O Plenário do TCU, analisando licitação promovida pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, posicionou-se contrariamente à vedação de que empresas em recuperação judicial participem de processos licitatórios (Acórdão 1.697/2023-Plenário).
Uma restrição desse tipo vai contra a própria natureza do instituto da recuperação judicial, cujo objetivo é restabelecer empresas que estejam em uma situação momentânea de insustentabilidade financeira.
É fato que o Poder Público não pode se sujeitar a contratações fadadas ao insucesso por incapacidade financeira do seu contratado. Para superar esse risco, no entanto, basta exigir que empresas em recuperação judicial apresentem certidão emitida pela instância judicial competente afirmando que estão aptas econômica e financeiramente a participar de procedimento licitatório.
O entendimento firmado encontra reflexo na jurisprudência do STJ, segundo a qual: “a circunstância de a empresa se encontrar em recuperação judicial, por si só, não caracteriza impedimento de contratação com o Poder Público, ainda que não seja dispensada da apresentação das certidões de negativas fiscais” (Resp. 1.826.299, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJ. 5/12/2022).
Vale ressaltar que esse tipo de vedação era comum na vigência da lei anterior de licitações (Lei n. 8.666/1993), em razão da previsão do antigo instituto da concordata como um dos critérios de inabilitação (art. 31, inc. II).
Com a vigência da nova lei (Lei n. 14.133/2021), foi extirpada qualquer vedação à participação de empresas em recuperação judicial de processos licitatórios, deixando de ser critério de habilitação a certidão negativa de recuperação judicial.
De extrema relevância jurídica e social, a gratuidade da justiça está afetada ao Tema 1.178 do Recursos Repetitivos (REsp 1.988.687/RJ, 1.988.697/RJ e 1.988.686/RJ) no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que em breve definirá se é possível a adoção de critérios objetivos, como renda e patrimônio, para a concessão do benefício a pessoas naturais.
Indo direto ao ponto, as normas explícitas atinentes à gratuidade da justiça são chafurdadas mediante a invocação errônea da previsão constitucional de que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (CF, artigo 5º, inc. LXXIV).
Ora, a “gratuidade da justiça” não se confunde com a “assistência jurídica” aos comprovadamente necessitados.
A primeira diz respeito a uma espécie de isenção tributária pelo não pagamento de taxas e custas judiciais, honorários de perito e de advogado, selos postais, despesas com publicações, indenização devida à testemunha empregada, despesas com exames DNA, cálculos contábeis para início da execução, dentre outros (CPC, artigo 98, §1º).
Já a segunda consiste no serviço prestado pela Defensoria Pública de forma ampla, com atuação em âmbito judicial ou administrativo em todas as instâncias, preventivamente ou não, para indivíduos ou coletivamente.
A assistência judiciária gratuita exige prova de necessidade (CF, artigo 5º, inciso LXXIV).
Já a gratuidade da justiça não a exige previamente, pois a declaração de hipossuficiência por pessoa física goza de presunção de veracidade e dispensa a comprovação da pobreza jurídica (CPC, artigo 99, §3º).
Espera-se francamente que os institutos sejam corretamente discernidos no julgamento do Tema 1.178/STJ, uniformizando-se a solução que a controvérsia merece.
Por outro giro, a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência por pessoa natural é juris tantum. Ou seja, não é absoluta e admite o contraditório a partir de elementos objetivos constantes do processo (CPC, artigo 99, §2º).
Deveria ser despiciendo alertar que não é essa eventual necessidade de contraditório o permissivo legal para a criação, pelos tribunais, de critérios objetivos e abstratos de mensuração da hipossuficiência econômica.
Uma das razões é a de que “a desconstituição da presunção estabelecida pela lei de gratuidade de justiça exige perquirir, in concreto, a atual situação financeira do requerente” (STJ, REsp 1.196.941/SP, relator ministro Benedito Gonçalves, DJe 23/3/2011), de modo que “o critério que observa apenas a remuneração liquida da parte (…) para o indeferimento do beneficio vindicado não encontra amparo na Lei 1.060/1950, além de consistir em critério objetivo” (STJ, REsp 1.196.941/SP, rel. min. Benedito Gonçalves, T1, j. 15/3/2011).
