Foi editada a Medida Provisória 1.184, de 28/8/23, para modificar a tributação dos rendimentos dos fundos de investimento, considerados como uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza (artigo 1.368-C, Código Civil). O tributo em foco é o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), que poderá ser considerado como definitivo ou antecipado (artigo 16, MP 1.184).
Não vou tratar da tributação rotineira desses fundos, concentrando as atenções na tributação de seu estoque, isto é, do montante acumulado que estava sujeito a uma forma de tributação, que foi modificada pela referida MP. O ponto central sob análise é seu artigo 11, ao estabelecer que “os rendimentos apurados até 31 de dezembro de 2023 nas aplicações nos fundos de investimento que não estavam sujeitos, até o ano de 2023, à tributação periódica nos meses de maio e novembro de cada ano e que estarão sujeitos à tributação periódica a partir do ano de 2024, com base nos artigo 2º ou artigo 10, serão apropriados pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023 e ficarão sujeitos ao IRRF à alíquota de 15%”.
Eis o ponto: o montante acumulado, isto é, o estoque de recursos, pode ter sua base de cálculo apurada pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023, para futura tributação?
A análise passa pelos seguintes argumentos, independente de outros que possam surgir no debate que se avizinha: vigência, eficácia, irretroatividade e anterioridade.
A vigência dessa norma está regulada pelo artigo 27 da referida medida provisória, que, como é habitual, menciona que ela entrará em vigor na data de sua publicação. Todavia, seus dois incisos estabelecem diferentes momentos para sua produção de efeitos (um dos sentidos de eficácia).
O inciso I do art. 27, MP 1.184, determina que a produção dos efeitos (eficácia) será imediata “em relação aos artigo 12, artigo 13 e aos §3º e §4º do artigo 14“. O que estabelecem esses artigos? O artigo 12 prevê a possibilidade de tributação reduzida, caso o pagamento desse estoque ocorra antecipadamente.
O artigo 13 trata da hipótese dos fundos que se extinguirão antes de novembro de 2024. E os §§ 3º e 4º do artigo 14 regulam hipótese de fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundos que venham a ocorrer até 31 de dezembro de 2023.
O inciso II do artigo 27 determina que a produção dos efeitos (eficácia) ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 2024 em relação aos demais dispositivos.
O atento leitor ou leitora já observou que o artigo 11 não está excepcionado no inciso I, do artigo 27, sobre ele incidindo a regra geral do inciso II. Ou seja, a norma que estabelece a tributação do estoque de recursos é o artigo 11, acima transcrito, cuja eficácia está expressamente diferida para 1º de janeiro de 2024, em razão do que dispõe o inciso II do artigo 27, da MP 1.184.
Qual valor servirá de base de cálculo para incidir 15% de IRRF estabelecido pelo artigo 11? O texto estabelece que esse valor deverá ser “apropriado pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023″.
Aqui estão os efeitos retroativos do artigo 11, pois, mesmo que a tributação do estoque venha a ocorrer em momento futuro, isto é, seja apurada a partir de janeiro de 2024, essa norma determina que a base de cálculo seja apurada tomando por base valores passados, isto é, pro rata de 2023.
Os efeitos aqui determinados estão retroagindo, o que infringe duas normas: o princípio constitucional que proíbe a cobrança de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado” (artigo 150, III, “a”, CF), e o artigo 27, II, da MP 1.184, que determina a produção de efeitos a partir de 1/1/24.
Não se trata de anterioridade plena ou mitigada (artigo 150, III, “b” e “c”), mas de violação ao princípio que impede a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os instituiu — princípio da irretroatividade (artigo 150, III, “a”, CF).
Nesse sentido, é inconstitucional a tributação do estoque de recursos tal qual delineada pela MP 1.184.
Qual seria a base de cálculo correta, para que não houvesse a infringência normativa acima apontada? A que vier a ser apurada a partir de 1/1/24, adotando-se a nova regra geral para a incidência de IRRF estabelecida pela MP 1.184.
Exposto o entendimento jurídico que entendo aplicável ao caso, cabem ainda breves palavras sobre os extremos.
É simplesmente inconcebível a hipótese cogitada por alguns radicais operadores de mercado de que esse estoque de recursos devesse permanecer tributado sob a regra anterior, pois é pacífico que não há direito adquirido a determinado regime jurídico, em especial no que se refere à incidência tributária.
Por outro lado, existe quem entenda essa interpretação injusta, pois beneficiará os super ricos, como a imprensa definiu os titulares desses fundos. Gostemos ou não, essa é a ordem jurídica existente e que deve ser obedecida até que seja alterada pelos canais competentes.
O respeito à lei é que nos torna civilizados e pode dar segurança jurídica a cada qual na convivência social. Respeito na elaboração da norma e em seu cumprimento.
Estou escrevendo um livro sobre Como Fazer a Coisa Certa no Direito. Já está na editora. Mas se pudesse incluiria o que a seguir relatarei, para mostrar o que é a coisa errada no direito e por que nossa chance de “dar certo” é mínima. Principalmente quando se ignora a legislação, os Códigos e se desdenha do pobre do usuário e de seu causídico. Aliás, repito: advogar é um exercício de humilhação cotidiana. Por isso advocacia é para fortes. Stoik Mujik.
Como já falei semana passada, isso também ocorre por culpa da advocacia, que se queda silente. É a praga da pós-modernidade, em que o mundo virou um grande grupo de WhatsApp. Nele, não há realidade, só ficções. Aniversários (como o mundo é fofo no modo virtual), fotos de pizzas (todo mundo é feliz), epistemologia do churrasco (comprar e assar um carneiro é mais fácil que escrever um tratado sobre os carneiros — oiçam Lenio Streck em Podcast — em que explico O que é isto — A Epistemologia do Churrasco) e a prática da economia dos afetos (a nova disciplina pós-moderna). A chance de isso tudo dar certo é quase zero.
E sigo. Algumas coisas aparecem como sintomas. Por isso falarei sobre duas decisões do TJ-MS. O que delas vale é o simbólico. O que elas simbolizam — essa é a questão fulcral.
Trata-se de duas decisões proferidas pelo mesmo magistrado em dois dias seguidos, cujo conteúdo é absolutamente contraditório sobre o mesmo tema.
Vejamos.
Primeiramente, ao tratar sobre a Medida Cautelar com pedido liminar em RESE 1402522-05.2023.8.12.0000, o desembargador Jairo R. de Quadros proferiu decisão que acatou o pedido do Ministério Público e atribuiu efeitos suspensivos ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo réu no processo criminal, ordenando que o processado retornasse a cumprir pena no regime fechado.
Nessa decisão, acatou o pedido do MP, embora a Medida Cautelar não esteja prevista como uma das possibilidades de se alcançar efeito suspensivo de recurso. O julgador entendeu que este caso estaria abarcado como uma das hipóteses de interpretação extensiva que se pode valer ao julgar um processo criminal, com esteio no artigo artigo 3º do Código de Processo Penal. Além disso, o desembargador cita alguns precedentes judiciais do STJ (HC 492.460 e HC 491.443) e do Tribunal de Justiça de SP (CautInom 2229256-09.2019.8.26.0000). Para arrematar, o julgador ainda cita que está presente os requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora, fundamentando sua decisão na “necessidade de garantia da ordem pública” ao afirmar que o réu possui condenações anteriores e portava quantidade considerável de crack.
O mundo gira duas vezes e, no pedido liminar em Medida Cautelar do proc. 1403023-56.2023.8.12.0000, o mesmo julgador negou o pedido sem sequer analisar a fundamentação de mérito. Acontece que o magistrado entendeu, desta vez, que não seria cabível um pedido de efeito suspensivo por meio do método da Medida Cautelar, argumentando que os recursos no processo penal têm caráter taxativo:
“Como cediço, os recursos cabíveis no direito processual penal são enumerados taxativamente, mesmo porque inexiste analogia em matéria recursal” [1].
Gosto quando os magistrados são taxativos. Portanto, apenas dois dias após proferir decisão acatando a Medida Cautelar como meio idôneo para pleitear a suspensão de RESE, o desembargador profere julgamento diametralmente oposto.
