Medidas protetivas da Lei Maria da Penha devem ser aplicadas sem prazo determinado

Para a Terceira Seção, exigir que a mulher vá ao fórum ou à delegacia de polícia, periodicamente, para pedir a manutenção da medida protetiva implicaria uma revitimização e uma violência institucional.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema 1.249 dos recursos repetitivos, estabeleceu que as medidas protetivas previstas na Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) devem ser aplicadas enquanto houver risco à mulher, sem a fixação de prazo certo de validade. Ainda segundo o colegiado, as medidas protetivas de urgência têm natureza de tutela inibitória e não se vinculam à existência de instrumentos como inquérito policial ou ação penal.

Autor do voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que a Lei 14.550/2023 – a qual incluiu o parágrafo 5º no artigo 19 da Lei Maria da Penha – prevê de forma expressa a concessão das medidas protetivas de urgência independentemente de tipificação penal, ajuizamento de ação, existência de inquérito ou de registro de boletim de ocorrência. De acordo com o ministro, a alteração legislativa buscou afastar definitivamente a possibilidade de se atribuir natureza cautelar às medidas.

Schietti afirmou que o risco de violência doméstica pode permanecer mesmo sem a instauração de inquérito policial ou com seu arquivamento, ou sem o oferecimento de denúncia ou o ajuizamento de queixa-crime. “Não é possível vincular, a priori, a ausência de um processo penal ou inquérito policial à inexistência de um quadro de ameaça à integridade da mulher”, disse.

Necessidade de reforço periódico da medida protetiva gera revitimização

O ministro também lembrou que a alteração recente no artigo 19 da Lei Maria da Penha trouxe, em seu parágrafo 6º, a previsão de que as medidas protetivas de urgência devem vigorar enquanto persistir “o risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes”. Isso significa que as medidas, além de não estarem associadas a um procedimento principal, tampouco têm a sua duração relacionada ao resultado do processo penal.

Esse entendimento – prosseguiu – não afeta os direitos do acusado, pois ele pode provocar o juízo de origem quando entender que a medida inibitória não é mais pertinente.

“O que não nos parece adequado, e muito menos conforme ao desejo de proteção e acolhimento da mulher vítima de violência em razão do gênero, é dela exigir um reforço periódico de seu desejo de manter-se sob a proteção de uma medida provisória urgente”, alertou.

Para o magistrado, exigir que a mulher vá ao fórum ou à delegacia de polícia para solicitar, a cada três ou seis meses, a manutenção da medida protetiva implicaria uma revitimização e, consequentemente, uma violência institucional.

Corte estadual fixou prazo de seis meses para medida protetiva

Esse foi o cenário analisado em um dos recursos representativos da controvérsia, no qual a Terceira Seção atendeu ao pedido do Ministério Público de Minas Gerais para que as medidas protetivas concedidas a uma mulher fossem mantidas sem a vinculação a prazo certo de validade. No âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, as medidas haviam sido concedidas por seis meses.

“As medidas protetivas devem perdurar o tempo necessário à cessação do risco, a fim de romper com o ciclo de violência instaurado. Não há, portanto, como quantificar, de antemão, em dias, semanas, meses ou anos, o tempo necessário à cessação do risco”, finalizou o ministro ao dar provimento ao recurso especial.

Os números destes processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Comerciantes condenados por ocupação de área pública podem regularizar construções de acordo com nova lei

Segundo o relator do caso, ministro Paulo Sérgio Domingues, a imutabilidade da decisão transitada em julgado pressupõe a manutenção do estado de direito existente ao tempo de sua prolação.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que comerciantes de Brasília condenados a demolir construções irregulares possam regularizar a situação de acordo com lei distrital editada posteriormente ao trânsito em julgado da ação movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O colegiado concedeu o prazo de dois anos para que os comerciantes finalizem os procedimentos administrativos necessários. 

