Projeto exclui provas obtidas ilegalmente de processo penal militar

O Projeto de Lei 478/25, em análise na Câmara dos Deputados, atualiza as regras sobre a admissibilidade de provas previstas no Código de Processo Penal Militar. O texto deixa claro que não é possível usar no processo judicial provas que foram obtidas de forma ilegal. Essas provas devem ser retiradas do processo.

Pela proposta, as provas derivadas das ilícitas também não serão aceitas quando existir nexo de causalidade entre elas. Se não houver esse nexo, elas poderão ser admitidas. Também serão admitidas provas derivadas obtidas por fonte independente.

O deputado Junio Amaral (PL-MG) afirma que o objetivo do projeto de sua autoria é alinhar o processo penal militar com as garantias constitucionais relacionadas a provas ilícitas, semelhantes às estabelecidas no Código de Processo Penal comum.

Liberdade inconstitucional
De acordo com ele, a redação atual do Código de Processo Penal Militar permite uma liberdade probatória incompatível com os princípios constitucionais que regem o devido processo legal.

“Essa ampla falta de restrição não confere ao processo penal militar a segurança jurídica e o alinhamento aos valores democráticos exigidos pelo Estado de Direito”, disse Amaral.

Próximos passos
O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto prevê punição mais rigorosa para autoridade que dirigir ou cometer crime sob efeito de álcool ou drogas

O Projeto de Lei 4851/24 altera o Código Penal Brasileiro para determinar punição por crimes cometidos por autoridade sob efeito de álcool ou substância psicoativa. A proposta, do deputado Lucio Mosquini (MDB-RO), tramita na Câmara dos Deputados.

Conforme o projeto, o policial, o juiz, o desembargador, o promotor ou o procurador que conduzir veículo sob a influência de álcool ou substância psicoativa será punido com detenção de dois a três anos, além da pena correspondente à violência.

O exame toxicológico ou a alcoolemia será obrigatoriamente realizado pelo agente público, independentemente da ocorrência de acidente. Comprovada a influência do álcool ou da substância psicoativa, ele será imediatamente afastado do cargo, sem prejuízo das responsabilidades civis e penais decorrentes de sua conduta. Se portar arma de fogo no momento da infração, terá a pena aumentada de 1/3 a 2/3.

Ainda segundo o projeto, a autoridade que cometer crime com ou sem intenção, estando sob efeito de álcool ou substância psicoativa e portando arma de fogo, será punida com detenção de três a quatro anos, além da pena correspondente à violência, com a agravante de pena de 1/3 a 2/3. Se o crime resultar em dano à integridade física ou moral de outra pessoa, a pena mínima será dobrada. O agente também perderá o cargo e será proibido de portar arma de fogo por até dez anos.

Lucio Mosquini acredita que a medida fortalecerá a resposta legal contra o “comportamento irresponsável e perigoso de agentes públicos”. “A agravante que estabelece o aumento da pena busca garantir que crimes cometidos por essas autoridades, que já detêm uma posição de poder, sejam considerados mais graves, especialmente quando a conduta envolve o uso de armas de fogo, o que aumenta substancialmente o risco de danos irreparáveis à vida e à ordem pública”, afirma.

Próximos passos
O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário da Câmara. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

Dos graves riscos no julgamento do Tema 1.389 contra a Justiça do Trabalho

Inicie-se pelo começo, como sugere o coelho da Alice (no País das Maravilhas): a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada em 2004 (Emenda 45) e o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal exercitaram-se com afinco para reduzi-la, reescrevendo a Constituição.

A nova redação da Carta Política afastou a regra anterior de limitar a apreciação das causas entre empregado e empregador, para abranger as lides decorrentes da relação de trabalho (gênero de que emprego é espécie), como se extrai da ementa, em que a matéria securitária está sob competência trabalhista:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHO – SEGURO DE VIDA EM GRUPO CONTRATADO PELO EMPREGADOR – De acordo com o disposto no artigo 114, I, da Constituição Federal, à luz da nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, cabe a esta Justiça Especializada dirimir os conflitos oriundos das relações de trabalho. Tratando a lide acerca de contrato de seguro de vida decorrente da relação de trabalho, há de ser reconhecida a competência da Justiça do Trabalho. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST – AIRR-95-73.2011.5.05.0133 – 7ª T – rel. min. Cláudio Brandão – Publ. 17.10.2014)

Ou essa, no âmbito do STJ, tribunal encarregado de resolver os conflitos de competência entre ramos diferentes do Judiciário, que reconhece correta a competência trabalhista para execução de acordo extrajudicial firmado depois do fim do contrato de emprego:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA COMUM. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA POR EX-EMPREGADO EM FACE DO EX-EMPREGADOR. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INADIMPLEMENTO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. CAUSA DE PEDIR. LIGAÇÃO COM A RELAÇÃO DE TRABALHO ANTERIORMENTE ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. O autor busca indenização por danos materiais e morais em decorrência do inadimplemento patronal de acordo extrajudicial estabelecido para o pagamento das verbas trabalhistas devidas em virtude do rompimento da relação de trabalho. A causa de pedir remete diretamente ao cumprimento de obrigações que emergem da relação de trabalho. 2. Para a definição da competência material para o julgamento da lide em tela, é desimportante que o crédito perseguido esteja contido em acordo extrajudicial, e não em sentença trabalhista condenatória, pois esse fato, por si só, não tem o condão de elidir a especial natureza laboral. 3. Solução diversa permitiria ao empregador, em casos como esse, modificar, a seu talante, a natureza das quantias devidas, de trabalhista para civil, bem como a própria competência para julgar a lide, matéria de ordem pública, bastando que estabeleça acordo extrajudicial com seu ex-empregado e não o satisfaça. 4. Outrossim, os danos morais reclamados também emergem da mesma fonte, o suposto” engodo “cometido pelo ex-empregador ao se esquivar do pagamento, ainda que não pecuniário, das verbas trabalhistas rescisórias, objeto do acordo extrajudicial.
5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça do Trabalho. (CC 158.231/PR, rel. ministro Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF 5ª Região), 2ª Seção, julgado em 8/8/2018, DJe 13/8/2018)”

O absurdo do intento chegou ao ponto de reservar a competência material conforme o nome do direito postulado, o que promove a desventura de um empregado “celetista” de empresa pública, se não receber seus direitos, reclamar em dois ramos diferentes do Judiciário (Tema 1.143).