Nesse mesmo sentido, a lei especial que fixa as normas para a concessão de “assistência judiciária” gratuita aos necessitados é explícita ao estatuir que “são individuais e concedidos em cada caso ocorrente os benefícios de assistência judiciária” (Lei nº 1.060/1950, artigo 10, não ab-rogada, mas derrogada), o que revela, indistintamente, que qualquer dos benefícios para acesso à justiça se vincula a critérios subjetivos e peculiares no caso concreto.
Noutras palavras, o direito à gratuidade da justiça, até por força do princípio da persuasão racional (CPC, artigos 370 e 371), deve ser examinado não de modo aferrado a parâmetros objetivos, tarifários e engessados, mas casuisticamente, tendo sempre por tônica a premissa de que a parte é incapaz de arcar com as custas judiciais sem prejuízo da sua própria subsistência ou da sua família, bem assim o objetivo principiológico do instituto, que é materializar o mandamento constitucional garantidor de não negação de justiça (CF, artigo 5°, inciso XXXV).
A despeito dessas obviedades normativas, avultam decisões que impõem restrições ilegais para a concessão da gratuidade da justiça, criando-se barreiras artificias para a efetivação da cidadania.
Sob tal aspecto, chama a atenção o registro da Defensoria Pública da União, em manifestação como amicus curiae em um dos recursos especiais afetados ao Tema 1.178/STJ: “Dos processos paradigmas citados, além da experiência cumulativa — científica e empírica — da Defensoria Pública da União nesta temática, pode-se observar que alguns critérios objetivos foram (indevidamente) utilizados por juízes e tribunais para balizar a concessão do benefício da gratuidade da justiça previsto no Código de Processo Civil, variando as exigências desde a comprovação de renda baseada em número de salários mínimos, por considerações sobre o limite de isenção do imposto de renda, da renda per capita mensal, chegando até ao esdrúxulo requisito de percebimento de renda de até 40% (quarenta por cento) do teto do Regime Geral de Previdência Social — RGPS, nenhum deles amparado pelo suporte normativo constitucional e infraconstitucional”.
Somente no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sodalício de origem dos recursos especiais afetados ao Tema 1.178, há pelo menos cinco correntes: 1) basta a declaração de hipossuficiência; 2) considera-se o valor previsto na Resolução nº 85/2014-CSAGU; 3) considera-se o limite de isenção do IRPF; 4) considera-se o salário mínimo ideal fixado pelo Diesse e multiplicado por 4x; 5) a análise é casuística.
Salienta-se que os obstáculos sociais ao acesso à justiça são objeto de estudo pela doutrina há décadas, sendo que em 1970, em resposta às necessidades insatisfeitas de acesso ao sistema judicial, nasceu o Projeto Florença, coordenado por Mauro Cappelletti, que inspirou as chamadas “três ondas reformadoras do acesso à justiça” [1].
Em síntese, a primeira barreira é exatamente a das custas judiciais [2], e as segunda e terceira estão relacionadas, dentre outros, às “possibilidades das partes”, aí compreendida a aptidão para reconhecer um direito e promover a sua defesa, bem como o fato de que pessoas ou organizações “que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas”[3].
Evoluindo historicamente para superar tais fatores de exclusão social, o Brasil adotou algumas soluções: 1) “gratuidade da justiça” para remediar a barreira das custas judiciais e 2) “assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados” para sanar o obstáculo da aptidão para reconhecimento e defesa de um direito.
O Supremo Tribunal Federal, há quase 40 anos, é firme em pontuar que entraves econômicos ao acesso à justiça, capazes de impossibilitar a prestação jurisdicional, são inconstitucionais: “se a taxa judiciária, por excessiva, criar obstáculo capaz de impossibilitar a muitos a obtenção de prestação jurisdicional, é ela inconstitucional” (STF, Rp 1.077, rel. min. Moreira Alves, Pleno, j. 28/3/1984).
