Projeto isenta taxistas e motoristas de aplicativo de tarifa por estacionamento rotativo público

O Projeto de Lei 414/25 isenta taxistas e motoristas de aplicativo do pagamento de tarifas por estacionamento rotativo pago em vias públicas. O texto, em análise na Câmara dos Deputados, altera o Código de Trânsito Brasileiro.

“Pela proposta, a isenção não será taxativa. A prefeitura, conforme a conveniência e a realidade local, poderá conceder o benefício ou impor tempo limite”, explicou o autor, deputado Saulo Pedroso (PSD-SP).

“É fato que esse modelo de estacionamento rotativo pago democratiza o uso do espaço público”, afirmou o parlamentar. “No entanto, é necessário permitir que certos veículos possam estacionar gratuitamente ou com condições especiais”, acrescentou.

Próximos passos
O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Viação e Transportes; de Desenvolvimento Urbano; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, terá de ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Comunhão parcial não resulta, por si, em responsabilidade por dívida de cônjuge

A 3ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, manter decisão que negou o pedido de penhora de valores depositados em conta bancária da ex-esposa de um devedor. O colegiado reafirmou o entendimento de que o regime de comunhão parcial de bens não implica, por si só, responsabilidade solidária pelas dívidas do outro cônjuge.

 

No caso, um posto de combustíveis buscava executar dívida contraída em 2023, durante o casamento do executado. A tentativa de penhora visava a conta bancária de sua ex-mulher, com o argumento de que os frutos da sociedade conjugal beneficiaram ambos e, portanto, a obrigação deveria recair sobre o patrimônio comum do casal.

O colegiado, no entanto, entendeu que o fato de a dívida ter sido contraída durante o casamento não autoriza, de forma automática, o bloqueio de valores em nome de terceiro não participante do processo de execução.

Segundo o relator, desembargador Gilberto Gomes de Oliveira, não se admite a penhora de ativos financeiros da conta bancária pessoal de terceiro não integrante da relação processual em que se formou o título executivo, só pelo fato de ser casado com a parte executada sob o regime da comunhão parcial de bens.

O voto destacou ainda que o regime adotado pelo casal não torna o cônjuge solidariamente responsável, de forma automática, por todas as obrigações contraídas pelo parceiro, e que impor a penhora a um terceiro que não participou do processo de conhecimento viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

A decisão se alinha ao entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. Conforme precedentes citados, “a ausência de indícios de que a dívida foi contraída para atender aos encargos da família, despesas de administração ou decorrentes de imposição legal torna incabível a penhora de bens pertencentes ao cônjuge do executado”.

A turma reforçou que, para viabilizar a constrição de valores, seria necessário comprovar que a conta da ex-esposa era usada pelo devedor para movimentações financeiras ou ocultação de patrimônio — o que não foi demonstrado nos autos.

In casu, embora a parte agravante alegue que as dívidas foram contraídas durante a constância do casamento, firmado sob o regime da comunhão parcial de bens, a então esposa não figura como demandada nos autos do cumprimento de sentença originário”, escreveu o relator. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SC.

Processo 5083697-48.2024.8.24.0000

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Os precatórios e o Arcabouço Fiscal entre despesas e dívidas

Debate-se nas esferas político-financeiras do governo federal se o montante a ser pago de precatórios em 2027 deve ou não compor o limite de despesas a serem consideradas para fins do Arcabouço Fiscal (Lei Complementar 200/23).

Faço logo o spoiler: o montante de precatórios a serem pagos, em 2027 ou em qualquer outro ano, não deve compor a base de despesas para fins do Arcabouço Fiscal.

Justifico a conclusão já exposta. O Arcabouço Fiscal visa controlar as despesas públicas, porém existem despesas que são controladas pelo Poder Executivo e outras que não são. Dois exemplos demonstram esse fato.

O montante a ser pago em razão do serviço da dívida pública não é controlado pelo Poder Executivo, até mesmo porque a taxa de juros é determinada pelo Banco Central, que é autônomo inclusive para essa função, e esse valor não pode ser reduzido ou contingenciado pelo Executivo. Corretamente esse montante não é computado para fins do Arcabouço Fiscal.

Da mesma forma, o montante a ser pago de precatórios não é uma despesa que possa ser controlada pelo Poder Executivo, pois sua quantificação e determinação é são efetuadas pelo Poder Judiciário, fruto de milhares de ações que tramitaram em suas Varas durante décadas e, finalmente, transitaram em julgado, formando coisa julgada contra o Tesouro Nacional. Nem mesmo ao Poder Legislativo é autorizado modificar o valor que o Poder Judiciário remete para inserção na Lei Orçamentária Anual (LOA) – a quantia que tiver sido estabelecida pelo Judiciário deve ser inserida pelo Poder Legislativo na LOA sem nenhuma alteração. Sequer pode haver veto do Poder Executivo referente a essa rubrica ao sancionar a LOA. Tal qual referente ao serviço da dívida pública, o montante de precatórios não pode ser reduzido ou contingenciado pelo Poder Executivo.

Nestes casos o Poder Executivo encontra-se de mãos atadas, nada podendo fazer para reduzir a despesa. O montante do serviço da dívida pública não é computado para fins dos limites de despesas do Arcabouço Fiscal, porém o montante a ser pago de precatórios é computado para fins do Arcabouço Fiscal. Qual a razão do tratamento desigual? Nenhuma.

No caso da dívida pública os credores estão comprando títulos emitidos pelo Tesouro, representativos da dívida pública no mercado. São credores do Tesouro Nacional aquelas pessoas que possuem em sua carteira LTNs ou qualquer outro dos títulos ofertados pela União (conferir no site do Tesouro Direto).

No caso dos precatórios, os credores são os sofridos litigantes que durante décadas disputaram em juízo contra o poder público e venceram a demanda perante o Poder Judiciário, em suas múltiplas instâncias, tornando-se credores do Tesouro Nacional por meio de um título específico denominado precatório, que é uma decisão judicial transitada em julgado – algo que o sistema jurídico considera seguríssimo.

Os credores dos precatórios são tão credores quanto aqueles que possuem títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. O devedor é o mesmo. Por qual motivo a dívida pública representada por títulos emitidos pelo Tesouro Nacional deve ter um tratamento diferente daquela que é emitida pelo Poder Judiciário contra o Tesouro Nacional? A resposta é: não há razão para discriminação. O Tesouro Nacional deve pagar a todos os credores de forma igual.