Surge o Tema 1.389

Essa maratona de desmonte do Poder Judiciário Trabalhista tem viés obviamente ideológico, como se depreende dos debates no STF, a partir da premissa de que a Constituição não elegeu um modo de organização da produção, o que é falso, porque ela elegeu como objetivo da República e do sistema econômico o pleno emprego, não a plena ocupação, nem a plena “pejotização”. O emprego é a única forma de organização do trabalho que tem regulamentação constitucional.

Nesse ambiente pujante de destruição dos direitos das pessoas que, nada mais possuindo, vendem sua força de trabalho para subsistir, encaixando-se na atividade empresária de outras, surge o Tema 1.389, relatado pelo ministro, ao qual o tribunal reconheceu repercussão geral para debater a competência de apreciação das miríades de processos em que o empregado é travestido, por fraude, nisso que, de palavrão, virou “meio de organização da força de trabalho”, a “pejotização”.

Essa fraude escancarada — que não se confunde com a contratação de pessoas jurídicas, o que pode ser lícito — mascara o vínculo de emprego, retirando direitos e criando uma narrativa sedutora de que o trabalhador vira empresário de si próprio.

Ao propor o debate, o Tema 1.389 provoca três gravíssimas violação ao Direito e, de novo, tende a esvaziar garantias sociais fundamentais, que têm assento naquela Constituição que ele, STF, tem o dever-poder de proteger.

O primeiro: inverte a lógica processual histórica de que a competência é fixada pelo pedido e pela causa de pedir, não pela defesa.

Se o autor diz que foi empregado e pede direitos trabalhistas, não importam os termos da defesa, pois será da Justiça do Trabalho a competência, nos termos literais do artigo 114, da Carta, para dirimir a controvérsia. Não confirmada a alegação inicial, o pedido será rejeitado, julgado improcedente.

Elevar essa premissa ao absurdo, teríamos que mandar para a justiça de família, os processos em cujas defesas aparecesse a alegação de que os contratantes são familiares. Ou para a justiça criminal, se a defesa cogitar da acusação de que o trabalhador cometeu fato tipificado pelo código penal. Ou para o juiz da falência, se a defesa disser que a empresa não pôde pagar, porque anda em dificuldades financeiras.

Falar isso em voz alta enrubesce, porque todo aluno de Direito que já tenha passado pelo primeiro semestre da teoria geral do processo civil conhece a regra que está sob esse debate artificial.

O segundo: retira, como atestado do amplo preconceito que o Judiciário Trabalhista sofre por parte dos integrantes da atual conformação do STF — confessados em sessão pública e televisionada [1], mais de uma vez — o poder de decidir questões incidentais.

A competência material diz respeito à matéria de fundo: crime, família, falência, trabalho etc. No percurso da demanda, podem aparecer questões transitórias, incidentais, que, obviamente, o juiz precisa resolver, para chegar ao ponto final do litígio em tempo razoável.

Chama-se isso, na pedante linguagem do foro, de decisão incidenter tantum. Ela está sob a competência do juiz e se resolve apenas dentro daquele processo, sem efeitos definitivos (coisa julgada) para outras relações.

Tome-se esse primeiro exemplo: na defesa de uma execução fiscal, o executado oferece um contrato que o isentaria da responsabilidade de pagar o tributo. A Fazenda, exequente, alega que o contrato é simulado, portanto, inválido. Ninguém imagina que a essa altura, o processo saia da justiça em que corre (federal, se o imposto for da União) e vá à justiça comum estadual, para que o juiz generalista analise o contrato e diga se há ou não fraude, para, depois, retomar-se a execução fiscal.

Outra hipótese pode revelar-se na solução de sucessão processual decorrente da morte da parte no processo. Para dizer quem substitui o falecido, o juiz, de qualquer ramo, apreciará a questão a partir das regras do direito de sucessão, ligados, como matéria de fundo, às varas da família. Em estado de sobriedade, ninguém dirá que para decidir essa questão incidental, o juiz da causa comercial, por exemplo, mande o processo ao juiz de família, para que ele diga quem é o sucessor, e, depois, o processo retome seu andamento natural.

Note-se que não há debate na jurisprudência sobre o tema, como se reconhece a partir da ementa do Superior Tribunal de Justiça, no qual a trabalhadora fora posta como sócia formal da empresa empregadora e, na Justiça do Trabalho, reclamou contra a fraude:

“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. PEDIDO DE NULIDADE DE ATOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA FALIDA. QUESTÃO INCIDENTAL NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. EFEITOS RESTRITOS ÀS PARTES. PEDIDO PRINCIPAL. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O PAGAMENTO DAS VERBAS DAÍ DECORRENTES. 1. Constata-se omissão na espécie, porquanto a decisão agravada somente se atém aos aspectos e pedidos de índole tipicamente trabalhista trazidos com a inicial da ação originária, deixando de se manifestar sobre a repercussão do pleito relativo à nulidade dos atos constitutivos da sociedade empresária demandada na definição da competência para o julgamento do feito. 2. Embora se possa alegar que, normalmente, a nulidade dos atos constitutivos de sociedade empresária configura matéria que escapa ao alcance da jurisdição especializada (CF, artigo 114tal não prevalece no presente caso. 3. É que compete à Justiça laboral as ações oriundas da relação de trabalho, sendo, assim, competente para declarar se alguém ostenta a qualidade de empregado de outrem, inserindo-se nas disposições dos arts.  a  da Consolidação das Leis do Trabalho. E, na hipótese, a autora maneja a ação de reclamação trabalhista, afirmando que sua condição formal de sócia da reclamada, constante dos atos constitutivos da empresa, caracterizaria uma simulação, concebida para disfarçar sua real situação de mera empregada daquela, burlando a legislação trabalhista. 4. O pedido de nulidade dos atos constitutivos da falida é decorrente do pleito principal de reconhecimento de vínculo empregatício. Nesse contexto, a declaração incidental acerca do ponto, restrita às partes que compõem a ação trabalhista, está abrangida na competência da Justiça do Trabalho. 5. A lide, assim, também por esse aspecto, tem prevalente caráter obreiro, sob pena de restar prejudicada a própria análise do pedido principal, constante da reclamação trabalhista, por decisão a ser tomada em processo outro, perante a Justiça comum. 6. Agravo regimental parcialmente provido, apenas para suprir a omissão apontada, sem efeito infringente quanto ao mérito do conflito de competência. (sem negritos no original) (AgRg nos EDcl no CC 106.660/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, unânime, DJe de 21.3.2011)”

O terceiro: se passar o intento, a vítima da “pejotização” terá que ajuizar sua causa na Justiça Estadual Comum, que tem prazos de tramitação dos processos muito mais longos do que os que se encontram na Justiça do Trabalho, para anulação do contrato e, depois, sabe-se lá de quantos anos, reapresentar o pedido na Justiça do Trabalho, para obter direitos ‘estritamente trabalhistas’.

Sobrecarga inútil da máquina judiciária, quebra do princípio constitucional da duração razoável do processo e evidente desestímulo à busca da Justiça. Os gastos com o serviço público de justiça avultam-se inequívocos, também.

Não é difícil entender que a fraude da “pejotização” emerge da constatação de que a relação foi de trabalho subordinado. Dito de outra forma: ao reconhecer que a realidade da contratação mostra que as partes executaram um contrato de emprego (trabalho subordinado), é que a sentença dirá, de passagem, que o contrato de prestação de serviços autônomos deve ser considerado (naqueles autos) nulo. A tendência do STF está apontando, então, para o paradoxo de entregar ao juiz generalista – cuja competência é residual, quer dizer, o que não está atribuído expressamente a outro ramo da Justiça, é que lhe cabe, identificar a matéria especializada, de saber se há ou não contrato de trabalho.

Ayres Britto, constitucionalista, ensina que a Constituição não pode tudo, porque não pode deixar de ser Constituição. Ao moldar o Texto ao bel prazer das ideologias pessoais, sem legitimação política para tanto, as decisões do STF estão a tornar a Constituição uma não constituição. Corrosão interna dos valores ali fixados, sobre todos o social do trabalho (e da livre iniciativa) e da dignidade da pessoa humana.

Nesse debate, não há nada pouco grave, porque está em jogo o modelo constitucional de organização do trabalho da ordem capitalista brasileira, sob o risco de ser reformado sem debate com a sociedade e eliminando a participação do Poder Legislativo.


[1] Como se apura, por exemplo, na manifestação do ministro Gilmar Mendes: “Por ocasião do Jul. em da ADPF 324, apontei que o órgão máximo da justiça especializada (TST) tem colocado sérios entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria”. (Reclamação – RCL 57.255/BA. DJE publicado em 11/09/2023.

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Cade e Doutrina da Ação Política: curioso caso dos conselhos profissionais

Conselho Administrativo de Defesa Econômica Cade sede prédio

Foi pautado para esta quarta-feira (14/5), na 247ª Sessão Ordinária de Julgamento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o julgamento de três casos envolvendo conselhos profissionais que, em 2019, emitiram resoluções contra o registro do diploma de graduados na modalidade “a distância”.

As resoluções foram declaradas nulas pelo Judiciário por violação à liberdade profissional e à legislação sobre educação, que expressamente incumbe ao MEC a competência sobre a formação escolar [1].

Segundo a Superintendência-Geral do Cade, os conselhos federais de medicina veterinária (CFMV), odontologia (CFO) e farmácia (CFF) teriam, com as normativas, também limitado a concorrência em dois tipos de mercado relevantes: o de cursos de graduação EaD e os de serviço relativos a cada umas das áreas.

Com base em renitente jurisprudência, que inclui sobretudo casos de tabelamento impositivo de preços, a tendência do Cade é condenar os conselhos por infração à ordem econômica decorrente de abuso de poder regulamentar [2].

Há, todavia, algo de novo no ar: está pendente de julgamento o caso OAB por tabelamento de honorários mínimos [3].

Se no caso EaD a Procuradoria-Geral do Cade recomenda a condenação dos conselhos profissionais, no caso OAB ela opina pelo arquivamento do feito com base na Doutrina da Ação Política (State Action Doctrine).

Isso pode predispor o Conselho a antecipar algum aclaramento sobre referida doutrina, que é igualmente arraigada na jurisprudência do Cade, em dois pontos relacionados: a) a extensão do artigo 31 LDC; e b) o distinguishing entre entes reguladores e conselhos.

Extensão do artigo 31 LDC

Segundo o dispositivo, que repete o artigo 15 da LDC de 94, a lei aplica-se também às pessoas jurídicas de direito público.

Uma vez que elas agem mediante atos normativos estatais, sua punibilidade implica possuir o Cade competência para controle de legalidade sob alguma forma.

Suas instâncias típicas são ações maliciosas, como e.g. a autarquia que mediante ato executório participa de cartel ou agência reguladora que favorece o corruptor com uma resolução normativa.

A dificuldade aparece quando estamos diante de ato regulamentar próprio, isto é, não dissimulado, no qual o dano à concorrência é resultado da priorização, com boa-fé, de outro princípio da ordem econômica.