Alguns estabelecimentos comerciais e o Distrito Federal foram condenados em ação civil pública devido à ocupação irregular de áreas públicas na quadra 204 Norte de Brasília. A condenação transitou em julgado em 2011, mas o DF não cumpriu a obrigação de demolir as estruturas.

Em vez disso, o ente público requereu a suspensão da execução do julgado, tendo em vista a superveniência de lei distrital que modificou o regime jurídico anterior, vigente ao tempo da sentença. A legislação passou a autorizar a ocupação das áreas públicas contíguas aos blocos comerciais, mediante outorga onerosa de uso, e deu o prazo de dois anos para que os estabelecimentos comerciais se adequassem às novas regras.

O pedido de suspensão foi indeferido em primeiro grau e também pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), ao fundamento de que a nova lei não afetaria decisões judiciais anteriores com trânsito em julgado.

Alteração do estado de direito existente no momento da condenação

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Paulo Sérgio Domingues, o instituto da coisa julgada – ou o atributo da intangibilidade ou da imutabilidadedo conteúdo da sentença transitada em julgado – não é um dogma absoluto e se submete a limitações de ordem subjetiva, objetiva e temporal.

Nesse último aspecto, explicou, a imutabilidade do conteúdo pressupõe a manutenção do estado de direito existente ao tempo da prolação da decisão (artigo 505 do Código de Processo Civil).

O relator lembrou que essa compreensão está detalhada nas razões de decidir do Tema 494 da repercussão geral, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que a força vinculativa das sentenças sobre relações jurídicas de trato continuado permanece enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos fáticos e jurídicos adotados pelo juízo na decisão.

No caso, o ministro ponderou que o advento de legislação distrital que passou a regularizar as construções sub judice “promoveu a alteração substancial do plano normativo (estado de direito) existente ao tempo da sentença, implementando-se, assim, a condição resolutiva implícita que faz cessar a sua eficácia (cláusula rebus sic stantibus)”.

Para o relator, nesses casos, não é necessária a interposição de ação rescisória ou revisional, pois é possível invocar a questão como argumento de defesa em impugnação ao cumprimento da própria sentença ou em embargos do executado.

Fonte: STJ

Provedor não precisa de ordem judicial para remover conteúdo contrário aos seus termos de uso

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um provedor de aplicação de internet, como o YouTube, pode, por iniciativa própria, remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos de usuários que violem seus termos de uso.

“É legítimo que um provedor de aplicação de internet, mesmo sem ordem judicial, retire de sua plataforma determinado conteúdo (texto, mensagem, vídeo, desenho) quando este violar a lei ou seus termos de uso, exercendo uma espécie de autorregulação regulada: autorregulação ao observar suas próprias diretrizes de uso, regulada pelo Poder Judiciário nos casos de excessos e ilegalidades porventura praticados”, disse o relator do caso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de um médico para que fossem restabelecidos vídeos da sua conta no YouTube, removidos pela plataforma em 2021. Na época, ele postou conteúdo orientando sobre tratamentos para a Covid-19 não referendados pela Organização Mundial da Saúde, inclusive com a utilização de hidroxicloroquina.

O YouTube avaliou que a publicação era incompatível com a sua “Política sobre desinformação médica da Covid-19”, divulgada aos usuários da plataforma.

O médico reclamou que estaria sendo vítima de censura, pois o Marco Civil da Internet garantiria o direito do usuário à inviolabilidade do fluxo de comunicações. Ele ajuizou ação para determinar o restabelecimento do conteúdo removido, mas tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram o pedido.

Interpretação do recorrente contraria esforço social de combate às fake news

O ministro Villas Bôas Cueva explicou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que o provedor de aplicações só será responsabilizado civilmente por publicações de terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar medidas para tornar o conteúdo ofensivo indisponível.

Para o relator, isso não significa que o provedor só poderá tornar o conteúdo indisponível se houver ordem judicial para tanto, como argumentou o médico.

