissipou quaisquer dúvidas sobre a adoção de um sistema acusatório no Brasil. Não obstante, ao julgar as ADIs do juiz das garantias, o Plenário do STF assentou que “[a] estrutura acusatória do processo penal, prevista na primeira parte do dispositivo, apenas torna expresso, no texto do Código de Processo Penal, o princípio fundamental do processo penal brasileiro, extraído da sistemática constitucional, na esteira da doutrina e da jurisprudência pátrias” (STF, ADIs nº 6.298, 6.299, 6.300, 6.305/DF,  rel. min. Luiz Fux, Pleno, j. 24/8/2023, DJe 19/12/2023), concluindo que o sistema acusatório sempre vigorou no Brasil, sendo um desdobramento implícito do artigo 129, I, da CF.

De todo modo, o fato é que o sistema acusatório se caracteriza por distinguir as funções dos sujeitos processuais, sendo que, embora os interesses da acusação e da defesa possam vir a coincidir, qualificam-se, em essência, como antagônicos, motivo pelo qual não há como exigir que a defesa tenha acesso apenas aos elementos de prova vertidos na hipótese acusatória. Isso porque, conforme elucida o ministro Rogério Schietti Cruz, “[a] atuação do Ministério Público e da defesa deve permanecer no mesmo patamar da reciprocidade dialética, de sorte a permitir, sob a ótica do acusado, ‘defender-se provando’, o que somente é possível ante o pleno conhecimento de todo o material coletado em decorrência da atividade investigatória estatal” (STJ, RHC nº 114.683/RJ, rel. min. Rogério Schietti Cruz, 6ªTurma, j. 13/4/2021, DJe 27/4/2021).

Esse é o antigo entendimento do STF, já apontado anteriormente, o qual assenta que “[n]ão é razoável que prova colhida com autorização da Justiça deixe de ser juntada aos autos pela só razão de não se encartar na tese construída pelo Ministério Público e pela polícia” (STF, INQ nº 2.266/AP, rel. min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 26/5/2011, DJe 13/3/2012). Em idêntico sentido, o STJ entende que “[p]ode o Ministério, por certo, escolher o que irá embasar a acusação, mas o material restante, supostamente não utilizado, deve permanecer à livre consulta do acusado, para o exercício de suas faculdades defensivas” (STJ, RHC nº 114.683/RJ, rel. min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 13/4/2021, DJe 27/4/2021).

Aliás, reconhecido o direito da defesa de acessar todos os elementos de prova (não apenas os utilizados pelo Estado), existem três meios de obtenção de prova que adquirem especial relevância, notadamente pelo aspecto quantitativo – ou seja, pelo volume dos elementos de prova angariados:

– acesso amplo e integral às degravações das interceptações telefônicas;

– acesso amplo e integral aos documentos apreendidos em mandado de busca e apreensão; e

– acesso amplo e integral aos apensos oriundos dos acordos de colaboração premiada.

Sobre isso, a 2ª Turma do STF também já se pronunciou:

“Anoto, ainda, que este Tribunal, embora reconheça ser inexigível a transcrição integral de diálogos captados em interceptações telefônicas, tem assinalado não existir prejuízo à defesa quando o conteúdo da prova é integralmente disponibilizado, permitindo-se o efetivo contraditório. No caso em análise, por outro lado, é fato incontroverso que os dados extraídos dos aparelhos eletrônicos apreendidos não ficaram acessíveis, nem foram preservados mediante backup, o que, conforme reconheceu a Corte local, implicou cerceamento de defesa” (STF, HC nº 218.265/SP, Rel. Min. André Mendonça, 2ª Turma, j. 22/08/2023, DJe 29/08/2023).

***

“Assim, a decisão proferida pelos membros do Parquet obriga os defensores a escutar e transcrever, no ambiente da procuradoria, cerca de 10 horas de áudios gravados em interceptações de comunicações telefônicas de seus clientes. Tal medida, à primeira vista, prejudica o amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, violando assim, o disposto na Súmula Vinculante 14 […]

Entendo que o direito ao ‘acesso amplo’, descrito pelo verbete mencionado, engloba a possibilidade de obtenção de cópias, por quaisquer meios, de todos os elementos de prova já documentados, inclusive mídias que contenham gravação de depoimentos em formato audiovisual” (STF, RCL nº 23.101/PR, rel. min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 22/11/2016, DJe 6/12/2016).

***

“A Segunda Turma tem assentado importante posicionamento no sentido de assegurar a efetividade da ampla defesa e do contraditório aos réus delatados, garantindo o acesso aos termos em que tenham sido citados e que não tenham diligências em curso que possam ser prejudicadas, nos termos da Súmula Vinculante 14 deste STF. […]

Ademais, é necessário ter em mente que, com a devida vênia, não é papel do magistrado definir se o acesso aos documentos é pertinente, útil ou necessário para a construção das teses defensivas. Essa atribuição, por óbvio, somente pode ser desempenhada pelos advogados constituídos nos autos, a quem deve ser disponibilizado amplo acesso aos elementos de prova que apontem, de qualquer forma, para a responsabilização penal do acusado” (STF, RCL nº 5.757/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 13/03/2023, DJe 24/03/2023).

Em resumo, a intepretação atual do direito de acesso amplo e integral aos autos (artigo 7º, XIII e XIV, da Lei nº 8.906/94 e da SMV nº 14/STF) pelos tribunais superiores aponta que referido direito permite ao advogado acessar definitivamente “tudo”, ou seja, a todos os elementos de prova, não apenas os que interessam à hipótese acusatória.