Para o constitucionalista, a resposta mais natural seria negar ao Cade o controle de legalidade na hipótese, em analogia ao precedente fixado na ADI 221, que veda aos órgãos do Poder Executivo deixar de aplicar a lei inconstitucional, salvo, excepcionalmente, quando assim determinado pela chefia [4].

Sua justificativa parece clara: a autonomia interpretativa dos órgãos subordinados balcanizaria a política pública levada a cabo pelo mandatário, levando a disputas entre os órgãos que se traduziriam em comandos contraditórios aos administrados [5].

A resposta mais natural ao concorrencialista é nuançada: deve o Cade eximir o ato do Poder Público prejudicial à concorrencial se propriamente regulatório, isto é, se satisfizer os critérios da Doutrina da Ação Política [6].

Essa opção, que é a esposada pelo Cade até aqui, tem o mérito de respeitar a hierarquia móvel dos princípios da ordem econômica, mas traz o revés de permitir os resultados contraditórios que o constitucionalista quer evitar — vide o ocorrido em THC2 [7].

A resolução do caso pelo STJ concluiu pela competência do Cade para controle de legalidade das resoluções da Antaq, sem, contudo, tocar a dificuldade acima [8].

Uma alternativa estreita talvez se encontre na brecha aberta pelo STF ao revisitar sua jurisprudência, permitindo o afastamento de normas patentemente inconstitucionais – ou ilegais, em nossa analogia [9].

Outra seria recorrer à atuação integrativa da AGU, seja por uma conciliação via CCAF, seja por uma resolução via parecer normativo [10].

Distinguishing entre entes reguladores e conselhos profissionais

Como antecipado, o debate acima foi até aqui alheio aos conselhos profissionais, já que o Cade não os equipara às agências reguladoras, mas aos sindicatos — embora as razões para tanto não sejam claras, como evidencia o caso OAB.

Considerando os termos da Doutrina da Ação Política, a tese do Cade deve fundar-se numa disjunção: ou os conselhos não são propriamente poder público ou seus atos não são propriamente regulatórios.

Quanto à subtese estrutural, embora ambos sejam autarquias de direito público, criadas por lei e submetidas a regime jurídico especial que as torna sui generis, os conselhos são ainda menos sujeitos a controle do que as agências, o que lhes valeu a alcunha (infeliz) de “autarquias não-estatais” [11].

Isso significa, entre outras coisas, que a solução integrativa envolvendo a AGU não estaria disponível.

Quanto à subtese funcional, parece claro que ambos se orientam, via de regra, à correção de falhas de mercado, mediante atividade fiscalizatória e regulatória.

A ProCade diverge no ponto: no aludido parecer, defende que a OAB é o único conselho ao qual a lei expressamente usou o termo ‘regulamentar’ entre suas atribuições [12].

Nota-se, todavia, que a legislação dos demais conselhos prevê a expedição de resoluções para sua fiel interpretação e execução das atribuições institucionais – o que nada mais é do que uma forma de regulamentação [13].

Mais promissora para a disanalogia visada é a constatação de que os conselhos nem sempre agem em prol da coletividade, encampando também interesses classistas – vide a OAB.

Embora essas considerações justifiquem escrutínio concorrencial mais intenso de tais entes, segue em aberto se excluem, in abstracto, os conselhos da Doutrina da Ação Política, ou se esse escrutínio deve ser feito originariamente pelo Cade.

A experiência internacional, salvo melhor juízo, é, de um lado, infensa a eximir os conselhos, mas de outro, centralizada no Judiciário [14].

Seja como for, é um debate que merece ser desenvolvido.

* A opinião que ora veiculo surgiu ainda no Cade, em contato com casos relacionados. Toda informação utilizada para o artigo é de fonte pública; a opinião não representa a opinião do conselho sobre o tema, que o autor desconhece.

Agradeço a José Levi do Amaral Jr., Matheus Carneiro, Victor Fernandes, Vitor Jardim, Eduarda Militz e Bruno Renzetti pelos debates sobre o tema.


[1]  Os julgados seguem o precedente fixado no REsp 1.453.336/RS.

[2]  Cf., por todos, a Nota Técnica SG 42 no PA 08700.006146/2019-00, o primeiro caso autuado.

[3]  Nota Técnica 102/2022 no PA 08012.006641/2005-63.

[4] ADI-MC-221 DF, Rel. Min. Moreira Alves, 1990.

[5] Embora o contexto seja diferente, vale a menção ao regimento do tribunal vizinho, o Carf (art. 98).

[6] Para a enunciação da doutrina, por todos, AP 08000.013661/1997-95, Rel. Cons. Luís Fernando Schuartz e PA 08012.006507/1998-81, Rel. Cons. Roberto Castellanos Pfeiffer.

Os critérios são bem resumidos pelo Cons. Paulo Burnier no P.A. nº 08012.001518/2006-37: (i) excepcionalidade do afastamento da análise concorrencial; (ii) capacidade de efetiva e ativa supervisão do mercado; (iii) especificidade da norma regulatória em relação à norma concorrencial; e (iv) enquadramento da determinada política pública como manifestação de um poder soberano do Estado.

[7] PA 08700.005499/2015-51, Rel. Cons. Luiz Hoffmann.

[8] REsp 1.899.040-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, 2024, tópico X.

[9] MS 25.888-Agr, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2023.

[10] Cf. Parecer GM-020, de 2001, no conflito Cade-Bacen, que todavia terminou judicializado (REsp n. 1.094.218/DF).

[11] ADI 5.367, Red. Ac. Min. Alexandre Moraes, 2020.

[12]  Parecer 20/2023 ProCADE no PA 08012.006641/2005-63, §§ 123, 174 e 180.

[13]  Para os conselhos do caso EaD, v. arts. 1º e 6º g, l, m, p da Lei nº 3.820/60 (Farmácia); art. 16 f, j da Lei nº 5.517/68 (Medicina Veterinária); arts. 2º e 4º d da Lei nº 4.324/64 (Odontologia).