Não se trata de falta de dinheiro para pagar a uns e não pagar a outros. Não é esse o ponto – dívidas devem ser honradas e há dinheiro para pagar a todos esses credores, sendo que a dívida financeira é milhares de vezes superior que a dívida judicial.

Ocorre que o tratamento contábil é distinto no âmbito do Arcabouço Fiscal, pois ficam fora da limitação de despesas os credores financeiros (dos títulos emitidos pelo Tesouro), e ficam dentro dessa limitação de despesas os credores judiciais (dos títulos emitidos pelo Poder Judiciário contra o Tesouro = precatórios). Não há razão para esse tratamento distinto, o que justifica a conclusão exposta no spoiler, de que o montante de precatórios a serem pagos, em 2027 ou em qualquer outro ano, não deve compor a base de despesas para fins do Arcabouço Fiscal.

Relembre-se que em dezembro de 2023 o STF, por meio da ADI 7.064, relatada pelo ministro Luiz Fux, declarou formalmente inconstitucional parte das Emendas Constitucionais 113 e 114, que criavam o efeito bola de neve no pagamento de precatórios, o que era perverso (um resumo das discussões pode ser lido aqui). A decisão do STF desarmou parcialmente a bomba relógio  pois foi afastada a limitação orçamentária até 2026, o que fará retornar o problema em 2027. O problema foi adiado e não resolvido em definitivo.

O nó é conceitual, pois foi afirmado pelo STF (item 19 da ementa do acórdão da ADI 7.064) que “A dívida pública em matéria de Direito Financeiro, é sempre decorrente ou (i) de empréstimos realizados pelo ente público ou (ii) da emissão de títulos. As dívidas decorrentes do pagamento de condenações judiciais não são classificadas como dívida pública, mas como despesas”.

O problema está nesse ponto, pois precatórios não são despesas, são dívidas, como consta da última frase do próprio texto, que ora grifado: “As dívidas decorrentes do pagamento de condenações judiciais não são classificadas como dívida pública, mas como despesas”.

Isso decorre de uma interpretação imprecisa do artigo 30, §7º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece: “Os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites”.

A expressão-chave para o entendimento do artigo 30, §7º da LRF é dívida “consolidada”, não havendo referência na norma de que precatórios são despesas. O contraponto à expressão dívida consolidada é dívida flutuante, prevista no artigo 92 da Lei 4.320/64, que inclui no inciso II “os serviços da dívida a pagar”.

Os precatórios que devem ser pagos no exercício corrente são dívida flutuante (Lei 4.320/64, artigo 92, II) e os precatórios que não foram pagos no exercício corrente se constituirão como dívida consolidada (LRF, artigo 30, §7º). Em nenhum momento consta que precatórios são despesas; precatórios são dívidas, ora consideradas como flutuantes (caso sejam pagas no exercício corrente), ora consideradas como consolidadas caso não tenham sido pagas no exercício corrente, mas acumuladas para pagamento nos exercícios posteriores.

A confusão ocorre em razão de uma distinção entre a análise jurídica (que busca a essência dos atos/fatos, comumente denominada de natureza jurídica) e a análise contábil (que busca evidenciar a execução orçamentária e financeira do ente público).  Juridicamente os precatórios a serem pagos no exercício corrente tem a natureza jurídica de dívida flutuante, porém, contabilmente, para fins de execução orçamentária, seu pagamento quita uma despesa realizada no exercício corrente.

Em síntese: o pagamento dos precatórios no exercício corrente quita contabilmente uma despesa, caracterizada juridicamente como uma dívida flutuante.

Na leitura do item 19 da ementa do acórdão da ADI 7.064 deveria constar um parêntesis, que ora aponho: “As dívidas decorrentes do pagamento de condenações judiciais não são classificadas (contabilmente) como dívida pública, mas como despesas”. A partir daí seria necessário distinguir a análise jurídica da contábil, ambas corretas, mas com diferentes abordagens, devendo prevalecer o Direito no julgamento dessa matéria, pois trata da essência dos atos ou fatos jurídicos.

É necessário colocar um ponto final nesse debate em prol da segurança jurídica no país, incluindo a dos credores, sejam os do mercado financeiro, sejam os judiciais, pois isso impacta no risco-país e, consequentemente, na taxa de juros e em toda a economia.

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Câmara dos Deputados instala grupo de trabalho para sistematizar leis federais

 

A Câmara dos Deputados instala nesta terça-feira (20) o grupo de trabalho de consolidação das leis. Na ocasião, também será apresentado o plano de trabalho do colegiado, que é coordenado pelo deputado Weliton Prado (Solidariedade-MG) e tem como relator o deputado Duarte Jr. (PSB-MA).

A reunião ocorrerá às 13h40, no plenário 15.

A Lei Complementar 95/98 determina que a consolidação das leis consistirá na integração de todas as normas pertinentes a determinado tema em um único diploma legal. A intenção é suprimir dispositivos conflitantes, repetitivos e desatualizados.

O grupo de trabalho da Câmara vai congregar a legislação federal para oferecer um sistema normativo mais acessível e integrado.

O novo colegiado terá 21 integrantes titulares.

Fonte: Câmara dos Deputados

Os novos contornos das imunidades e prerrogativas parlamentares

Condenação do deputado Nikolas Ferreira por atuação na tribuna

No último dia 30 de abril, foi amplamente noticiada a condenação do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) ao pagamento de indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo por causa por transfobia, em razão de discurso proferido no dia 8 março de 2023 no plenário da Câmara dos Deputados, quando usou uma peruca loira e se apresentou como “deputada Nikole”.

A condenação se deu no âmbito de ação civil pública (processo 0720279-88.2023.8.07.0001, junto à 12ª Vara Cível de Brasília/TJDFT) proposta pela Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Família Homotransafetivas (ABRAFH), que pediram na inicial a condenação do réu ao pagamento de R$ 5 milhões, à publicação de retratação e a frequentar e implementar medidas e mecanismos de compliance antidiscriminatório.

Os dois últimos pedidos foram julgados improcedentes, sob o fundamento de que a indenização já constitui uma resposta razoável à ofensa cometida, que a retratação representaria uma indevida incursão na esfera do direito à liberdade de manifestação do pensamento do réu, forçando-o a expressar algo contrário às suas convicções, e que a imposição de elaborar e implementar políticas públicas em prol da comunidade LGBTI+ seria afrontar os mesmos princípios democráticos que a decisão busca proteger.