Dito isso, percebe-se que o que está em jogo no Tema 1.178/STJ transcende os ritos formalísticos do processo judicial, atinge em cheio o sistema de proteção de direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos e o próprio princípio democrático.
[1] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. 168 p.
Em sessão administrativa de 7 de outubro de 2020, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por unanimidade, que todos os inquéritos e ações penais em tramitação no tribunal voltassem a ser da competência do plenário, revogando-se parcialmente a Emenda Regimental nº 49, de 3 de junho 2014, que havia deslocado tal competência para as turmas.
A proposta, de autoria do ministro Luiz Fux, então presidente da Corte, gerou a Emenda Regimental nº 57/2020, que fixou a competência do Plenário para processar e julgar originariamente “nos crimes comuns, o presidente da República, o Vice-Presidente da República, os Deputados e Senadores, os ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República, e nos crimes comuns e de responsabilidade, os ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no artigo 52, I, da Constituição Federal, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade da conduta”.
Segundo a justificativa da proposta, a redução do número de processos originários na Corte — desdobramento do julgamento da Ação Penal nº 937, que restringiu a prerrogativa de foro dos parlamentares federais aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas —, a digitalização e expansão da competência do Plenário Virtual pela Resolução nº 669/2020 “acarretaram maior dinamicidade do fluxo de julgamentos”, fatores que “permitem a retomada da norma original do Regimento Interno, em reforço da institucionalidade e da colegialidade dos julgamentos deste Supremo Tribunal Federal”[1].
Conforme o ministro Luiz Fux afirmou na sessão administrativa, a repristinação do modelo anterior era necessária para a observância da segurança jurídica, da coesão jurisprudencial e da colegialidade das decisões, o que, nas palavras do ministro Marco Aurélio, seria “atuar no verdadeiro Supremo, que é o revelado pelo Plenário” [2].
Em que pese a tentativa de racionalização dos procedimentos, de evitar dissídio jurisprudencial entre as Turmas em matérias especialmente sensíveis, de fortalecer assim a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões, o fato é que, passados quase três anos, a experiência revelou uma vez mais que a sistemática de julgamento plenário é contraproducente para a realidade do Tribunal, mesmo com os avanços citados na justificativa da Emenda Regimental n. 57/2020.
A título de exemplo, entre maio e junho de 2023, o Plenário do Supremo realizou sete sessões de julgamento apenas para examinar a Ação Penal nº 1.025, movida pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello no contexto da Operação Lava-jato.
O caso não é isolado, e nem o pior.
A demora é previsível para todos os casos semelhantes, uma vez que as ações penais e inquéritos envolvendo crimes contra a administração pública praticados por autoridades com prerrogativas de foro no STF são complexos, envolvem múltiplos fatos, diversos investigados, réus, testemunhas, e uma miríade de provas documentais e técnicas, o que, em um órgão colegiado como o Plenário, necessariamente demanda muito tempo para a conclusão dos debates e deliberações.
Esse quadro de inevitável letargia tende a emperrar o exame de outras causas socialmente relevantes, como aquelas afetas ao Sistema Único de Saúde, ao Sistema Tributário, à Ordem Econômica e à Previdência Social, violando-se os princípios da razoável duração do processo e do acesso à jurisdição, estatuídos no artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII da Constituição, bem como frustra a própria função do Supremo, de guardião da lei maior.
Nesse sentido, vale lembrar que a Emenda Regimental nº 49/2014, que havia deslocado a competência em comento para as Turmas, teve nascimento exatamente na extrema demora no julgamento da Ação Penal nº 470, do caso mensalão, quando o STF percebeu a inconveniência de um órgão centralizador da jurisdição em matéria criminal.
Conhecido como o julgamento mais longo no STF, o processo, em dez anos de tramitação, demandou 53 sessões e 138 dias de trabalho segundo levantamentos feitos pelo Jota [3], sendo que em apenas um mês, consumiu mais de 100 horas, o dobro do tempo gasto no julgamento da Ação Penal nº 307, em que Fernando Collor foi absolvido em dezembro de 1994 do crime de corrupção, pelo seu suposto envolvimento com a arrecadação ilegal de recursos para sua campanha presidencial.
À época do julgamento do mensalão no STF, então presidido pelo ministro Joaquim Barbosa, os ministros entenderam que as ações penais originárias tratam predominantemente de interesses individuais, subjetivos, o que não justificava a atuação originária do plenário, sendo que, nas turmas, seriam processados mais rapidamente.
Não obstante a gravosidade da causa penal e do processo de responsabilidade, perfilhamos o mesmo entendimento, pois a prerrogativa de foro não tem o escopo de centralizar os julgamentos no Plenário, mas de “garantir o livre exercício da função política”, oferecendo aos agentes políticos “garantias necessárias ao pleno exercício de suas altas e complexas funções governamentais e decisórias”[4].
Aliás, o ministro Luís Roberto Barroso, como relator da Ação Penal nº 937, que restringiu a interpretação da prerrogativa de foro, expressou que “a movimentação da máquina do STF para julgar o varejo dos casos concretos em matéria penal apenas contribui para o congestionamento do tribunal, em prejuízo de suas principais atribuições constitucionais”.
Com efeito, a concentração dos julgamentos das ações penais originárias no Plenário obsta a realização adequada dos princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, pois na prática impede a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas, agravando ainda mais a inefetividade do sistema penal e fragilizando a proteção à probidade e à moralidade administrativas.
Por fim e não menos importante, a retomada da competência em comento pelas turmas homenageia o princípio do duplo grau de jurisdição, na medida em que cabe recurso das decisões do órgão fracionário para o órgão hierarquicamente superior, o plenário.
Portanto, o julgamento dos agentes políticos com prerrogativa de foro perante as turmas da Excelsa Corte não afasta as suas prerrogativas constitucionais, prestigia o princípio do juízo natural, a colegialidade das decisões, bem como corrige disfuncionalidades do sistema e devolve ao Supremo Tribunal Federal a sua função constitucional precípua.
[2] YouTube. Rádio e TV Justiça. Julgamento de ações penais e inquéritos das Turmas são transferidas para o Plenário da Corte. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1QDpwpOO2SM. Acesso 26 jul 2023.
Especialista em litígios, defendeu o presidente na Operação Lava Jato
Lula Marques / Agência Brasil
Após ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele teve o nome aprovado pelo Senado Federal no dia 21 de junho.
Logo após a aprovação de seu nome, o novo ministro se reuniu com a presidente do STF, ministra Rosa Weber, com quem definiu a data de hoje, 3 de agosto, em que tomará posse na Corte, na primeira semana após o recesso, que acontece no período de 2 a 31 de julho.
Com 47 anos, Zanin poderá atuar no STF por 28 anos, já que a aposentadoria compulsória de ministros é aos 75 anos. Ele ocupará a cadeira do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em maio deste ano.
Quem é Zanin?
Foi advogado do presidente Lula nos processos da Operação Lava-Jato. Sua atuação resultou na anulação das condenações de Lula pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A partir de um processo encabeçado por Zanin, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas reconheceu que a prisão de Lula, em 2018, violou o devido processo legal e que, por isso, a proibição de participar da eleição daquele ano violou os direitos políticos do atual presidente.
Junto à esposa, é sócio fundador do escritório Zanin Martins Advogados e cofundador do Instituto Lawfare, que tem o objetivo de produzir conteúdo científico sobre o tema e a análise de casos emblemáticos envolvendo o fenômeno. Lawfare se caracteriza pelo uso indevido e o abuso da lei para fins políticos e militares. Zanin também escreveu o livro Lawfare: uma introdução (2019).
O instituto nasceu em 2017 a partir da constatação de que o direito está sendo utilizado de forma estratégica em diversos países para obtenção de fins ilegítimos, de natureza geopolítica, política, comercial, financeira e militar, o que caracteriza lawfare.
O advogado foi professor de direito civil e de direito processual civil na Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp).
STF
O STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, responsável por garantir a guarda da Constituição. A Suprema Corte é composta por onze ministros, todos brasileiros natos, com idade entre 35 e 70 anos no ato da indicação ao cargo. Ao ser escolhido pelo presidente da República, o indicado passa por análise do Senado Federal e deve ser aprovado por maioria absoluta. Por fim, o presidente da República o nomeia.
Na área penal, os ministros do STF têm competência para julgar infrações penais comuns, por exemplo, contra o presidente da Republica, vice-presidente, membros do Congresso Nacional, os próprios ministros da corte e também contra o procurador-geral da República
Pelas regras atuais, o mandato de ministro do STF é vitalício, com aposentadoria compulsória aos 75 anos. No caso de Zanin, que tem 47 anos, poderá exercer a função por 28 anos.
O Supremo Tribunal Federal, no último dia 30 de junho, ao julgar o Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) 848.107, afetado ao Tema 788 da repercussão geral, pacificou o entendimento de que “o prazo para a prescrição da execução da pena concretamente aplicada somente começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para ambas as partes”.
Significa dizer que a pretensão executória não começa mais com o simples trânsito em julgado para a acusação, situação em que normalmente há recurso da defesa pendente de julgamento.
O artigo 112, inciso I, do Código Penal, prevê que a prescrição começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado “para a acusação”. Porém, o dispositivo foi dado pelo STF como incompatível com a Constituição, devendo ser interpretado em harmonia com o novo entendimento.
Até então, embora a matéria não se assentasse em terra firme, predominava a literalidade do Código Penal, tendo inclusive sido salientado no acórdão revisto pelo STF que “não [é] cabível considerar como termo inicial do prazo prescricional a data do trânsito em julgado definitivo [para a acusação e para a defesa], sob pena de eleger termo interruptivo não previsto em lei”.
O próprio Supremo já decidira, diversas vezes, que “cuidando-se de execução da pena, o lapso prescricional flui do dia em que transitado em julgado para a acusação, conforme previsto no artigo 112 combinado com o artigo 110 do Código Penal” (STF, ARE 764.385/DF-AgR, relator ministro Luiz Fux, T1, DJe 2/5/2014 — vide também HC 113.715, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe 28/5/2013; HC 110.133, relator ministro Luiz Fux, T1, DJe 19/4/2012; ARE 758.903, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe 24/9/2013; RE 771.598/DF-AgR, relatora ministra Cármen Lúcia, T2, DJe de 14/2/2014).
Ocorre que em 2020, ao julgar as Ações Diretas de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, o Supremo conferiu nova interpretação aos princípios constitucionais da estrita legalidade e da presunção de inocência para reconhecer a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena, tendo esse julgamento servido de parâmetro à nova tese firmada sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória.
O raciocínio é simples: de um lado, se a legalidade penal e a presunção de inocência valem para obstar a formação definitiva da culpa por ausência de trânsito em julgado da condenação, sendo que de acordo com o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, então, de outro lado, os mesmos princípios devem valer também para o nascimento da pretensão executória, à luz do princípio da actio nata (STF, ARE 682.013/SP-AgR, T1, relatora ministra Rosa Weber, DJe 6/2/2013), segundo o qual, em linhas gerais, o termo inicial do prazo prescricional é a data do nascimento da pretensão resistida.
Ou seja, a pretensão executória somente surgirá quando a culpa do acusado estiver definitivamente formada por sentença penal condenatória transitada em julgado não para a acusação, não para a defesa, mas para ambas as partes, pois esse é o primeiro e único momento em que se é conhecida, de fato e de direito, a culpa indene de dúvidas em todos os seus aspectos.
Como afirmou o STF, “não podendo o Ministério Público executar o título condenatório, descabe cogitar do início do prazo prescricional”.
Com as vênias devidas, não podemos olvidar que a prescrição penal se fundamenta na “inconveniência da aplicação da pena muito tempo após a prática da infração” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 614), pois quando o fato é constatado e as provas são certas, o castigo “deve ser seguido de perto o crime, se se quiser que o mesmo seja um freio útil contra os celerados” (BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Edipro, 2018. p. 74), não podendo o acusado estar sujeito a sobressaltos e intempéries decorrentes da letargia estatal sistêmica e extremada para julgar os seus recursos, sobretudo quando as instâncias revisionais proverem tais recursos de qualquer modo.
Isso porque o tempo demasiado para a formação da culpa é fator de insegurança e de injustiça, motivo pelo qual defendemos que a demora excessiva há de assumir sempre maior importância em matéria de direito sancionador, justamente pela maior gravidade da coerção estatal que “intervém nos direitos fundamentais da pessoa humana, individualmente considerados, da maneira mais terrível, concreta, direta e ‘inesperada'” (FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. Niterói: Impetus, 2010. p. 48).
Não há como negar coerência lógica do STF nos julgamentos do Tema 788 e das ADCs 43, 44 e 54. Cabe lembrar, porém, o aforismo popular de que “tudo na vida é faca de dois gumes”, não sendo diferente no processo penal, de modo que a vantagem atual poder ser a desvantagem futura, especialmente quando atingir direitos fundamentais.
Por: Willer Tomaz é sócio do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados.
Resumo preparado por nossa equipe Jurídica com as principais decisões veiculadas nas supremas cortes:
PUBLICAÇÃO DA LEI N°14.592/2023 CONSOLIDABENEFÍCIOSDOPERSE
Fruto da conversão da Medida Provisória n° 1.147/2022, foi publicada a Lei n° 14.592/2023, que consolida o benefício do PERSE, instituído pela Lei n° 14.148/2021, de alíquota 0 (zero) para os tributos IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, pelo prazo de 60 meses, a contar de março de 2022.
Entre as alterações realizadas pela Lei n° 14.592/2023, a mais relevante é a nova redação atribuída ao artigo 4º da Lei n° 14.148/2021. Em sua redação original, o dispositivo estabelecia que Portaria do Ministério da Economia disciplinaria as atividades abarcadas pelo benefício do PERSE. A Portaria ME n° 7.163/2023 previu uma série de atividades, discriminadas pelo código da CNAE, relacionadas ao setor de eventos e turismo.
Como a gama de atividades abarcadas era relativamente grande, a Receita Federal, em regulamentação, passou a exigir a demonstração de que a receita percebida tivesse estrita relação com o setor de eventos e turismo, sob o argumento de que o objetivo da lei era beneficiar apenas esses setores, duramente afetados pelo período de pandemia.
A Lei n° 14.592/2023 sobrevém neste contexto, e implementa alteração no mencionado artigo 4° para indicar expressamente os códigos da CNAE das atividades econômicas abarcadas pelo benefício, cerca de 40 (quarenta).
Em síntese, são beneficiadas as atividades de turismo, com destaque para hospedagem (hotelaria, campings, pensões), como também algumas relacionadas ao setor de eventos, tais como serviços de organização de feiras, congressos, exposições, casas de festas e eventos, produção teatral, musical e circense.
Para as atividades de transportes coletivo de passageiros e agências de viagens, como também para bares, restaurantes e similares, a Lei n° 14.592/2023 trouxe expressa exigência de registro perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur).
Tanto as regras que excluíram/reduziram setores do programa, quanto as que exigem registro no Cadastur não estavam previstas na lei original, o que possibilita a discussão sobre a legalidade da revogação/modificação da isenção original, considerando o disposto no art. 178 do CTN.
Além disso, invoca-se a aplicação dos princípios da anterioridade, para o IRPJ, e da noventena para a CSLL, o PIS e a Cofins, considerando as alterações substanciais promovidas no texto original da Lei n° 14.148/2021.
STJ REALIZA SEMINÁRIO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIAPLURAL
Na manhã do dia 22/06/2023, quinta-feira, o STJ realizou seminário intitulado “Igualdade e Justiça: a Construção da Cidadania Plural”, que teve como tema central o debate a respeito do papel do Poder Judiciário na consolidação de meios para a garantia da proteção dos direitos fundamentais e a luta histórica pelo reconhecimento dos direitos de segmentos sociais minoritários.