[14] Cf. USSC. Goldfarb v. Virginia State Bar, 421 U.S. 773 (1975); e ECJ. Consiglio nazionale dei geologi, C‑136/12 (2013) e Wouters, C-309/99 (2022).

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Comissão aprova projeto que suspende desapropriação de áreas para comunidade quilombola no RS

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 364/24, que suspende o decreto presidencial autorizando a desapropriação de áreas particulares localizadas no território do Quilombo de Arvinha, entre os municípios gaúchos de Coxilha e Sertão. A proposta é do deputado Alceu Moreira (MDB-RS).

Segundo ele, o Decreto 12.186/24 prejudica os pequenos agricultores que vivem legitimamente na região a ser desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Todos os produtores, segundo o deputado, possuem registro dos seus imóveis.

Segundo a relatora, deputada Daniela Reinehr (PL-SC), é estranho o relatório técnico afirmar que o laudo antropológico não precise se basear em critérios objetivos. O relatório foi usado para embasar a presença de território quilombola na região. “Não é nada razoável que se utilize a subjetividade para se afastar o direito daqueles pequenos proprietários”, disse, ao citar as famílias que ocupavam a área antes do decreto.

Na opinião de Reinehr, o governo parece querer se vingar do setor rural brasileiro, “apoiando invasões de terra e buscando implementar posses e propriedades coletivas a qualquer custo”. “Estamos prontos para agir em defesa daqueles que trabalham e produzem para sustentar a Nação. Este Parlamento está atento à importância do nosso produtor rural, seja ele grande, médio ou pequeno, familiar ou empresarial”, declarou.

De acordo com o governo, 388,7 hectares serão desapropriados e transferidos para a comunidade quilombola local, formada por 33 famílias.

Fonte: Câmara dos Deputados

Um milhão de habeas corpus no STJ: mais ou menos justiça?

O instrumento jurídico mais ágil para preservar o direito à liberdade, quando utilizado de forma desvirtuada – às vezes totalmente abusiva –, acaba por prejudicar a própria prestação de justiça a quem precisa.



Ao longo do dia 12 de dezembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu 625 habeas corpus – um número tão elevado quanto comum na rotina da corte –, mas o conteúdo de um deles chamou atenção: trazia o pedido de prisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, sob o argumento de que a medida seria necessária para cumprir decisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional.

Classificado pelo presidente da corte, ministro Herman Benjamin, como “inusitado“, o caso é curioso não apenas pelo personagem em questão, mas pela contradição entre o pedido e a natureza do habeas corpus – instituto criado para assegurar a liberdade da pessoa, não para restringi-la.

Ainda assim, a petição, como todas que chegam à Justiça, precisou ser analisada e decidida – não apenas de forma monocrática, mas também em colegiado e pela Vice-Presidência do STJ, após sucessivos recursos internos –, juntando-se aos mais de um milhão de habeas corpus recebidos pelo tribunal em sua história – marca atingida em 30 de abril deste ano.

Em uma era marcada pelo avanço da litigância em larga escala, o habeas corpus ocupa lugar central no cotidiano do STJ. Concebido para ser acionado diante de ameaça ou coação ilegal ao direito de ir e vir, tornou-se, ao longo dos anos, uma das ações mais manejadas na Justiça brasileira, revelando não apenas o alcance democrático do instituto, mas também o uso distorcido que dele tem sido feito.

Por trás da impressionante quantidade de habeas corpus impetrados no STJ, emergem questões como as fragilidades do sistema recursal, as dificuldades estruturais das cortes sobrecarregadas e a defasagem entre legislação e jurisprudência.

As consequências vão muito além do atraso na tramitação dos processos. O excesso de habeas corpus, especialmente nos colegiados de direito penal, tem prejudicado o cumprimento da missão mais importante do STJ: uniformizar a aplicação das leis por meio do julgamento do recurso especial.

Impetrações sem suporte legal mínimo justificam a aplicação de multas

Absurdos como o requerimento de prisão do presidente russo não são raros. No plantão judiciário de 20 de dezembro de 2024 a 31 de janeiro deste ano, foram protocolados no STJ habeas corpus para impedir a cantora Cláudia Leitte de participar de uma audiência pública e invalidar um pregão eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho para aquisição de itens utilizados em eventos.

Após analisar uma série de habeas corpus de um mesmo impetrante, o presidente do STJ aplicou multa de R$ 6 mil pela reiteração de pedidos sem qualquer base constitucional ou legal. O comportamento – que, segundo afirmou Herman Benjamin no julgamento do HC 980.750, configura ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância ímproba – foi punido com base no artigo 77, II e IV, e parágrafos 2º ao 5º, do Código de Processo Civil (CPC), entre outros dispositivos legais.

Em 2024, muitas situações semelhantes foram identificadas nos mais de 89 mil habeas corpus analisados apenas pela Terceira Seção – órgão do STJ que julga os casos da área criminal.

Características do habeas corpus o tornam um instrumento atrativo

A lista de habeas corpus manifestamente incabíveis, com temas que passam longe de qualquer violação ao direito de locomoção, é extensa e variada. A corte já recebeu, por exemplo, um pedido de guardas municipais para obter porte de arma. Em outro caso, o impetrante pretendia uma espécie de “licença para beber e dirigir”: ele queria um habeas corpus preventivo para não se submeter ao exame de bafômetro.

Houve ainda o habeas corpus manejado contra o Tribunal de Justiça do Piauí para questionar a substituição do peticionamento em papel pelo peticionamento eletrônico. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz (aposentada), relatora, definiu a pretensão como “descabida” e afirmou que demandas como aquela só contribuíam para o abarrotamento dos tribunais.

A preocupação manifestada por Laurita Vaz e pelo presidente do STJ se confirma em números. O tribunal demorou 30 anos para atingir a marca de 500 mil habeas corpus, mas levou apenas seis anos para dobrar o quantitativo.