No que interessa aos temas tratados nesta coluna, importa destacar os fundamentos apresentados a respeito da imunidade parlamentar.

Em síntese, a decisão considerou: a) que a imunidade parlamentar não é absoluta, mas relativa, exigindo-se o nexo de implicação recíproca (ou seja, que as palavras tenham sido exteriorizadas no exercício do mandato ou estejam relacionadas à função legislativa); b) que o discurso não pode ser utilizado para praticar ou incitar conduta criminosa, ofender, ou difundir ódio contra grupos vulneráveis, porque essas são manifestações abusivas da liberdade de expressão, de acordo com a jurisprudência do STF (citou o HC 82424 – caso Ellwanger); e c) que os dizeres proferidos pelo réu desbordaram dos limites da livre manifestação do pensamento e constituíram verdadeiro discurso de ódio, destacando – nas palavras usadas pela própria decisão – que “A ausência de termos explicitamente ofensivos não desnatura o cunho discriminatório do discurso, evidenciado desde a utilização de uma peruca para escarnecer a transição de gênero por que passam os indivíduos transsexuais até a propagação da ideia de que a existência de mulheres trans põe em risco direitos como a segurança e a liberdade de mulheres cisgênero” e que a gravidade do pensamento transfóbico já foi reconhecida pelo STF no julgamento da ADO 26.

A decisão teve claro cunho pedagógico (objetivo de desestimular novas manifestações semelhantes). Como visto, cita a jurisprudência do STF, que, como sabido, vem retirando conteúdos do âmbito de proteção da imunidade. O perigo é que o precedente acabe incentivando ações indevidas contra manifestações políticas legítimas (que não incitam ódio ou discriminação). A questão aqui precisará ser lida com o possível desfecho do julgamento do Tema 650 da Repercussão Geral do STF comentado mais à frente.

Primeira suspensão cautelar do mandato de um deputado

No último dia 6 de maio, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados (COETICA), aprovou o pedido de suspensão cautelar do mandato, por 3 meses, do deputado Gilvan da Federal (PL-ES) por ato incompatível com o decoro parlamentar. Foi a primeira vez que se aplicou tal suspensão cautelar, que tinha sido incluída pela Resolução 11/2024, da Câmara dos Deputados. Assim que publicada, a novidade foi comentada aqui.

À época, chamou-se a atenção para a legitimidade exclusiva da Mesa, cujo pedido precisaria ser dirigido exclusivamente a um deputado contra quem a própria Mesa tenha protocolizado representação por quebra de decoro parlamentar. Esse desenho tende a despolitizar a medida (que está fora do alcance dos partidos) e tornar o expediente sumamente raro (em consequência, sempre que a Mesa pedir, a tendência é que o pedido seja aceito). Se for assim, menos mal, dado que a suspensão cautelar do mandato acaba funcionando na prática como uma antecipação de pena.

No caso concreto, a Mesa apresentou a Rep 1/2025 contra o deputado, por suas falas dirigidas à deputada licenciada e atual ministra das Relações Institucionais Gleisi Hoffmann (PT-PR). O episódio se deu na forma de bate-boca com o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) durante a sessão da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado no último dia 29 de abril. Para não se reproduzir o conteúdo ofensivo aqui, simplesmente remete-se à leitura do que está na própria representação.

Após a repercussão negativa da sua fala, prontamente, o deputado reconheceu que se excedeu; pediu desculpas da tribuna em plenário “a quem se sentiu ofendido” e ao presidente da Câmara; disse que não recorreria da decisão do COETICA para o plenário (nos termos do art. 15, § 4º, do RICD); e se comprometeu a mudar de comportamento.

A providência da suspensão cautelar no caso se mostrou adequada para frear o emprego de tons ofensivos, em claro excesso verbal, que, como sabido, é uma forma de abuso de prerrogativa parlamentar, sobretudo quando caracterizada violência política de gênero, com falas direcionadas a colegas detentoras de mandato eletivo. Por mais que pareça contraditório com o que se defende nesta Defensor Legis, já restou constatado que os principais ataques às parlamentares mulheres partem de dentro da Casa Legislativa a que pertencem e no (suposto) uso da imunidade parlamentar. Então, ou se reconhece esse conteúdo como proibido, ou não será possível punir a violência política de gênero.

Sem prejuízo, por outro lado, convém enfatizar a importância de que seja a própria Casa Legislativa a instância adequada para a repressão dos parlamentares que atentam contra o decoro. Nada obstante, a deputada licenciada já apresentou uma queixa-crime no STF, autuada como Pet 13.767, distribuída ao ministro Gilmar Mendes. A queixa-crime pede a condenação do deputado por injúria e difamação, com o aumento de pena do art. 141, inciso III, do CP (crime cometido na presença de várias pessoas ou por meio que facilite a divulgação), e o pagamento de R$ 30 mil por danos morais.

Embora não tenham sido mencionados os tipos de violência política (art. 359-P do CP, inserido pela Lei 14.197/2021), nem de violência política de gênero (art. 326-B do Código Eleitoral, inserido pela Lei 14.192/2021), o cerne da acusação é, precisamente, a tentativa de diminuir a trajetória da querelante e difamar uma mulher parlamentar com termos pejorativos, o que desborda a crítica política e caracteriza misoginia e violência política e de gênero.

Início do julgamento do Tema 950 da Repercussão Geral do STF

No último dia 7 de maio, começou o aguardado julgamento do Tema 950 da Repercussão Geral do STF, cujo leading case é o RE 632.115. A Defensor Legis já tinha comentado sobre o tema em texto passado. Discute-se a existência de responsabilidade civil do Estado em face de pronunciamentos protegidos pela imunidade parlamentar. Houve apenas a leitura do relatório e sustentações orais, que foram brilhantes.

Entretanto, mesmo sem que os votos tivessem sido apresentados, as manifestações dos ministros já deram pistas preocupantes de para onde o julgamento poderá ir. Por um lado, os ministros pareceram se encaminhar para reconhecer que, nas situações em que as falas estejam acobertadas pela imunidade parlamentar, não há que se falar em responsabilidade civil, seja do próprio parlamentar, seja do Estado (no caso, do ente a que pertencer a Casa Legislativa).

Todos pareceram concordar com a ideia básica muito bem explicada pela advogada-geral do Senado, Dra. Gabrielle Tatith Pereira, de que irresponsabilidade civil do ente público é uma consequência jurídica necessária da imunidade parlamentar.

Por outro lado, entretanto, os ministros insistiram na ideia de que a imunidade parlamentar não é absoluta e que, quanto aos fatos não acobertados pela imunidade parlamentar, “alguém” seria responsável civilmente, seja o parlamentar, seja o Estado. O ministro Flávio Dino, aproveitando a distinção realizada pela advogada-geral do Senado, afirmou a necessidade de distinguir entre a responsabilidade por atos administrativos (em que o Estado responde objetivamente) e a responsabilidade por atos jurisdicionais (que privilegia a responsabilidade subjetiva), dando a entender que esse seria o melhor caminho para lidar com a responsabilidade pelos atos tipicamente políticos/legislativos.

Na sequência, vieram falas dos ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia registrando que a responsabilização por atos não acobertados pela imunidade seria necessária para impedir o abuso de prerrogativas parlamentares, evitar a impunidade e garantir o acesso à jurisdição pelo ofendido (art. 5º, inciso XXV, da CF), um direito fundamental.

A ministra chegou a cogitar de uma responsabilidade solidária entre Estado e agente. O ministro Barroso manifestou sua preocupação com o excesso de responsabilização civil do Estado, e que a responsabilidade subjetiva deveria ser a regra, e a objetiva, a exceção.

Enfim, como vai-se vendo, tudo aponta para o caminho que será tomado pela Corte: admitir a responsabilidade civil da pessoa do próprio parlamentar por suas opiniões, palavras e votos que venham a ser considerados não acobertados pela imunidade do art. 53, caput, da CF. Qual a consequência desse entendimento? Não é difícil antever: sem saber ao certo quando suas falas serão consideradas não abrangidas pela imunidade, o parlamentar passará à autocensura, deixando de exprimir a opinião e a vontade dos eleitores que o elegeram.

Além disso, vão proliferar ações judiciais como a que resultou na condenação acima comentada do deputado Nikolas Ferreira. Essas processos equivalerão a uma reedição da indústria do dano moral e, sendo ajuizadas na primeira instância (já que desprovidas de natureza penal, sem a incidência do foro por prerrogativa de função previsto no art. 53, § 1º, da CF), acabarão arruinando de vez a imunidade material e a liberdade de expressão.

Só resta torcer para que esta colunista esteja errada e o julgamento tome o que se reputa ser o melhor rumo, reconhecendo a irresponsabilidade civil total, seja do Estado, seja do parlamentar, para opiniões, palavras e votos emitidos pelos parlamentares.

Sustação da ação criminal no caso Ramagem e a decisão do STF

Também no último dia 7 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), com 315 votos a favor, 143 contra e 4 abstenções. A sustação foi promulgada na forma da Resolução 18/2025. Também foi a primeira vez em que a Câmara dos Deputados aplicou o art. 53, § 3º, da CF.

O assunto tinha sido adiantado aqui, ocasião em que se adiantou o principal ponto controvertido: parte dos crimes imputados na acusação teriam se iniciado antes da diplomação e supostamente não poderiam ser sustados.

Inclusive, como se noticiou aqui, depois o ministro Zanin chegou a enviar um ofício ao presidente Hugo Mota (Ofício eletrônico nº 5836/2025, de 24 de abril de 2025), registrando que somente os crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado poderiam ser sustados, já que apenas esses teriam sido cometidos após a diplomação. Ou seja, não seria possível paralisar a ação quanto aos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.

Pois bem. Quanto a essa questão, convém conhecer a fundamentação trazida pelo relator da SAP 1/2025, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), para a sustação integral da AP 2.668 (fruto do recebimento da Pet 12.100) em curso no STF, de forma integral. O parecer pode ser lido aqui.

Em síntese, a argumentação do relator para sustar integralmente foi a seguinte: os crimes imputados teriam se consumado ou perdurado após sua diplomação em 16 de dezembro de 2022, especialmente considerando que o crime de organização criminosa tem natureza permanente e que os crimes de abolição violenta e golpe de estado têm como elementares do tipo a violência ou grave ameaça, cuja ocorrência se deu apenas no 8 de janeiro de 2023, após a diplomação do deputado em 16 de dezembro de 2023.

Além disso, o relator mencionou a fragilidade dos indícios na denúncia contra o deputado, sugerindo que ele pode estar sendo submetido a uma “provável injustiça”. Registrou, ainda, uma “antiga e provável antipatia pessoal e política” por parte de um ministro do STF que, em 2020, suspendeu a nomeação do hoje deputado para o cargo de Delegado-Geral da Polícia Federal.

Outro aspecto que chamou a atenção na Resolução 18/2025 foi a sua amplitude: em relação a todos os crimes imputados ao deputado, bem como aos corréus, na medida em que a denúncia foi unificada contra todos os denunciados e também recebida de forma unida. O relator justificou melhor esse ponto na sessão do plenário.

No ponto, afirmou que a escolha de denunciar todos em conjunto foi do próprio Ministério Público, que a decisão de receber a denúncia da mesma forma foi do STF, que o art. 53, § 3º, da CF prevê a sustação do “andamento da ação”, e que não lhe caberia “restringir direito constitucional onde não cabe restrição”.

Nada obstante a solidez técnica da argumentação legislativa e a ampla maioria parlamentar a favor as sustação, no último dia 10 de maio, a 1ª Turma do STF decidiu por unanimidade manter a ação penal contra do deputado Ramagem quanto aos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado democrático de Direito. A discussão se deu em sede de questão de ordem (AP 2.668-QO).

Entendeu-se que a ação penal deveria prosseguir normalmente em relação aos demais crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, pois somente os de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado teriam sido cometidos após a diplomação, e que a sustação tem caráter personalíssimo, aplicando-se só ao parlamentar no exercício do mandato – pelo próprio enunciado da Súmula 245 do STF, “A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” –, de modo que a Resolução 18/2025 da Câmara dos Deputados é inaplicável e não tem eficácia jurídica em relação aos corréus não parlamentares.

Pronto. Acabou o espaço da coluna e também a discussão sobre a sustação.

Fonte: Jota

Comprador de imóvel em leilão não deve pagar dívida tributária anterior

O comprador de um imóvel em leilão não é responsável por dívida tributária anterior ao arremate do bem.

Com esse entendimento, a Vara Única de Porangaba (SP) declarou inexigíveis os impostos referentes aos exercícios anteriores ao arremate de um imóvel em hasta pública. A decisão atendeu ao pedido dos compradores em um mandado de segurança.

Segundo o processo, os autores arremataram o bem em fevereiro de 2022. Embora a carta de alienação tenha sido expedida no mesmo dia, foi registrada na matrícula em setembro daquele ano.

Os compradores relatam que pediram a guia para o pagamento dos tributos devidos a partir da data da arrematação. A prefeitura informou, porém, que só emitiria uma guia com o valor total dos débitos, incluindo os exercícios de 2017 a 2022.

A administração municipal invocou o artigo 130 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172 /1966), que prevê a sub-rogação de créditos tributários relativos a impostos sobre a propriedade do imóvel ao comprador.

Cobrança indevida

Em sua decisão, o juiz Mário Henrique Gebran Schirmer argumentou que o parágrafo único do próprio artigo 130 do CTN ampara o pedido dos compradores. O dispositivo afirma que “no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço”, o que isenta o adquirente de responsabilidade por débitos preexistentes.

Conforme lembrou o julgador, o entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1.134, que fixou a seguinte tese: “Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

“Portanto, assiste razão ao impetrante, na medida em que o adquirente não pode ser responsabilizado pelo pagamento dos débitos tributários relativos a fatos imponíveis ocorridos em momento anterior à realização da hasta pública”, escreveu o julgador.

Os advogados Paulo Roberto Athie Piccelli e Alessandra Kawamura, do escritório Paulo Piccelli e Advogados Associados, representaram os compradores do imóvel.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1000971-76.2024.8.26.0470

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Projeto exclui provas obtidas ilegalmente de processo penal militar

O Projeto de Lei 478/25, em análise na Câmara dos Deputados, atualiza as regras sobre a admissibilidade de provas previstas no Código de Processo Penal Militar. O texto deixa claro que não é possível usar no processo judicial provas que foram obtidas de forma ilegal. Essas provas devem ser retiradas do processo.

Pela proposta, as provas derivadas das ilícitas também não serão aceitas quando existir nexo de causalidade entre elas. Se não houver esse nexo, elas poderão ser admitidas. Também serão admitidas provas derivadas obtidas por fonte independente.

O deputado Junio Amaral (PL-MG) afirma que o objetivo do projeto de sua autoria é alinhar o processo penal militar com as garantias constitucionais relacionadas a provas ilícitas, semelhantes às estabelecidas no Código de Processo Penal comum.

Liberdade inconstitucional
De acordo com ele, a redação atual do Código de Processo Penal Militar permite uma liberdade probatória incompatível com os princípios constitucionais que regem o devido processo legal.

“Essa ampla falta de restrição não confere ao processo penal militar a segurança jurídica e o alinhamento aos valores democráticos exigidos pelo Estado de Direito”, disse Amaral.

Próximos passos
O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Projeto prevê punição mais rigorosa para autoridade que dirigir ou cometer crime sob efeito de álcool ou drogas

O Projeto de Lei 4851/24 altera o Código Penal Brasileiro para determinar punição por crimes cometidos por autoridade sob efeito de álcool ou substância psicoativa. A proposta, do deputado Lucio Mosquini (MDB-RO), tramita na Câmara dos Deputados.

Conforme o projeto, o policial, o juiz, o desembargador, o promotor ou o procurador que conduzir veículo sob a influência de álcool ou substância psicoativa será punido com detenção de dois a três anos, além da pena correspondente à violência.

O exame toxicológico ou a alcoolemia será obrigatoriamente realizado pelo agente público, independentemente da ocorrência de acidente. Comprovada a influência do álcool ou da substância psicoativa, ele será imediatamente afastado do cargo, sem prejuízo das responsabilidades civis e penais decorrentes de sua conduta. Se portar arma de fogo no momento da infração, terá a pena aumentada de 1/3 a 2/3.

Ainda segundo o projeto, a autoridade que cometer crime com ou sem intenção, estando sob efeito de álcool ou substância psicoativa e portando arma de fogo, será punida com detenção de três a quatro anos, além da pena correspondente à violência, com a agravante de pena de 1/3 a 2/3. Se o crime resultar em dano à integridade física ou moral de outra pessoa, a pena mínima será dobrada. O agente também perderá o cargo e será proibido de portar arma de fogo por até dez anos.

Lucio Mosquini acredita que a medida fortalecerá a resposta legal contra o “comportamento irresponsável e perigoso de agentes públicos”. “A agravante que estabelece o aumento da pena busca garantir que crimes cometidos por essas autoridades, que já detêm uma posição de poder, sejam considerados mais graves, especialmente quando a conduta envolve o uso de armas de fogo, o que aumenta substancialmente o risco de danos irreparáveis à vida e à ordem pública”, afirma.

Próximos passos
O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário da Câmara. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

Dos graves riscos no julgamento do Tema 1.389 contra a Justiça do Trabalho

Inicie-se pelo começo, como sugere o coelho da Alice (no País das Maravilhas): a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada em 2004 (Emenda 45) e o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal exercitaram-se com afinco para reduzi-la, reescrevendo a Constituição.

A nova redação da Carta Política afastou a regra anterior de limitar a apreciação das causas entre empregado e empregador, para abranger as lides decorrentes da relação de trabalho (gênero de que emprego é espécie), como se extrai da ementa, em que a matéria securitária está sob competência trabalhista:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHO – SEGURO DE VIDA EM GRUPO CONTRATADO PELO EMPREGADOR – De acordo com o disposto no artigo 114, I, da Constituição Federal, à luz da nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, cabe a esta Justiça Especializada dirimir os conflitos oriundos das relações de trabalho. Tratando a lide acerca de contrato de seguro de vida decorrente da relação de trabalho, há de ser reconhecida a competência da Justiça do Trabalho. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST – AIRR-95-73.2011.5.05.0133 – 7ª T – rel. min. Cláudio Brandão – Publ. 17.10.2014)

Ou essa, no âmbito do STJ, tribunal encarregado de resolver os conflitos de competência entre ramos diferentes do Judiciário, que reconhece correta a competência trabalhista para execução de acordo extrajudicial firmado depois do fim do contrato de emprego:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA COMUM. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA POR EX-EMPREGADO EM FACE DO EX-EMPREGADOR. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INADIMPLEMENTO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS. CAUSA DE PEDIR. LIGAÇÃO COM A RELAÇÃO DE TRABALHO ANTERIORMENTE ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. O autor busca indenização por danos materiais e morais em decorrência do inadimplemento patronal de acordo extrajudicial estabelecido para o pagamento das verbas trabalhistas devidas em virtude do rompimento da relação de trabalho. A causa de pedir remete diretamente ao cumprimento de obrigações que emergem da relação de trabalho. 2. Para a definição da competência material para o julgamento da lide em tela, é desimportante que o crédito perseguido esteja contido em acordo extrajudicial, e não em sentença trabalhista condenatória, pois esse fato, por si só, não tem o condão de elidir a especial natureza laboral. 3. Solução diversa permitiria ao empregador, em casos como esse, modificar, a seu talante, a natureza das quantias devidas, de trabalhista para civil, bem como a própria competência para julgar a lide, matéria de ordem pública, bastando que estabeleça acordo extrajudicial com seu ex-empregado e não o satisfaça. 4. Outrossim, os danos morais reclamados também emergem da mesma fonte, o suposto” engodo “cometido pelo ex-empregador ao se esquivar do pagamento, ainda que não pecuniário, das verbas trabalhistas rescisórias, objeto do acordo extrajudicial.
5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça do Trabalho. (CC 158.231/PR, rel. ministro Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF 5ª Região), 2ª Seção, julgado em 8/8/2018, DJe 13/8/2018)”

O absurdo do intento chegou ao ponto de reservar a competência material conforme o nome do direito postulado, o que promove a desventura de um empregado “celetista” de empresa pública, se não receber seus direitos, reclamar em dois ramos diferentes do Judiciário (Tema 1.143).

Surge o Tema 1.389

Essa maratona de desmonte do Poder Judiciário Trabalhista tem viés obviamente ideológico, como se depreende dos debates no STF, a partir da premissa de que a Constituição não elegeu um modo de organização da produção, o que é falso, porque ela elegeu como objetivo da República e do sistema econômico o pleno emprego, não a plena ocupação, nem a plena “pejotização”. O emprego é a única forma de organização do trabalho que tem regulamentação constitucional.

Nesse ambiente pujante de destruição dos direitos das pessoas que, nada mais possuindo, vendem sua força de trabalho para subsistir, encaixando-se na atividade empresária de outras, surge o Tema 1.389, relatado pelo ministro, ao qual o tribunal reconheceu repercussão geral para debater a competência de apreciação das miríades de processos em que o empregado é travestido, por fraude, nisso que, de palavrão, virou “meio de organização da força de trabalho”, a “pejotização”.

Essa fraude escancarada — que não se confunde com a contratação de pessoas jurídicas, o que pode ser lícito — mascara o vínculo de emprego, retirando direitos e criando uma narrativa sedutora de que o trabalhador vira empresário de si próprio.

Ao propor o debate, o Tema 1.389 provoca três gravíssimas violação ao Direito e, de novo, tende a esvaziar garantias sociais fundamentais, que têm assento naquela Constituição que ele, STF, tem o dever-poder de proteger.

O primeiro: inverte a lógica processual histórica de que a competência é fixada pelo pedido e pela causa de pedir, não pela defesa.

Se o autor diz que foi empregado e pede direitos trabalhistas, não importam os termos da defesa, pois será da Justiça do Trabalho a competência, nos termos literais do artigo 114, da Carta, para dirimir a controvérsia. Não confirmada a alegação inicial, o pedido será rejeitado, julgado improcedente.

Elevar essa premissa ao absurdo, teríamos que mandar para a justiça de família, os processos em cujas defesas aparecesse a alegação de que os contratantes são familiares. Ou para a justiça criminal, se a defesa cogitar da acusação de que o trabalhador cometeu fato tipificado pelo código penal. Ou para o juiz da falência, se a defesa disser que a empresa não pôde pagar, porque anda em dificuldades financeiras.

Falar isso em voz alta enrubesce, porque todo aluno de Direito que já tenha passado pelo primeiro semestre da teoria geral do processo civil conhece a regra que está sob esse debate artificial.

O segundo: retira, como atestado do amplo preconceito que o Judiciário Trabalhista sofre por parte dos integrantes da atual conformação do STF — confessados em sessão pública e televisionada [1], mais de uma vez — o poder de decidir questões incidentais.

A competência material diz respeito à matéria de fundo: crime, família, falência, trabalho etc. No percurso da demanda, podem aparecer questões transitórias, incidentais, que, obviamente, o juiz precisa resolver, para chegar ao ponto final do litígio em tempo razoável.

Chama-se isso, na pedante linguagem do foro, de decisão incidenter tantum. Ela está sob a competência do juiz e se resolve apenas dentro daquele processo, sem efeitos definitivos (coisa julgada) para outras relações.

Tome-se esse primeiro exemplo: na defesa de uma execução fiscal, o executado oferece um contrato que o isentaria da responsabilidade de pagar o tributo. A Fazenda, exequente, alega que o contrato é simulado, portanto, inválido. Ninguém imagina que a essa altura, o processo saia da justiça em que corre (federal, se o imposto for da União) e vá à justiça comum estadual, para que o juiz generalista analise o contrato e diga se há ou não fraude, para, depois, retomar-se a execução fiscal.

Outra hipótese pode revelar-se na solução de sucessão processual decorrente da morte da parte no processo. Para dizer quem substitui o falecido, o juiz, de qualquer ramo, apreciará a questão a partir das regras do direito de sucessão, ligados, como matéria de fundo, às varas da família. Em estado de sobriedade, ninguém dirá que para decidir essa questão incidental, o juiz da causa comercial, por exemplo, mande o processo ao juiz de família, para que ele diga quem é o sucessor, e, depois, o processo retome seu andamento natural.

Note-se que não há debate na jurisprudência sobre o tema, como se reconhece a partir da ementa do Superior Tribunal de Justiça, no qual a trabalhadora fora posta como sócia formal da empresa empregadora e, na Justiça do Trabalho, reclamou contra a fraude:

“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. PEDIDO DE NULIDADE DE ATOS CONSTITUTIVOS DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA FALIDA. QUESTÃO INCIDENTAL NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. EFEITOS RESTRITOS ÀS PARTES. PEDIDO PRINCIPAL. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O PAGAMENTO DAS VERBAS DAÍ DECORRENTES. 1. Constata-se omissão na espécie, porquanto a decisão agravada somente se atém aos aspectos e pedidos de índole tipicamente trabalhista trazidos com a inicial da ação originária, deixando de se manifestar sobre a repercussão do pleito relativo à nulidade dos atos constitutivos da sociedade empresária demandada na definição da competência para o julgamento do feito. 2. Embora se possa alegar que, normalmente, a nulidade dos atos constitutivos de sociedade empresária configura matéria que escapa ao alcance da jurisdição especializada (CF, artigo 114tal não prevalece no presente caso. 3. É que compete à Justiça laboral as ações oriundas da relação de trabalho, sendo, assim, competente para declarar se alguém ostenta a qualidade de empregado de outrem, inserindo-se nas disposições dos arts.  a  da Consolidação das Leis do Trabalho. E, na hipótese, a autora maneja a ação de reclamação trabalhista, afirmando que sua condição formal de sócia da reclamada, constante dos atos constitutivos da empresa, caracterizaria uma simulação, concebida para disfarçar sua real situação de mera empregada daquela, burlando a legislação trabalhista. 4. O pedido de nulidade dos atos constitutivos da falida é decorrente do pleito principal de reconhecimento de vínculo empregatício. Nesse contexto, a declaração incidental acerca do ponto, restrita às partes que compõem a ação trabalhista, está abrangida na competência da Justiça do Trabalho. 5. A lide, assim, também por esse aspecto, tem prevalente caráter obreiro, sob pena de restar prejudicada a própria análise do pedido principal, constante da reclamação trabalhista, por decisão a ser tomada em processo outro, perante a Justiça comum. 6. Agravo regimental parcialmente provido, apenas para suprir a omissão apontada, sem efeito infringente quanto ao mérito do conflito de competência. (sem negritos no original) (AgRg nos EDcl no CC 106.660/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, unânime, DJe de 21.3.2011)”

O terceiro: se passar o intento, a vítima da “pejotização” terá que ajuizar sua causa na Justiça Estadual Comum, que tem prazos de tramitação dos processos muito mais longos do que os que se encontram na Justiça do Trabalho, para anulação do contrato e, depois, sabe-se lá de quantos anos, reapresentar o pedido na Justiça do Trabalho, para obter direitos ‘estritamente trabalhistas’.

Sobrecarga inútil da máquina judiciária, quebra do princípio constitucional da duração razoável do processo e evidente desestímulo à busca da Justiça. Os gastos com o serviço público de justiça avultam-se inequívocos, também.

Não é difícil entender que a fraude da “pejotização” emerge da constatação de que a relação foi de trabalho subordinado. Dito de outra forma: ao reconhecer que a realidade da contratação mostra que as partes executaram um contrato de emprego (trabalho subordinado), é que a sentença dirá, de passagem, que o contrato de prestação de serviços autônomos deve ser considerado (naqueles autos) nulo. A tendência do STF está apontando, então, para o paradoxo de entregar ao juiz generalista – cuja competência é residual, quer dizer, o que não está atribuído expressamente a outro ramo da Justiça, é que lhe cabe, identificar a matéria especializada, de saber se há ou não contrato de trabalho.

Ayres Britto, constitucionalista, ensina que a Constituição não pode tudo, porque não pode deixar de ser Constituição. Ao moldar o Texto ao bel prazer das ideologias pessoais, sem legitimação política para tanto, as decisões do STF estão a tornar a Constituição uma não constituição. Corrosão interna dos valores ali fixados, sobre todos o social do trabalho (e da livre iniciativa) e da dignidade da pessoa humana.

Nesse debate, não há nada pouco grave, porque está em jogo o modelo constitucional de organização do trabalho da ordem capitalista brasileira, sob o risco de ser reformado sem debate com a sociedade e eliminando a participação do Poder Legislativo.


[1] Como se apura, por exemplo, na manifestação do ministro Gilmar Mendes: “Por ocasião do Jul. em da ADPF 324, apontei que o órgão máximo da justiça especializada (TST) tem colocado sérios entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria”. (Reclamação – RCL 57.255/BA. DJE publicado em 11/09/2023.

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Cade e Doutrina da Ação Política: curioso caso dos conselhos profissionais

Conselho Administrativo de Defesa Econômica Cade sede prédio

Foi pautado para esta quarta-feira (14/5), na 247ª Sessão Ordinária de Julgamento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o julgamento de três casos envolvendo conselhos profissionais que, em 2019, emitiram resoluções contra o registro do diploma de graduados na modalidade “a distância”.

As resoluções foram declaradas nulas pelo Judiciário por violação à liberdade profissional e à legislação sobre educação, que expressamente incumbe ao MEC a competência sobre a formação escolar [1].

Segundo a Superintendência-Geral do Cade, os conselhos federais de medicina veterinária (CFMV), odontologia (CFO) e farmácia (CFF) teriam, com as normativas, também limitado a concorrência em dois tipos de mercado relevantes: o de cursos de graduação EaD e os de serviço relativos a cada umas das áreas.

Com base em renitente jurisprudência, que inclui sobretudo casos de tabelamento impositivo de preços, a tendência do Cade é condenar os conselhos por infração à ordem econômica decorrente de abuso de poder regulamentar [2].

Há, todavia, algo de novo no ar: está pendente de julgamento o caso OAB por tabelamento de honorários mínimos [3].

Se no caso EaD a Procuradoria-Geral do Cade recomenda a condenação dos conselhos profissionais, no caso OAB ela opina pelo arquivamento do feito com base na Doutrina da Ação Política (State Action Doctrine).

Isso pode predispor o Conselho a antecipar algum aclaramento sobre referida doutrina, que é igualmente arraigada na jurisprudência do Cade, em dois pontos relacionados: a) a extensão do artigo 31 LDC; e b) o distinguishing entre entes reguladores e conselhos.

Extensão do artigo 31 LDC

Segundo o dispositivo, que repete o artigo 15 da LDC de 94, a lei aplica-se também às pessoas jurídicas de direito público.

Uma vez que elas agem mediante atos normativos estatais, sua punibilidade implica possuir o Cade competência para controle de legalidade sob alguma forma.

Suas instâncias típicas são ações maliciosas, como e.g. a autarquia que mediante ato executório participa de cartel ou agência reguladora que favorece o corruptor com uma resolução normativa.

A dificuldade aparece quando estamos diante de ato regulamentar próprio, isto é, não dissimulado, no qual o dano à concorrência é resultado da priorização, com boa-fé, de outro princípio da ordem econômica.

Para o constitucionalista, a resposta mais natural seria negar ao Cade o controle de legalidade na hipótese, em analogia ao precedente fixado na ADI 221, que veda aos órgãos do Poder Executivo deixar de aplicar a lei inconstitucional, salvo, excepcionalmente, quando assim determinado pela chefia [4].

Sua justificativa parece clara: a autonomia interpretativa dos órgãos subordinados balcanizaria a política pública levada a cabo pelo mandatário, levando a disputas entre os órgãos que se traduziriam em comandos contraditórios aos administrados [5].

A resposta mais natural ao concorrencialista é nuançada: deve o Cade eximir o ato do Poder Público prejudicial à concorrencial se propriamente regulatório, isto é, se satisfizer os critérios da Doutrina da Ação Política [6].

Essa opção, que é a esposada pelo Cade até aqui, tem o mérito de respeitar a hierarquia móvel dos princípios da ordem econômica, mas traz o revés de permitir os resultados contraditórios que o constitucionalista quer evitar — vide o ocorrido em THC2 [7].

A resolução do caso pelo STJ concluiu pela competência do Cade para controle de legalidade das resoluções da Antaq, sem, contudo, tocar a dificuldade acima [8].

Uma alternativa estreita talvez se encontre na brecha aberta pelo STF ao revisitar sua jurisprudência, permitindo o afastamento de normas patentemente inconstitucionais – ou ilegais, em nossa analogia [9].

Outra seria recorrer à atuação integrativa da AGU, seja por uma conciliação via CCAF, seja por uma resolução via parecer normativo [10].

Distinguishing entre entes reguladores e conselhos profissionais

Como antecipado, o debate acima foi até aqui alheio aos conselhos profissionais, já que o Cade não os equipara às agências reguladoras, mas aos sindicatos — embora as razões para tanto não sejam claras, como evidencia o caso OAB.

Considerando os termos da Doutrina da Ação Política, a tese do Cade deve fundar-se numa disjunção: ou os conselhos não são propriamente poder público ou seus atos não são propriamente regulatórios.

Quanto à subtese estrutural, embora ambos sejam autarquias de direito público, criadas por lei e submetidas a regime jurídico especial que as torna sui generis, os conselhos são ainda menos sujeitos a controle do que as agências, o que lhes valeu a alcunha (infeliz) de “autarquias não-estatais” [11].

Isso significa, entre outras coisas, que a solução integrativa envolvendo a AGU não estaria disponível.

Quanto à subtese funcional, parece claro que ambos se orientam, via de regra, à correção de falhas de mercado, mediante atividade fiscalizatória e regulatória.

A ProCade diverge no ponto: no aludido parecer, defende que a OAB é o único conselho ao qual a lei expressamente usou o termo ‘regulamentar’ entre suas atribuições [12].

Nota-se, todavia, que a legislação dos demais conselhos prevê a expedição de resoluções para sua fiel interpretação e execução das atribuições institucionais – o que nada mais é do que uma forma de regulamentação [13].

Mais promissora para a disanalogia visada é a constatação de que os conselhos nem sempre agem em prol da coletividade, encampando também interesses classistas – vide a OAB.

Embora essas considerações justifiquem escrutínio concorrencial mais intenso de tais entes, segue em aberto se excluem, in abstracto, os conselhos da Doutrina da Ação Política, ou se esse escrutínio deve ser feito originariamente pelo Cade.

A experiência internacional, salvo melhor juízo, é, de um lado, infensa a eximir os conselhos, mas de outro, centralizada no Judiciário [14].

Seja como for, é um debate que merece ser desenvolvido.

* A opinião que ora veiculo surgiu ainda no Cade, em contato com casos relacionados. Toda informação utilizada para o artigo é de fonte pública; a opinião não representa a opinião do conselho sobre o tema, que o autor desconhece.

Agradeço a José Levi do Amaral Jr., Matheus Carneiro, Victor Fernandes, Vitor Jardim, Eduarda Militz e Bruno Renzetti pelos debates sobre o tema.


[1]  Os julgados seguem o precedente fixado no REsp 1.453.336/RS.

[2]  Cf., por todos, a Nota Técnica SG 42 no PA 08700.006146/2019-00, o primeiro caso autuado.

[3]  Nota Técnica 102/2022 no PA 08012.006641/2005-63.

[4] ADI-MC-221 DF, Rel. Min. Moreira Alves, 1990.

[5] Embora o contexto seja diferente, vale a menção ao regimento do tribunal vizinho, o Carf (art. 98).

[6] Para a enunciação da doutrina, por todos, AP 08000.013661/1997-95, Rel. Cons. Luís Fernando Schuartz e PA 08012.006507/1998-81, Rel. Cons. Roberto Castellanos Pfeiffer.

Os critérios são bem resumidos pelo Cons. Paulo Burnier no P.A. nº 08012.001518/2006-37: (i) excepcionalidade do afastamento da análise concorrencial; (ii) capacidade de efetiva e ativa supervisão do mercado; (iii) especificidade da norma regulatória em relação à norma concorrencial; e (iv) enquadramento da determinada política pública como manifestação de um poder soberano do Estado.

[7] PA 08700.005499/2015-51, Rel. Cons. Luiz Hoffmann.

[8] REsp 1.899.040-SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, 2024, tópico X.

[9] MS 25.888-Agr, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2023.

[10] Cf. Parecer GM-020, de 2001, no conflito Cade-Bacen, que todavia terminou judicializado (REsp n. 1.094.218/DF).

[11] ADI 5.367, Red. Ac. Min. Alexandre Moraes, 2020.

[12]  Parecer 20/2023 ProCADE no PA 08012.006641/2005-63, §§ 123, 174 e 180.

[13]  Para os conselhos do caso EaD, v. arts. 1º e 6º g, l, m, p da Lei nº 3.820/60 (Farmácia); art. 16 f, j da Lei nº 5.517/68 (Medicina Veterinária); arts. 2º e 4º d da Lei nº 4.324/64 (Odontologia).

[14] Cf. USSC. Goldfarb v. Virginia State Bar, 421 U.S. 773 (1975); e ECJ. Consiglio nazionale dei geologi, C‑136/12 (2013) e Wouters, C-309/99 (2022).

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