Além de dar à lei um sentido não previsto, o ministro comentou que a interpretação restritiva do artigo 19, tal como sustentada pelo recorrente, contraria o esforço feito pela comunidade nacional e internacional, pelo poder público, pela sociedade civil e pelas empresas contra a desinformação (fake news) e práticas ilícitas na internet.

Exercício da liberdade de expressão exige zelo e responsabilidade

Em sua decisão, o relator também rechaçou a alegação do médico de que estaria sofrendo shadowbanning, ou banimento às escuras. Segundo explicou, essa prática – vedada em documentos regulatórios – consiste na moderação de conteúdo por meio de rebaixamentos em sistemas de recomendação ou outras formas de banimento de difícil detecção pelo usuário.

No entanto, no caso em análise, o ministro entendeu que essa prática não foi adotada pela empresa, que notificou o usuário do conteúdo irregular e o retirou do ar.

“A liberdade de expressão, estabelecida no caput do artigo 19 do Marco Civil da Internet, é um princípio democrático de alta hierarquia, que se impõe sobre todas as relações, tanto públicas quanto entre particulares, e recebe tratamento especial no ordenamento jurídico. É ela que possibilita o exercício do livre pensamento e da transmissão de informações, opiniões e críticas e autoriza o acesso a informações de interesse coletivo. Seu titular, do mesmo modo, tem o dever de exercê-la com grande zelo e responsabilidade”, concluiu.

Fonte: STJ

Informativo aborda inadmissibilidade de recurso especial contra acórdão que nega mandado de segurança e julga IRDR

A Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 832 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição. 

No primeiro processo destacado, a Primeira Seção, por maioria, decidiu que é inadmissível a interposição de recurso especial contra decisão que, embora fixe tese em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), denega mandado de segurança no tribunal de origem. A tese foi fixada no AgInt no REsp 2.056.198, de relatoria do ministro Gurgel de Faria. 

Em outro julgado citado na edição, a Sexta Turma, por unanimidade, definiu que a fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social exige a demonstração da natureza aberta do perfil que realizou a postagem, a fim de possibilitar a verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional. O AgRg no HC 717.984 teve como relator o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.

Fonte: STJ

Segunda Turma considera legal limite de 1% para que rótulos informem sobre presença de transgênicos

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, pela legalidade do Decreto 4.680/2003, que estabelece o limite de 1% para que os fabricantes de produtos alimentícios comercializados no Brasil sejam obrigados a informar, nos rótulos, a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs).

O Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram ação civil pública contra a União para questionar a legalidade do Decreto 3.871/2001, que disciplinava a rotulagem dos alimentos que continham produtos transgênicos em até 4% da sua composição. No curso do processo, o decreto original foi substituído pelo Decreto 4.680/2003, o qual reduziu de 4% para 1% o limite que torna obrigatória a informação ao consumidor sobre a presença de OGMs.

A ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O tribunal entendeu que o consumidor tem direito à informação, que deve ser incluída nos rótulos em todos os casos, independentemente de quantidades.

A União e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) interpuseram recursos especiais no STJ, sustentando que o decreto obedece às disposições legais sobre os limites de tolerância e que quantidades abaixo de 1% de OGM dispensam a informação.

Limite de 1% concilia desenvolvimento e segurança do consumidor

O relator dos recursos, ministro Francisco Falcão, comentou que as preocupações com o uso dos transgênicos na indústria alimentícia eram compreensíveis há mais de 20 anos, mas “hoje já se sabe que os alimentos 100% transgênicos não representam risco à saúde, muito menos em proporções ínfimas, como abaixo de 1%”.

O ministro considerou que a decisão do tribunal de origem ultrapassou os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, contrariando o ordenamento jurídico vigente. Ele argumentou que o limite de 1% para rotulagem é suficiente para conciliar os interesses de desenvolvimento econômico e tecnológico com a segurança do consumidor, sem comprometer a saúde pública.

“Exigir de toda a indústria que submeta todos os produtos a rigorosos testes, de alto custo, para garantir a informação específica de qualquer resquício de OGMs, em toda a cadeia produtiva, é providência exagerada, assaz desproporcional”, afirmou.

Para Falcão, a medida afrontaria a razoabilidade e a proporcionalidade, e impediria a convivência harmoniosa dos interesses dos participantes do mercado.

Leia o acórdão no REsp 1.788.075.

Fonte: STJ

Repetitivo vai definir condições para empresa do setor de eventos usufruir de benefícios do Perse

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 2.126.428, 2.126.436, 2.130.054, 2.138.576, 2.144.064 e 2.144.088, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A controvérsia, cadastrada como Tema 1.283 na base de dados do STJ, envolve duas questões:

1) se é necessário ou não que o contribuinte esteja previamente inscrito no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), conforme previsto na Lei 11.771/2008, para que possa usufruir dos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei 14.148/2021; e

2) se o contribuinte optante pelo Simples Nacional pode ou não se beneficiar da alíquota zero relativa ao Programa de Integração Social (PIS), à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), prevista no Perse, considerando a vedação legal do artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006.

O colegiado determinou a suspensão da tramitação de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial que discutam a mesma matéria, na segunda instância ou no STJ, observada a orientação do artigo 256-L do Regimento Interno do STJ.

Necessidade de cadastro prévio para usufruir de benefício fiscal

Segundo a ministra, a Lei 14.148/2021 criou o Perse no contexto da pandemia da Covid-19 e, entre outras medidas, reduziu a zero, em favor das pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos, a alíquota de alguns tributos federais – como o PIS, a Cofins, a CSLL e o IRPJ.

O julgamento do tema repetitivo, explicou, vai resolver duas questões em torno do direito a gozar dessas vantagens. A primeira diz respeito à necessidade de pessoas jurídicas do setor de eventos estarem regularmente inscritas no Cadastur, do Ministério do Turismo, para fruição do benefício fiscal, no momento da publicação da lei que instituiu o programa.

A segunda é referente à exclusão de pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional, uma vez que o artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006 dispõe que “não serão consideradas” em favor das optantes desse regime quaisquer alterações em alíquotas que modifiquem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional.

De acordo com a ministra, em todos esses casos, a interpretação da Receita Federal foi desfavorável aos contribuintes.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O CPC regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Fonte: STJ

Reconhecimento da decadência não prejudica julgamento da impugnação ao valor da causa

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o reconhecimento da decadência do direito reclamado na ação não impede que o juízo, de ofício ou mediante provocação, faça a adequação do valor da causa apontado pela parte autora na petição inicial.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que julgou prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa em razão do reconhecimento da decadência.

No caso dos autos, os réus apresentaram contestação e, em preliminar, impugnaram o valor de R$ 100 mil atribuído à causa, pedindo a fixação do montante de quase R$ 4 milhões. Em primeiro grau, o juízo acolheu a impugnação e, reconhecendo a decadência do direito dos autores, julgou extinto o processo com resolução de mérito, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 30 mil.

A sentença foi reformada pelo TJMT, que manteve o valor da causa em R$ 100 mil e readequou os honorários para 20% sobre a causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). No entendimento da corte estadual, com o acolhimento da prejudicial de mérito, não seria possível falar em alteração do valor da causa.

Valor da causa tem reflexos em questões como honorários e competência do juízo

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator no STJ, explicou que a impugnação ao valor da causa é questão processual que envolve a adequação do montante financeiro atribuído à demanda, com reflexos na fixação dos honorários, nas custas judiciais e na determinação da competência do juízo.

Por outro lado – apontou –, a decadência diz respeito à perda do direito potestativo pela falta de seu exercício no prazo previsto pela legislação. “É matéria de mérito, que demanda análise mais aprofundada dos fatos e do direito aplicável ao caso, devendo ser apreciada em momento subsequente ao das questões processuais preliminares”, completou.

Segundo o ministro, mesmo que a parte ré seja vitoriosa na ação, com o reconhecimento da decadência do direito pleiteado pelo autor, ainda persiste o seu interesse na adequação do valor da causa, tendo em vista que essa modificação pode influenciar diretamente na quantia a ser recebida pelo seu advogado.

“Logo, o TJMT, ao reformar a sentença e julgar prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa, em razão do reconhecimento da decadência, negou vigência ao disposto nos artigos 292, parágrafo 3º, 293 e 337, III e parágrafo 5º, do CPC”, concluiu.

Com o provimento do recurso, o relator determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para exame do valor atribuído à causa.

Leia o acórdão no REsp 1.857.194.

Fonte: STJ

Morte da parte autora durante ação de divórcio não impede dissolução póstuma do casamento

Para o tribunal, os efeitos da manifestação de vontade do autor não precisam esperar pela sentença; se ele morre antes, é possível reconhecer a dissolução do casamento na forma como foi requerida.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a morte do autor do pedido de divórcio no curso do processo não impede o reconhecimento da dissolução do casamento.

Na origem, um homem gravemente doente ajuizou ação de divórcio com pedido de liminar, o qual foi indeferido pelo juízo de primeira instância. Ele recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e obteve a antecipação da tutela recursal para que o divórcio fosse reconhecido provisoriamente.

No entanto, o autor faleceu antes do julgamento de mérito da ação, razão pela qual a corte estadual extinguiu o processo, revogando a liminar concedida anteriormente. O TJRJ entendeu que, nessas condições, a causa de extinção do casamento foi a morte do cônjuge, e não o divórcio.

O espólio e as herdeiras recorreram ao STJ sustentando sua legitimidade para seguir na ação e tentando manter o reconhecimento do divórcio, ao argumento de que a sua decretação em antecipação da tutela recursal significa verdadeiro julgamento antecipado do mérito.

Divórcio só depende da vontade do cônjuge

O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que a definição sobre a forma de extinção do casamento – se pela morte ou pelo divórcio – tem importantes consequências jurídicas, principalmente em relação à herança e aos direitos previdenciários.

Ele observou que o entendimento do tribunal de segunda instância, de que a morte durante a ação de divórcio extingue a demanda, prevaleceu no Judiciário por muito tempo. No entanto, a Emenda Constitucional 66/2010 mudou essa situação ao dispensar qualquer requisito prévio para o divórcio e transformá-lo em um direito potestativo, ou seja, um direito cujo exercício só depende da vontade da parte interessada, cabendo à outra parte apenas a submissão jurídica, sem possibilidade de se contrapor ao direito invocado.

“A dissolução do casamento passou a depender, unicamente, da válida manifestação da vontade de um dos cônjuges de não mais permanecer casado, sem ter que cumprir qualquer requisito temporal e, principalmente, sem se vincular à vontade da contraparte”, afirmou.

Reconhecimento de divórcio pode ser feito postumamente

Segundo o relator, uma vez ajuizada a ação de divórcio, o pedido de dissolução do casamento pode ser julgado antecipadamente, com fundamento nos artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil (CPC), independentemente do prosseguimento do processo para a definição de questões acessórias, como as ligadas ao patrimônio e à filiação.

Assim, de acordo com o ministro, não há razão para que os efeitos da manifestação de vontade da parte autora fiquem condicionados à sentença judicial definitiva. Não tendo sido apreciado o mérito do pedido de divórcio – disse Villas Bôas Cueva –, e vindo a parte autora a falecer no curso do processo, o reconhecimento da dissolução do vínculo conjugal, na forma como requerida, pode ser feito postumamente.

“Sendo assim, ainda que não haja, por ora, legislação específica a respeito, a natureza do direito material posto em juízo implica a prevalência da vontade livremente manifestada em vida sobre a morte na definição da causa da dissolução do casamento”, concluiu o ministro.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Mãe pode entregar filho para adoção sem conhecimento da família extensa

Na edição que vai ao ar nesta terça-feira (29), o programa STJ Notícias traz o entendimento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção – um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017, que inseriu o artigo 19-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – pode ser aplicado também em relação ao suposto pai e à família extensa do recém-nascido.

Com essa conclusão, os ministros deram provimento ao recurso de uma mãe para permitir que seu filho seja encaminhado para adoção, conforme sua vontade, sem consulta prévia aos parentes que, eventualmente, poderiam manifestar interesse em ficar com ele.

A edição também aborda a decisão da Quarta Turma no sentido de que o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não pode ser bloqueado para o pagamento de créditos relacionados a honorários advocatícios, sejam contratuais ou sucumbenciais, em razão da impenhorabilidade absoluta estabelecida pelo artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.

Outro destaque é o julgamento em que a Sexta Turma declarou nulas as provas decorrentes do acesso ao telefone celular de um homem condenado por tráfico de drogas. Para o colegiado, não houve comprovação adequada de que o acusado consentiu com o acesso ao celular pelos policiais que fizeram a prisão.

Produzido pela Coordenadoria de TV e Rádio do tribunal, o STJ Notícias será exibido na TV Justiça nesta terça-feira (29), às 13h30, com reprise no domingo, às 18h30. O programa também está disponível no YouTube.

Clique na imagem para assistir:

Fonte: STJ

ANP não está dispensada de dupla visita antes de multar pequena empresa que trabalha com GLP

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, de forma unânime, que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve seguir a regra da dupla visitação ao fiscalizar microempresas ou empresas de pequeno porte que trabalham com gás liquefeito de petróleo (GLP) – o gás de cozinha.

Na origem do processo, uma pequena empresa que vende GLP foi multada por armazenar recipientes de forma irregular. A empresa entrou com ação para anular a multa, alegando que a ANP não respeitou o procedimento exigido no artigo 55, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. O dispositivo estabelece a necessidade de duas visitas: a primeira deve ser de orientação; a segunda, se ainda houver irregularidades, pode resultar em multa.

O pedido da empresa foi deferido em primeira e segunda instâncias. No recurso ao STJ, a ANP argumentou que o GLP é um produto inflamável e perigoso, razão pela qual seria aplicável ao caso o parágrafo 3º do artigo 55 da LC 123/2006, que dispensa a dupla visita na fiscalização de situações que envolvam alto grau de risco.

Dupla visita é compatível com empresas que trabalham com GLP

O ministro relator do caso, Gurgel de Faria, reconheceu haver decisões anteriores do STJ que afastaram a necessidade da dupla visitação no caso de empresas que trabalham com GLP, por se tratar de um produto perigoso. Esse entendimento foi confirmado pela Primeira e Segunda Turmas nos julgamentos do REsp 1.938.555 e do REsp 2.081.474, respectivamente.

No entanto, a interpretação foi revista no julgamento do REsp 1.952.610, de relatoria da ministra Regina Helena Costa. Nesse julgamento da Primeira Turma, apontou-se que a LC 123/2006 determina aos órgãos administrativos que listem, por meio de ato infralegal, as atividades nas quais poderia ser dispensado o procedimento padrão da visita dupla, por serem consideradas de alto risco.

A exigência foi cumprida pela ANP com a edição da Resolução 759/2018. A partir da análise desse ato normativo, no julgamento relatado pela ministra Regina Helena, o colegiado afastou a presunção de perigo em toda atividade com GLP e concluiu que a norma não relaciona como situação de risco o armazenamento, no mesmo ambiente, de recipientes de gás cheios e vazios, ainda que essa prática esteja em desacordo com regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da própria ANP.

“Entendo que a controvérsia jurídica foi dirimida com a necessária profundidade nesse último julgado citado e, tratando o presente recurso da mesma discussão ali entabulada, saliento que as razões jurídicas expostas naquela ocasião são aqui reiteradas como fundamentos desta decisão”, declarou Gurgel de Faria.

Fonte: STJ