Caminhos para a igualdade salarial e de critérios remuneratórios

No dia 3 de julho, o presidente da República sancionou a Lei nº 14.611, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. Além disso, trouxe alteração no artigo 461 da CLT, inserindo os parágrafos 6º e 7º, o primeiro para assegurar o direito às diferenças salariais e o segundo para dispor sobre multa administrativa quando constatado hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade.

No contexto geral, a lei reforça e instrumentaliza, no campo das relações trabalhistas, previsão constitucional quanto aos objetivos fundamentais da República (artigo 2º da CF) no sentido na construção de uma sociedade livre, justa e solidária com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e, ainda, a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (artigo 7º, XXX).

Conheça nossa área de atuação:

A previsão constitucional não foi, ao longo dos anos, suficiente para eliminar práticas abusivas nas relações de trabalho, justificando, desta forma, a necessidade de que uma lei específica fosse dirigida à garantia dos direitos sociais no ambiente dos contratos de emprego.

Todavia, convém observar que a nova lei, de um lado, amplia o conceito de igualdade não se limitando apenas ao salário strictu senso, incluindo a remuneração e vantagens contratadas direta ou indiretamente exigindo transparência na política salarial adotada pelas empresas.

De outro lado, a lei instrumentaliza, em cinco aspectos fundamentais, ações a serem observadas, no âmbito das empresas, a fim de que seja garantida a igualdade salarial entre mulheres e homens:

1. Mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;

2. Fiscalização contra discriminação salarial;

3. Disponibilização de canais para denúncias de discriminação;

4. Programas de capacitação e educação de gestores sobre equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho; e,

5. “fomento à capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens”.

A Organização Internacional do Trabalho aprovou, em 1951, a Convenção 100 que trata da igualdade de remuneração de homens e mulheres por trabalho de igual valor. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil em 25 de abril de 1957, com vigência a partir de 25 de abril de 1958.

O Conselho da União Europeia também adotou regras rígidas para combater a discriminação salarial e para eliminar a diferença salarial entre homens e mulheres, acentuadamente pela necessidade de priorizar a transparência dos critérios de remuneração adotados pelas empresas. Neste sentido, em 30 de março de 2023, o Parlamento Europeu aprovou diretiva sobre transparência salarial e estabeleceu a obrigação de informações pelas empresas com mais de 150 trabalhadores sobre a remuneração praticada. Consta, segundo estatística da Comissão Europeia, que, em 2020, as mulheres ganhavam em média 13% menos, por hora, do que os homens.

O modelo ora adotado, quanto ao conceito de remuneração, assemelha-se ao que dispõe o Código de Trabalho francês, no artigo L3221-2, que se refere à obrigação de igualdade de remuneração entre mulheres e homens e, inclui, no conceito de remuneração, o salário e todas as vantagens indiretas pagas em espécie ou em natura (L3221-3).

Em Portugal, a Lei nº 60 de 21 de agosto de 2018 trata da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ou de igual valor. No artigo 4º estabelece as obrigações para os empregadores quanto à transparência remuneratória praticada relativamente aos respectivos empregados.

A Lei nº 14.611 deverá contribuir de forma particular para combater a discriminação salarial entre mulheres e homens de forma programática, na medida em que as empresas, com mais de cem empregados, estão obrigadas a divulgar mecanismos de transparência quanto aos critérios objetivos de remuneração, mediante publicação semestral de relatórios anonimizados de transparência salarial.

Além das medidas programáticas, a efetividade da garantia da igualdade e de aplicação da lei contará com incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. As empresas deverão, portanto, organizar planos de cargos/salários/remuneração, lembrando sempre que, em se tratando de lei nova, a primeira visita da fiscalização deverá respeitar o critério de dupla visita, valendo a primeira como orientação.

Com a vigência da nova lei, os salários perderam o sigilo e o empregador tem obrigação de divulgar periodicamente as práticas salariais e os critérios remuneratórios da empresa.

Fonte: Conjur

Exclusão do ICMS do crédito de PIS/Cofins no agronegócio

Como é de conhecimento, o atual governo federal editou a Medida Provisória nº 1.159, de 12 de janeiro do corrente ano, por meio da qual se alteravam os artigos 3º, § 2º, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, impedindo no cômputo do crédito no regime não cumulativo do PIS e da Cofins, a inclusão do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição.

Essa medida provisória não chegou a ser aprovada, tendo sua vigência encerrada, no entanto, em manobra durante o processo legislativo, enxertou o tema no Projeto de Lei de Conversão de outra Medida Provisória, qual seja, 1.147, de 20 de dezembro de 2022.

Daí porque, juntamente com outros temas tributários, referida vedação foi convertida na Lei nº 14.592, de 30 de maio de 2023, nos seguintes termos, conforme artigos 3º, § 2º, III, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003: “(…) § 2o Não dará direito a crédito o valor: (…) III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição“.

Portanto, veda a lei a inclusão do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição, impedindo assim que se aplique as alíquotas de 1,65% de PIS e 7,6% de Cofins, como forma de apurar o valor do crédito no regime não cumulativo.

Não pretendemos neste artigo ingressar nas discussões que envolvem esta alteração legislativa, entre elas a inconstitucionalidade por “contrabando legislativo” ou mesmo violação a não cumulatividade, de conformidade com o artigo 195, § 12, da Constituição, por se tratar o ICMS de custo de aquisição.

O propósito deste artigo está em responder à questão: haveria necessidade de excluir na aquisição de insumos de origem vegetal ou animal, nas mais variadas legislações de PIS e Cofins para o setor do agronegócio, o ICMS para cômputo do crédito presumido concedido?

Para a cadeia da soja, cujo crédito presumido se computa pela saída — receita -, já nos manifestamos em outra oportunidade a respeito da ilegalidade da IN 2.121/2022 (artigo 596) [1], todavia, a questão aqui se revela diversa.

A dúvida está na apuração do valor do crédito que se dá pela entrada — aquisição —, especialmente, após a vedação prevista pela Lei nº 14.592/2023. Seria esta vedação prevista em referida lei aplicável aos créditos presumidos do segmento do agronegócio?

De prontidão, podemos afirmar que o crédito presumido previsto para o setor do agronegócio não sofre de referida restrição, sendo possível o cômputo do crédito incluindo o ICMS em sua base nas operações de aquisição.

Esta interpretação se dá, como ponto de partida, pelo tratamento diferenciado e favorecido dado pelo artigo 187 da Constituição, que sempre irá direcionar e estabelecer as diretrizes voltadas à tributação do setor [2].

Por outro lado, o crédito presumido do setor, como é de conhecimento, tem por finalidade concretizar a não cumulatividade prevista no artigo 195, § 12, da Constituição, gerando uma neutralidade, mesmo que parcial e não plena. De tal sorte, sendo o ICMS custo de aquisição dentro de operações plurifásicas, teríamos no caso de restrição, possível inconstitucionalidade.

Mais do que isso, nosso texto constitucional, para restrição de direitos, exige lei, na medida em que, no Estado Democrático de Direito, temos a legalidade como um dos seus fundamentos. Portanto, somente Lei poderia impedir ou restringir o cálculo excluindo o ICMS, sendo que, como iremos exemplificar e demonstrar, inexiste lei determinado tal conduta.

Para exemplificar, temos a Lei nº 10.925/2004, que, em seu artigo 8º, concede crédito presumido às pessoas jurídicas que produzam mercadorias de origem vegetal ou animal, das classificações mencionadas no texto legal, destinadas à alimentação humana ou animal.

Conforme disciplina a própria lei, esse crédito é “calculado sobre o valor dos bens adquiridos”. O ICMS, portanto, a depender da operação, será incluído no momento da aquisição, pois compõe o valor daqueles produtos agropecuários adquiridos e utilizados como insumo.

Na hipótese da Lei nº 10.925/2004, a Instrução Normativa nº 2.121/2022, em seu artigo 574, § 3º, até mesmo exclui a aplicação do crédito ordinário, o que nos leva a reconhecer que a vedação também seria inaplicável: “§ 3º As aquisições previstas no caput não dão direito à apuração de créditos na forma prevista no inciso I do art. 175“.

Este mesmo posicionamento podemos aplicar nos demais microssistemas de PIS/Cofins existentes para outros produtos dentro da cadeia do agronegócio, como bovinos, ovinos, caprinos, aves e suínos, café, laranja, uma vez que tais legislações também reconhecem em geral o crédito presumido sobre o valor da aquisição, sem qualquer restrição que determine a exclusão do ICMS para apuração do seu montante na aquisição.

Em tais condições, não se deve confundir a restrição prevista na Lei nº 14.592, de 30 de maio de 2023, que exclui o ICMS no cálculo do crédito ordinário de PIS e Cofins no regime não cumulativo, com a forma de apuração dos créditos presumidos da cadeia do agronegócio, os quais possuem regime próprio e não sofrem este impedimento, permitindo-se, assim, a inclusão deste imposto estadual na base de cálculo para aferir o seu montante.

Fonte: Conjur

Férias: pode haver convocação para prestar serviço no período?

Com a chegada do mês de julho, muitas pessoas se programam para usufruir das férias visando ao descanso, à desconexão com o trabalho, ao alívio da fadiga e à recuperação do estresse mental, assim como também para desfrutar do convívio familiar em razão do recesso escolar que acontece nessa mesma época.

Dito isso, por vezes há certa preocupação e sobretudo receio de o(a) trabalhador(a) deixar de atender aos chamados do seu empregador e de clientes durante esse período. Isto ocorre por medo de retaliação, de perder do emprego, de ser substituído(a) por outro(a) profissional, ou, ainda, simplesmente pelo fato de que, por não estar disponível em tal momento, poderia a conduta ser reputada displicente.

Nesse sentido, surgem algumas dúvidas e questionamentos: o(a) trabalhador(a) pode ser convocado(a) para prestar serviços nas férias? Quais seriam as consequências caso isso ocorra? E, mais, quais os cuidados que a empresa deve adotar para que tal direito do(a) trabalhador(a) não seja violado?

Por certo, o assunto é polêmico, tanto que a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.

De início, impende destacar que, de acordo com um levantamento do Instituto Ipsos, 53% dos trabalhadores apresentaram piora em sua saúde mental nos últimos anos, sendo o Brasil recordista de pessoas com transtornos de ansiedade e depressão [2].

Aliás, segundo os dados da International Stress Management Association, 72% da população brasileira apresenta alguma sequela do estresse, sendo que 32% são acometidos da Síndrome de Burnout [3].

Do ponto de vista normativo, no Brasil, de um lado, a Constituição Federal (CF) em seu artigo 7º, inciso XVII [4], preceitua que as férias são um direito social garantido ao (à) trabalhador(a). Lado outro, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [5] assegura o direito às férias anuais após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho.

Nesse desiderato, oportunos são os ensinamentos do professor Homero Batista Mateus da Silva [6]:

“As férias têm a peculiaridade da natureza híbrida de direito e dever simultaneamente. Que elas correspondem a um direito do trabalhador não resta dúvida, conquistando-as o trabalhador em seu dia a dia de atividades prestadas ao empregador. Sua noção como dever certamente é a mais difícil de enxergar, num conceito que vem sendo esquecido pelas partes.

(…). O período deve compreender a mudança de hábitos e de rotina por parte do trabalhador, alteração de seu metabolismo e em seu ritmo devida, desligamento completo das atividades que acaso deixou pendentes e demais condições para um completo reequilíbrio mental e físico.

No dizer das ciências humanas voltadas ao estudo do equilíbrio do corpo e da mente, férias que mereçam esse nome são aquelas que o trabalhador consegue mudar não somente o ritmo cotidiano, mas também o sonho que povoa sua mente durante a noite”.

Sob essa perspectiva, uma pesquisa publicada no Journal of Nutrition, Health and Aging, em 2018, apontou que pessoas que tiram férias mais curtas apresentam 37% mais riscos de morrer, mesmo que possuam um estilo de vida saudável [7].

Portanto, nesse período de férias, em regra, é vedado à empresa convocar o(a) trabalhador(a) para o exercício de suas atividades, assim como importuná-lo(a) com e-mails, mensagens de aplicativos ou quaisquer outras formas de comunicação acerca de tarefas profissionais, haja vista que a finalidade do instituto é justamente o exercício da desconexão do trabalho e a recomposição da higidez física e mental.

À vista disso, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já foi provocada a emitir um juízo de valor sobre essa temática, de modo que o entendimento foi no sentido de condenar uma empresa a pagar, em dobro, as férias de um trabalhador que laborou no período destinado ao descanso [8].

Em seu voto, o ministro ponderou o seguinte:

“(…). As férias têm a finalidade de recuperação e implementação das energias do trabalhador e de sua inserção familiar, comunitária e política.

Partindo-se desse objetivo, tem fundamento o questionamento suscitado pelo Reclamante no sentido de que o trabalho realizado em parte das férias desvirtuaria sua própria finalidade, razão pela qual deveria haver o pagamento em dobro não apenas dos dias indevidamente laborados, mas de todo o período de férias correspondente.

Ora, tendo o empregado sido convocado ao trabalho, mesmo por somente três dias, durante o prazo de gozo das férias, o instituto tem frustrada sua regular fruição, ensejando o correspondente novo pagamento da verba, no montante do total das férias fruídas e não somente dos dias laborados irregularmente”.

De igual modo, idêntico foi o entendimento da 2ª Turma do TST ao condenar uma empresa ao pagamento, em dobro, do período integral das férias, e não apenas dos dias laborados, haja vista a frustração do instituto [9].

Frise-se, por oportuno, que conquanto o período laborado nas férias possa ser compensado posteriormente, poderá haver a condenação do pagamento em dobro de acordo com a jurisprudência da Corte Superior Trabalhista, a qual interpreta de forma sistemática dos dispositivos legais [10].

Noutro giro, vale destacar que o lapso de férias não se trata apenas de um direito trabalhista, mas sim de um instituto que visa proporcionar o equilíbrio da saúde física e mental do(a) trabalhador(a) e um meio ambiente laboral saudável. Bem por isso, é forçoso lembrar que a ausência desse descanso irá trazer reflexos negativos na produtividade no trabalho e, quiçá, afastamentos médicos em razão do estresse e doenças mentais.

Outrossim, existem estudos acerca da importância das férias e os seus reflexos para a saúde do(a) trabalhador(a), inclusive no sentido de redução dos casos de depressão daquelas pessoas que gozam das férias e se desconectam do ambiente laboral [11].

Neste contexto, uma empresa indiana optou por multar os funcionários que atrapalhem as férias de seus colegas, independentemente do nível hierárquico, para que tal direito possa ser usufruído plenamente. Ainda, no caso em análise, a empresa realizou o bloqueio do trabalhador junto ao sistema da empresa e vedou o acesso ao e-mail e telefone corporativos [12].

Não há dúvidas de que havendo o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, assim como um tempo destinado para a recomposição da saúde física e mental, os reflexos positivos no trabalho serão visíveis.

Em arremate, o trabalho excessivo, sem pausas e férias, ao invés de aumentar a produtividade, poderá acarretar num ambiente tóxico e, por conseguinte, improdutivo. É forçoso destacar que a desconexão completa nesse período trará benefícios não só ao(à) trabalhador(a), mas também à empresa e à sociedade, já que a sobrecarga de trabalho aumenta o adoecimento físico e mental, afrontando direitos e garantias fundamentais.

[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Disponível em https://exame.com/bussola/ferias-sao-mais-que-descanso-uma-pausa-para-recuperar-saude-mental/. Acesso em 4.7.2023.

[3] Disponível em https://www.segs.com.br/demais/366665-especialista-explica-a-importancia-do-recesso-e-das-ferias#:~:text=O%20per%C3%ADodo%20de%20f%C3%A9rias%20simboliza,sofre%20alguma%20sequela%20do%20estresse. Acesso em 4.7.2023.

[4] Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

[5] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 7.7.2023.

[6] Direito do trabalho aplicado: Direito Individual do Trabalho – São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021 – (Coleção Direito do Trabalho Aplicado; volume 2). Página 293 e 294.

[7] Disponível em https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/05/25/faz-mal-para-a-saude-nao-tirar-ferias.htm. Acesso em 4.7.2023.

[8]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=92500&digitoTst=93&anoTst=2006&orgaoTst=5&tribunalTst=01&varaTst=0011&submit=Consultar. Acesso em 4.7.2023.

[9] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=684&digitoTst=94&anoTst=2012&orgaoTst=5&tribunalTst=04&v.araTst=0024&submit=Consultar. Acesso em 4.7.2023.

[10] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=136740&digitoTst=23&anoTst=2009&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0007&submit=Consultar. Acesso em 7.7.2023

[11] Disponível em https://www.anamt.org.br/portal/2017/07/14/como-as-ferias-picadas-podem-afetar-o-seu-descanso/. Acesso em 4.7.2023.

[12] Disponível em https://rhpravoce.com.br/redacao/empresa-multara-funcionarios-que-atrapalharem-as-ferias-dos-colegas/. Acesso em 4.7.2023.

Fonte: Conjur

Juiz das garantias e interpretação desconforme com a Constituição

A soberania do júri não pode se sobrepor à presunção de inocência. Dessa maneira, não é possível que a pena imposta pelos jurados seja executada imediatamente, mas apenas após o trânsito em julgado, como ocorre em todas as condenações penais. Essa é a opinião de especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Condenação imposta pelo júri não pode ser executada de imediato, dizem especialistas
TJ-RJ

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar na última sexta-feira (30/6) se a condenação no tribunal do júri deve ser executada imediatamente. O julgamento, que ocorre no Plenário Virtual, está marcado para ser concluído em 7 de agosto. Até o momento, há cinco votos pela execução imediata da pena e três para aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória.

No caso julgado, o Superior Tribunal de Justiça permitiu ao réu recorrer em liberdade, com base no entendimento do STF de que a pena só pode ser executada após o trânsito em julgado da sentença condenatória (ADCs 43 e 44). O Ministério Público recorreu ao Supremo.

Em seu voto, o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a soberania do júri prevalece sobre a presunção de inocência. Segundo Barroso, a presunção de inocência, por ser princípio, e não regra, pode ser “aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes”.

Assim, para o ministro, não há violação da presunção de inocência com o imediato cumprimento da pena de réu condenado pelo júri. Ele também fez uma interpretação conforme a Constituição da lei “anticrime” (Lei 13.964/2019), que permitiu a execução provisória de pena superior a 15 anos imposta pelo júri.

Barroso propôs a seguinte tese de repercussão geral: “A soberania dos veredictos do tribunal do júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.

O voto do relator foi seguido, até o momento, pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e André Mendonça. Os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, presidente da corte, e Ricardo Lewandowski (aposentado) divergiram, entendendo que a pena só pode ser executada ao fim do processo. Faltam os votos dos ministros Kassio Nunes Marques, Edson Fachin e Luiz Fux.

Críticas ao ministro
Em artigo publicado na ConJur, o jurista Lenio Streck contestou o voto de Barroso. Streck afirmou que, se Barroso aplicasse corretamente a ponderação do jurista alemão Robert Alexy, chegaria à conclusão de que a presunção de inocência prevalece sobre a soberania do júri, uma vez que restringe a liberdade de acusados. Portanto, a pena decorrente de condenação do júri só poderia ser aplicada após o trânsito em julgado.

Lenio Streck afirma que Barroso
errou na ponderação de princípios
Reprodução/Twitter

O jurista também criticou o uso de estatísticas por Barroso, que deu a entender que é função do Judiciário combater crimes. Com isso, o ministro transforma o Direito em consequencialismo, algo que não pode ser admitido, segundo Lenio, que é professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá.

O constitucionalista ressaltou que nunca foi proibido prender depois de decisão de segundo grau. “Nem a liberdade é automática para recorrer e nem a prisão pode ser obrigatória-automática. O voto do ministro dá ares de automaticidade à prisão se a decisão vier do júri. E isso fere o precedente vinculante” (ADCs 43 e 44).

Além disso, ele destacou que é inconstitucional o dispositivo da lei “anticrime” que retira o efeito suspensivo das apelações contra condenações a penas superiores a 15 anos pelo tribunal do júri. Afinal, para Streck, isso igualmente viola o princípio da presunção de inocência.

“Não devemos perder a oportunidade de debater, para além da prisão automática e sua afronta à presunção da inocência, qual é o papel da doutrina no Direito brasileiro. Por qual razão a doutrina se transformou em caudatária da jurisprudência? Por qual razão um voto como o do ministro Barroso não tem maior repercussão e não gera uma posição mais crítica da doutrina? Ou a doutrina concorda que se pode usar a tese da ponderação de Alexy desse modo? Ou que precedentes da própria Corte Maior podem ser ignorados?”, questionou ele à ConJur.

Presunção de inocência
Especialistas em Direito Processual Penal concordam com a crítica ao voto de Luís Roberto Barroso, ressaltando que o princípio da soberania do júri não pode se sobrepor à presunção de inocência.

Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afirma que o voto de Barroso “é um grave erro, que desconsidera a presunção de inocência até o trânsito em julgado, enquanto dever de tratamento, reafirmada pelo próprio STF”.

“A soberania dos veredictos não tem, absolutamente, nada que ver com execução antecipada da pena ou ponderação da presunção de inocência”, avaliou. Conforme Lopes Jr., a soberania está vinculada ao ato de julgar, à definição de fatos, ao julgamento feito pelos jurados por meio dos quesitos, não à prisão automática como consequência do julgamento.

A proposta de Barroso não é uma interpretação conforme a Constituição, é “simplesmente reescrever um artigo de lei e suprimir — sem justificativa legítima — o limite de pena ali estabelecido (os tais 15 anos, que também é um ‘limite’ ilógico, irracional e inconstitucional)”, declarou Lopes Jr.

“Enfim, nada justifica tamanho retrocesso, ainda mais se considerarmos que sempre cabe a prisão preventiva, em qualquer fase, se houver uma necessidade cautelar. O que não cabe é prisão automática em primeiro grau, com ampla possibilidade de recurso de apelação, em flagrante violação da presunção de inocência”, opinou o docente da PUC-RS.

Não é possível pensar em ponderação no caso porque a previsão de soberania do júri é regra, portanto, não está sujeita a tal forma de análise, ressaltou Antonio Eduardo Ramires Santoro, professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Além disso, é absolutamente paradoxal estabelecer a prevalência da regra da soberania do júri sobre a presunção de inocência, uma garantia estruturante do sistema penal brasileiro. Um sistema fundado nos direitos humanos não pode transigir com regras específicas, como as que se dirigem ao tribunal do júri”, destacou Santoro.

Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo, aponta que não há o que sopesar na ação, pois não há colisão entre a soberania dos vereditos do júri e a presunção de inocência.

“A presunção de inocência, enquanto regra de tratamento do acusado que não pode ser tratado como se fosse culpado antes do trânsito em julgado da condenação penal — o que inclui a execução provisória da pena —, não colide com a soberania dos veredictos, enquanto atributo dos jurados de dar a última palavra sobre os temas que são de sua competência na sentença subjetivamente complexa do júri, não podendo ser substituídos, em suas decisões, por um magistrado togado”, analisou Badaró.

O professor da USP também ressaltou o perigo de usar estatísticas para fundamentar restrições de direitos fundamentais. Barroso, em seu voto, lançou mão do argumento do “inexpressivo percentual de modificação das decisões condenatórias do júri”.

“O voto desenvolve o seguinte argumento estatístico: ‘E todas as decisões proferidas pelo júri, em apenas 1,97% dos casos houve a intervenção do tribunal de segundo grau para, a pedido do réu, devolver a matéria para a análise do júri’. Isso significa, em grandes números, que para o ministro Roberto Barroso não há problemas de, a cada cem pessoas, duas delas terem a sua liberdade irreparavelmente lesada.”

O especialista em processo penal cita um exemplo para demonstrar a inadequação das estatísticas para restringir direitos fundamentais. Em 2021, tramitaram 94 casos de foro por prerrogativa de função no STF. No mesmo ano, tramitaram 7,8 milhões de processos criminais no Brasil.

“Logo, os casos de foro por prerrogativa de função, no total de processos penais brasileiros, correspondem a um percentual muito inferior a 1,97%, de aproximadamente 0,00001%. Creio que os ministros concordarão que, nem por isso, devemos acabar com o foro por prerrogativa de função, inclusive para magistrados do STF”, destacou ele.

“A estatística é um mau argumento quando se trata de restringir direitos fundamentais. Até porque os direitos fundamentais, exatamente por esse caráter, devem estar a salvo até mesmo da vontade das maiorias momentâneas. Isso é Estado democrático de Direito”, disse Badaró.

Consumidores com autismo e as práticas abusivas dos planos

A estatística mais recente do Center for Disease Control, divulgada em março de 2023, estima que uma em cada 34 crianças nos Estados Unidos apresentam autismo [1]. Já a estatística global utilizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), atualizada em maio de 2022, estima a presença de pelo menos uma pessoa com TEA em cada grupo de cem [2]. No Brasil, não há dados seguros acerca da quantidade de pessoas com autismo, porém se estima — com base nas referências internacionais indicadas — a existência de algo entre dois e seis milhões de pessoas com TEA no país [3].

De fato, o transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades de comunicação e interação social, bem como pela presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos. Tais sintomas configuram o núcleo do transtorno, podendo a gravidade de sua apresentação variar de indivíduo para indivíduo. Trata-se de um transtorno permanente, para o qual não há cura, sendo o diagnóstico e intervenção precoces com realização de terapias de alta intensidade e longa duração por equipe multiprofissional — envolvendo a atuação de profissionais de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, dentre outros — a principal forma de assegurar o melhor desenvolvimento e qualidade de vida à pessoa com TEA [4].

Diante da enorme importância do tema, verifica-se que os direitos da pessoa com TEA são assegurados por diferentes diplomas normativos no Brasil, merecendo destaque a Lei 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) a qual instituiu a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com TEA, reconhecendo o autismo como uma deficiência para todos os efeitos legais e destacando os direitos ao diagnóstico precoce e atendimento terapêutico multiprofissional. Ainda, desde 2020, com o advento da Lei 13.977 (Lei Romeo Mion) foram instituídas a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) e a fita quebra-cabeça como símbolo do TEA, tudo isso com o intuito de assegurar às pessoas com TEA atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados.

De outro lado, porém, a realidade vivida pelas pessoas com TEA e por seus núcleos familiares está longe da prevista na ordem jurídica. Falta acesso aos serviços de saúde que assegurem o diagnóstico precoce e o atendimento terapêutico multiprofissional, tanto na rede pública quanto privada. Ademais, os custos adicionais necessários ao atendimento dessas necessidades num contexto de carência de coberturas públicas e privadas sobrecarregam e hipervulnerabilizam economicamente essas pessoas [5].

Especificamente no que pertine a relação estabelecida entre usuários de planos de saúde com autismo e as respectivas operadoras de planos de saúde a questão se reveste de aspectos dramáticos, especialmente no que diz respeito à negativa e/ou limitação dos tratamentos terapêuticos de que esses pacientes necessitam.

De fato, a atividade das operadoras de planos de saúde encontra seu regramento legal especificado na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, conhecida como Lei dos Planos de Saúde e, também nas normas regulamentadoras expedidas pelo órgão regulatório responsável pelo setor, notadamente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar [6].

Ocorre que as operadoras de planos de saúde são pessoas jurídicas que desenvolvem uma atividade econômica que envolve a ligação de uma cadeia de atividades — fornecedores de materiais médicos, equipamentos e medicamentos, prestadores de serviços de saúde, entre outros — e seus usuários finais [7], que são pessoas físicas que aderem ao contrato referente aos serviços de seguridade e assistência à saúde das operadoras de planos de saúde. Nesse sentido, é facilmente perceptível que a relação estabelecida entre as operadoras de planos de saúde e seus usuários se amolda perfeitamente ao conceito legal de relação jurídica de consumo [8], pelo que incidente o regramento do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

De fato, o tema foi objeto de significativa controvérsia resultando na edição, em 2018, pelo Superior Tribunal de Justiça do enunciado sumular nº 608, conforme o qual: “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”.

De outro lado, a recente Lei nº 14.454/2022, de 21 de setembro de 2022 — a qual alterou a Lei dos Planos de Saúde para estabelecer critérios que permitam a cobertura de tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos da ANS — inseriu uma importante alteração no artigo 1º da Lei nº 9.656/1998 que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º — Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade e, simultaneamente, das disposições da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:”

Nesse sentir, passou a constar expressamente no artigo 1º da Lei dos Planos de Saúde que as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde se submetem não somente à lei de regência de sua atividade e às regulamentações da ANS, como também, e simultaneamente, às disposições do CDC.

Trata-se de alteração legislativa recente e de enorme significância, tendo em vista que não somente restou materializado no texto legal o consolidado entendimento acerca da aplicabilidade do CDC às relações entre usuários e operadoras de planos de saúde. Para além disso, a alteração legislativa trouxe um novo marco legislativo sobre a aplicação do microssistema consumerista relativamente às entidades de autogestão [9] — pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que operam planos coletivos voltados a determinados indivíduos vinculados a uma entidade pública ou privada (p.e. Ipergs-Saúde, Plan Assiste MPU) — que operam planos de saúde, visto que estas encontram sua regulação legal na mesma Lei nº 9.656/1998 e, portanto, em relação a elas também se aplicam as disposições do CDC. Supera-se, pois, a restrição consignada no enunciado nº 608 do STJ.

Por outro aspecto, retomando a análise da relação entre os consumidores-usuários de planos de saúde e suas fornecedoras, as entidades privadas de assistência à saúde, cumpre atentar para as peculiaridades dessa relação. De fato, no âmbito desta relação jurídica, destaca-se como especialmente relevante o princípio da proteção da confiança, assim entendido como “a necessária tutela que a ordem jurídica confere a situações conhecidas como expectativas legítimas” [10]. Efetivamente, com muito mais intensidade que em outras modalidades de serviços, ao contratar um plano privado de assistência à saúde, o consumidor tem a expectativa legítima de que encontrará amparo dos serviços da operadora quando deles assim necessitar [11] [12].

Outrossim, o inciso IV, do artigo 6 º do CDC, estabelece como direito básico do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas no fornecimento de produtos e serviços, de maneira que são abusivas as cláusulas e as práticas que criam obstáculos ao acesso a procedimentos e tratamentos de saúde de modo a comprometer a satisfação útil do contrato [13].

Ainda, nesse contexto se faz necessária a compreensão das pessoas com transtorno do espectro autista enquanto consumidores hipervulneráveis.

Sabe-se que todo consumidor é vulnerável por sua própria posição jurídica de consumidor. Há, no entanto, circunstâncias concretas verificadas em determinados indivíduos e grupos sociais que os colocam numa condição de especial vulnerabilidade, de uma vulnerabilidade agravada [14], frente ao fornecedor, e a tal situação a doutrina e jurisprudência dominantes denominam de hipervulnerabilidade [15] [16].

Quanto às pessoas com TEA — as quais se encontram abarcadas na categoria de pessoas com deficiência [17] — a sua especial vulnerabilidade é reconhecida em inúmeros dispositivos presentes no corpo da Constituição Federal de 1988, na Convenção Internacional sobre a Proteção das Pessoas com Deficiência (com status normativo de norma constitucional), em normas convencionais infraconstitucionais (p. e. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência), e, ainda, em normas legais como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) e a Lei Berenice Piana.

Vale dizer, de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, o consumidor com transtorno do espectro autista é vulnerável por ser consumidor e, cumulativamente, é vulnerável por ser pessoa com deficiência.

De outra maneira, tal hipervulnerabilidade — decorrente da cumulação da condição de consumidor e pessoa com TEA — não exclui a sobreposição de outras ordens de vulnerabilidade. Em outras palavras, é perfeitamente possível, e até frequente, a cumulação de múltiplas vulnerabilidades em um mesmo indivíduo ou grupo social, por exemplo: uma criança com TEA beneficiária de plano de assistência privada à saúde será vulnerável não somente enquanto consumidora e pessoa com TEA, mas também enquanto criança.

Aliás, na esteira do que já se disse acerca da hipervulnerabilidade, é de reconhecer a necessidade de proteção jurídica ainda mais intensa e ampla aos consumidores com TEA que se encontram nessa posição de hipervulnerabilidade agudizada ou múltiplas vulnerabilidades. Isso porque, considerando as peculiaridades já analisadas acerca do transtorno do espectro autista — um transtorno do neurodesenvolvimento para o qual preconizado o diagnóstico precoce, ainda na primeira infância, e a aplicação de tratamento multiprofissional, intensivo e de longa duração — é de reconhecer que os consumidores com TEA mais frequentemente afetados pelas práticas abusivas das operadoras de planos de saúde são justamente as crianças com autismo e, portanto, um segmento de consumidores sob múltiplas vulnerabilidades.

Dessa forma, incidente o microssistema protetivo do direito do consumidor às relações estabelecidas entre os beneficiários de planos de saúde e suas correlatas operadoras, pontuadas as peculiaridades dessa relação contratual, bem como compreendida a pessoa com TEA enquanto consumidora hipervulnerável, evidente que a limitação de tratamentos terapêuticos indispensáveis à preservação da vida, saúde e desenvolvimento das pessoas com TEA representa uma prática abusiva das operadoras de planos de saúde em detrimento desses grupo de consumidores especialm

[1] MAENNER, Mathew J.; SHAW, Kelly A.; BAKIAN, Amanda V.; et alli. Prevalence and Characteristics of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years — Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2020. MMWR Surveill Summ 2023;70 (No. SS-2):1–14. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.ss7202a1 Acesso em: 08 jun. 2023.

[2] ZEIDAN, Jinan; FOMBONNE, Eric; SCORAH, Julie; IBRAHIM, Alaa; DURKIN, Maureen S.; SAXENA, Shekhar; YUSUF, Afiqah; SHIH, Andy; ELSABBAGH, Mayada. Global prevalence of autism: A systematic review update. Autism Reserach, maio 2022. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9310578/. Acesso em: 20 jan. 2023

[3] SANTIN, Douglas Roberto Winkel. As relações de consumo e os consumidores hipervulneráveis com autismo: as práticas abusivas das operadoras de planos de saúde. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, p. 110. 2023.

[4] SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual sobre Transtorno do Espectro do Autismo. Porto Alegre: SBP, 2019. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21775d-MO_-_Transtorno_do_Espectro_do_Autismo__2_.pdf Acesso em: 20 out. 2022.

[5] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Relatório mundial sobre a deficiência (World Report on Disability, 2011). São Paulo: SEDPcD, 2012. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44575/9788564047020_por.pdf. Acesso em: 19 jan. 2023.

[6] GREGORI, Maria Stella. A lei dos planos de saúde: aspectos históricos e jurídicos. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: vol.121/2019, p. 347-364, 2019. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com.br/pt/juridico/revista-dos-tribunais-online.html. Acesso em: 20 jan.2023.

[7] AZEVEDO, Paulo Furquim de; et al. A cadeia de saúde suplementar no Brasil: avaliação de falhas de mercado e propostas de políticas. São Paulo: INSPER, 2016. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2018/09/estudo-cadeia-de-saude-suplementar-Brasil.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.

[8] AZEVEDO, Fernando Costa de. Uma Introdução ao Direito Brasileiro do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 69, p.32-86. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com.br/pt/juridico/revista-dos-tribunais-online.html. Acesso em: 20 jan.2023

[9] SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de Saúde, 2.ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019.

[10] AZEVEDO, Fernando Costa de. O direito do consumidor e seus princípios fundamentais. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Dossiê Consumo e Vulnerabilidade: a proteção jurídica dos consumidores no século XXI. Vol. 03, N. 1, Jan-Jun., 2017. Disponível em https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/revistadireito/issue/view/662. Acesso em: 20 out. 2022

[11] PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Planos de Saúde e Direito do Consumidor in MARQUES, Cláudia Lima e outros (orgs). Saúde e Responsabilidade 2 – a nova assistência privada à saúde, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008

[12] MELLO, Heloísa Carpena Vieira de. Seguro-Saúde e abuso de direito. In:MARQUES, Claudia Lima (org.). Doutrinas Essenciais do Direito do Consumidor. Org. Cláudia Lima Marques. São Paulo: RT., 2011. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com.br/pt/juridico/revista-dos-tribunais-online.html. Acesso em: 20 jan.2023

[13] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p.573.

[14] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p.201.

[15] MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.

[16] AZEVEDO, Fernando Costa de. O Núcleo familiar como coletividade hipervulnerável e a necessidade de sua proteção contra os abusos da publicidade dirigida ao público infantil. Revista de Direito do Consumidor, vol. 123, p.17-35. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.thomsonreuters.com.br/pt/juridico/revista-dos-tribunais-online.html. Acesso em: 20 jan.2023

[17] NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Proteção jurídica das pessoas com deficiência nas relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2016.

Fonte: Conjur

O polêmico inciso VIII do artigo 144 do CPC e sua aplicação

O atual Código de Processo Civil alterou as hipóteses de impedimento do magistrado, incluindo outras, de modo a estendê-las a situações antes não englobadas.

Dentre elas, o polêmico inciso VIII do artigo 144, que assim dispõe:

“Art 144 – Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:
(…)
VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha direta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório.”

Essa regra não estava no projeto encaminhado ao Congresso, sendo inserida nos debates legislativos e, em razão da sua amplitude, é objeto de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) perante o STF (Supremo Tribunal Federal), já em fase de julgamento, com divergência.

A intenção, a partir da análise dos debates havidos na casa legislativa, é bastante clara: evitar a atuação de escritórios de advocacia que, em razão da participação de parentes de magistrado, de algum modo pudessem obter vantagens a favor de seus clientes.

Verifica-se, portanto, que a iniciativa é louvável e deve ser defendida por todos, vez que em perfeita harmonia com os princípios que regem a atividade jurisdicional. No entanto, a questão a ser discutida não é a intenção em abstrato do legislador, mas sim, se a forma como foi redigida a norma em concreto tem o condão de atingir esse objetivo ou se gera uma presunção absoluta de impedimento que poderia violar outros preceitos constitucionais, dentre eles, a regra do juiz natural.

Assim, não podemos nos deixar levar por chavões que em nome da “moralidade” procuram tão somente ofender e achincalhar o Poder Judiciário e parte de seus membros por razões ideológicas.

Para o debate em torno do tema, mostra-se importante partir de três pressupostos.

O primeiro é que o dispositivo tratado está inserido dentre as regras de impedimento e não de suspeição; portanto, trata-se de norma objetiva e deve ser aplicada independente do caso concreto e eventuais especificidades. Caso o magistrado se enquadre na norma, não poderá julgar a demanda e, se o fizer, serão nulos os atos praticados.

O segundo é que, salvo melhor juízo e respeitados os entendimentos em sentido contrário, o dispositivo deve ser aplicado a todos os processos, sejam eles objetivos ou subjetivos, individuais ou coletivos, baseados na lei processual geral ou extravagante; afinal, se o objetivo da norma é garantir a imparcialidade dos magistrados, esta deve ser almejada em todos os processos, sem exceção.

O terceiro é que a norma se aplica a todos os juízos e graus de jurisdição, não podendo o intérprete distinguir juízos de primeiro ou segundo grau ou superiores.

Estes três pressupostos, no meu entender, colocam em xeque a norma. Repita-se: não a intenção do legislador, mas a forma como posta a norma.

Com efeito, a norma é expressa no sentido de que o magistrado está impedido de atuar em todo processo em que a sociedade de advogados de que faça parte (como sócio ou associado) seu cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau atue (ainda que não esteja constituído como procurador) ou de clientes da mesma sociedade ainda que naquele caso representados por outro escritório de advocacia.

Por exemplo, em um processo de recuperação judicial ou de falência (em que muitas vezes, não há sequer litígio em relação a uma das partes — o credor que concorda com o valor do seu crédito e aceitar a forma de pagamento proposta pela empresa em recuperação judicial), o juiz natural não poderia atuar caso o advogado se enquadre nas hipóteses descritas.

Ou seja, o magistrado teria que verificar os seguintes fatores: a) se uma das pessoas que gera o impedimento atua no processo; b) se a sociedade de que faz parte atua no processo; c) se qualquer um deles atua por qualquer um dos credores ou devedores em outro processo que tenha ou não alguma relação com a recuperação judicial ou com a falência.

Salvo melhor juízo, o magistrado passa a ter, segundo o dispositivo legal, o dever de obter informações a respeito de todos os processos (judiciais — em segredo de justiça ou não, e arbitragens) e de todas as atuações nas áreas consultivas das sociedades em que atuam os sujeitos que geram o impedimento. Uma espécie de fiscalização em que o magistrado teria que ter à sua disposição a relação completa de todos os clientes dos sujeitos na norma elencados.

No caso de companheiro ou cônjuge, a questão já geraria a duvidosa consequência deste e a sociedade em que atua enxergarem no dispositivo objeto desta análise uma exceção ao dever de sigilo profissional; no caso de parentes até terceiro grau exigiriam do magistrado quase a condição de biógrafos profissionais de sujeitos que muitas vezes sequer contato teria, além do mesmo óbice anterior.

Em síntese, a regra mencionada para ser cumprida faria com que o magistrado, muito provavelmente, tivesse que ocupar seu tempo mais com a análise de hipóteses de impedimento do que com o julgamento da demanda, lembrando que a norma se aplica tanto a ministros (que possuem uma grande equipe de assessores) e quanto a juízes de primeiro grau cuja realidade é absolutamente diversa.

Mais do que isso, a norma, tal como posta, produz um efeito colateral em que a parte má intencionada poderia dela se valer para escolher o magistrado que julgaria seus processos, bastando a esse fim contratar para um caso que seja a sociedade da qual o sujeito que gera o impedimento faz parte, afastando assim o magistrado indesejado.

Destarte, por todos esses pontos, a norma no seu sentido literal viola os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e do juiz natural, sendo, portanto, inaplicável não somente aos processos de insolvência como aos demais.

Resta verificar se seria possível buscar uma interpretação conforme.

Neste sentido, a limitação que se imporia é que o magistrado tenha conhecimento do fato, isto é, que o sujeito que gera o impedimento ou a sociedade de que faz parte se enquadra na hipótese legal.

No entanto, essa limitação não afastaria o problema acima aventado de que a parte má intencionada escolhesse o juiz e/ou afastasse o magistrado indesejado.

Para resolver essa questão, me parece mais adequado retornar ao ponto central do problema: qual foi a intenção buscada a partir do debate legislativo? Impedir contratações de advogados que gerem direta ou indiretamente rompimento da imparcialidade. Em última análise, não permitir que a demanda seja julgada por quem de algum modo, direta ou indiretamente tem interesse na causa.

Ora, o artigo 145, inciso III do CPC regula exatamente a hipótese:

“Art. 145. Há suspeição do juiz:
(…)
IV – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.”

Desta maneira, se considerarmos que a atuação neste ou em outro processo de qualquer sujeito (independente de parentesco e seu grau) pode afetar a imparcialidade do magistrado desde que existam elementos concretos a essa conclusão, o problema que foi levantado no Congresso Nacional estará superado, sem colocar em risco nem os princípios do juiz natural, nem tão pouco os princípios que fundamentam a imparcialidade do magistrado.

Nem se alegue que esse dispositivo trataria do interesse pessoal do magistrado e não dos sujeitos a ele ligados. Com efeito, se o interesse direto é do cônjuge ou parente e este afeta a imparcialidade do magistrado, evidente que por via reflexa o juiz também passaria a ser interessado e sujeito a essa norma de suspeição.

Com isto, e respeitadas as opiniões em sentido contrário, me parece que a norma citada é inconstitucional e isto não gera qualquer prejuízo a moralidade que deve existir em todos os processos pois a questão já está suficientemente regulada pelo inciso IV do artigo 145 do CPC.

Fonte: Conjur

STF reiniciará análise de alíquotas previdenciárias de servidores

Um pedido de destaque do ministro Luiz Fux fará com que o Supremo Tribunal Federal reinicie, no Plenário físico, o julgamento sobre a possibilidade de instituição de alíquotas progressivas para as contribuições previdenciárias dos servidores públicos federais, nos parâmetros da reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019).

Luiz Fux pediu destaque e julgamento recomeçará do zero no Plenário físico
Carlos Moura/SCO/STF

A análise do processo, que corria no Plenário Virtual e tem repercussão geral (Tema 1.226), estava prevista para se encerrar na última sexta-feira (23/6).

O recurso julgado contesta a decisão da 5ª Turma Recursal Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul que condenou a União a restituir a uma servidora federal os valores descontados em decorrência da aplicação das alíquotas progressivas, previstas nos incisos V a VIII do parágrafo 1º do artigo 11 da EC 103/2019.

De forma incidental, o colegiado declarou inconstitucionais os dispositivos, por considerar que a sistemática de tributação progressiva viola o princípio da isonomia e é confiscatória. De acordo com a decisão, a tributação deve se limitar à alíquota de 14%.

No STF, a União argumentou que não há impedimento constitucional à progressividade e ao aumento da alíquota, desde que se observem os princípios da legalidade, da anterioridade, da isonomia, da capacidade contributiva e do não confisco.

Voto do relator
O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, havia votado para aceitar o recurso e reformar a decisão. Barroso propôs a fixação da seguinte tese:

“É constitucional a progressividade de alíquotas de contribuição previdenciária instituída pela Emenda Constitucional 103/2019 para o Regime Próprio de Previdência Social da União, não havendo ofensa à regra da irredutibilidade de vencimentos, nem aos princípios da vedação ao confisco, da contrapartida e da isonomia”.

Segundo o ministro, as alíquotas instituídas na reforma não têm caráter confiscatório, não ofendem a garantia da irredutibilidade de vencimentos e não desrespeitam a isonomia entre servidores de diferentes entes federados e entre segurados do Regime Próprio de Previdência Social da União e do Regime Geral de Previdência Social.

O voto do relator havia sido seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

O ministro Edson Fachin abriu a divergência, sendo seguido pela ministra Rosa Weber, presidente do STF. Fachin citou precedentes da corte que consideram confiscatórias as alíquotas progressivas de contribuição ao Regime Próprio de Previdência Social da União (medidas cautelares na ADI 2.010 e na ADC 8).

Fonte: Conjur

O impacto da computação quântica na proteção de dados

A recente evolução nas tecnologias quânticas viabilizou o uso de computadores quânticos, sensores quânticos e redes específicas — conhecidas como Distribuição de Chaves Quânticas (QKD — Quantum Key Distribution). Segundo Jack D. Hidary (2021, p.15), a computação quântica começou a se destacar como um campo de estudo próprio por volta de 1979. Unindo a ciência da computação e a física quântica, esse campo almeja a elaboração de sistemas computacionais extremamente sofisticados, que transcendem os modelos atualmente estabelecidos e amplamente difundidos no mundo. Esses sistemas, notavelmente mais eficientes que os computadores clássicos que usam bits “0” e “1”, marcam uma revolução no processamento e manejo de informações, introduzindo uma nova era na computação.

Considerando o progresso atual em tecnologia quântica, prevê-se que a implementação de um computador quântico físico em nossos escritórios ainda seja uma realidade distante. No entanto, já é possível observar a presença da computação quântica na atualidade, especialmente na forma híbrida, através dos serviços de computação em nuvem. Essa modalidade habilita a exploração e aplicação das vantagens da computação quântica, dispensando a necessidade da existência física de um equipamento quântico no local onde a atividade está sendo concebida.

Com referência à realidade presente, a implementação física dos computadores quânticos é restrita a ambientes de alta especialização, principalmente devido a uma série de desafios técnicos de grande relevância. Tais desafios englobam a necessidade de temperaturas extraordinariamente baixas (equivalentes a -273°C ou 0K) para evitar interferências térmicas, a limitação no número de qubits disponíveis, a rápida dissolução do estado quântico dos qubits (fenômeno conhecido como decoerência) por interações com o ambiente, erros de medição originados pela perturbação de estados quânticos e as dificuldades técnicas e custos associados à escalabilidade dos sistemas quânticos.

No atual panorama tecnológico empresas como IBM [1], Microsoft [2], Google [3] e Rigetti [4] disponibilizam computadores quânticos por meio de serviços em nuvem [5]. Além disso, elas oferecem kits de desenvolvimento para esses computadores, compostos por plataformas de desenvolvimento, simuladores, linguagens e bibliotecas. Além disso, já se encontram disponíveis kits de desenvolvimento tais como o QisKit da IBM [6], o Cirq do Google [7], o Azure Quantum da Microsoft [8] e o Forest da Rigetti [9]. Esses kits, oferecidos gratuitamente, representam ferramentas essenciais que habilitam os desenvolvedores a experimentar e simular o desenvolvimento de softwares, proporcionando a possibilidade de inicialmente testá-los em computadores quânticos reais para a obtenção de resultados [10]. Essa disponibilidade imediata de recursos representa uma contribuição significativa para o avanço do conhecimento prático da computação quântica.

No alvorecer do ano 2022, o computador quântico mais proeminente em operação era o “Eagle Quantum”, um produto emblemático da IBM, ostentando uma capacidade de 127 qubits. No entanto, em um avanço notável, a IBM anunciou em novembro de 2022 a inauguração de um novo computador quântico, batizado de “IBM Osprey”. Esse inovador sistema é equipado com um processador de 433 bits quânticos (qubits), superando em mais de três vezes a capacidade do antecessor IBM Eagle, lançado no ano anterior [11].

A distinção fundamental entre um computador quântico e um computador clássico é a abordagem única e revolucionária com a qual eles processam as informações. Enquanto os computadores clássicos operam com bits que existem em um estado definido de 0 ou 1, os computadores quânticos, por outro lado, utilizam qubits. Um qubit é semelhante a um bit clássico, pois pode assumir 0 ou 1 como estados, mas difere de um bit porque também pode assumir uma faixa contínua de valores representando uma superposição de estados.

Graças aos fenômenos quânticos da superposição e do emaranhamento, os qubits têm a capacidade de existir em múltiplos estados simultaneamente. A superposição permite que os qubits ocupem diferentes estados de maneira simultânea, possibilitando que um computador quântico processe uma quantidade massiva de informações ao mesmo tempo. Isso confere ao computador quântico um potencial muito maior em relação ao processamento de dados em comparação com um computador clássico.

O emaranhamento quântico ocorre quando os qubits se tornam interconectados e o estado de um qubit não pode ser descrito independentemente do estado do outro. Isso significa que informações podem ser compartilhadas entre qubits instantaneamente, independentemente da distância que os separa. Essa propriedade abre caminho para uma forma inovadora de computação paralela.

A computação quântica, graças à sua peculiaridade de explorar simultaneamente uma infinidade de possibilidades, detém um potencial promissor para revolucionar a área de aprendizado de máquina, um segmento fundamental da inteligência artificial. O ritmo acelerado de processamento dos computadores quânticos pode minimizar o tempo necessário para o treinamento de algoritmos, ao passo que sua capacidade de gerir um volume extenso de dados e executar cálculos de grande complexidade pode ser decisiva no tratamento de problemas de grande escala inerentes ao aprendizado de máquina.

Além disso, a computação quântica é especialmente adequada para problemas de otimização, que são comuns no aprendizado de máquina, oferecendo soluções mais eficientes. A habilidade dos computadores quânticos em realizar redução de dimensionalidade pode simplificar dados complexos de maneira mais eficaz. Ademais, algoritmos quânticos, como o de Grover, podem melhorar a eficiência em tarefas comuns de aprendizado de máquina, como classificação e agrupamento. No entanto, a computação quântica ainda está em seus estágios iniciais, com muitas dessas potencialidades ainda em fase de pesquisa teórica e experimental.

No entanto, é notoriamente reconhecido no universo da tecnologia e inovação que os avanços não apenas ocorrem, mas também evoluem com uma velocidade e dinamismo impressionantes. Tal fenômeno é alimentado pelo incessante anseio humano por progresso, pela capacidade de inovação que se multiplica em uma escala global e pelo poder transformador que a confluência de diversas disciplinas científicas e tecnológicas pode gerar.

Nesse sentido, a incorporação de chips quânticos em computadores clássicos é uma tendência emergente na computação quântica. Devido aos desafios envolvidos na operação de computadores quânticos autônomos, que exigem condições extremas e altamente controladas, o caminho mais prático para o uso mais amplo da computação quântica pode ser através de sistemas híbridos. Esses sistemas combinam a velocidade e a capacidade de processamento de dados dos computadores quânticos com a estabilidade e a familiaridade dos computadores clássicos. No entanto, ainda estamos nos estágios iniciais dessa tecnologia e muito ainda precisa ser aprendido e desenvolvido antes que a presença de chips quânticos se torne comum em nossos dispositivos de computação cotidianos.

A computação quântica, com seu potencial de decifrar algoritmos criptográficos atualmente considerados seguros sob a égide da computação clássica, promete provocar mudanças expressivas no que concerne à proteção de dados. Ademais, essa tecnologia tem o potencial de dar um impulso considerável ao aprendizado de máquina, especialmente na análise de grandes volumes de dados. Dessa forma, pode ser necessário revisar e atualizar as leis vigentes de proteção de dados para enfrentar ameaças que possam comprometer a privacidade tanto individual quanto coletiva, e para fomentar a implementação de protocolos de criptografia quântica mais seguros. Com isso em vista, é prudente considerar que dados sensíveis, atualmente resguardados, possam estar suscetíveis a futuras vulnerabilidades.

Em virtude do constitucionalismo contemporâneo, que valoriza e defende a ideia de dignidade da pessoa humana – considerada como o pilar fundamental da democracia – observa-se que esse valor supremo [12] assume papel central na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) [13]. Na citada Constituição, o ser humano é expressamente destacado como um fim em si mesmo, e não um meio para outros fins [14]. Isso impõe ao Estado o dever incontestável de assegurar a cada indivíduo uma existência digna e o respeito à sua essência humana. Sob essa ótica, a ordem econômica é interpretada não como um fim autônomo, mas como uma ferramenta para a consecução da dignidade pessoa humana. Assim, é reforçada a premissa de que o ser humano deve estar no epicentro das decisões econômicas, em vez de ser relegado a uma posição periférica.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) consagra a dignidade da pessoa humana como um dos pilares fundantes da República, enfatizando a necessidade de harmonizar os interesses econômicos com a indispensável promoção da dignidade humana. Esta, por sua natureza intrínseca, atua como uma barreira contra o exercício abusivo do poder e qualquer retrocesso que possa menosprezar a condição humana.

A palavra “dignidade” é utilizada para descrever tanto o comportamento de uma pessoa quanto um atributo intrínseco da pessoa humana. Neste último caso, é considerada como um valor inerente a todo ser racional, independentemente de seu comportamento. É nesse sentido que a Constituição protege a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme ensinam os juristas José Afonso da Silva, Fernando Garrido Falia, José Gomes Canotilho e Vital Martins Moreira. Dessa forma, mesmo diante de um comportamento indigno, a pessoa não é privada dos direitos fundamentais que lhe são inerentes, exceto nos casos em que ocorre a aplicação de penalidades devidamente reguladas, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, conforme previsto na própria Constituição – pois em um sistema democrática de direito não se comporta abusos.

Assim, torna-se imprescindível que o progresso tecnológico seja direcionado para favorecer um desenvolvimento humano sustentável, levando em consideração os impactos sociais, econômicos e ambientais, com o propósito intransigente de salvaguardar a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais [15].

Logo, tanto a proteção de dados pessoais quanto a evolução tecnológica devem manter o respeito a condição humana — honrando o valor supremo da dignidade da pessoa humana, expressamente estabelecido no artigo 1°, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sempre orientadas a promover a igualdade e o bem-estar social. Qualquer restrição aos direitos e garantias fundamentais deve ser considerada como uma medida excepcional, sendo admissível somente em situações de gravidade ou urgência excepcionais que, de acordo com os preceitos legais, justifiquem a limitação desses direitos.

[1] IBM. IBM Quantum systems. Disponível em: https://www.ibm.com/quantum/systems. Acesso em: 22 jun. 2023.

[2] MICROSOFT. Azure Quantum cloud servisse. Disponível em: https://azure.microsoft.com/en-us/services/quantum/. Acesso em: 22 jun. 2023.

[3] GLOOGLE. Get started with tools and documentation. Disponível em: https://quantumai.google/. Acesso em: 22 jun. 2023.

[4] RIGETTI. Think quantum. Disponível em: https://www.rigetti.com/. Acesso em: 22 jun. 2023.

[5] SILVEIRA, Regina Melo. Internet quântica: realidade ou sonho?. Disponível em: https://ciaca-conf.org/wp-content/uploads/2022/11/3_CIAWI2022_PT_R_057.pdf. Acesso em: 22 jun. 2023.

[6] QISKIT. Disponível em: https://github.com/Qiskit. Acesso em: 22 jun. 2023.

[7] QUANTUMLIB CIRQ. Disponível em: https://github.com/quantumlib/Cirq. Acesso em: 22 jun. 2023.

[8] MICROSOFT QUANTUM. Disponível em: https://github.com/Microsoft/Quantum. Acesso em: 22 jun. 2023.

[9] RIGETTI PYQUIL. Disponível em: https://github.com/rigetti/pyquil. Acesso em: 22 jun. 2023.

[10] HIDARY, Jack D. Quantum computing: an applied approach. Second Edition. Cham: Springer, 2021.

[11] IBM. IBM revela processador quântico de mais de 400 qubits e IBM Quantum System Two de próxima geração. 2022. Disponível em: https://www.ibm.com/blogs/ibm-comunica/processador-quantico-400qubits-ibm-quantum-system-two/. Acesso em: 22 jun. 2023.

[12] KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2008. p. 277.

[13] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 22 jun. 2023.

[14] SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana com valor supremo da democracia. Revista de direito administrativo, v. 212, 1998. p. 89.

[15] MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos; SOUZA, Devanildo de Amorim. Impactos e desafios da inteligência artificial: uma análise do chatgpt e suas implicações. Revista LTr, 2023. pp. 599-604.

Fonte: Conjur – Devanildo de Amorim Souza

Os excessos do compliance e o fenômeno de-risking

Não há dúvidas que o crime de lavagem de dinheiro merece atenção das autoridades, e que particulares devem cooperar com sua prevenção, em especial aqueles que atuam nos setores mais sensíveis ao delito. Nesse contexto, é relevante que se incentivem programas de integridade, a fim de que as regras de cuidado, de armazenamento de informações sobre clientes e de comunicação de atos suspeitos às autoridades públicas sejam cumpridas com rigor e eficiência.

No entanto, há um elefante que anda pesadamente pela sala: o exagero.

O medo de ser associado a práticas de lavagem de dinheiro levou algumas empresas ao fetiche do compliance, a adotar regras tão rígidas, procedimentos tão pesados, que acabaram por afetar de forma significativa sua atividade econômica. O resultado: uma superestrutura de integridade, nem sempre eficaz para evitar a lavagem de dinheiro, mas com efeito

O medo de ser associado a práticas de lavagem de dinheiro levou algumas empresas ao fetiche do compliance, a adotar regras tão rígidas, procedimentos tão pesados, que acabaram por afetar de forma significativa sua atividade econômica. O resultado: uma superestrutura de integridade, nem sempre eficaz para evitar a lavagem de dinheiro, mas com efeitos colaterais significantes.

Um primeiro: a exclusão de inúmeras pessoas do mercado profissional de trabalho ou de prestação de serviços: aquelas classificadas de alto risco de envolvimento em atos de lavagem de dinheiro.

Na ausência de uma definição clara do que seja esse risco, acabam por compor esse grupo pessoas citadas em notícias como envolvidas com atos ilícitos, ainda que não processadas ou formalmente investigadas, envolvidas em investigações e absolvidas, ou condenadas e com penas já cumpridas, sem contar aquelas relacionadas com personagens politicamente expostos.

Suas contas bancárias são encerradas, seu acesso a créditos ou financiamentos é fechado, suas empresas não são contratadas, seus serviços não são requisitados.

Muitas vezes até familiares sofrem restrições em razão de um sobrenome que frequentou as mesas policiais no passado, algo incompatível com a previsão constitucional de vedação de penas perpétuas e da individualidade da sanção penal.

Tal fenômeno não é sem razão. Não poucos bancos, contadores, auditores ou empresas de qualquer espécie sofrem investigações por ter se relacionado — ainda que licitamente — com pessoas suspeitas de lavagem de dinheiro, às vezes em momentos anteriores à própria suspeita.

Um simples pagamento, uma conta aberta, uma transação, pode carregar a empresa para uma operação policial, uma busca e apreensão, com todos os impactos em custos e em desgastes derivados de tal fato. Se a regra tem sido apreender antes de perguntar, a resposta será o afastamento das instituições privadas de toda e qualquer relação com pessoas que tenham tido algum dia relações com atos ilícitos, ou politicamente expostas.

Um segundo efeito colateral: para além da exclusão da vida comercial de um contingente grande de pessoas, esse medo institucional acaba por afetar os próprios mecanismos de combate à lavagem de dinheiro.

Instituições obrigadas a comunicar às autoridades públicas atos suspeitos de seus clientes ou parceiros acabam por relatar centenas ou milhares de de operações, em um excesso prejudicial a qualquer controle ou fiscalização.

O grande número de informações acaba por inviabilizar a atividade de inteligência, por misturar milhares de dados sobre atos irrelevantes com condutas que realmente podem caracterizar a lavagem de dinheiro, encobrindo as últimas com os primeiros.

Perdem as empresas, com gastos excessivos em programas de compliance, perdem os reguladores, afogados em mares de dados inúteis, e perdem os cidadãos, cujo acesso a serviços essenciais pode ser restrito caso seu nome apareça — ainda que tangencialmente — em notícias ou expedientes de investigação.

A situação do excesso de compliance é alarmante a ponto de o próprio Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) elaborar um relatório intitulado “High-level synopsis of the stocktake of the unintended consequences of the FATF Standarts” (2017), no qual alerta para as consequências não desejadas de uma aplicação equivocada das recomendações da da entidade.

Segundo o órgão, corre-se o risco do exagero do de-risking, o “fenômeno pelo qual instituições financeiras encerram ou restringem relações de negócios com clientes ou categorias de clientes para evitar, mais do que gerenciar, riscos relacionados com as recomendações do Gafi”. Como indica a própria instituição, esse fenômeno implica em desbancarização e incentiva o uso de meios informais para operações financeiras.

As políticas de prevenção à lavagem de dinheiro exigidas pelas autoridades públicas e de compliance adotadas pelas empresas são relevantes, mas é preciso evitar o excesso que até agora pautou tais posturas. De nada adiantam normativos complexos e pouco taxativos, cujo resultado será apenas uma enxurrada de informações sobre atos possivelmente suspeitos que não podem ser geridos ou digeridos de forma razoável.

Que os alertas do Gafi sobre os excessos do compliance sejam levados em consideração por governos e instituições privadas, a fim de revisitar e racionalizar regras e procedimentos voltados a empresas e profissionais que atuam em áreas sensíveis à lavagem de dinheiro, de impedir excessos que afetam a atividade econômica, e suprimir imprecisões ou ambiguidades regulatórias, identificadas como fontes primárias da insegurança jurídica que prejudica.

Fonte: Conjur

Juiz das garantias vai melhorar processo penal

A maior fragilidade do processo penal brasileiro está na falta de estrutura para que a polícia possa fazer uma investigação de qualidade com provas técnicas. Só a partir daí o Ministério Público terá condições de usar esses elementos e formular uma acusação bem feita e objetiva que permita que os réus posteriormente se defendam. 

O diagnóstico é de Simone Schreiber, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A magistrada é uma das entrevistadas da série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem publicando desde o último mês. Nela, algumas das mais influentes personalidades do Direito brasileiro e internacional falam sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.

Ela diz acreditar que a entrada em vigor do instituto do juiz das garantias pode ajudar a modificar esse cenário. “Vai dar um salto de qualidade na fase de investigação nós termos um magistrado envolvido unicamente com esse momento para garantir os direitos de pessoas investigadas”, argumenta. 

Simone sustenta que isso irá dar ao juiz da causa a possibilidade de julgar com mais isenção e defende que é preciso pensar em um sistema que seja eficiente e ao mesmo tempo respeite os direitos das pessoas investigadas. 

A magistrada explica que o sistema processual penal brasileiro se concentra muito em medidas cautelares pessoais e patrimoniais. E isso gera uma série de incidentes processuais laterais que a rigor acabam tomando muito tempo da Justiça e atrapalham o bom andamento do processo. 

“Na verdade são medidas que tem uma simbologia de serem muito eficientes de contenção da criminalidade e combate a impunidade, mas não se sustentam. Como as pessoas gozam de presunção de inocência o que acontece na verdade é uma medida de efeito midiático”, explica. 

Ela lembra que para uma pessoa ser considerada corrupta, por exemplo, é preciso de um processo. “Se fossem decretadas menos medidas e prisões cautelares, além de termos um ganho na proteção dos direitos dos acusados, também teríamos mais eficiência”, pondera. 

A maior fragilidade do processo penal brasileiro está na falta de estrutura para que a polícia possa fazer uma investigação de qualidade com provas técnicas. Só a partir daí o Ministério Público terá condições de usar esses elementos e formular uma acusação bem feita e objetiva que permita que os réus posteriormente se defendam. 

O diagnóstico é de Simone Schreiber, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A magistrada é uma das entrevistadas da série “Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito”, que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem publicando desde o último mês. Nela, algumas das mais influentes personalidades do Direito brasileiro e internacional falam sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.

Ela diz acreditar que a entrada em vigor do instituto do juiz das garantias pode ajudar a modificar esse cenário. “Vai dar um salto de qualidade na fase de investigação nós termos um magistrado envolvido unicamente com esse momento para garantir os direitos de pessoas investigadas”, argumenta. 

Simone sustenta que isso irá dar ao juiz da causa a possibilidade de julgar com mais isenção e defende que é preciso pensar em um sistema que seja eficiente e ao mesmo tempo respeite os direitos das pessoas investigadas. 

A magistrada explica que o sistema processual penal brasileiro se concentra muito em medidas cautelares pessoais e patrimoniais. E isso gera uma série de incidentes processuais laterais que a rigor acabam tomando muito tempo da Justiça e atrapalham o bom andamento do processo. 

“Na verdade são medidas que tem uma simbologia de serem muito eficientes de contenção da criminalidade e combate a impunidade, mas não se sustentam. Como as pessoas gozam de presunção de inocência o que acontece na verdade é uma medida de efeito midiático”, explica. 

Ela lembra que para uma pessoa ser considerada corrupta, por exemplo, é preciso de um processo. “Se fossem decretadas menos medidas e prisões cautelares, além de termos um ganho na proteção dos direitos dos acusados, também teríamos mais eficiência”, pondera. 

Fonte: Conjur