A esse respeito, ao desmistificar a essência do processo penal democrático e sua inegável função epistemológica, Francesco Carnelutti assinala que “[a]s provas servem, exatamente, para nos guiar de volta ao passado na recomposição, melhor dizendo, na reconstrução da história” [5]. Certamente, com os seus olhos vendados, o advogado será tolhido de contribuir com a reconstrução da história, bem como de buscar a verdade e a justiça, transformando-se em mero legitimador da hipótese acusatória.


[1] WEDY, Miguel Tedesco. A eficiência e sua repercussão no direito penal e no processo penal. 1. ed. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2016. p. 306.

[2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Editorial dossiê “Prova penal: fundamentos epistemológicos e jurídicos”Rev. Bras. de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 4, n. 1, p. 43-80, jan.-abr. 2018. p. 45-46.

[3] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Servanda Editora, 2016. p. 65.

[4] TORON, Alberto Zacharias. Habeas corpus: controle do devido processo legal: questões controvertidas e de processamento do writ. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 56.

[5] CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Campinas: Servanda Editora, 2016. p. 67.

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Proposta assegura manutenção da natureza de crédito ainda que cedido

O Projeto de Lei 4339/24, do deputado Jonas Donizette (PSB-SP), altera o Código Civil para deixar claro que a venda ou transferência de um crédito não muda a natureza dele. A proposta busca garantir que créditos alimentícios, ou seja, necessários para o sustento de uma pessoa, não mudem de categoria caso outra pessoa ou empresa adquira esse direito. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

Segundo Donizette, não há uma previsão específica nesse sentido no Código Civil atualmente, “o que está gerando insegurança jurídica quanto à manutenção da natureza alimentar do crédito cedido”, disse. O Supremo Tribunal Federal (STF) já tinha decidido dessa forma em 2020 ao julgar pagamento de precatórios, com repercussão geral.

Próximos passos
A proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto de lei propõe pena maior para receptação de celulares roubados

O governo federal vai apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei que aumenta em até 50% as penas impostas ao crime de receptação de celulares, dispositivos eletrônicos, cabos e fios, além de outros itens roubados. O objetivo, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que enviou o texto ao presidente da Luiz Inácio Lula da Silva, é coibir com mais rigor aquelas pessoas ou quadrilhas que se beneficiam de produtos oriundos do crime.

O projeto também cria um novo tipo penal, o furto qualificado, quando o crime é cometido por encomenda para fins comerciais, além de equiparar à receptação qualificada a prática de comercialização irregular de sinal de televisão por assinatura, conhecida como “gatonet” ou “TV box”.

Segundo o MJSP, se o projeto for aprovado, passará a a ser crime grave furtar algo para vender depois, especialmente se for feito como parte de um negócio, seja legal ou ilegal. 

“O objetivo é desmantelar quadrilhas que vivem desse tipo de crime. A venda de produtos roubados – incluindo serviços ilegais, como os chamados gatonet e os aparelhos TV box piratas – também será enquadrada como crime grave.

Ainda de acordo com a proposição, “também incorrerá nesse crime quem adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, tiver em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ofertar, prestar, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, bem relacionado ao aludido serviço”.

Novas penas

No caso de receptação para atividade comercial ou industrial de aparelhos telefônicos, cabos e outros equipamentos referentes a serviços de telecomunicações, a pena mínima pode passar de 3 anos de reclusão para 4 anos, ou 4 anos e meio (aumento de 50%); e a máxima, de 8 para 10 anos e 6 meses (aumento de 30%), ou 12 anos (aumento de 50%).

A punição para quem compra, vende ou transporta produtos roubados será aumentada, principalmente se os itens forem: celulares ou dispositivos que armazenam dados pessoais; cabos e equipamentos de energia e telecomunicações; mercadorias em transporte ou envio postal; ou medicamentos, combustíveis, fertilizantes, minérios, cigarros, armas ou veículos.

A proposta também abrange a receptação entre familiares. Atualmente, quem compra um item roubado de um parente pode não ser punido. Com a mudança, essa brecha será fechada.

A comercialização de gatonet ou TV box será equiparada à receptação qualificada, para combater o desvio ilegal de sinais audiovisuais e a concorrência desleal. A jurisprudência atual não permite enquadrar essa conduta no crime de furto de energia elétrica, justificando a necessidade de tipificação específica.

A utilização de produtos não homologados, como os equipamentos de telecomunicação piratas, tem sido alvo de fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que desde 2023 retirou mais de 1,6 milhão de itens irregulares do mercado, avaliados em R$ 253 milhões.

Fonte: EBC

Projeto prevê perda de cargo público para condenado por estupro de vulnerável

 

O Projeto de Lei 4754/24, do deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), estabelece a perda automática de cargo, função pública ou mandato em caso de condenação por estupro de vulnerável. O texto altera o Código Penal e está em análise na Câmara dos Deputados.

Atualmente, a perda de cargo, função pública ou mandato é um efeito não automático da condenação, que precisa ser explicitado na sentença.

Porém, segundo Gilberto Silva, a sociedade não pode permitir que o criminoso condenado por crime tão vil e covarde permaneça em suas funções. “Este projeto supre esta brecha legislativa, impedindo que indivíduos condenados permaneçam ocupando cargo, função pública ou mandato eletivo, nos casos em que a sentença condenatória for omissa”, explica.

Próximos passos
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirá para o Plenário. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados