Fundamentação de decisões e segurança jurídica

Nesta primeira coluna de 2025 gostaria de tratar de um tema sobre o qual tenho refletido há bastante tempo e que entendo ser importantíssimo para que consigamos um ambiente de maior estabilidade e segurança em matéria tributária. Considerando o contexto reformista em que vivemos e as mudanças que estão sendo implementadas em diversas áreas da tributação, a provocação que trago neste texto, se não pode mudar o passado, pode fazer com que tenhamos melhoras significativas no futuro.

Um tema recorrente em minhas provocações acadêmicas é a necessidade de os estudiosos e operadores do Direito Tributário compreenderem a importância da interpretação/aplicação da legislação tributária pelos órgãos de aplicação do Direito. A teoria tributária brasileira se desenvolveu sobre pilares de deificação da atividade do legislador, como se a segurança jurídica pudesse ser alcançada mediante o enclausuramento da realidade em textos normativos. Daí a insistência nos dogmas da legalidade estrita e da tipicidade cerrada. [1]

A realidade, contudo, se impõe. Por mais bem redigido que seja um texto normativo, havendo controvérsias sobre a sua interpretação, serão os órgãos de aplicação que lhe darão contornos mais nítidos e, ainda assim, provisórios, podendo ser alterados com a passagem do tempo.

Não é o propósito deste texto insistir nessas questões e no equívoco do nosso desprezo pelo sistema de solução de controvérsias, em benefício do Direito Tributário material. É só vermos o que se passou na reforma tributária. Somente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 é que passamos a pensar com um pouco mais de seriedade sobre como estabelecer um sistema de solução de controvérsias para os novos tributos e, ainda hoje, esse debate está muito atrasado quando comparado ao tanto que se falou sobre IBS, CBS e até mesmo sobre o Imposto Seletivo.

O objetivo desta coluna é muito mais modesto: chamar a atenção dos julgadores e julgadoras para a necessidade de autocontenção e para o que podemos chamar de princípio da instrumentalidade decisória, com o que queremos nos referir à necessidade de que a fundamentação das decisões em processos tributários (1) se atenha ao necessário para a solução da situação concreta posta à análise do órgão de aplicação do Direito; e (2) evite, o máximo quanto possível a referência a teorias, doutrinas e fundamentos secundários que não só coloquem em xeque a autoridade da decisão, mas contribuam para um ambiente de insegurança jurídica.

A hipótese deste texto é a seguinte: as decisões, administrativas e judiciais, são cada vez mais relevantes como fonte do Direito Tributário, sendo que muitas vezes elas geram insegurança jurídica muito mais em razão dos seus fundamentos do que da decisão em si.

Vamos apresentar, adiante, alguns exemplos de situações como esta a que estamos nos referindo, considerando decisões do STF (Supremo Tribunal Federal), do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Vejamos:

Suposta ‘flexibilização’ da legalidade segundo o STF

As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) são objeto de muitas críticas, algumas razoáveis, outras nem tão razoáveis. De toda forma, cremos que muitas vezes a crítica decorre da fundamentação utilizada, ou é agravada por ela, e nem tanto pela decisão em si.

Em 2020, o STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.043.313, com repercussão geral reconhecida (Tema 939), cujo objeto era a análise da constitucionalidade do Decreto nº 8.426/2015, o qual, se valendo da competência delegada pelo § 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/2004, havia restabelecido parcialmente as alíquotas da Contribuição do PIS e da Cofins no regime não cumulativo incidentes sobre receitas financeiras.

A questão de fundo, portanto, referia-se (1) à possibilidade jurídica de delegação legislativa em matéria tributária, para além das situações expressamente previstas no § 1º do artigo 153 da Constituição Federal; e (2) em se entendendo possível a delegação legislativa nesses casos, à verificação da constitucionalidade da delegação prevista no § 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/2004.

Ora, concluindo-se que não há na Constituição restrições à delegação legislativa em matéria tributária, como temos sustentado, a conclusão seria no sentido de que o Decreto nº 8.426/2015 seria constitucional. Fim da história. Contudo, não foi essa a abordagem da Suprema Corte, chegando a se mencionar na própria tese de repercussão geral que o que se estava fazendo, no caso, era uma “flexibilização da legalidade tributária”. Em textual:

É constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do artigo 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da Cofins incidentes sobre as receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal.” (destaque nosso)

Era absolutamente desnecessário para a decisão do caso concreto que se fizesse referência a uma suposta flexibilização da legalidade tributária — que, diga-se de passagem, não existiu. Está implícito na fundamentação dessa decisão, transplantada para a tese de repercussão geral, que existia um tipo de legalidade “plena” e que ela estava sendo “flexibilizada” para se tornar uma legalidade “suficiente”, “bastante”, “possível”.

Não surpreende que essa decisão tenha sido alvo de tantas críticas, ou mesmo que tenha sido referida como uma espécie de ponto de inflexão das garantias e liberdades fundamentais dos contribuintes, como se o STF tivesse deliberadamente e intencionalmente reduzindo a amplitude da proteção que havia sido garantida pela Constituição aos contribuintes. Uma fundamentação mais contida e focada no ponto controvertido — ao invés de uma suposta superação parcial da legalidade tributária — certamente teria causado menos ruídos em relação a essa decisão.

Casos de ágio e aplicação da Teoria do Abuso de Direito pelo STJ

Recente decisão do STJ nos dá um outro exemplo da situação que descrevemos acima:

Um dos temas mais debatidos do Direito Tributário contemporâneo é a amortização fiscal do ágio pago na aquisição de participação societária no período anterior à vigência da Lei nº 12.973/2014. Essa matéria foi objeto de recentes decisões da Primeira e da Segunda Turmas do STJ. Sobre a decisão da 1ª Turma, apresentamos breves comentários em uma coluna anterior (aqui). O foco de nossas considerações adiante será a decisão da 2ª (Recurso Especial – RESP nº 2.152.642).

É importante ressaltar que não pretendemos analisar o caso em si. Nosso foco está alinhado com o objetivo proposto para este texto, que é ponderar sobre a fundamentação de decisões proferidas sobre controvérsias tributárias.

Ao examinar o voto condutor da decisão no REsp nº 2.152.642, verificaremos que ele teve como “premissa estabelecida na origem de que a operação societária promovida pela recorrida de fato teve por objeto a criação de pessoa jurídica sem correspondência econômica no mundo real, apenas para servir de transmissora de ágio meramente contábil no contexto de incorporação reversa, viabilizando a posterior dedução das bases tributáveis”.

Se essa é a premissa de fato, que estamos diante de uma estrutura artificial na qual não existe suporte fático para as transações formalizadas pelo contribuinte; trata-se do simples reconhecimento de uma simulação que a doutrina tributária, ao longo de décadas e de forma uníssona, reconheceu como um limite entre a economia tributária legítima e a ilegítima. Inclusive, esse caso apresentou uma excelente oportunidade para se avançar numa concretização judicial do conceito de simulação em matéria tributária.

Nessa linha de ideias, se a premissa adotada foi a da artificialidade — e não estamos concordando com a premissa, nem discordando dela, estamos apenas estabelecendo que esse foi o ponto de partida da decisão — a solução da controvérsia se teria dado, simplesmente, pela aplicação das regras sobre simulação, inclusive o artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional.

Nada obstante, a leitura já da ementa indica que a decisão do STJ apontou para uma direção bem distinta. Ao invés de uma interpretação que geraria baixo ruído comunicacional, a fundamentação utilizada abandonou a simulação para se apegar ao controverso conceito de abuso de direito, que a doutrina brasileira majoritária rejeita como limite da economia tributária legítima, sustentando uma aplicação direta de dispositivo do Código Civil que jamais foi pensado como instrumento de controle de planejamento tributário e gerando ruído não pela decisão em si, mas pela fundamentação utilizada.

Note-se que o nosso propósito não é interditar o debate de temas complexos. É bastante possível que existam casos envolvendo planejamento tributário nos quais questões complexas como o abuso do direito de economia tributária e a fraude à lei em matéria fiscal sejam meios necessários para se alcançar uma decisão. Contudo, na maioria esmagadora dos casos não será necessário se fazer uso de tais institutos de Direito Privado.

Decisões sobre planejamento tributário do Carf

Vamos encontrar a mesma situação em algumas decisões do Carf, principalmente em casos de planejamento tributário. É possível apontar o uso indiscriminado de referências à “falta de propósito negocial” ao “abuso de direito” à “fraude à lei” e, em alguns casos, à existência de um “dever fundamental de pagar tributos” ou até mesmo ao “princípio da solidariedade, como alguns dos principais focos de crítica às decisões do Carf em relação a essa matéria.

Contudo, no mais das vezes nota-se que o ponto de partida da decisão é a existência de incongruência entre a forma jurídica e a realidade fática, o que configuraria uma simulação. Uma preocupação maior com uma fundamentação menos “criativa” certamente teria poupado o Carf de muitas críticas sobre suas decisões. Afinal, quando se afasta uma simulação justificando a decisão pela “falta de propósito negocial” o foco da análise migra dos fatos do caso para a fundamentação que foi utilizada.

Mais grave ainda é a referência, em decisões sobre planejamento tributário, ao “dever fundamental de pagar tributos” ou à solidariedade. Em um caso de planejamento tributário, se for necessário o recurso a esses argumentos é sinal de que a autuação fiscal carece de fundamento legal. Não nos parece possível imaginar uma situação sequer em que a manutenção de um auto de infração decorrente de uma simulação dependa desses argumentos, [2] e eles certamente geram ruídos comunicacionais graves.

Conclusão

A relevância evidente dos órgãos de aplicação do Direito na construção do Direito Tributário deve impor uma maior responsabilidade àqueles que exercem a função decisória. Não se trata apenas de resolver casos concretos. Cada decisão, cada voto, são contribuições para a construção do Sistema Tributário Nacional. Se a lei não pode oferecer a segurança jurídica que muitos dela esperam, que os julgadores compreendam a sua importância na construção de um ambiente de previsibilidade e estabilidade do Direito Tributário.

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[1] Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Da Lei à Decisão: A Segurança Jurídica Possível na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 7-51.

[2] Ver: ROCHA, Sergio André Rocha. Fundamentos do Direito Tributário Brasileiro. 3 ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023. p. 110-115.

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TSE julga Aijes presidenciais, ataques à Justiça e defesa das mulheres em 2025

Órgão máximo da Justiça Eleitoral brasileira, o Tribunal Superior Eleitoral poderá julgar, em 2025, causas de enorme repercussão como ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) das eleições de 2022, casos de ataques antidemocráticos e de defesa da participação feminina na política.

Luiz Roberto/Secom/TSEPrédio do TSE, sede do Tribunal Superior Eleitoral

O tribunal tem para resolver ainda algumas Aijes presidenciais, ajuizadas tanto contra Jair Bolsonaro (PL), que já está inelegível, quanto contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de recursos em casos como o do senador Jorge Seif.

Há outras definições práticas envolvendo prestação de contas, aplicação de recursos financeiros e temas processuais.

Veja os principais casos que podem ser julgados pelo TSE em 2025

Partido que não investe em mulheres
PC 0600349-13.2021.6.00.0000

TSE avalia mudar de posição nos casos em que os partidos políticos deixaram de investir o mínimo de 5% das verbas do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. Hoje, a ordem é para aplicar esses valores em candidaturas femininas. O ministro Nunes Marques propôs que as legendas possam simplesmente investir esses valores em ações de incentivo às mulheres no ano seguinte. O julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia, para melhor analisar as consequências.

Ataques a grupos anti-Bolsonaro
Aije 0601401-49.2018.6.00.0000
Caso investiga ataques praticados contra o grupo de Facebook Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, que chegou a ter quase três milhões de integrantes e foi o principal responsável por organizar o movimento Ele Não, contrário à eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República, em 2018. Às vésperas do pleito, o grupo sofreu um ataque hacker, teve seu nome alterado para Mulheres com Bolsonaro e passou a veicular conteúdo a favor do presidenciável. Jair Bolsonaro, seu filho e hoje senador Flávio Bolsonaro, o hoje senador Hamilton Mourão e a Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos são alvos da ação, que está pronta para julgamento desde maio, quando as alegações finais foram apresentadas. A relatoria é da corregedoria-geral da Justiça Eleitoral, hoje ocupada pela ministra Isabel Gallotti.

Caso Jorge Seif
RO 0602909-22.2022.6.24.0000
Discute a ocorrência de abuso de poder econômico na campanha eleitoral de 2022 de Jorge Seif ao Senado, por meio de doação irregular de dinheiro e empréstimos de aeronaves para deslocamento do candidato. Em abril, o TSE converteu o recurso em diligências para complementar as provas que podem levar à sua cassação. O tribunal ainda aguarda o resultado dessa análise. O relator é o ministro Floriano de Azevedo Marques.

Procuração por parte ilegítima
REspe 0601123-18.2020.6.27.0003
Visa resolver o que acontece quando uma pessoa que não tem legitimidade para representar o diretório municipal de um partido político outorga procuração para que advogados ajuízem ação em nome da legenda. Relator, o ministro Raul Araújo votou por não permitir a correção da procuração, uma vez que isso só ocorreu após o prazo final para ajuizamento da Aije em relação às eleições de 2020. Abriu a divergência a ministra Isabel Gallotti, para quem a Aije foi legitimamente proposta. Em sua visão, o vício poderia ter sido corrigido depois, o que ocorreu em agosto de 2021. Pediu vista o ministro Nunes Marques.

Caso Júlio Lopes
AREspe 0600174-20.2023.6.19.0000
Discute se há excesso de prazo para permitir que a Justiça Eleitoral arquive o inquérito contra o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ) por crimes comuns. Trata-se de um dos casos da “lava jato” do Rio de Janeiro. Há divergência quanto ao arquivamento por excesso de prazo ser passível de tratamento diferenciado em relação a crimes conexos ou não.

Áudio compartilhado sem autorização é prova?
REspe 0600941-38.2020.6.25.0019
Avalia se áudios compartilhados via aplicativo de mensagens WhastApp sem a autorização da pessoa que os enviou podem ser considerados provas lícitas na investigação sobre compra de votos. Relator, o ministro Raul Araújo votou por negar provimento. Abriu a divergência a ministra Isabel Gallotti. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Floriano de Azevedo Marques.

Gastos com viagem para Brasília
PC 0600953-08.2020.6.00.0000

Tribunal vai decidir se viagens de dirigentes partidários de seus estados a Brasília podem ser justificadas na prestação de contas anual com a rubrica genérica de “atividades partidárias”. O debate está sendo travado na prestação de contas do diretório nacional do Cidadania para o exercício financeiro de 2019. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. O ministro Floriano de Azevedo Marques propôs não rejeitar esse valor por entender que os gastos estavam bem justificados. Afinal de contas, a sede nacional do Cidadania fica em Brasília. A posição divergiu do voto da relatora, ministra Isabel Gallotti, que manteve a rejeição. Ela citou jurisprudência do TSE segundo a qual o exame das despesas com passagens aéreas impõe a comprovação do vínculo da viagem com atividades partidárias.

Embargos de divergência eleitorais
Respe 0000006-12.2019.6.07.0010

Visa solucionar o cabimento de embargos de divergência para resolver julgamentos criminais por maioria de votos na seara eleitoral. Há duas correntes. Relator, o ministro Floriano de Azevedo Marques entende que cabem os embargos porque estão previstos no Código de Processo Penal. Divergiu o ministro André Ramos Tavares, para quem não há sentido em processar o recurso, já que o objetivo é permitir que um caso de divergência seja analisado por uma composição ampliada dos colegiados. O caso está com pedido de vista.

Gravação clandestina em reunião de empresa
Respe 0000006-12.2019.6.07.0010
Busca decidir se a gravação clandestina feita no ambiente de uma empresa particular, durante reunião entre chefes e funcionários, é prova ilícita em ação penal por crime eleitoral. A dúvida é se esse tipo de evento qualifica-se como local privado e gera essa noção de intimidade e expectativa de privacidade a ponto de anular a gravação feita sem autorização judicial. O caso está com pedido de vista.

Tolerância com ataques à Justiça Eleitoral
Rp 0601793-47.2022.6.00.0000
Discute se a emissão de opinião no período eleitoral deve ser interpretada de maneira mais flexível, ampla e tolerante, ainda que destinada a atingir a Justiça Eleitoral ou adversários políticos. A maior tolerância com os ataques ao TSE foi proposta pelo ministro Raul Araújo em relação a falas do jornalista Rodrigo Constantino, na Jovem Pan, durante a campanha de 2022. Ele defendeu que as falas representam opinião política que não se confunde com fatos. “Temos que tolerar”, disse. O julgamento foi interrompido por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia em fevereiro de 2024 e nunca mais voltou à pauta.

Abuso de poder no velório da Rainha
Aije 0601180-27.2022.6.00.0000
Aije 0601154-29.2022.6.00.0000

Ações de investigação judicial eleitoral que apontam abuso de poder político praticado por Jair Bolsonaro na viagem a Londres para representar o Brasil no velório da rainha Elizabeth II e no discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU. Ele teria usado a estrutura da administração pública para promover sua campanha eleitoral, especialmente ao discursar para apoiadores da sacada da embaixada do Brasil, com conteúdo eleitoral. O caso está pronto para julgamento, após alegações finais. A relatoria é da corregedoria-geral da Justiça Eleitoral, ocupada pela ministra Isabel Gallotti.

Abuso de poder em reunião na ONU
Aije 0601188-04.2022.6.00.0000
Ação de investigação judicial eleitoral que aponta abuso de poder político praticado por Jair Bolsonaro, que usou seu discurso como presidente do Brasil na 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) com fins eleitorais. Ele teria aproximado sua fala como chefe de Estado de temas repisados em sua campanha eleitoral, auferindo benefícios impossíveis para seus concorrentes. Por conta do episódio, o TSE mandou remover das redes sociais os vídeos que Bolsonaro compartilhava do evento, em prol de sua campanha. O caso está pronto para julgamento, após alegações finais. A relatoria é da corregedoria-geral da Justiça Eleitoral, ocupada por Isabel Gallotti.

Ecossistema de desinformação bolsonarista
Aije 0601522-38.2022.6.00.0000
Ação de investigação judicial eleitoral que aponta abuso do poder econômico, uso indevido dos meios de comunicação e abuso do poder politico pela campanha de Jair Bolsonaro, beneficiária de um “ecossistema de desinformação”, no qual buscavam disseminar falsas informações sobre o adversário e hoje presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Foi nesse caso que o TSE polemicamente mandou adiar a exibição de um documentário sobre a facada recebida por Bolsonaro na campanha de 2018. A estreia ocorreria seis dias antes do segundo turno de 2022. Esse processo ainda está em fase de diligência, com identificação e intimação dos perfis apontados como integrantes do ecossistema desinformacional. A relatoria é da corregedoria-geral da Justiça Eleitoral, ocupada por Isabel Gallotti.

Disparos em massa por SMS
Aije 0601238-30.2022.6.00.0000
Ação de investigação judicial eleitoral que aponta abuso de poder político e econômico, e uso indevido dos meios de comunicação, supostamente perpetrados por meio de disparo massivo de mensagens eleitorais em favor de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Em novembro de 2023, o então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, concluiu que não está suficientemente apresentada narrativa que, mesmo em tese, permita vislumbrar os abusos. Com isso, extinguiu o processo sem resolução de mérito. A Coligação Brasil da Esperança interpôs agravo, que ainda precisa ser julgado, agora sob a relatoria de Isabel Gallotti.

Showmícios de Lula
Aije 0601271-20.2022.6.00.0000

Ação de investigação judicial eleitoral que aponta abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação por Lula, por meio de evento em que convidou artistas e influenciadores para executar seu jingle de campanha ao vivo, na campanha de 2022. A acusação leva em conta o alto custo do evento promovido, incluindo-se aí valores que corresponderiam aos cachês dos artistas e influenciadores que se revezaram no palco, além da transmissão em tempo real pela internet. O caso está pronto para julgamento, após alegações finais. A relatoria é da corregedoria-geral da Justiça Eleitoral, ocupada por Isabel Gallotti.

Janonismo cultural
Aije 0601513-76.2022.6.00.0000
Ação de investigação judicial eleitoral que aponta os meios de comunicação praticados pelo deputado federal André Janones, um dos cabos eleitorais de Lula mais atuantes nas redes sociais na campanha eleitoral de 2022. Ele teria disseminado informações falsas e ataques à honra de Jair Bolsonaro. Em novembro de 2023, o então corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, acolheu preliminar de inadequação do pedido de cassação de Janones. A coligação de Bolsonaro interpôs agravo regimental, que ainda precisa ser julgado, agora sob a relatoria de Isabel Gallotti.

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Transtorno mental desenvolvido no trabalho garante estabilidade acidentária

O empregado que se submete a tratamento psiquiátrico em função de transtorno desenvolvido por conta do trabalho tem direito a estabilidade acidentária e, portanto, deve ser indenizado caso seja demitido nesse período.

 

Com esse entendimento, a juíza Marcelle Coelho da Silva, da 5ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou uma empresa de moda íntima a pagar um ex-empregado pelo período de estabilidade acidentária do qual não pôde usufruir.

O trabalhador havia sido admitido em novembro de 2023 e acabou demitido sem justa causa seis meses depois, ocasião em que já fazia tratamento psiquiátrico para transtornos de ansiedade e de escoriação.

Ele afirmou ter desenvolvido o quadro de saúde em função do ambiente de trabalho, no qual sofria com ofensas homofóbicas e intimidação por parte de líderes, além de ter sido perseguido por um outro empregado.

Um perito judicial reconheceu que a condição mental do trabalhador deveria ser considerada doença laboral, já que os fatores do trabalho relatados pelo autor guardavam pertinência com as doenças desenvolvidas.

A juíza acatou, então, o pedido de reparação pela estabilidade não usufruída, ainda que, na mesma altura, outros trabalhadores tenham sido demitidos pela empresa. Ainda condenou a empresa a indenizar o autor em R$ 10 mil.

“Entendo que a dispensa de empregado sabidamente doente é abusiva e caracteriza ofensa à sua dignidade, violando os princípios fundamentais da valorização do trabalho e da função social da empresa”, escreveu.

Culpa patronal

A julgadora negou, no entanto, uma compensação ao trabalhador por ter desenvolvido o quadro de transtorno, ao entender que não houve culpa patronal nisso. Ela destacou que a empresa demitiu um empregado que perseguia o autor e suspendeu um outro. Além disso, a empregadora promoveu treinamentos contra assédio e também em favor da diversidade em resposta aos episódios.

Em sede de reconvenção, a empresa pediu indenização por danos morais e materiais em razão de postagens que o autor vinha fazendo nas redes sociais, acusando-a de homofobia. A juíza negou o pedido, ao pesar o estado de saúde mental do autor.

Ainda assim, a julgadora multou o trabalhador em R$ 15 mil, já que, em decisão liminar anterior à sentença, havia determinado que ele se abstivesse de perseguir por e-mail os antigos gestores, ordem que ele descumpriu.

Ainda devido às publicações nas redes sociais, a empresa ajuizou uma queixa-crime contra o ex-empregado pelo suposto cometimento de crime contra a honra. A demanda acabou rejeitada pela Turma Recursal Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo por falta de provas.

Processo 1001256-70.2024.5.02.0605
Processo 0005233-18.2024.8.26.9061

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A contragosto do MP, desclassificação de traficante para usuário avança no STJ

A desclassificação de pessoas denunciadas por tráfico de drogas para meras usuárias gerou a concessão de 322 Habeas Corpus e seis recursos em HC no Superior Tribunal de Justiça em 2024.

Ministro concedeu ordem de ofício para desclassificar acusação de tráfico contra homem detido com 15 gramas de maconha
Desclassificação de traficante para usuário ganhou força com decisão do STF Freepik

O Ministério Público Federal ofereceu parecer em 209 desses processos, manifestando-se contra o pedido das defesas em 144 deles — foi a favor em 53 e opinou pela concessão parcial da ordem em 12.

Os dados foram compilados pelo advogado e pesquisador David Metzker e mostram como a desclassificação de traficante para usuário vem avançando no STJ, a contragosto do MPF.

Trata-se de um dos grandes dilemas decorrentes da forma como a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) foi editada. Ela criminaliza tanto o tráfico quanto a posse para consumo pessoal.

O artigo 28, parágrafo 2º, diz que, para determinar se a droga é para consumo pessoal, o juiz deve observar a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições da ação, as circunstâncias sociais e pessoais, a conduta e os antecedentes.

Na prática, essa diferenciação é difícil. Pessoas pegas com pouca quantidade droga não necessariamente são usuárias, por exemplo. Os dados levantados por Metzker mostram que, em 274 HCs e RHCs, os réus foram pegos com menos de 50 gramas.

Em 105 processos, os réus eram primários e, em 12, tecnicamente primários (ou seja, condenações anteriores, muito antigas, já haviam passado pelo período depurador). Os reincidentes foram agraciados em 60 processos. Em outros 150, não havia informação sobre primariedade.

A substância ilícita mais comum nesses processos é a maconha — 90 casos foram de réus pegos exclusivamente com ela. Há também registros de desclassificações envolvendo cocaína, crack e até lança-perfume.

Decisão do STF

O tema teve um importante precedente em 2024: em junho, o Supremo Tribunal Federal descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal e estabeleceu o marco de 40 gramas para diferenciar traficantes e usuários.

A presunção de usuário, no entanto, é relativa: ela não deve impedir a prisão em flagrante quando policiais identificam elementos que indiquem a traficância, como a forma de acondicionamento da droga, a variedade delas e a presença de petrechos.

Em alguns estados, a descriminalização mudou pouco ou nada. A Polícia Militar do Rio de Janeiro, por exemplo, avisou que a decisão do STF não impediria a prisão de usuários de maconha, postura que certamente gerou muitos Habeas Corpus.

No STJ, a decisão do STF provocou uma organização nos gabinetes. O precedente começou a ser aplicado colegiadamente em agosto. Os dados de Metzker mostram que a concessão de HCs e RHCs para desclassificação do tráfico, de fato, aumentou a partir de junho.

O pico de desclassificações ocorreu em novembro, com 49 delas. Quem mais concedeu HCs e RHCs foi a ministra Daniela Teixeira, cujo gabinete fez um mutirão a partir de setembro para redução do acervo, que caiu pela metade em dezembro. A ministra concedeu a ordem 120 vezes.

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Falha na digitalização pode ser comprovada por cópias certificadas de documentos, diz STJ

Em julgamento de embargos de divergência, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça admitiu a apresentação de cópias certificadas, extraídas dos autos físicos, para comprovar que a falha na digitalização do processo comprometeu a verificação de que o preparo do recurso especial foi recolhido no prazo legal.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão da 1ª Turma, segundo o qual a alegação de falha na digitalização das guias do preparo e dos comprovantes de pagamento deveria vir acompanhada de certidão específica do tribunal de origem, atestando a situação, o que não teria ocorrido no caso em discussão. Como consequência, o colegiado manteve a declaração de deserção do recurso especial.

Nos embargos de divergência, a parte apontou que, em situação semelhante, a 4ª Turma concluiu que as cópias certificadas dos comprovantes de pagamento eram suficientes para confirmar que foi feito o preparo do recurso especial.

Mesma força probatória

Segundo o ministro João Otávio de Noronha, relator dos embargos, as cópias certificadas dos documentos relativos ao preparo recursal, extraídas dos autos físicos na origem, devem ser apresentadas pela parte na primeira oportunidade que tiver e são suficientes para comprovar a falha de digitalização.

De acordo com o relator, não há fundamento legal para afastar a força probatória das cópias certificadas dos autos. Como consequência, apontou ele, deve ser dada fé pública a esses documentos.

“Com efeito, tanto as cópias certificadas quanto a certidão específica emitida pela secretaria do tribunal de origem são documentos hábeis a comprovar a alegada falha na digitalização dos autos por parte do tribunal de origem, o que não deve prejudicar a parte recorrente”, concluiu o ministro ao dar provimento aos embargos e afastar a deserção do recurso especial. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão
EAREsp 679.431

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STF exige regulamentação do poder de polícia da Funai até janeiro de 2025

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, estabeleceu novo prazo para que a União publique a normativa que regulamenta o poder de polícia da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Relator na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 709, que questiona, entre outros pontos, a atuação da Funai em relação à proteção dos territórios indígenas, Barroso tomou a decisão na sexta-feira (20).

Em março deste ano, o ministro havia determinado que a União regulamentasse em 180 dias o poder de polícia da Funai. Com o fim do prazo, em outubro, a União solicitou prorrogação de 60 dias para a publicação da norma, com a alegação de que os documentos relacionados ao tema estavam sob sigilo. O presidente do Supremo, no entanto, decidiu manter o prazo original, com a determinação para que a regulamentação seja publicada até 31 de janeiro de 2025.

Caso a União não cumpra o prazo, o ministro determinou que todos os documentos preparatórios sejam anexados aos autos do processo, mesmo que sob sigilo. A medida visa garantir a transparência e o controle judicial sobre o processo de regulamentação.

Na decisão, Barroso ressaltou a importância da regulamentação do poder de polícia da Funai para a proteção dos territórios indígenas e destacou que a atuação da Funai não exclui a competência de outros órgãos ambientais, como o Ibama.

O ministro defendeu também a necessidade de atuação coordenada e colaborativa entre os diferentes órgãos envolvidos na proteção do meio ambiente e afirmou que esse nível de coordenação é exercido rotineiramente entre o governo federal e os órgãos estaduais do meio ambiente e que, em função disso, não há razões para que essa colaboração não ocorra entre dois órgãos do mesmo nível federativo.

ADPF 709

Preocupada com a vulnerabilidade dos povos indígenas à Covid-19, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) propôs a ADPF 709 em julho de 2020, juntamente com seis partidos políticos, com a sugestão de medidas de proteção às comunidades indígenas para conter o avanço da pandemia nos territórios ocupados por esses povos.

Na ação, a entidade pediu a retirada de invasores das Terras Indígenas Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapo, Arariboia, Mundurucu e Trincheira Bacaja, bem como o fortalecimento dos serviços de saúde indígena. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

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ADPF 708

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Expedição de mandado de prisão em semiaberto e aberto exige intimação do condenado

Conforme a Resolução 474/2022 do Conselho Nacional de Justiça, após o trânsito em julgado da condenação, a pessoa condenada à prisão em regime semiaberto ou aberto deve ser intimada para iniciar o cumprimento da pena. Isso deve ocorrer antes que o mandado de prisão seja expedido

Assim, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ordenou o recolhimento de um mandado de prisão e a intimação de um condenado.

O homem foi condenado a cinco anos de prisão no regime semiaberto por homicídio culposo no trânsito e mais um mês em regime aberto por comunicação falsa de crime.

Após o trânsito em julgado da condenação e o cadastro do processo de execução penal, o Ministério Público considerou que não havia necessidade de intimação prévia do condenado. Por isso, mandou expedir o mandado de prisão.

A defesa do homem alegou descumprimento aos parâmetros estabelecidos pelo CNJ, já que as penas estipuladas foram para os regimes semiaberto e aberto.

O desembargador Vico Mañas, relator do caso, considerou que a expedição do mandado “não poderia ter ocorrido, configurando constrangimento ilegal”.

“De rigor a prévia comunicação do apenado sobre a necessidade de cumprimento da sanção reclusiva”, assinalou o magistrado. Atuou no caso o advogado Ricardo Martins.

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Processo 2358643-04.2024.8.26.0000

Fonte: Conjur

Prédio não pode manter galinhas-d’angola para controle de escorpiões

A 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença da Vara da Fazenda Pública de Presidente Prudente (SP), proferida pelo juiz Darci Lopes Beraldo, que negou pedido de condomínio para manter galinhas-d’angola utilizadas para controle de pragas em áreas comuns do local.

De acordo com os autos, após aprovação em assembleia de moradores, o condomínio introduziu as aves para combater infestação de escorpiões.

No entanto, a Vigilância Sanitária local recomendou a retirada dos animais, com base em denúncia sobre transtornos causados, como sujeira em decorrência das fezes e proliferação de vetores de doenças. A fiscalização também apontou que a criação de galinhas em áreas urbanas contraria legislações municipal e estadual, que proíbem tal prática por riscos sanitários e incômodos à vizinhança.

Em seu voto, o relator do recurso, desembargador Percival Nogueira, ressaltou que a decisão do condomínio não pode prevalecer sobre normas sanitárias e de saúde pública, que têm como objetivo proteger o bem-estar coletivo.

“A atuação da Vigilância Sanitária é destacada e se sobrepõe à assembleia condominial, especialmente no que tange ao uso das partes comuns e da exposição aos demais condôminos e ocupantes,” escreveu.

Participaram do julgamento os desembargadores Antonio Celso Faria e Bandeira Lins. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de comunicação do TJ-SP. 

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Processo 1021428-30.2023.8.26.0482

Fonte: Conjur

Galinha d'AngolaA 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve sentença da Vara da Fazenda Pública de Presidente Prudente (SP), proferida pelo juiz Darci Lopes Beraldo, que negou pedido de condomínio para manter galinhas-d’angola utilizadas para controle de pragas em áreas comuns do local. De acordo com os autos, após aprovação […]

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2024: o ano em que o TST se tornou uma corte de precedentes

O ano de 2024 se encerra com um balanço extremamente positivo para a Justiça do Trabalho e para sua corte de vértice, o Tribunal Superior do Trabalho. Como bem destacou seu presidente, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, no balanço de encerramento do ano judiciário na Justiça do Trabalho, muito se avançou “para quebrar antigos e menos eficazes paradigmas, substituindo-os por uma dinâmica que traga maior isonomia, segurança jurídica e eficiência”. [1]

Neste ano mirabilis [2] da Justiça do Trabalho, os ministros da Corte aprovaram normas fundamentais, com largas implicações a curto e a longo prazo, que racionalizam o fluxo dos recursos e priorizam a formação de precedentes obrigatórios. Ademais, foram criadas importantes estruturas administrativas para melhor gerir o imenso acervo processual, como a Secretaria-Geral de Gestão de Processos, assessorando a Presidência no labor de triagem, inteligência e processamento dos recursos, em especial dos agravos de instrumento em recurso de revista (AIRR — cerca de quatro quintos do acervo da Corte), bem como para subsidiar as propostas de instauração de incidentes de formação de precedentes vinculantes.

E não poderia ser diferente. Apesar de sucessivos recordes de produtividade — por exemplo, crescendo 2,97% neste ano (de 456.296 processos julgados em 2023, para impressionantes 469.868 até novembro de 2024) —, os processos recebidos cresceram em ritmo quase oito vezes maior: de 430.850, em 2023, para 530.021 em 2024 (alarmante crescimento de 23% na demanda recursal).[3] A necessidade de enfrentamento do crescimento exponencial da demanda, bem como de emissão de precedentes nacionais claros, isonômicos e estáveis, aptos a conferirem segurança jurídica nacionalmente às relações de trabalho, reforçam a importância das medidas adotadas pelos ministros do Tribunal Superior do Trabalho para incrementar a afetação e julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, bem como de outras iniciativas de racionalização recursal e consolidação do sistema de precedentes.

Reforma do Regimento Interno do TST

Quanto à reforma do Regimento Interno do TST, através da Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024,[4] trata-se de revisão que produziu grande salto qualitativo para a racionalização dos fluxos procedimentais, assim como para aclarar dúvidas quanto à aplicabilidade, ao processo do trabalho, de importantes dispositivos do Código de Processo Civil de 2015. Destacam-se os seguintes aprimoramentos:

Adoção do plenário virtual com acesso aberto em tempo real: A incorporação do modelo de plenário virtual com acesso aberto em tempo real a advogados e jurisdicionados, nos moldes já praticados no STF (como determinado pela Resolução CNJ nº 591/2024), fomentando o uso das sessões virtuais de julgamento para desafogar a pauta presencial dos Tribunais, com ampla transparência e participação da sociedade (RITST, artigos 132-136-C).

Possibilidade de formação de precedentes vinculantes por “reafirmação de jurisprudência”, em sessão virtual: Em especial, o novo artigo 132-A adota sistemática já consagrada no Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “a proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (…) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual” (caput) e, “o julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação” (§5º, com inspiração no artigo 323-A, do RISTF). A inovação é de extrema utilidade, a fim de que o Tribunal Superior do Trabalho aproveite sua ampla rede de precedentes persuasivos para ágil conversão em precedentes vinculantes, saindo de apenas 38 temas afetados até o presente (somados IRR, IAC e IRDR[5]) para números mais próximos daqueles do STF e do STJ — cada qual com cerca de 1.000 temas julgados, em pouco mais de uma década.

Nacionalização dos precedentes formados em IRDRs regionais: Outro louvável aprimoramento regimental é a regulamentação da cooperação dos Tribunais Regionais para o envio de recursos representativos de controvérsias repetitivas ao TST — mecanismo previsto no Código de Processo Civil de 2015, mas para o qual não havia sedimentação quanto à sua aplicabilidade ao processo do trabalho. O Regimento agora deixa claro que o recurso admissível que “verse sobre tema resolvido em segundo grau com base em tese fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser submetido ao rito do incidente de recursos repetitivos” (RITST, artigo 281, § 7º). Uma vez “apreciado o mérito do recurso afetado na forma do parágrafo anterior, a tese jurídica adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho será aplicada no território nacional a todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre idêntica questão de direito” (§ 8º, incorporando o artigo 987, §2º, do CPC). O dispositivo regimental, em conjunto o detalhamento contido na Instrução Normativa Transitória nº 41-A/2024 (Resolução TST nº 223, de 25/11/2024), fomentam a nacionalização dos precedentes vinculantes formados regionalmente, bem como mapeiam o respectivo fluxo procedimental, evitando que os recursos em face dos IRDRs regionais sejam distribuídos aleatoriamente, com risco de decisões conflitantes.

Opção pela “causa-piloto” como paradigma de julgamento de recursos repetitivos: Destaque-se que, na mencionada IN Transitória nº 41-A/2024, o TST fez clara opção pela doutrina da “causa-piloto”, amparada no artigo 978, parágrafo único, do CPC, rejeitando a possibilidade de recurso de revista em face de acórdão de IRDR regional abstrato, que não tenha julgado conjuntamente o respectivo caso concreto (mesma interpretação adotada pela Corte Especial do STJ, REsp nº 1.798.374/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 21.6.2022). “Somente a decisão que, nos termos do parágrafo único do art. 978 do CPC, após fixar a tese jurídica, julgar o recurso ordinário ou agravo de petição comportará a interposição do recurso de revista (IN 41-A, artigo 1º, § 1º). Sucessivamente, “caso não haja interposição de recurso de revista em face do acórdão mencionado no § 1º, será considerado, … o primeiro recurso de revista processado e remetido ao Tribunal Superior do Trabalho, … proveniente da aplicação da tese firmada” (§ 4º).

Remessa de recursos representativos de controvérsias repetitivas pelos TRTs: Outra importante possibilidade de cooperação judiciária é a remessa de recursos representativos de controvérsias repetitivas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, ainda que não oriundos de IRDRs locais. Tal possibilidade já era prevista, tanto no artigo 896-C, § 4º, da CLT, quanto no artigo 1.036, § 1º, do CPC — mas ainda não se encontrava regulamentada de modo a fomentar seu efetivo uso, pelos TRTs. Doravante, “sempre que identificar multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, por ocasião do juízo de admissibilidade”, o Tribunal Regional deverá submeter tal situação ao TST, propondo a análise pelo rito dos recursos repetitivos (RITST, artigo 286 e artigo 281, caput e § 9º), selecionando “recursos de revista representativos da controvérsia” com “a maior diversidade de fundamentos, …cujo conhecimento não esteja obstado por preliminares ou prejudiciais”, e havendo “representação de todas as teses em confronto” (artigo 281, § 10º). Assim, faz-se possível laborar em uma rede cooperativa e democrática, com a essencial contribuição dos vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho para a formação dos precedentes trabalhistas de alcance nacional.

Atribuição, ao Pleno, da competência para a decisão de afetação e julgamento de mérito de IRRs, IACs e IRDRs no TST: Com a finalidade de obter a máxima estabilidade para os entendimentos vinculantes firmados pelos TST, a Corte optou por atribuir a competência para decisão de afetação e julgamento de mérito dos precedentes vinculantes ao seu órgão máximo, o Tribunal Pleno, composto pela integralidade de seus ministros. Assim fazendo, mediante alteração das referências ao colegiado competente em diversos de seus dispositivos (notadamente, artigos 281, 298 e 305 do RITST), objetivou evitar eventuais oscilações jurisprudenciais como consequência de mudanças de composição de suas seções. Trata-se de importante passo a fim de reforçar o dever de estabilidade jurisprudencial, previsto no artigo 926 do CPC, conferindo maior segurança jurídica e previsibilidade aos jurisdicionados.

Legitimidade concorrente do presidente do TST para propor IRR, IRDR ou IAC: Conforme autorização chancelada pela Emenda Regimental nº 7/2024, o presidente do TST passa a ter legitimidade concorrente para “indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR, IAC ou IRDR, inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, artigo 41, XLVII, regra análoga ao art. 323, caput e § 1º, do Regimento Interno do STF). A regra racionaliza os recursos humanos e tecnológicos da administração do tribunal, aproveitando as equipes ligadas à Presidência para a triagem, pesquisa e indicação de temas e processos representativos de controvérsias. Tais equipes permanentes e altamente especializadas — a exemplo do que já ocorre com o STF e com o STJ — podem fornecer valiosos subsídios à Presidência do tribunal, identificando temas e respectivos processos representativos, a partir do acervo ainda não distribuído. Tal iter representa uma importante alternativa para a formação de precedentes obrigatórios pelo TST. Permitirá que o presidente, com apoio da estrutura administrativa do tribunal, possa submeter diretamente ao Tribunal Pleno propostas de afetação de IRR, IAC e IRDR, ampliando sua agilidade e eficiência.

Atualização do rito para a edição e alteração de súmulas, revogação do rito de elaboração de OJs: Outra importante mudança regimental a ser destacada é a atualização da disciplina da edição e alteração de súmulas do TST, especialmente após a “declaração de inconstitucionalidade da alínea ‘f’ do inciso II do artigo 702 da CLT pelo Pleno do TST (ArgInc-696- 25.2012.5.05.0463, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, julgado em 16/05/2022) e pelo STF (ADI 6188, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 22/08/2023)”, conforme exposição de motivos da referida Emenda Regimental. Em tal sentido, foram devidamente atualizados os pressupostos e o rito para elaboração e atualização das súmulas do TST (arts. 169-177 do RITST), depurados dos inatingíveis pressupostos contidos no art. 702, I, ‘f’, da CLT (dispositivo considerado inconstitucional por usurpar a competência exclusiva dos tribunais para disciplinar o funcionamento de seus órgãos internos). Mantiveram-se, todavia, critérios suficientes para revelar a pacificidade dos entendimentos no TST, a fim de amparar sua cristalização em súmula: “I – dois acórdãos reveladores de unanimidade sobre a tese, desde que presentes aos julgamentos todos os membros efetivos da Seção ou Subseção Especializada; II – três acórdãos reveladores de unanimidade sobre a tese, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros efetivos da Seção ou Subseção Especializada; III – cinco acórdãos prolatados por maioria simples, desde que presentes aos julgamentos pelo menos 2/3 (dois terços) dos membros efetivos da Seção ou Subseção Especializada (RITST, artigo 175). Finalmente, destaque-se que restaram revogados os dispositivos referentes à edição de novas orientações jurisprudências — OJs (artigos 179-182), ficando mantidas as atuais orientações jurisprudenciais até ulterior deliberação do Tribunal Pleno (RITST, artigo 361-A).

Instrução Normativa nº 40/2016 e a limitação dos agravos de instrumento prevista no CPC

Por outro lado, além da Emenda Regimental nº 7/2024, e da Instrução Normativa Transitória nº 41-A/2024, mencionados acima, destacam-se as profundas alterações relativas à Instrução Normativa nº 40/2016 (através da Resolução TST nº 224, de 25/11/2024), esclarecendo que, no processo do trabalho, também se aplica o artigo 1.030, §2º, do CPC. Assim, o Tribunal Superior do Trabalho deixa clara a aplicação da limitação aos agravos de instrumento em face da inadmissão de recursos de revista contra acórdãos que estejam em conformidade com determinados precedente vinculantes.

O mecanismo busca evitar que o Tribunal Superior do Trabalho seja reduzido a uma mera corte revisora de agravos, enquanto que sua missão maior é, naturalmente, o enfrentamento das grandes e novas questões do país, em matéria trabalhista. Os agravos de instrumento em recurso de revista (AIRR) representam, atualmente, cerca de 79,2% do volume de recursos recebidos, portanto consumindo praticamente 4/5 das energias do tribunal, ainda que para um ínfimo índice de provimento, de 3,8%, em 2024.[6]

De acordo com o novo artigo 1º-A da IN nº 40/2016, ao invés de AIRR, caberá apenas “agravo interno da decisão que negar seguimento ao recurso de revista interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, exarado nos regimes de julgamento de recursos repetitivos, de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência”, conforme regramento que já vinha previsto nos artigos 1.030, § 2°, e 1.021 do CPC — aplicáveis ao processo do trabalho, conforme expressa dicção do artigo 896-B da CLT. Por outro lado, ainda que a Instrução Normativa se limite a mencionar os precedentes do TST, é intuitivo que o regramento legal, uma vez tido como aplicável ao processo do trabalho, incida como um todo — havendo a mesma eficácia em relação à decisão “do presidente ou do vice-presidente do tribunal … quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral …” (CPC, artigo 1.042).

Quantitativamente, o cabimento dos agravos internos aumentará progressivamente, a despeito de inicialmente diminuto — já que ainda há poucos precedentes vinculantes produzidos pelo TST, bem como considerando que não são numerosos, em matéria trabalhista, os julgamentos de mérito firmados em sede de repercussão geral. Por outro lado, naturalmente, não obsta a subida de agravo de instrumento, a denegação de recurso de revista em temas para os quais o STF firmou que não há repercussão geral — já que, em tais decisões vinculantes, o STF afirma que, na realidade, não se pronunciará sobre o mérito do tema, deixando-o para os demais tribunais fazê-lo.

Outro aspecto relevante da Instrução normativa é a disciplina da cumulação objetiva de pleitos recursais, tão frequente na recorribilidade trabalhista. “Havendo no recurso de revista capítulo distinto que não se submeta à situação prevista” no mencionado dispositivo, diante da independência dos capítulos da decisão (art. 356 do CPC), é ônus da parte interessada “impugnar, simultaneamente, mediante agravo de instrumento, a fração da decisão denegatória respectiva, sob pena de preclusão” (IN  40, artigo 1º-A, § 1º). Nesta hipótese, havendo tal “interposição simultânea, … o processamento do agravo de instrumento ocorrerá após o julgamento do agravo interno pelo órgão colegiado competente”. O trâmite do agravo interno costuma ser bastante rápido, provável motivo pelo qual o Tribunal Superior do Trabalho optou pelo trâmite sucessivo dos agravos interno e de instrumento — ao invés do mais complexo trâmite simultâneo, com a cisão dos autos.[7]

Quanto ao julgamento, caso o agravo interno seja provido, o respectivo tópico do recurso de revista será admitido para remessa ao TST, enquanto que, se desprovido, “nenhum recurso caberá dessa decisão regional” (§ 3º). Trata-se de sistemática que complementa a dinâmica do julgamento por amostragem, típica do rito dos repetitivos. Ao julgar um exemplar, com eficácia vinculante, a Corte Superior está, na realidade, julgando centenas ou milhares, cabendo às demais instâncias aplicarem o respectivo entendimento aos demais recursos repetitivos e filtrarem a subida de recursos sobre matéria idêntica, já em conformidade com o entendimento firmado na Corte Superior. Afinal, de nada adianta que esta pacifique determinadas matérias, firmando precedentes vinculantes, se continuar acorrentada ao julgamento de centenas de milhares de agravos sobre as mesmas questões já resolvidas, escasseando-lhe a disponibilidade para enfrentar as questões novas — cumprindo sua missão constitucional enquanto corte de vértice, orientadora do respectivo ramo judiciário.

Enfim, o ano judiciário trabalhista de 2025 muito promete, como efeito das profundas alterações normativas e estruturais implementadas no ano mirabilis de 2024, o qual será lembrado como aquele em que o Tribunal Superior do Trabalho trilhou decisivos passos para se tornar uma corte de precedentes. Que venha 2025, com os desdobramentos e frutos de tais promissoras mudanças!


[1] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST encerra 2024 consolidando seu papel como corte de precedentes. 19 dez. 2024. Disponível em <https://tst.jus.br/web/guest/-/tst-encerra-2024-consolidando-seu-papel-como-corte-de-precedentes>.

[2] Literalmente, ano miraculoso ou maravilhoso, expressão frequentemente usada por historiadores para se referir a anos que concentraram acontecimentos historicamente decisivos para determinado povo ou para determinados ramos da ciência ou do conhecimento humano.

[3] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Movimentação Processual do TST 2024, pg. 3. Nov. 2024. Disponível em <https://tst.jus.br/web/estatistica/tst>.

[4] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Emenda Regimental n. 7, de 25 de novembro de 2024, republicada em 17 de dezembro de 2024. Disponível em <https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/242869>.

[5] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Núcleo de Gestão de Precedentes (NUGEP-SP). Disponível em <https://tst.jus.br/web/guest/nugep-sp>.

[6] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Movimentação Processual do TST 2024, pgs. 20-21. Nov. 2024. Disponível em <https://tst.jus.br/web/estatistica/tst>.

[7] Como ocorre, e.g., na classe 12760 – “Recurso de Julgamento Parcial”, Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT 3/2020.

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Acordo de leniência e o compartilhamento de dados

O acordo de leniência, enquanto negócio jurídico, está sujeito aos planos de existência, validade e eficácia previstos no Código Civil, devendo ser ajustado às especificidades desse instrumento.

Para que um negócio jurídico exista, é necessário que estejam presentes os seguintes elementos: manifestação de vontade das partes, presença de agentes emissores dessa vontade, objeto e forma. No caso do acordo de leniência, esses requisitos se concretizam quando as partes expressam sua concordância em relação ao objeto pactuado, respeitando os requisitos formais exigidos por lei.

Quanto à validade, a manifestação de vontade deve ser livre, de boa-fé, e emitida por agentes capazes e legitimados para firmar o acordo. O pacto deve versar sobre um objeto lícito, possível e determinado (ou determinável), além de observar a forma adequada, seja ela definida livremente pelas partes ou prescrita em lei. Cumpridos esses requisitos, o acordo de leniência, devidamente constituído, passa a ser considerado válido.

Contudo, um negócio jurídico que já tenha sido constituído (plano da existência) e validado (plano da validade) muitas vezes depende de um elemento adicional para produzir seus efeitos. No direito civil, os elementos mais comuns são o termo, a condição e o modo ou encargo.

Nos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal (MPF), é necessária a homologação do pacto (plano da eficácia) pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (5ª CCR). Nesse contexto, a 5ª CCR estabeleceu, por meio da Orientação nº 7/2017, que: “Assinado o acordo, o procedimento administrativo no qual estiver juntado deverá ser encaminhado à 5ª CCR, para homologação, por meio do Sistema Único, garantindo-se o necessário sigilo”.

Assim, após superadas as fases de existência e validade, sendo esta última reapreciada, o acordo de leniência é submetido à 5ª CCR para análise e homologação, cumprindo o plano de eficácia no âmbito do Ministério Público. No momento da homologação, a 5ª CCR analisará a regularidade e legalidade do pacto, sem adentrar no mérito do acordo.

O mesmo procedimento deve ser seguido nos casos de adesão a acordos de leniência firmados por outros órgãos, já que tal adesão também constitui um negócio jurídico. Esse tipo de ato gera direitos e obrigações para as partes, assumindo o MPF encargos semelhantes ou idênticos aos que assumiria caso fosse responsável pela celebração inicial do pacto.

Compartilhamento de dados

No que diz respeito ao compartilhamento de informações e provas obtidas por meio de um acordo de leniência, a Orientação Normativa nº 7/2017 da 5ª CCR estabelece: “O acordo de leniência deverá conter cláusulas que tratem, pelo menos, dos seguintes pontos: 7.7. Adesão e compartilhamento de provas (Previsão da possibilidade de adesão ao acordo, por parte de outros órgãos do Ministério Público Federal, de outros Ministérios Públicos ou de outros órgãos e instituições públicas mediante o compromisso de respeitarem os termos do acordo ao qual estão aderindo, viabilizando-se, somente então, o compartilhamento das provas e informações obtidas por meio do acordo)”.

De forma complementar, a Nota Técnica nº 1/2017 da 5ª CCR reforça que: “O compartilhamento da prova produzida em colaboração, para ser válido e proporcional, depende de aceitação dos termos do acordo, no que diz especialmente aos limites de atuação em relação à pessoa jurídica colaboradora, que merece a devida proteção estatal”.

Ainda, o Estudo Técnico nº 01/2017 da 5ª CCR estabelece que “é preciso que haja adesão aos termos do acordo de leniência firmado com a pessoa jurídica colaboradora, por parte dos demais órgãos de fiscalização e controle que não celebraram a avença, mas busquem informações dela advindas para a tomada das medidas cabíveis em suas alçadas, na defesa do erário e na reparação dos danos”.

Ademais, a Orientação Conjunta nº 1/2018, das 2ª e 5ª CCRs, prevê que “tais provas não poderão ser utilizadas contra os próprios colaboradores para produzir punições além daquelas pactuadas no acordo”, sendo necessário que essa ressalva “seja expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que se trata de uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova”.

A Nota Técnica nº 2/2018 da 5ª CCR reforça que “a utilização de provas obtidas com colaboradores resulta possível nos termos do Acordo de Leniência celebrado, pressupondo a existência de adesão pelas instituições interessadas, aos seus termos convencionais, viabilizando a legítima utilização da prova, mediante compartilhamento”.

Portanto, é clara a necessidade de adesão aos termos do acordo de leniência pelos órgãos públicos interessados na utilização das provas apresentadas, devendo respeitar as obrigações e os benefícios previamente acordados. Contudo a 5ª CCR, na Nota Técnica nº 1/2020, sugeriu que acordos de leniência com repercussão criminal também sejam homologados no juízo criminal, fez-se um paralelo com a colaboração premiada.

Diante dessas premissas, para que ocorra o compartilhamento e utilização dos elementos apresentados em um acordo de leniência, é necessária, conforme consagrado na Nota Técnica nº 1/2017, no Estudo Técnico nº 01/2017 e na Nota Técnica nº 2/2018, todos da 5ª CCR, a adesão do órgão requerente. Dessa forma, o órgão assume o dever de respeitar os direitos e obrigações pactuados.

A necessidade de adesão é apresentada como forma de impedir a utilização das provas contra os próprios colaboradores em outras esferas, evitando punições além daquelas pactuadas no acordo, conforme disposto na Orientação Conjunta nº 1/2018, das 2ª e 5ª CCRs. Esse é um dos motivos pelos quais a 5ª CCR, na Orientação Normativa nº 7/2017, estabelece a necessidade de previsão expressa, nos acordos de leniência, de cláusula de adesão para possibilitar o compartilhamento de provas e informações.

Em casos de acordos de leniências com repercussão criminal, a 5ª CCR, por meio da Nota Técnica nº 1/2020, sugere, como já mencionado, que esses acordos também sejam homologados no juízo criminal. Entretanto, essa providência não implica a necessidade de decisão do juízo criminal em situações de compartilhamento de caráter cível. A eficácia do acordo, no âmbito cível, é estabelecida pela homologação da 5ª CCR, e não pela decisão do juízo criminal. Assim, eventuais situações de compartilhamento ou adesão para fins cíveis devem observar exclusivamente as diretrizes estabelecidas pela 5ª CCR, como especificado acima.

Em casos que tenham repercussão criminal, homologados também no juízo criminal, e o compartilhamento seja direcionado para persecuções de caráter criminal, é necessário, além da adesão, que ocorra o pleito e a análise por parte do juízo criminal homologador.

Contudo, antes do compartilhamento das informações, após a prévia adesão, deverá ser verificado se há acordos de colaboração premiada relacionados ao caso, celebrados com pessoas físicas. Caso existam, será necessário também aderir aos referidos acordos, caso os elementos apresentados na colaboração sejam total ou parcialmente os mesmos do acordo de leniência, evitando-se, assim, persecuções indevidas contra os colaboradores pessoas físicas.

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