O cenário da Terceira Seção ilustra o problema. Segundo o ministro Ribeiro Dantas, que presidiu o colegiado de março de 2023 a fevereiro de 2025 e é o relator do HC 1.000.000, os habeas corpus correspondem a quase 70% dos casos analisados nos órgãos julgadores de direito penal. “Isso desfigura, de certa maneira, o que se espera da jurisdição do STJ em matéria criminal”, avalia o magistrado.


Previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, o habeas corpus é um poderoso aliado na proteção do direito à liberdade de locomoção, pois é gratuito, não exige maiores formalidades e tem tramitação mais rápida. 

Na mesma linha do texto constitucional, o atual Código de Processo Penal (CPP) dispõe no artigo 647: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

Devido às suas características, o habeas corpus se tornou um instrumento atrativo também para quem deseja outras coisas que não preservar a liberdade do indivíduo diante de coações ou ameaças ao direito de locomoção. Não é de estranhar, portanto, o aumento de sua utilização nos últimos anos, sobretudo com a facilidade de acesso aos tribunais trazida pelo processo eletrônico.

O que mais preocupa o Judiciário, pelo volume, não são nem os pedidos que de tão despropositados chegam a soar folclóricos, e sim o uso do habeas corpus como panaceia para tentar reformar toda e qualquer decisão desfavorável no processo penal – inclusive proferidas em outros habeas corpus –, em substituição aos recursos previstos na legislação.

História da Justiça no Brasil revela uso amplo do habeas corpus

A utilização do habeas corpus no Brasil é antiga. Ribeiro Dantas conta que ele surgiu no país por meio de decretos, nos tempos do Império, mas a sua introdução expressa no ordenamento jurídico se deu no CPP de 1832. A Constituição republicana de 1891 elevou o instituto à categoria de garantia constitucional.

“É essa Constituição (não se sabe até hoje se foi de propósito ou se foi um esquecimento, isto é, se foi um silêncio simples ou um silêncio eloquente) que diz que se daria habeas corpus para qualquer violação por ilegalidade ou abuso de poder. Não se explicitava que era o direito à livre locomoção”, recorda o ministro.

Com isso, prossegue Ribeiro Dantas, advogados reivindicavam diversos direitos por meio de habeas corpus, e o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecia o caráter mais amplo da ação. Apenas em 1926, uma emenda constitucional definiu que o habeas corpus deveria ser impetrado para assegurar a liberdade de locomoção. Mesmo assim, o instrumento já havia se consolidado, nas palavras do magistrado, como um “bebê grandão”.

Modelos adotados em outros países são mais restritivos

O ministro Rogerio Schietti Cruz, membro da Terceira Seção e presidente do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) do STJ, aponta que o habeas corpus, de fato, se estabeleceu como um instrumento de uso mais extenso e flexível, especialmente em comparação com modelos adotados em outros países.

“No Brasil”, relata Schietti, “o habeas corpus foi ampliando seu leque de incidência de tal modo que, hoje, tudo que ocorre no processo penal, ou mesmo antes dele, pode ser objeto de um habeas corpus. É uma tradição nossa difícil de mudar, porque se você, de alguma forma, criar limitações, isso causará reações, além da desproteção a alguns direitos que são alcançados por uma interpretação bem ampla do instituto”.

A dificuldade para limitar o habeas corpus à sua finalidade expressamente prevista na Constituição e no CPP tem a ver também com o fato de que o Brasil viveu – em um passado não muito distante – mais de 20 anos de ditadura militar. Nesse período, entre as muitas arbitrariedades perpetradas pelo Estado, houve a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), cujo artigo 10 suspendeu a concessão do habeas corpus nos casos enquadrados como “crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”.

Com a redemocratização, a chamada Constituição Cidadã de 1988 restabeleceu o devido processo legal, e o habeas corpus – impulsionado pelo sentimento de rejeição ao arbítrio anterior – passou a ser admitido na jurisprudência para corrigir situações apenas indiretamente ligadas à liberdade de locomoção.

Habeas corpus substitutivo de recurso próprio e overruling

Segundo o defensor público Marcos Paulo Dutra, coordenador de Defesa Criminal e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o habeas corpus, atualmente, simboliza a democratização do acesso à Justiça e é um instrumento fundamental para a superação de entendimentos jurisdicionais (overruling).

“Quando pensamos na guinada promovida pelo STJ a respeito do reconhecimento pessoal e fotográfico, isso se deu por meio do habeas corpus, o que é sensacional”, afirma o defensor.

Ao falar sobre o aumento das impetrações, ele lembra o debate jurisprudencial em torno da admissibilidade do chamado habeas corpus substitutivo de recurso especial ou substitutivo de recurso ordinário constitucional.

“O STJ tem uma jurisprudência consolidada que não admite o denominado habeas corpus substitutivo. Mas, em muitíssimos casos, os ministros, com acerto, evoluem e acabam concedendo a ordem de ofício, tamanhas as teratologias identificadas”, observa Dutra.

Via paralela mais ágil e desestímulo ao uso do recurso especial

Na avaliação do advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, autor do livro Habeas Corpus na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, a atual arquitetura recursal tem levado os operadores do direito a enxergar no habeas corpus uma via paralela – e mais ágil – para garantir a apreciação de questões urgentes, especialmente quando há alguma possibilidade de risco à liberdade do acusado.

Para ele, o sistema atual desestimula o uso regular do recurso especial, cujas exigências procedimentais muitas vezes inviabilizam o exame do mérito.

Como forma de enfrentar o número excessivo de habeas corpus, o advogado sugere uma flexibilização que permitisse à defesa pleitear medidas de urgência diretamente no corpo do recurso especial, à semelhança do que já ocorre com a concessão de habeas corpus de ofício em certos casos. “Essa possibilidade traria mais segurança aos advogados, que hoje recorrem ao habeas corpus temendo que a discussão de direito nem sequer seja apreciada nos tribunais superiores”, diz.

Ministro alerta para necessidade de atualização do CPP

Essa percepção encontra eco no próprio STJ. O ministro Ribeiro Dantas alerta que o uso massivo do habeas corpus se relaciona diretamente com a defasagem do CPP, em vigor desde 1941. Para ele, a legislação brasileira não foi atualizada para lidar com a complexidade e as demandas do processo penal contemporâneo, especialmente no que se refere à celeridade na análise de decisões interlocutórias que afetam a liberdade do réu.

Ribeiro Dantas traça um paralelo histórico com o uso excessivo do mandado de segurança entre as décadas de 1970 e 1990, quando esse instrumento funcionava como uma espécie de “válvula de escape” para ineficiências do processo civil.

Segundo ele, somente após reformas profundas no CPC – que tornaram os mecanismos recursais mais funcionais e acessíveis –, o mandado de segurança perdeu seu caráter emergencial e passou a ser utilizado de forma mais racional. No processo penal, no entanto, o ministro destaca que faltam instrumentos processuais adequados para lidar com situações que não podem esperar.

“Nesses casos, o habeas corpus muitas vezes se apresenta como a única via rápida e eficaz, diante de recursos ordinários excessivamente formais, complexos e morosos”, comenta o ministro.

Leis em descompasso com jurisprudência geram “avalanche” de ações

Para o jurista Guilherme de Souza Nucci, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior problema não se encontra no manejo do habeas corpus ou na esfera do processo penal, mas sim na falta de atualização de alguns normativos, como a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

O magistrado, que é autor de obras na área do direito penal e do direito processual penal, aponta que as drogas respondem por mais de 50% da carga de trabalho da Justiça criminal, mas esse dado não recebe a devida atenção por parte do legislador. O resultado dessa lentidão é que os tribunais superiores acabam definindo parâmetros que já poderiam estar no texto legal, como é o caso da descriminalização, decidida no STF, do porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal.

Outro exemplo citado pelo magistrado diz respeito à incidência do princípio da insignificância. Ele lembra que, nesse caso, o STJ já estabeleceu filtros em sua jurisprudência.

“Mas onde está na lei? Não tem. Então, o advogado vai reclamar junto ao STJ o tempo todo. Nós temos que atualizar a lei penal utilizando os próprios institutos que os tribunais estão adotando, para que pare a avalanche de habeas corpus reclamando, muitas vezes, o óbvio”, declarou Nucci.

Uma resposta efetiva diante da violação de direitos

Em meio ao debate sobre o uso excessivo do habeas corpus, a história do vídeo abaixo mostra como, apesar das distorções e do volume preocupante de impetrações, esse instrumento continua a representar uma resposta efetiva à violação de direitos fundamentais. No caso de Romário dos Santos, foi a decisão do STJ no HC que fez a diferença entre uma condenação injusta e o restabelecimento da paz em sua vida.​

A série especial HC 1 milhão: mais ou menos justiça? debate o aumento expressivo do uso desse instrumento constitucional, trazendo diferentes pontos de vista sobre o fenômeno e o seu impacto nas atividades dos tribunais.

No próximo domingo: o papel de cada ator do Sistema de Justiça no ingresso massivo de habeas corpus no STJ.

Fonte: STJ

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Comissão aprova medidas contra vídeos íntimos criados por inteligência artificial

A Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados aprovou proposta para coibir a divulgação de falso vídeo ou imagem sexualmente explícita e não consensual feito com uso de inteligência artificial (IA).

O texto proíbe o uso de IA para alterar imagem de pessoa ou som humano para criar esse tipo de vídeo falso. A notificação enviada ao provedor de internet deverá ter elementos para identificar o material on-line e a vítima, sob pena de nulidade.

O provedor deverá adotar providências para cessar o acesso, o impulsionamento e a monetização do conteúdo e impedir que os vídeos sejam replicados e republicados. O projeto altera o marco civil da internet.

Pela proposta, o Estado deverá promover medidas para prevenir a divulgação desse tipo de vídeo manipulado e manter programa de proteção às vítimas para conscientizar sobre riscos e consequências legais.

O programa terá ações para:

  • ampliar a divulgação de canais de denúncia de crimes digitais;
  • capacitar educadores para reconhecer e lidar com esse tipo de situação;
  • fornecer apoio jurídico e psicológico às vítimas.

O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Gilvan Maximo (Republicanos-DF), a dois projetos analisados – PL 3488/24, do deputado Alexandre Guimarães (MDB-TO), e PL 4768/24, do deputado Juninho do Pneu (União-RJ).

O relator lembra que o marco civil da internet não abarca conteúdos alterados por IA. “Isso dá margem a que cenas que tenham sido modificadas por meio dessas ferramentas, contanto que sejam diferentes das originais, não estejam protegidas por esse comando legal”, disse.

Gilvan Maximo informou que há necessidade clara de remover o conteúdo rapidamente, sem a necessidade de ordem judicial. “As plataformas possuem plena capacidade técnica e recursos suficientes para estabelecer métodos de remoção automática de conteúdos”, declarou.

Código Penal
O texto também altera o Código Penal para aumentar em 1/3 a pena para o crime de exposição da intimidade sexual quando for cometido com uso de IA, seja produzindo ou manipulando vídeo. Com a divulgação, a pena pode aumentar em 2/3 ou até o triplo, se o vídeo for difundido pela internet.

A proposta cria punição para o crime de manipulação de imagem de forma não autorizada, com penas de 2 a 4 anos de reclusão e multa. Entram nesse novo crime condutas de manipulação de fotografia ou vídeo, sem autorização da vítima, para produzir imagem de nudez, ato sexual ou de intimidade ou para difamar alguém. A pena é dobrada se a vítima for menor de 18 anos.