Não é que ele não pudesse mudar de opinião. Mas para isso tinha o ônus argumentativo. Fazer o overruling de si mesmo.
É de se espantar que no processo de número 1402522-05.2023.8.12.0000 o magistrado tenha invocado uma interpretação analógica e extensiva do instituto e, apenas dias depois, tenha sido tão enfático quanto à taxatividade do modelo recursal penal.
Gosto também da argumentação. Com efeito, para dar maior peso à sua decisão, o desembargador colaciona alguns julgados que denegam pedido de suspensão por meio de Mandado de Segurança e Medidas Cautelares (TJ-SP e TJ-MG).
Interessante é que o fiscal da lei, o Ministério Público, parece nada fazer com relação a isso. E o magistrado não se constrange em transformar a decisão judicial em uma mera escolha. Esquece-se do significado do nobre ofício de decidir. Que é um ato de responsabilidade política. Ninguém pode depender de escolhas do tipo vou ao cinema ou não vou. Ou quero Pepsi ou Coca-Cola. Ou hoje é taxativo, amanhã não será. Há um verbete no meu Dicionário de Hermenêutica que trata exatamente do tema Decisão.
Por fim, se alguém quiser uma dica de prova em concurso público, pergunte o que é solipsismo e coloque nas alternativas esse caso do TJ-MS.
E nada mais preciso dizer, a não ser:
(i) Precisamos falar sobre o direito brasileiro.
(ii) Precisamos falar sobre os artigos 489 do CPC e 315 do CPP.
(iii) Precisamos falar sobre precedentes.
(iv) Precisamos falar sobre coerência e integridade (artigo 926 do CPC).
(v) Precisamos falar sobre a Revista de Precedentes (ler aqui).
Sim, necessitamos. Vandré dizia naquele dia do festival em 1968: a vida não se resume a festivais. E eu digo: gente do direito, a vida não se resume a grupos de WhatsApp e redes sociais. Existe vida fora disso. E essa é real.
Como real é o mundo concreto em que todos os dias somos feridos por decisões em embargos de declaração, REsp etc.
Sim, precisamos, mesmo, falar sobre o que está acontecendo no direito brasileiro.
Post scriptum: já estava fechada a coluna, quando recebi de meu amigo Marcio Berti a lista de enunciados do Fórum Nacional Juizados Criminais (Fonajuc).
Entre outros, chamou-me a atenção o de número 13: Não será adiada a audiência em caso de não comparecimento injustificado do representante do Ministério Público devidamente intimado. O enunciado foi aprovado por maioria. Resta saber se uma audiência criminal é válida sem a presença do MP. Ou a sua ausência acarreta a extinção da ação penal? Ou o juiz conduzirá, violando o artigo 212 do CPP e todo o princípio acusatório? “Legislar” não é fácil, pois não? O realismo jurídico brasileiro não se contenta com o clássico lema “o direito é o que…”. Vai mais longe e explicitamente estabelece leis gerais.
A maior parte dos profissionais que atuam em escritórios de advocacia acredita no crescimento da produtividade e da eficiência de seus trabalhos com a inteligência artificial (75% e 67%, respectivamente). Além disso, 55% deles creem que a ferramenta pode reduzir custos e, consequentemente, aumentar receitas.
Maior parte dos advogados entrevistados acredita que IA pode ajudar a reduzir custos
É o que aponta o mais recente relatório “Thomson Reuters — Future of Professionals”, lançado neste mês pela empresa de consultoria Thomson Reuters. A pesquisa foi feita com mais de 1,2 mil profissionais que trabalham internacionalmente, e teve por objetivo estimar o impacto da IA no futuro do trabalho.
Em relação aos profissionais do Direito, a pesquisa constatou que 81% dos entrevistados esperam que novos serviços relacionados à inteligência artificial surjam nos próximos cinco anos, criando, assim, novas fontes de receita.
Por outro lado, 58% deles acreditam que incrementarão suas competências profissionais com as novas tecnologias, enquanto mais de dois terços dos advogados enxergam a IA como uma ferramenta para consultas.
“Por meio da aplicação da IA para realizar tarefas mais mundanas, os profissionais têm a oportunidade única de abordar questões de capital humano, como satisfação no trabalho, bem-estar e equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, disse em nota Steve Hasker, presidente e CEO da Thomson Reuters.
“Isso, por sua vez, desbloqueará tempo para que os profissionais se concentrem em trabalhos complexos, que agreguem valor às necessidades de seus clientes.”
O estudo mostra que a maioria dos advogados enxerga a IA como uma oportunidade de aumento de produtividade sob dois aspectos: economia de tempo com o tratamento de dados em grande escala e maior precisão no trabalho administrativo.
Além disso, 53% dos advogados acreditam que a própria classe deve regulamentar o uso de inteligência artificial na profissão, enquanto 25% opinam que o governo deve assumir essa posição.
Outro ponto citado pelo relatório é o impacto geral do trabalho na saúde mental dos profissionais. E, em relação aos trabalhadores dos escritórios de advocacia, o resultado é preocupante: 35% dos entrevistados afirmaram que o impacto em saúde mental e bem-estar é “moderadamente negativo” ou “fortemente negativo”.
Clique aqui para ler a pesquisa completa (em inglês)
Ao investigar caso de lavagem de dinheiro, a autoridade policial responsável não pode dispensar a autorização judicial e solicitar informações sobre movimentação financeira de suspeitos diretamente ao Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Dados financeiros obtidos pelo delegado direto junto ao Coaf deram indícios do do crime de lavagem de capitais 123RF
Essa foi a conclusão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu provimento a recurso em Habeas Corpus para reconhecer a ilicitude de dois relatórios de inteligência financeira obtidos por um delegado de Polícia contra empresários suspeitos de lavagem de dinheiro.
A posição representa um endurecimento em relação à interpretação do STJ sobre como os órgãos de investigação devem tratar esses dados financeiros, ressaltando a necessidade de que essas requisições sejam tuteladas pelo Poder Judiciário por meio de autorizações prévias.
Como decidiu o Supremo Tribunal Federal em 2019, o compartilhamento de dados sigilosos entre a Receita Federal e o MP é possível sempre que houver a hipótese de atuação criminosa. Esses indícios vêm nos relatórios do Coaf, que hoje se chama Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e está subordinado administrativamente ao Banco Central.
A partir dessa posição, o STJ passou a delinear como esse compartilhamento pode ser feito.
Nesses precedentes, o contato do órgão ministerial é sempre com a Receita Federal. Já no caso julgado pelo STJ, há uma diferença importante: a requisição foi feita pela autoridade policial diretamente ao Coaf.
As investigações partiram de indícios de que os empresários, donos de uma cervejaria no Pará, causaram prejuízo de R$ 600 milhões ao erário a partir de 50 crimes fiscais, com lavagem de dinheiro. Os dados do Coaf recebidos pela polícia deram indícios contundentes de materialidade delitiva e serviram para embasar pedido de busca e apreensão.
“A pergunta que fica é: por que não pedir uma autorização judicial?”, afirmou o relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro Emerson Leal/STJ
Por que não pedir? Por maioria de votos, a 6ª Turma entendeu que mesmo esse tipo de requisição é ilegal. Relator, o ministro Antonio Saldanha Palheiro votou por reconhecer a ilicitude do compartilhamento. Foi acompanhado pelo ministro Sebastião Reis Júnior e pelo desembargador convocado Jesuíno Rissato.
Para Saldanha, autorizar o contato direto entre MP e Coaf implicaria e conferir aos órgãos de investigação, em quaisquer inquérito, o poder de obter informações sigilosas. “A pergunta que fica é: por que não pedir uma autorização judicial? É uma maneira de conseguir um filtro para eventuais exageros”, disse.
“Essas informações estão lá [no Coaf], não vão desaparecer. Tem que ter um mínimo de controle desse tipo de procedimento”, concordou o ministro Sebastião. “Nunca sabemos o porquê dessas solicitações e onde essas informações vão parar. A autoridade policial pode pedir e nem usar. Não há controle nenhum. Eu tenho profundo receio disso”, complementou.
Nenhuma ilegalidade Abriu a divergência o ministro Rogerio Schietti, que ficou vencido ao lado da ministra Laurita Vaz. Para ele, a hipótese dos autos não se enquadra nos precedentes até hoje julgados pelo STJ ou pelo STF, uma vez que estes trataram de dados sigilosos e detalhados no Imposto de Renda.
Para ministro Schietti, não há irregularidade porque relatórios não identificam dados sigilosos, só apontam movimentação atípica Nelson Jr./STF
Nos dados enviados à polícia, o Coaf aponta que existe movimentação financeira atípica, mas sem delinear a natureza dessa atipicidade. Caberia ao órgão investigador qualifica-la ou não como ilícito penal, por meio de diligências posteriores, como a busca e apreensão.
Essa é a realidade de como funciona esse compartilhamento de dados. O Coaf recebe dados das instituições financeiras e, quando identifica atipicidades, prepara um relatório meramente descritivo, sem revelar dados específicos e particulares protegidos pelo sigilo.
Quando existem indícios de prática delitiva, o órgão repassa a notícia criminal para a Polícia Federal, para o Ministério Público Federal e/ou para os Ministérios Públicos Estaduais, a depender da esfera de atribuição. É então que esses órgãos podem solicitar informações sobre operações suspeitas ou atípicas.
“Logo e em conclusão, em relação ao conteúdo, entendo que não há similaridade entre o relatório produzido pelo Coaf e as informações obtidas em decorrência da quebra dos sigilos fiscal ou bancário”, apontou o ministro Schietti. Para ele, não há nenhuma ilegalidade na requisição do relatório do Coaf feita pela autoridade policial.
O Pontal do Paranapanema está localizado no extremo oeste do estado de São Paulo, na divisa entre os estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul. A região é conhecida nacionalmente por questões fundiárias, de grilagens e de seguidas invasões de propriedades. No meio disso tudo está o Estado de São Paulo, sustentando que as terras são devolutas, e que os registros imobiliários em nome dos particulares estão eivados de vício insanável na origem da filiação dominial.
A situação da região é diferente de outras regiões do Brasil, pois quase todos os imóveis estão devidamente registrados nos Cartórios de Registros de Imóveis.
A maioria das matrículas imobiliárias atuais da citada região deriva do primeiro registro imobiliário de 31 de março de 1901, no Cartório de Imóveis de Assis (SP), Transcrição nº 133, do imóvel denominando Fazenda Pirapó e Santo Anastácio.
Segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), o registro originário da Fazenda Pirapó e Santo Anastácio teria sido aberto de forma ilegal, sem o devido destaque do Estado ou do processo de revalidação exigido pela Lei nº 601 de 1850, conhecida como Lei de Terras.
Com fundamento nessa alegação são promovidas as ações discriminatórias visando separar as terras particulares das terras devolutas. Terminado o processo, se a ação for julgada procedente, dar-se-á início a fase demarcatória para individualizar o perímetro devoluto, momento em que são canceladas as matrículas imobiliárias atuais até o registro primitivo, possibilitando ao Estado entrar com a ação reivindicatória para tomar posse do imóvel.
Normalmente, o Estado é obrigado a indenizar pelas benfeitorias feitas no imóvel antes de ser imitido na posse. Todavia há casos em que o proprietário sequer teve esse direito reconhecido [1].
É importante consignar que o registro imobiliário tem origem no Brasil justamente quando vigia a Lei de Terras nº 601/1850, e seu regulamento no Decreto nº 1.318/1.854. Assim, quando da abertura da Transcrição nº 133, em 31 de março de 1901, deveria o oficial registrador observar os dispositivos legais vigentes.
O oficial de registro só poderia abrir o registro imobiliário se o possuidor tivesse promovido a revalidação do seu título de posse ou registro paroquial junto à repartição de terras públicas, artigos 3º, 4º e 5º da Lei 601/1850, no caso da Transcrição nº 133, só consta como título de origem um registro paroquial, que de acordo com os artigos 93 e 94 da Lei de Terras não possuía aptidão para caracterizar o domínio e não poderia ensejar a abertura do registro imobiliário.
Com efeito, o registrador tinha obrigação legal de conferir as normas vigentes na abertura do registro da transcrição imobiliária, e sem o título hábil não se poderia dar ensejo ao registro. Essa é a conclusão da jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) [2] e do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) [3].
Desta forma, se o oficial de registro não podia abrir a referida transcrição imobiliária, resta evidenciado o erro ou culpa, que induziram a erro os adquirentes dos imóveis.
Os adquirentes das terras foram comprando seus imóveis ao longo destes anos através de escrituras públicas devidamente registradas no folio real, recolhendo impostos intervivos, causa mortis e ITR, em favor do Estado, sem que houvesse qualquer restrição ou informação nos registros imobiliários. Os compradores, terceiros de boa-fé, não sabiam que sobre aquele registro pairava suspeita de vício na origem da cadeia dominial, há casos em que o Estado demorou mais de cem anos para dar entrada na ação discriminatória.
O erro e a culpa do oficial registrador ao não observar as regras para abertura da Transcrição nº 133 são notórios e comprova o nexo de causalidade entre a conduta culposa do agente e os danos experimentados pelos proprietários, que estão tendo suas matrículas canceladas e correndo o risco de perder o imóvel.
Não há qualquer dúvida que o oficial de registro procedeu em desconformidade com o que determinava a legislação. E como os serviços de registros são exercidos por delegação pública [4], o Estado de São Paulo é o grande culpado pela conflagração fundiária que assombra o Pontal do Paranapanema, seja porque demorou muito tempo para buscar resolver o problema, seja porque não fiscalizou os cartórios.
O Estado busca transferir sua responsabilidade para os proprietários que muitas vezes não recebem a indenização pela perda de suas terras, imóveis adquiridos com fulcro na fé pública dos registros imobiliários, conforme dispõe a Lei Federal nº 8.935/94 e artigo 19, II da Constituição Federal.
Nesses termos, a nova Lei de Regularização paulista nº 17.557/2022 é um alento aos proprietários rurais. Mas no a PGE insista na retomada dos imóveis. A Constituição estabelece a responsabilidade civil objetiva e solidária do Estado no dever de indenizar:
“Artigo 37 (…)§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
O STF (Supremo Tribunal Federal) assentou tese de repercussão geral, obrigando o Estado a indenizar as vítimas por atos praticados pelos oficiais de registro que no exercício da sua função causem prejuízos a terceiros, exatamente como no caso das terras do Pontal do Paranapanema, Recurso Extraordinário nº 842.846/SC, devendo os tribunais e juízes obedecerem a orientação:
“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.”
A responsabilidade do Estado por atos irregulares praticados pelos registradores existe desde a codificação anterior. O artigo 15 do Código Civil de 1916 [5] trazia redação semelhante ao atual artigo 43 [6], e o STF no RE nº 116.662, relator ministro Moreira Alves, reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado quando presente a culpa do registrador, aliás no Brasil nunca vigorou a irresponsabilidade total do Estado, mesmo quando não havia legislação legal específica, a responsabilização já era aceita como princípio fundamental (CAVALIERI FILHO, 2008) [7], e na lição de Pedro Henrique Baiotto Noronha [8].
Assim os proprietários que tiverem suas terras declaradas devolutas e suas matrículas imobiliárias canceladas, devem buscar a reparação integral de seu prejuízo, na esteira desta fundamentação em sintonia com os artigos 186, 927 e 944 do Código Civil, e a indenização deve ser total e corresponder ao valor de mercado da terra nua e das benfeitorias, com direito de retenção até que os valores sejam efetivamente pagos pelo Estado.
[1] REsp nº 1744310/SP – relator ministro Mauro Campbell Marques.
[2] REsp 389.372/SC, relator LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, unânime, 04 de junho de 2009.
[4] Constituição Federal artigo 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
[5] Artigo 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.
[6] Artigo 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
[7] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
No mês passado, a plataforma de pesquisa de acórdãos e resoluções (VER) completou dois anos, ostentando mais de meio milhão de documentos ali inseridos e se tornando a principal fonte de informações acerca das decisões proferidas no âmbito do Carf [1].
Em rápida busca no mencionado banco de dados, já é possível perceber a importância da temática relacionada aos efeitos da reclassificação da receita tributada na pessoa jurídica para rendimentos tributáveis na pessoa física, porquanto mais de mil decisões já foram prolatadas.
A situação é configurada quando rendimentos são originalmente apurados pela pessoa jurídica (PJ) – sobre a qual incide IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, apenas para mencionar os tributos federais – e a fiscalização, a partir da constatação de elementos como ausência de propósito negocial, simulação, inadequação da entidade eleita, etc., reclassifica-os como rendimentos recebidos pela pessoa física (PF).
A questão devolvida às conselheiras e aos conselheiros do Carf é a seguinte: poderão ser deduzidos, quando da apuração do crédito tributário, os valores arrecadados sob códigos de tributos federais exigidos da pessoa jurídica, cuja receita foi reclassificada e reconhecida como rendimentos de pessoa física? Duas são as correntes que se firmaram.
Uma primeira vertente responde de modo negativo a indagação. Para os que à ela se filiam, “incabível o aproveitamento na pessoa física de supostos recolhimentos efetuados indevidamente ou a maior por pessoa jurídica” [2].
O ponto nodal para a negativa do aproveitamento estaria na ausência de previsão legal para que o abatimento seja realizado de ofício pela própria autoridade fiscalizadora no momento do lançamento o que, consequente e evidentemente, obstaria a atuação de julgadores administrativos, estejam eles em primeira ou em segunda instância. Assim, “[s]e a autoridade lançadora não pode aproveitar pagamentos de natureza distintos, a decisão do julgador administrativo, no sentido do aproveitamento de pagamentos, extrapola sua competência, afeta ao controle de legalidade”[3].
Em atenção ao princípio da entidade [4] e à “exegese do art. 170 [do CTN] tem-se que o contribuinte pode compensar débitos tributários próprios com créditos líquidos e certos que possuir com a Fazenda Pública; porém, (…) a compensação de seus débitos com créditos de uma outra pessoa (…) não está previsto na legislação (…)”[5].
Pontuam que “[p]edidos de compensação e restituição possuem rito próprio, não sendo possível sua analise no curso de processo envolvendo o lançamento de crédito tributário, mormente quando o sujeito passivo deste é distinto do contribuinte através do qual foi supostamente recolhido o tributo [6] – ex vi do art. 74 da Lei nº 9.430/1996.
Do escrutínio dos precedentes colhidos, algumas ponderações são levantadas de modo a corroborar a impossibilidade de deferimento do aproveitamento dos créditos, dentre os quais se incluem ausência de prova de que, deveras, foram os valores efetivamente recolhidos pela pessoa jurídica, bem como (in)existência de procedimento específico para a apuração de eventuais débitos, de modo a assegurar a existência de numerário a ser aproveitado pela pessoa física. [7] Questiona-se, ainda, “se caso o aproveitamento de recolhimentos requerido fosse admitido, poderia o contribuinte pleitear, da mesma forma, a dedução de eventuais despesas da pessoa jurídica que estivessem relacionadas à manutenção de sua fonte pagadora? E se os recolhimentos efetuados pela PJ, ao cabo, se mostrarem superiores ao que seria devido pelo recorrente, caberia a este restituição? E os rendimentos recebidos pelo outro sócio a título de distribuição nos lucros, deveria ser imputada omissão de rendimento do trabalho assalariado a tal beneficiário?”[8].
A segunda vertente, ao seu turno, autoriza a aproveitamento do que foi pago pela pessoa jurídica pela pessoa física; entretanto, subdivide-se noutras duas correntes, as quais denominaremos restritiva e ampliativa.
A corrente restritiva sustenta ser “[c]abível a dedução no lançamento de ofício do imposto de renda da pessoa física, antes da inclusão dos acréscimos legais, com relação aos valores arrecadados de mesma natureza a título de imposto de renda da pessoa jurídica, cuja receita foi desclassificada e considerada rendimentos tributáveis auferidos pela pessoa física”[9].
Dito ser “plenamente razoável a dedução dos eventuais recolhimentos de mesma natureza a título de imposto sobre a renda efetuados pela [pessoa jurídica], tendo em conta, nesse raciocínio, [que parte do] o tributo exigido da pessoa física (….) foi efetivamente pago, ainda que por outrem”[10]. Restaria, para os defensores dessa corrente, possível a dedução apenas dos valores arrecadados a título de imposto de renda das pessoas jurídicas, cuja receita fora desclassificada e considerada como se rendimentos auferidos pela pessoa física fossem.
Assinalado que, “[q]uanto aos demais tributos pagos, distintos do imposto de renda, o aproveitamento entre pessoas distintas, em qualquer hipótese, dependeria de previsão em lei específica autorizadora de sua realização. Como regra, a compensação no âmbito tributário implica a existência de duas pessoas, simultaneamente credoras e devedoras uma da outra desde a origem, havendo obrigações recíprocas entre as partes (art. 170 do CTN)”[11]. Isso porque, não se deveria “transmudar o processo fiscal de controle do lançamento em procedimento de compensação. A via adequada é, portanto, o pedido de restituição, sem prejuízo da observância do prazo para repetição do indébito e do cumprimento dos demais requisitos estipulados na legislação”[12].
Por derradeiro, a corrente ampliativa, prevalecente na Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf há mais de uma década [13], autoriza não só a dedução do montante recolhido pela pessoa jurídica a título de IRPJ, mas ainda de CSLL, PIS e Cofins, referentes ao período autuado, devendo ser observada a proporção dos rendimentos desclassificados e considerados como auferidos pela pessoa física.
Os filiados à vertente sublinham se tratar “de uma única capacidade contributiva, e as receitas oneradas pelos tributos da legislação atinente às pessoas jurídicas consubstanciam-se de fato, em rendimentos e proventos da pessoa física do recorrente, consoante a reclassificação promovida pela autoridade lançadora verificou, e que já foram parcialmente onerados por tributos federais”[14]. Frisado que o “que se ora admite não é aquela compensação com esteio no artigo 74 da Lei 9.430/96, mas sim o aproveitamento do IR já pago pela pessoa jurídica sobre esses mesmos rendimentos que se entendeu deveriam ter sido tributados na pessoa física (…)”[15].
Ao sentir dos que assim entendem, o aproveitamento dos tributos já pagos, ainda que pela pessoa jurídica, nada mais seria do que uma consequência direta do próprio lançamento, porquanto “teria havido erro no ‘local’ (sob o ângulo do titular da renda) da tributação da renda”[16]. O indeferimento da dedução colidiria com princípios e normas do ordenamento jurídico, fazendo configurar em uma de duas nefastas alternativas, quais sejam: 1) “[a] movimentação desnecessária da máquina administrativa, que deveria restituir o imposto pago pela pessoa jurídica, sendo mais racional realizar o procedimento no curso deste processo”[17]; ou, 2) “[o] enriquecimento ilícito da Administração Pública, que terá recebido duas vezes pelo mesmo fato gerador (bis in idem), sem lei específica para tal, caso se considere impossível o pedido de restituição, por já ter se passado cinco anos do fato gerador”[18]. Além disso, há o entendimento de que, diante da existência de pagamento antecipado, à luz do que disciplina o inciso I do artigo 44 da lei nº 9.430/96, não caberia, sobre o montante já recolhido, a multa de 75% [19].
Embora, há muito, haja uma prevalência do entendimento da Câmara Superior no sentido da possibilidade do aproveitamento dos tributos recolhidos na pessoa jurídica a título de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins no período autuado, observada a proporção dos rendimentos desclassificados e considerados como auferidos pela pessoa física, poderá o cenário ser modificado – seja pela nova composição que passará exibir, tendo em vista o término do mandato de conselheiras e conselheiros que a integram; seja pela retomada do voto de qualidade no Carf, que oxalá se avizinha, com a tramitação do PL nº 2.384/2023 no Senado Federal.
Como é tempo de despedidas no Carf, não poderiam as subscritoras desta coluna deixar de desejar sucesso às colegas e aos colegas que partem para novos voos, agradecidas e engrandecidas pela singular oportunidade de aprendizado e certas de que a ausência deles é – e continuará a ser – em demasia sentida.
Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.
[2] CARF. Acórdão nº 2201-009.462, Consª. Rel.ª DÉBORA FÓFANO DOS SANTOS, sessão de 11 nov. 2021 [à unanimidade].
[3] Cf. declaração de voto da Cons.ª SONIA QUEIROZ ACCIOLY em: CARF. Acórdão nº 2202-010.169. Cons.ª Rel.ª SARA MARIA DE ALMEIDA CARNEIRO SILVA, sessão de 1º ago. 2023 [por maioria].
[4] O princípio da entidade é tratado no art. 4º da Resolução CFC nº 750/1993, nos seguintes termos:
Art. 4º. O Princípio da Entidade reconhece o Patrimônio como objeto da Contabilidade e afirma a autonomia patrimonial, a necessidade da diferenciação de um Patrimônio particular no universo dos patrimônios existentes, independentemente de pertencer a uma pessoa, um conjunto de pessoas, uma sociedade ou instituição de qualquer natureza ou finalidade, com ou sem fins lucrativos. Por conseqüência, nesta acepção, o patrimônio não se confunde com aqueles dos seus sócios ou proprietários, no caso de sociedade ou instituição.
Parágrafo único. O Patrimônio pertence à Entidade, mas a reciproca não é verdadeira. A soma ou agregação contábil de patrimônio autônomos não resulta em nova Entidade, mas numa unidade de natureza econômico contábil.
[5] Cf. declaração de voto do Cons. DENNY MEDEIROS DA SILVEIRA em: CARF. Acórdão nº 2402-008.171, Cons.ª Rel.ª ANA CLAUDIA BORGES DE OLIVEIRA, Redator Designado Cons. LUÍS HENRIQUE DIAS LIMA, sessão de 3 mar. 2020 [desempate pelo voto de qualidade].
[6] CARF. Acórdão nº 2201-009.224, Cons. Rel. RODRIGO MONTEIRO LOUREIRO AMORIM, sessão de 03 set. 2021 [unanimidade]. Em idêntico sentido, aclarado que “à pessoa jurídica foram conferidos mecanismos de restituição de valores pagos indevidamente, e nestes casos de reclassificação de rendimentos/negócio jurídico, compete ao interessado discutir em procedimento apresentado à Autoridade da Administração Tributária na RFB, a aplicação do instituto.” Cf. declaração de voto da Cons.ª SONIA QUEIROZ ACCIOLY em: CARF. Acórdão nº 2202-010.169, Cons.ª Rel.ª SARA MARIA DE ALMEIDA CARNEIRO SILVA, sessão de 1º ago. 2023 [por maioria].
[7] CARF. Acórdão nº 2201-009.462, Consª. Rel.ª DÉBORA FÓFANO DOS SANTOS, sessão de 11 nov. 2021 [à unanimidade].
[8] CARF. Acórdão nº 2201-009.544, Cons. Rel. CARLOS ALBERTO DO AMARAL AZEREDO, sessão de 03 dez. 2021 [à unanimidade].
[9] CARF. Acórdão nº 2401-009.813, Cons. Rel. JOSÉ LUÍS BENJAMIN PINHEIRO, Redator Designado cons. MATHEUS SOARES LEITE, sessão de 1 set. 2021 [desempate pró-contribuinte].
[10] CARF. Acórdão nº 2401-005.938, Cons.ª Rel.ª LUCIANA MATOS PEREIRA BARBOSA, Redator Designado CLEBERSON ALEX FRIES, sessão de 16 jan. 2019 [desempate pelo voto de qualidade].
[11] CARF. Acórdão nº 2401-009.813, Cons. Rel. JOSÉ LUÍS BENJAMIN PINHEIRO, Redator Designado cons. MATHEUS SOARES LEITE, sessão de 1 set. 2021 [desempate pró-contribuinte].
[12] CARF. Acórdão nº 2401-006.224, Cons. Rel. RAYD SANTANA FERREIRA, Redator Designado CLEBERSON ALEX FRIES, sessão de 07 maio 2019 [por maioria].
[13] Sublinhamos que sói ser utilizado como base de fundamentação o entendimento proferido pelo Cons. LUIZ EDUARDO DE OLIVEIRA SANTOS, no acórdão de nº 9202-002.112, de 09 de maio de 2012. Confira-se, à título exemplificativo, os seguintes precedentes, todos colhidos da Câmara Superior, que comprovam nossa afirmação: 9202-002.451, sessão de 08 nov. 2012; 9202-002451, sessão de 08 nov. 2012; 9202-003.665, sessão de 09 dez. 2015; 9202¬004.458, sessão de 23 nov. 2016; 9202-007.391, sessão de 29 nov. 2018; 9202-008.619, sessão de 19 fev. 2020; 9202-009.957, sessão de 24 set. 2021; 9202-010.441, sessão de 29 set. 2022.
[14] CARF. Acórdão nº 2202-004.869, Cons. Rel. RONNIE SOARES ANDERSON, sessão de 16 jan. 2019 [à unanimidade].
O uso indiscriminado de adjetivos em relação ao material probatório colhido durante fase de investigação, além do juízo de valor em relação à materialidade da autoria do crime, configura excesso de linguagem e acarreta em nulidade da sentença de pronúncia.
A fundamentação foi utilizada pelo ministro Joel Ilan Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça, para anular uma sentença e ordenar ao juízo de origem a formulação de outra decisão sem os vícios de juízo de valor emitidos no texto impugnado. No caso, o acórdão foi proferido pelo Tribunal de Justiça do Tocantins, em ação que investiga homicídio duplamente qualificado em concurso de agentes.
A defesa de um dos réus alegou que o juízo do tribunal estadual se excedeu quando emitiu uma série de adjetivos e juízos de valor em relação à produção probatória feita no curso da investigação.
No acórdão, os desembargadores afirmam que “ambos os denunciados agiram em unidade de desígnios, para o cometimento do homicídio”, apenas com base na prova testemunhal colhida, o que ultrapassou os limites do trabalho do magistrado, segundo o ministro do STJ.
“Em análise detida das provas colhidas perante este juízo, restaram comprovados que ambos os denunciados agiram em unidade de desígnios, para o cometimento do homicídio, senão vejamos”, escreveram os desembargadores.
“Uma vez que o Magistrado emitiu juízo de valor acerca da autoria delitiva, é necessário reconhecer o uso excessivo de linguagem suscetível de influenciar o Conselho de Sentença”, afirmou Paciornik na decisão.
O ministro aceita os argumentos de que, como a sentença de pronúncia visa subsidiar decisão posterior do Tribunal do Júri, os convocados podem ser influenciados pelo excesso de linguagem do magistrado de segundo grau, que já emitiu juízo de valor em relação à conduta dos investigados.
Paciornik ainda cita jurisprudência do STJ no mesmo sentido (HC 355.364). À época, fundamentou o ministro Sebastião Reis, da 6ª Turma: “A utilização de colocações incisivas e de considerações pessoais a respeito do crime e sua autoria é passível de influenciar o Conselho de Sentença, caracterizando o excesso de linguagem.”
Na decisão, além de ordenar que o TJ-TO emita nova sentença sem os vícios oriundos do excesso de linguagem, o ministro também estendeu a decisão ao outro réu que também é acusado do mesmo crime.
A defesa do réu foi patrocinada pelo advogado Raphael Lemos Brandão.
O número de novos casos de feminicídio e violência doméstica contra a mulher cresceu cerca de 40% nos tribunais estaduais em 2022. Já os casos pendentes na Justiça, ou seja, aqueles que permanecem em tramitação sem que tenham sido totalmente encerrados (arquivados, transferidos ou transitado em julgado) cresceram 15%.
Relatório do CNJ registrou aumento de ações de violência contra a mulher doidam10/freepik
Os dados estão disponíveis no relatório “Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha”, divulgado na última semana pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os números dizem respeito ao ano passado, e as comparações foram feitas em relação ao mesmo relatório produzido em 2018, com números de 2017.
Enquanto em 2017 houve registro de 455.641 novos casos de femincídio e violência doméstica contra a mulher nos tribunais estaduais, em 2022 este número subiu para 640.867; em relação aos processos pendentes, em 2017 havia 919.346 ações sobre o tema, enquanto em 2022 o número aumentou para 1.062.457 processos.
No ranking dos tribunais, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) é o com o maior volume de casos pendentes, com 164.383 casos. Na sequência vem o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), com 110.791 casos.
“Esses processos pendentes englobam todos os casos em andamento no Sistema de Justiça incluindo os que estão em fase de instrução processual, aguardando julgamento, em tramitação ou aguardando recursos. É um indicador importante para medir a eficiência do Judiciário, pois um grande número de processos pendentes pode indicar possíveis gargalos ou atrasos na tramitação dos casos”, diz o relatório.
Para as advogadas entrevistadas pela revista eletrônica Consultor Jurídico, algumas circunstâncias ajudam a explicar os números registrados. A primeira delas é a pandemia, que acabou influenciando no crescimento da violência doméstica; em segundo lugar, o acesso à informação também faz com que mais denúncias sejam registradas e, consequentemente, mais processos sejam ajuizados.
“Isso se dá especialmente porque está havendo maior conscientização sobre o assunto, e as mulheres estão conhecendo mais seus direitos”, diz a advogada Ana Paula Braga, do Braga & Ruzzi Advogadas.
“No tocante ao feminicídio, o aumento do número de registros pode ser explicado pelo fato desses casos estarem sendo registrados da forma correta, especialmente após o advento da Lei do Feminicídio. Antes, muitas mortes violentas de mulheres eram tratadas como homicídios simples, dificultando o conhecimento sobre a real dimensão do problema.”
Outro ponto que corrobora os números é o próprio crescimento da violência contra a mulher. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no último mês, houve acréscimo no número absoluto feminicídios no país em 2022. Especificamente em relação à tipificação, houve aumento de 6,1% entre 2021 e 2022.
“Vejo uma evolução no Judiciário, às vezes não motivada por intenção de preservação de direitos e de combate ao machismo, e mais por uma vontade de não parecer machista, uma intenção de não incorrer em condutas recriminadas pelo recente protocolo de julgamento com perspectiva de gênero”, diz a advogada Maira Pinheiro, especializada em violência contra a mulher.
Segundo Pinheiro, o Poder Judiciário tem encontrado consensos no sentido de que o “tratamento revitimizador é inadequado, indesejável e contraria normas de como os agentes públicos devem agir perante à violência doméstica”.
Em suma, a incapacidade, a falta de preparo e a própria cultura sexista das instituições que deveriam zelar pelo ordenamento jurídico (delegacias, varas criminais, etc) afastam as mulheres de denunciar crimes de violência, o que impacta também nos números.
“Eu colocaria como problematizador o preparo das polícias em adequar a classificação jurídica que era antes de homicídio de mulheres e agora tem uma classificação própria do crime de feminicídio”, diz a promotora Fabíola Sucasas Negrão Covas, do Ministério Público de São Paulo.
“A gente ainda tem uma alta subnotificação. Por outro lado, teve um aumento de registros. Então aqueles casos eventualmente silenciados passaram a ser cadastrados. Mas ainda subnotificados, porque há um silenciamento das mulheres. Ou seja, a gente ainda está correndo atrás do prejuízo”, diz a promotora.
Varas especializadas Ponto fundamental nas discussões sobre a violência contra a mulher no país, as varas especializadas cresceram nos estados em comparação ao último relatório produzido pelo CNJ. Os números, todavia, ainda são tímidos, tendo em vista que a orientação do órgão para criação desses institutos no Judiciário é de 2007. No último documento, publicado em 2018, foram constatadas 109 varas exclusivas; hoje, esse número subiu para 153.
A despeito do crescimento, a quantidade é insuficiente, dizem advogadas consultadas pela ConJur. Isso porque o contingente de violência é maior que a capacidade de absorção dessas varas, ou seja, desde sua criação elas estão sobrecarregadas. Há tribunais como os de Alagoas, Amapá e Santa Catarina, que possuem apenas uma vara especializada em violência contra a mulher.
Por outro lado, o TJ-SP e o TJ-DF são os que mais contabilizam varas exclusivas, com 18 e 17 unidades, respectivamente.
A sobrecarga gera distorções nos números. Por conta do baixo número de varas exclusivas, as varas comuns acabam registrando mais casos novos, mais casos pendentes, mais sentenças e menor tempo médio de julgamento para casos pendentes na maioria dos estados da federação.
Até os tribunais que possuem número absoluto relativamente alto de varas, como o TJ-SP, tem mais casos registrados em varas não-exclusivas e andamento mais céleres dos processos nessas varas.
“A previsão da Lei Maria da Penha é de que essas varas tenham competência híbrida, ou seja, atuem nas demandas criminais e cíveis geradas a partir do episódio de violência. Então, em tese, uma mesma vara deveria analisar o pedido de medidas protetivas, julgar o crime cometido e também decidir sobre o divórcio, guarda de filhos, pensão alimentícia, etc.”, diz Braga.
“Na prática esses juizados não conseguem absorver essa competência híbrida e acabam julgando apenas a parte criminal, obrigando essa vítima a procurar a vara cível ou da família para ter seu problema resolvido.”
Morosidade processual Na média brasileira, o tempo para análise de um processo pendente de violência doméstica e/ou feminicídio é idêntico: 2 anos e 11 meses. Ainda assim, os números chamam a atenção. No TJ-SP, por exemplo, a média de tempo para um processo pendente é de 5 anos e 3 meses nas varas exclusivas e 4 anos e 5 meses nas varas comuns. TJ-PI e TJ-PB vêm logo em seguida, com demoras de 4 anos e 6 meses para sentença em processo nas varas exclusivas.
Segundo o relatório, o esse valor de tempo diz respeito ao “tempo médio decorrido entre a data do início do processo de conhecimento (excluídas as cautelares) e a data do primeiro julgamento nos processos de violência doméstica e feminicídio por Tribunal de Justiça”.
Em relação à chamada taxa de congestionamento, os tribunais de Acre (79,8%) e Piauí (79,1%), conforme o relatório do CNJ, figuram no topo da lista de processos relacionados à feminicídio e violência doméstica contra a mulher.
O indicador, segundo o próprio CNJ, mede a taxa de vazão desses processos. Ou seja, quanto maior o percentual da taxa de congestionamento, maior o estoque de processos e menor o índice de resolução.
A falta de estrutura do Judiciário é um dos pontos citados pelas advogadas especialistas à reportagem para justificar a morosidade de tramitação de processos envolvendo violência contra a mulher.
“Existem poucos Juizados Especiais de Violência Doméstica (JVD), que contam com poucos servidores, e que acabam ficando muito sobrecarregados. Em São Paulo, a explicação que se dá é que a prioridade é para a concessão de medidas protetivas, já que são urgentes. Além disso, muitas vezes há demora na localização do agressor para a intimação sobre o processo, falta de agenda para designar audiências, entre outras”, argumenta Braga.
Para a promotora Fabíola Sucasas, não há necessariamente uma morosidade, mas traços específicos desses casos que muitas vezes fazem com que o processo demore um pouco mais: “Temos que considerar que [a maioria] são casos de réus soltos, e por isso são os prazos não são tão curtos como os de réus presos, então existe uma maior liberdade dos juízes marcarem audiência.”
“Mas a gente tem alguns sinais. Sinais de, no mínimo, impunidade. A Lei Maria da Penha precisa encontrar mecanismos de uma justiça mais rápida, então a gente sabe na nossa vivência que muitos casos acabam prescrevendo, as varas especializadas abarrotadas de processos, os juízes não conseguem dar conta de julgar com maior celeridade, o que por sua vez acarreta em prescrição e impunidade.”
Está em julgamento no plenário virtual do STF (Supremo Tribunal Federal) um caso que afeta a liberdade de informação e expressão na imprensa brasileira. Trata-se de um recurso do Diário de Pernambuco, condenado a pagar indenização pela publicação de uma entrevista.
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O jornal não endossou as afirmações do entrevistado, tampouco atacou quem quer que fosse. Apenas divulgou uma entrevista. O caso tem repercussão geral e será paradigma para os futuros julgamentos da Corte. Noutras palavras, definirá em que hipóteses um veículo de comunicação poderá ser condenado pelas informações que publica.
Como ocorre nesse tipo de julgamento, a Corte se debruça sobre o caso a fim de encontrar a tese que melhor aplica as regras da Constituição ao tema em debate. Diversas foram apresentadas pelos ministros — e outras ainda poderão surgir. Uma delas será escolhida e doravante moldará os limites da liberdade de divulgação de informações na imprensa brasileira.
Julgamentos de repercussão geral, como as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), são mais que a aplicação da Constituição a casos concretos. São sinais que a mais alta Corte do país emite ao próprio Judiciário, aos demais Poderes e à sociedade sobre os limites constitucionais em cada área do Direito. Como no centro da controvérsia está a liberdade de informação, espera-se da Corte sensibilidade e firmeza.
sabido que não existem direitos absolutos. As liberdades de expressão e informação são pilares da democracia e base dos demais direitos fundamentais, uma vez que, sem elas, ninguém pode reivindicá-los ou denunciar violações. Sem liberdade de expressão e informação, a sociedade não tem como fiscalizar o exercício do poder, do Estado ou das grandes corporações, e as minorias não têm voz.
No entanto outros direitos, também constitucionais, podem impor limites às liberdades de expressão e informação. É o caso dos direitos à honra ou à vida privada. Não é lícito a nenhum veículo de informação publicar informações sabidamente falsas ou ofender quem quer que seja. No momento em que a sociedade cobra das plataformas digitais que se responsabilizem pelos conteúdos que distribuem, ainda que não os produzam, os veículos tradicionais não poderiam se furtar à responsabilidade pelo que publicam. É isso que sempre caracterizou o jornalismo profissional e continuará a caracterizá-lo.
É necessário, entretanto, reconhecer a natureza dinâmica e arriscada da atividade jornalística. A sociedade exige a publicação de notícias em tempo real, com a maior riqueza de detalhes possível. É papel dos jornais e dos veículos de comunicação atender a essa demanda social, buscando incessantemente a verdade sobre os fatos, especialmente os de interesse público. Se esse papel é cumprido com seriedade e ética, não há razão para que o veículo seja punido, ainda que as informações divulgadas venham posteriormente a se mostrar equivocadas.
A atividade jornalística pressupõe a busca incessante da verdade sobre os fatos, divulgados ao leitor ainda quentes, à medida que chegam ao conhecimento dos jornalistas, no calor da luta pela informação. Erros podem acontecer. A imprensa pode errar primeiro, assim como, nas palavras do ministro Nelson Hungria, o STF tem “o supremo privilégio de errar por último”. Ambos acertam muito mais que erram.
No jornalismo profissional, definido por seguir princípios, ninguém erra porque quer. Apenas a má-fé e a negligência grosseira em relação aos fatos justificam punir um veículo de comunicação. Publicar deliberadamente notícias falsas ou ignorar evidências ao alcance da apuração, ocultando propositalmente versões dos envolvidos nos acontecimentos quando disponíveis, são atitudes incompatíveis com o bom jornalismo e merecem desaprovação.
É assim que a Justiça americana encara o assunto, por meio da doutrina conhecida como actual malice (correspondente, na tradição brasileira, ao dolo). Desde o caso New York Times Co. v. Sullivan, de 1964, a Suprema Corte americana exige, para condenar um veículo, prova do conhecimento prévio de que a notícia era falsa ou de negligência no dever ético de buscar a verdade factual (“reckless disregard of whether it was false or not”).
Penalizar os erros involuntários, cometidos na apuração ética dos fatos, provocaria um efeito silenciador em toda a imprensa (“chilling effect”, na expressão consagrada pelo caso), com consequências desastrosas para a qualidade da informação consumida pela sociedade brasileira. Diante da possibilidade de constantes condenações a pagamento de indenizações, os veículos se acovardariam, especialmente na divulgação de notícias sobre os poderosos.
É essa lucidez que se espera do STF na escolha da tese que pautará o exercício da liberdade de expressão e informação no país. Que ela seja equilibrada, contemplando os demais direitos fundamentais, mas que entenda a urgência da produção das informações jornalísticas e só reprima as condutas antiéticas deliberadas e a negligência jornalística grave, deixando aos veículos espaço para que, com suas imperfeições e virtudes, continuem a informar a sociedade brasileira livremente.
A popularização das criptomoedas tem trazido consigo novos desafios para o Direito, especialmente em relação a questões de segurança e combate à fraude. No Brasil, o uso de criptoativos tem sido cada vez mais comum, e, consequentemente, também tem aumentado o número de fraudes relacionadas a esses ativos.
As fraudes envolvendo criptomoedas podem ser classificadas em várias categorias, sendo as mais comuns as seguintes: phishing, pirâmides financeiras e os esquemas Ponzi. Phishing é uma técnica de engenharia social que consiste em obter informações confidenciais, como senhas e chaves privadas, através de mensagens falsas que parecem ser enviadas por empresas confiáveis.
As pirâmides financeiras são esquemas ilegais que prometem altos lucros aos investidores, mas, na verdade, são baseados em pagamentos realizados por novos investidores, sem a existência de uma atividade econômica real. Os esquemas Ponzi, por sua vez, são similares às pirâmides financeiras, mas, ao invés de se basearem em novos investimentos, são baseados em retornos fictícios prometidos aos investidores.
Apesar de existirem leis, como por exemplo a Lei 7.492/86 (Crimes Contra o Sistema Financeiro); a Lei 9.613/98 (Lei de Lavagem de Capitais) e a Lei 14.478/22 (Lei sobre Ativos Virtuais), que preveem punições para as fraudes no mercado financeiro, incluindo o mercado de criptomoedas, ainda há desafios para se combater essas práticas de maneira efetiva. Isso se deve, em parte, à natureza global e descentralizada das criptomoedas, que torna mais difícil rastrear e punir os responsáveis pelas fraudes. No entanto, é importante destacar que as autoridades têm se esforçado para aprimorar a regulamentação do mercado de criptomoedas e para intensificar o combate às fraudes relacionadas a esses ativos.
No que tange a responsabilização dos fraudadores no mercado de criptomoedas pode ocorrer por meio de diversas formas. Algumas delas incluem: 1) Ações penais: As fraudes envolvendo criptomoedas podem ser enquadradas como crimes de estelionato e ou lavagem de dinheiro, por exemplo, e, consequentemente, os responsáveis podem ser processados criminalmente e punidos com penas de reclusão e multas; 2) Ações civis: Além das ações penais, os investidores prejudicados por fraudes envolvendo criptomoedas também podem buscar reparação por meio de ações civis, como ações de indenização por danos morais e materiais. 3) Cooperação internacional: Devido à natureza global das criptomoedas, é comum que as fraudes envolvendo esses ativos tenham relações transnacionais. Nestes casos, as autoridades brasileiras podem solicitar a cooperação de autoridades estrangeiras para obter informações e recuperar ativos digitais; 4) Ações de reguladores financeiros: Além da ação das autoridades persecutórias e judiciais, os reguladores financeiros, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep), também podem atuar para proteger os investidores e combater as fraudes no mercado de criptomoedas.
Assim sendo, a incriminação de fraudadores envolvendo criptomoedas pode ser realizada por meio de uma combinação de ações judiciais, regulatórias e de cooperação internacional.
No Brasil há várias instituições que atuam na investigação de fraudes envolvendo criptomoedas e outros ativos digitais. Algumas das principais incluem: 1) Polícia Federal: A Polícia Federal é responsável por investigar crimes financeiros, incluindo fraudes envolvendo criptomoedas; 2) Ministério Público Federal: O MPF também tem papel importante na investigação de fraudes envolvendo criptomoedas, especialmente nos casos que envolvem elementos transnacionais; 3) Receita Federal: A Receita é responsável por fiscalizar e investigar casos de evasão fiscal, incluindo a evasão de impostos relacionados a criptomoedas; 4) Comissão de Valores Mobiliários: A CVM é o regulador responsável pela fiscalização do mercado de capitais no Brasil, incluindo as ofertas iniciais de moedas (ICO) e outros investimentos em criptomoedas; 5) Superintendência de Seguros Privados: A Susep é responsável por regulamentar e fiscalizar o mercado de seguros no Brasil, incluindo seguros relacionados a criptomoedas. O Judiciário brasileiro, também, tem atuado de forma eficaz no combate às fraudes envolvendo criptomoedas, buscando garantir a proteção dos investidores e a integridade do mercado financeiro.
Temos alguns exemplos de casos em que o judiciário brasileiro atuou na investigação e punição de fraudes envolvendo criptomoedas. Alguns dos casos mais notáveis incluem: 1) Investimento em “pirâmides financeiras”: Em 2018, a Polícia Federal desarticulou uma rede de investimento fraudulento que utilizava criptomoedas como forma de pagamento. A fraude envolveu a captação de investidores com a promessa de lucros elevados, formando uma estrutura de pirâmide financeira.
O Judiciário condenou vários dos envolvidos na fraude e determinou o bloqueio de ativos digitais relacionados ao esquema. Este caso foi investigado pela PF em 2018 e envolveu uma rede de investimento fraudulento que utilizava criptomoedas como forma de pagamento. A fraude consistia na captação de investidores com a promessa de lucros elevados, formando uma estrutura de pirâmide financeira. Os fraudadores prometiam retornos de até 1% ao dia, o que atraiu muitos investidores. A investigação da Polícia Federal resultou na prisão de vários dos envolvidos na fraude, incluindo líderes da organização.
O Judiciário também determinou o bloqueio de ativos digitais relacionados ao esquema, a fim de garantir a recuperação de valores para os investidores prejudicados; 2) Fraude em Initial Coin Offering (ICO): Em 2019, a CVM multou uma empresa por realizar uma oferta inicial de moeda (ICO) fraudulenta, na qual prometia lucros elevados aos investidores. A CVM determinou a devolução dos valores captados para os investidores prejudicados, além da punição dos responsáveis pela fraude.
A decisão da CVM foi importante para garantir a proteção dos investidores e a integridade do mercado financeiro; 3) Roubos de criptomoedas: Em 2020, a Polícia Federal prendeu um grupo de criminosos que realizavam roubos de criptomoedas, utilizando técnicas como phishing e malware. O Judiciário condenou os responsáveis pelos roubos e determinou o bloqueio de ativos digitais relacionados aos crimes. Os roubos de criptomoedas, têm sido um problema crescente, especialmente devido à natureza digital e descentralizada das moedas virtuais.
No âmbito judicial a análise das provas, apresentadas dentro de procedimentos, com atenção ao devido processo legal, é uma etapa crucial na condenação de responsáveis por fraudes envolvendo criptomoedas. O Judiciário brasileiro segue rigorosos critérios para analisar as provas e determinar a culpabilidade dos acusados. As provas podem incluir: 1) Dados financeiros: Extratos bancários, transações com criptomoedas, registros de compras e vendas de ativos digitais e outros dados financeiros relevantes podem fornecer evidências importantes na análise de fraudes envolvendo criptomoedas; 2) Mensagens eletrônicas: E-mails, chats, mensagens instantâneas e outros registros de comunicação podem ser importantes para compreender a dinâmica da fraude e identificar os responsáveis; 3) Documentos: Contratos, relatórios financeiros, planos de negócios e outros documentos relacionados à fraude podem fornecer importantes evidências da intenção fraudulenta dos acusados; 4) Testemunhas: Depoimentos de testemunhas, incluindo investidores prejudicados, outros envolvidos na fraude e especialistas, podem fornecer informações valiosas na análise das provas; 5) Análise de tecnologia: A análise de tecnologia, incluindo análise forense de sistemas e a recuperação de dados, pode ser crucial na recuperação de provas e na compreensão da dinâmica da fraude.
O judiciário deve seguir rigorosos critérios de admissibilidade de provas, incluindo a exigência de autenticidade, confiabilidade e, por consequencia, da licitude probatória (STF: Prisão Preventiva Para Extradição número 1.090, Distrito Federal, ministra Carmem Lúcia; Habeas Corpus número 213.515, Rio de Janeiro, ministro Gilmar Mendes; Habeas Corpus 206.787, São Paulo, ministro Gilmar Mendes).
Uma das mais importantes ferramentais legais de combate a fraudes envolvendo criptomoedas garantidas ao Poder Judiciário é a decretação a quebra de sigilo bancário (Lei Complementar 105/2001) e fiscal (artigos 198 e 199 do Código Tributário Nacional) dos envolvidos. A quebra de sigilo é uma medida que pode ser utilizada pelas autoridades para obter informações financeiras relevantes para a investigação. Ela pode incluir informações sobre transações financeiras, contas bancárias, rendimentos, declarações de impostos e outros dados financeiros relevantes.
No entanto, a quebra de sigilo só pode ser decretada por uma autoridade judiciária e somente em casos específicos, geralmente em situações em que outras fontes de informações não estão disponíveis ou são insuficientes.
O procedimento de quebra de sigilo, de modo geral, inclui: a) a solicitação da autoridade investigativa, por exemplo; b) a apresentação da justificativa do juízo competente, em Decisão que deve ser prolatada sob a luz do artigo 93, IX, C.F..
Se a quebra de sigilo for decretada, as informações financeiras sigilosas podem ser acessadas e utilizadas como evidência na investigação, e subsequentemente, no processo penal.
No Brasil, as criptomoedas são reguladas pela CVM e pelo Banco Central. Em 2019, a CVM regulamentou a negociação de ativos digitais e estabeleceu normas para intermediários que ofereçam serviços relacionados a esses ativos.
O BC tem atuado na regulamentação do uso das criptomoedas no país, incluindo ações relacionadas ao combate da lavagem de capitais. Além disso, há leis que podem ser aplicadas nessas questões como o Código Penal, o Código Civil, o Código Tributário Nacional, bem como, as Leis 7.492/86; 9.613/98 e a 13.478/22.
As regras da CVM para as criptomoedas no Brasil foram estabelecidas à partir de 2019 e visam regulamentar a negociação de ativos digitais e estabelecer normas para intermediários financeiros que ofereçam serviços relacionados a esses ativos. Algumas dessas regras incluem: 1) A Obrigatoriedade de Registro: Intermediários financeiros que oferecerem serviços relacionados a criptomoedas devem se registrar na CVM; 2) Transparência e Segurança: As corretoras de criptomoedas devem fornecer informações claras e completas sobre suas operações e proteger os dados e recursos financeiros de seus clientes; 3) Combate da Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Crime Organizado: As corretoras de criptomoedas devem adotar medidas de prevenção contra a lavagem de dinheiro e a atuação em geral de organismos que, pelas características das negociações, possam ser considerados como criminosos; 4) A Necessidade de Divulgação de Riscos: As corretoras de criptomoedas devem divulgar informações claras sobre os riscos envolvidos na negociação de criptomoedas; 5) A Exigência de Atenção às Regras de Proteção ao Consumidor: As corretoras de criptomoedas devem adotar medidas para proteger os direitos dos consumidores, incluindo o direito a informação e à defesa. Estas são apenas algumas das regras estabelecidas pela CVM para as criptomoedas no Brasil.
O Diário Oficial da União (DOU) no dia 14/5/23 publicou o Decreto Nº 11.563, que regulamenta a Lei que instituiu o Marco Legal das Criptomoedas. O Banco Central é autoridade responsável por disciplinar as atividades das prestadoras de serviços de ativos virtuais no país. O texto reforça que a Comissão de Valores Mobiliários segue com suas atribuições de supervisionar ativos que representam valores mobiliários.
No que tange à competência jurisdicional para analisar crimes relacionados a criptomoedas, depende da presença ou ausência de um valor mobiliário. Caso haja um valor mobiliário envolvido, a competência será atribuída à Justiça Federal. Se não houver um valor mobiliário, a competência será da Justiça Estadual. Para que as criptomoedas sejam consideradas valores mobiliários, é necessário que ofereçam aos seus detentores o “direito de participação, parceria ou remuneração” conforme definido no artigo 2º, IX, da Lei 6.385/1976, nesses casos, esses direitos devem ser inerentes à estrutura das criptomoedas.
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Fonte: Conjur – Por Marcos Carazai
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