Com apoio da Embaixada da Suécia e do Instituto Innovare, o evento reuniu juristas e especialistas para discutir temas como pluralidade e diversidade, identidade de gênero, direitos humanos, liberdade de expressão, união homoafetiva e as realidades nos sistemas regionais de direitos humanos, além de evidenciar o protagonismo da justiça na garantia da dignidade de grupos vulneráveis e a sinalização da possibilidade de uma sociedade inclusiva e plural por agentes públicos.
Além dos frutíferos debates, ocorreu o lançamento do livro Translúcida, organizado pelo Ministro Sebastião Reis Junior, dedicado ao tema da população LGBT+ – em particular, das pessoas transgênero recolhidas em estabelecimentos penais.
O Ministro André Mendonça, relator do RE 1.072.485 – Tema 985 de Repercussão Geral, determinou a suspensãonacionaldetodosos processosjudiciaiseadministrativos que tratem da incidência de contribuição social sobre valores pagos pelo empregador a título de terçoconstitucionalde férias.
A decisão foi proferida em análise à petição apresentada pela Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), na condição de amicuscuriae, na qual ventilou-se o risco de tratamento anti-isonômico a contribuintes, uma vez que os Tribunais Regionais Federais de todo o país estão exercendo o juízo de retratação em processos judiciais, sem observar a possível modulação de efeitos ao julgado, postulada nos embargos de declaração opostos em outubro de 2020 e ainda pendentes de julgamento.
Nos aclaratórios foi requerida a modulação dos efeitos do julgamento realizado pela Corte Suprema em agosto de 2020, de modo a atingir somente os fatos geradores posteriores àquela data, tendo como uma de suas justificativas a mudança do entendimento outrora assentado, considerando o repetitivo julgado pelo STJ, REsp nº 1.230.957.
Em sua decisão, proferida no dia 26/06, o Ministro André Mendonça acolheu os argumentos apresentados e, “emhomenagemàsegurança jurídicaeàeficiênciadasoluçãodelitígiospeloEstadobrasileiro” e “por prudênciajudicial”, determinou a suspensão nacional de todos os processos judiciais e administrativos que versem sobre a incidência da contribuição social previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias.
Ao concluir o julgamento de complexa matéria que estava há 25 anos em discussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que empregadores não precisam de justificativas para dispensar funcionários sem causa.
Desta forma, a dispensa sem justa causa de trabalhadores continua como está: sem a necessidade do empregador justificar o motivo pelo qual está demitindo o seu empregado.
Vale observar, no entanto, que o julgamento da questão pelo STF envolveu tema ainda mais abrangente, significando verdadeira revisão jurisprudencial das denúncias a tratados e convenções internacionais que não contemplem a vontade do Congresso Nacional. Isto porque, a discussão atinente à manutenção da dispensa sem justa causa no país demandou, por parte do STF, a análise dos reflexos da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) frente ao Decreto Presencial de 1996, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que cancelou cláusula da referida convenção internacional sem a chancela do Congresso Nacional, gerando alegação de inconstitucionalidade.
De acordo com a tese posta em análise perante o STF, o então Presidente da República não poderia excluir norma internacional do ordenamento brasileiro sem a anuência do Congresso Nacional. Ao julgar a questão, o STF concluiu que a revogação de tratados internacionais por ato isolado do Presidente da República depende da chancela do Congresso, mas que tal entendimento somente se aplica a partir da data de conclusão do referido julgamento, resguardando os efeitos jurídicos de todos os atos presidenciais pretéritos. De acordo com o Ministro Nunes Marques, “osatosdedenúnciaunilateralporpartedoPresidentedaRepúblicagozavamdeaparente legitimidade,motivopeloqualsemostranecessáriaapreservaçãodaestabilidadeedasegurançajurídicadasrelaçõesconsolidadas atéafixaçãodesseentendimentopor estaCorte”.
O julgamento da matéria foi observado de perto por representantes das entidades produtivas do país e resolveu incerteza jurídica que pairava há muito sobre as relações de emprego. Com o término do julgamento da ADI 1625, consagra-se a estabilidade do atual cenário jurídico trabalhista e preserva-se a ordem dos contratos de trabalho vigentes.
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