Câmara dos Deputados

Projeto torna crime o assédio moral praticado no meio militar

O Projeto de Lei 4752/24 torna crime o assédio moral praticado no contexto militar, envolvendo condutas como depreciação, humilhação ou tratamento rigoroso que prejudique a imagem, o desempenho ou a saúde do militar. A Câmara dos Deputados analisa a proposta, que altera o Código Penal Militar.

Segundo o texto, pratica assédio moral no meio militar quem atua para depreciar, constranger, humilhar ou degradar, de modo reiterado, outro militar, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica em serviço ou fora dele. A pena prevista é de 1 a 3 anos de reclusão.

A proposta também define como assédio moral situações em que as ordens são exageradas e injustas, como obrigar o militar a fazer atividades mais complicadas do que o necessário ou além do que ele é capaz de realizar, assim como excesso de tarefas, cobranças de metas impossíveis e outras práticas abusivas nas relações de trabalho.

Autor do projeto, o deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) argumenta que a hierarquia e a disciplina nas relações militares torna essencial a criminalização do assédio moral para proteger os militares e garantir a integridade das instituições.

“Os militares têm a conduta estritamente pautada pela hierarquia e pela disciplina. E esses são fatores que tendem a estimular o desenvolvimento de processos de assédio psicológico”, afirma o deputado.  “A grande maioria da sociedade desconhece que existe uma forma de violência velada nas relações de trabalho do serviço militar. É uma forma de violência que aniquila a vida e sombreia a alma de muitas pessoas, fazendo inúmeras vítimas”, conclui.

Próximas etapas
A proposta será analisada, em caráter conclusivo, pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; de Relações Exteriores e de Defesa Nacional; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, será analisada pelo Plenário. Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Lei prevê pena maior para homicídio ou lesão contra juiz, defensor público, promotor e oficial de Justiça

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou com vetos a Lei 15.134/25, que torna qualificados (ou seja, mais graves) os crimes de homicídio ou lesão corporal dolosa praticados contra membros do Ministério Público ou da magistratura em razão do exercício da função ou em decorrência dela.

Publicado no Diário Oficial da União desta terça-feira (7), o texto também inclui os membros da Advocacia-Geral da União (AGU), os procuradores estaduais e do Distrito Federal, os oficiais de Justiça e os defensores públicos nessa lista sobre qualificação dos crimes.

A nova lei é oriunda de um substitutivo do relator na Câmara dos Deputados, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), ao Projeto de Lei 4015/23, do ex-deputado Roman (PR). Foram incorporadas alterações feitas pelo Senado.

No Código Penal, o homicídio qualificado prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos. Agora, o agravante poderá ser aplicado quando o crime for cometido contra cônjuge, companheiro ou parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau, em razão dessas relações com detentores daqueles cargos. Já a lesão dolosa terá aumento de pena de 1/3 a 2/3 nas mesmas situações.

O texto sancionado também considera hediondo o homicídio qualificado, a lesão corporal gravíssima e a lesão seguida de morte contra as pessoas abrangidas pela nova lei. Condenados por crimes hediondos não podem contar com anistia, graça e indulto ou fiança, e a pena começará a ser cumprida em regime fechado.

Trechos vetados
Entre outros, Lula vetou trechos da nova lei que incluiriam as atividades dos integrantes do Ministério Público, da magistratura e dos defensores públicos entre aquelas consideradas de risco permanente, independentemente de a área de atuação ser penal ou extrapenal.

Segundo a Presidência da República, a definição de alguns cargos como atividade de risco permanente contraria o interesse público, “pois ofende o princípio da isonomia em relação aos demais servidores públicos e incorre em insegurança jurídica em relação à extensão dos seus efeitos”.

Outros trechos vetados previam tratamento diferenciado para as informações cadastrais e os dados pessoais e de familiares de alguns detentores de cargos citados na norma e alteração partes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Na visão da Presidência, a LGPD já confere proteção suficiente em relação aos dados pessoais. “Os dispositivos propostos poderiam implicar restrição da transparência e da possibilidade de fiscalização dos gastos públicos pela sociedade, sobretudo da remuneração dos servidores envolvidos”, afirmou o Executivo na justificativa do veto.

Foi vetada ainda a possibilidade de solicitação à polícia judiciária de proteção especial para detentores de alguns cargos. “Essa alocação prioritária e imediata de policiais civis e federais poderia impactar o quantitativo da força policial destacado para as demais atividades de segurança pública”, disse a Presidência.

Fonte: Câmara dos Deputados

STJ autoriza mudança de registro civil para gênero neutro

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou a mudança de registro civil para constar o gênero neutro na certidão de nascimento.

A decisão é inédita no país e foi autorizada pela Terceira Turma do STJ durante julgamento ocorrido nesta terça-feira (6).

A autorização vale para o caso específico de uma pessoa que pediu alteração para o gênero masculino após realizar tratamento hormonal, mas se arrependeu após não se sentir bem com o novo gênero.  

Diante da situação, ela solicitou ao STJ a alteração para gênero neutro – quem não se identifica com o gênero masculino ou feminino. 

Os detalhes do caso não foram divulgados, porque o processo está em segredo de Justiça. 

Durante o julgamento, a ministra Nancy Andrighi destacou a situação vivida pela parte que solicitou a alteração.

“A questão é muito dramática. Esse ser humano deve estar sofrendo muito. Sofrer cirurgia, tomar hormônios, converter-se naquilo que seria bom para ela e depois se deu conta que não era também aquilo [que pensava]”, afirmou. 

A ministra Daniela Teixeira também votou pela autorização por entender que a medida é necessária para garantir que conste na certidão o gênero no qual a pessoa se identifica e se apresenta à sociedade. Para a ministra, a pessoa tem “direito de ser quem é”.

“A pessoa trans precisa e merece ser protegida pela sociedade e pelo Judiciário. Dar a elas o direito à autoidentificação é garantir o mínimo de segurança”, completou.  

Fonte: EBC