A regra que impede a reanálise de provas em recurso especial, bem como a aplicação dos princípios do grau de afetação do bem jurídico e da relevância social do fato, levaram a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, a confirmar decisão de segunda instância que absolveu um homem acusado de estupro de vulnerável. Aos 20 anos, ele namorou uma menina de 13 anos e oito meses de idade e manteve relações sexuais com ela.
De acordo com o processo, os fatos chegaram ao conhecimento da polícia após um desentendimento entre a menor e sua mãe. A genitora alegou que havia concordado inicialmente com o namoro, mas que depois, sem a sua autorização, a filha deixou o lar para morar com o namorado.
Para o tribunal estadual – que confirmou a absolvição decidida em primeiro grau –, apesar da redação do artigo 217-A do Código Penal, o caso apresenta peculiaridades que impedem a simples aplicação do tipo penal. Segundo o tribunal, não existem elementos no processo que indiquem que o acusado tenha se aproveitado da idade da adolescente ou de sua suposta vulnerabilidade – situação que, na visão da corte, deveria ser ponderada para evitar uma condenação “desproporcional e injusta” de pelo menos oito anos de prisão.
Ainda segundo a corte estadual, a jovem foi ouvida em juízo quando já tinha 18 anos e, mesmo naquele momento, nem ela nem sua mãe relataram que a situação lhe tivesse causado qualquer abalo.
Em recurso dirigido ao STJ, o Ministério Público alegou que, sendo incontroverso que o homem manteve relações sexuais com menor de 14 anos, não haveria dúvidas sobre a configuração do crime de estupro de vulnerável, independentemente do consentimento da vítima e de sua responsável legal.
Condenação depende de avaliação da necessidade e do merecimento da pena
Relator do recurso, o ministro Sebastião Reis Junior explicou que, no entendimento do tribunal local, embora o relacionamento tenha terminado depois de dois anos e meio, o acusado e a suposta vítima constituíram a própria família durante esse período, de modo que a conduta do homem não é compatível com aquela que o legislador buscou evitar.
Na visão do ministro, para rever os fundamentos da decisão do tribunal estadual quanto à falta de elementos suficientes para justificar a condenação do réu, seria necessário reexaminar os fatos e as provas do processo, medida que o STJ não admite no julgamento de recurso especial, conforme estabelecido na Súmula 7.
O relator também citou precedente do STJ no sentido de que, para um fato ser considerado penalmente relevante, não basta a sua mera adequação à descrição legal do crime, mas é necessário avaliar aspectos como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado pela legislação, com o objetivo de verificar se há necessidade e merecimento da sanção.
Para voto divergente, não é possível relativizar vulnerabilidade da vítima
Ao divergir do relator, o ministro Rogerio Schietti Cruz considerou que a posição do tribunal de segunda instância violou o artigo 217-A do Código Penal, na medida em que não se apontou que a intenção do réu não foi a de manter relações sexuais com pessoa menor de 14 anos.
O ministro lembrou que, nos termos da Súmula 593 do STJ, o crime de estupro de vulnerável se configura com a prática de qualquer ato sexual com menor de 14 anos, sendo irrelevante o consentimento da vítima, sua experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso com o agente.
Para Schietti, a situação dos autos indica uma tentativa de restabelecer a antiga jurisprudência que delegava à Justiça a avaliação subjetiva sobre a vulnerabilidade da vítima, tomando como referência o comportamento dela e do suposto agressor. De acordo com ele, contudo, essa vulnerabilidade não pode mais ser relativizada, pois tal fato violaria toda a evolução legislativa e jurisprudencial de proteção a crianças e adolescentes.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Mesmo que a comunicação seja registrada como notícia de fato ou verificação de procedência de informações, não há investigação formal que autorize o pedido de relatórios de inteligência financeira.
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que a mera informação sobre um fato criminoso, mesmo que registrada como notícia de fato ou verificação de procedência de informações, não constitui investigação formal capaz de autorizar o órgão a pedir relatórios ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).O caso teve início quando o Ministério Público do Paraná (MPPR) recebeu informações sobre uma organização criminosa envolvida na prática de estelionato e lavagem de dinheiro em um esquema de pirâmide financeira. Diante disso, o MPPR instaurou um procedimento denominado “notícia de fato”, que posteriormente foi convertido em procedimento investigatório criminal.Ainda antes de iniciar a investigação formal, em contato com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o MPPR soube que os suspeitos não tinham autorização para atuar na área regulada pela autarquia e requisitou ao Coaf relatórios de inteligência financeira sobre eles.A defesa de um dos suspeitos, então, impetrou habeas corpus, alegando que a requisição do relatório de inteligência financeira pelo Ministério Público ao Coaf seria ilícita, pois ocorreu sem que houvesse uma investigação formalmente instaurada e sem autorização judicial. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) denegou a ordem, o que levou a defesa a recorrer ao STJ.Registro da notícia de fato não equivale a uma investigação formalO ministro Reynaldo Soares da Fonseca, cujo voto prevaleceu no julgamento da Quinta Turma, esclareceu que a chamada “notícia de fato” é um instrumento disciplinado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, por meio da Resolução 174/2017, a qual dispõe, em seu artigo 2º, que “deverá ser registrada em sistema informatizado de controle e distribuída livre e aleatoriamente entre os órgãos ministeriais com atribuição para apreciá-la”.O ministro destacou que a mesma resolução, no artigo 3º, parágrafo único, prevê que o membro do Ministério Público poderá colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições.Dessa forma, segundo Reynaldo Soares da Fonseca, pode-se concluir que o registro da notícia de fato não equivale a uma investigação formal, uma vez que tem o objetivo de verificar as informações recebidas. A instauração de investigação formal só ocorre após a confirmação dos fatos noticiados. O magistrado ponderou que essa conclusão é apoiada pela própria impossibilidade de o Ministério Público expedir requisições durante essa fase inicial, já que os fatos estão sendo primeiramente verificados para, só então, serem formalmente investigados.Para o ministro, “a notícia de fato se equipara à verificação de procedência de informações”, pois ambos são procedimentos preliminares à investigação propriamente dita. “O artigo 5º, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal dispõe que qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito“, disse.Qualquer informação, mesmo falsa, pode levar à instauração de notícia de fatoNo entendimento do ministro, embora os procedimentos prévios de checagem possam ter alguma formalidade, eles não constituem uma investigação formal. “Qualquer informação, ainda que inverídica, pode levar à instauração de uma notícia de fato ou de uma verificação prévia de informações, motivo pelo qual não são admitidas medidas invasivas nesse período, sob pena de se configurar verdadeira pescaria probatória”, declarou.”Portanto, o exame não é de mera nomenclatura, mas de existência de efetiva investigação ou de mera checagem de fatos”, concluiu o magistrado ao dar provimento ao recurso em habeas corpus para reconhecer a ilicitude do relatório do Coaf, com o seu consequente desentranhamento do processo.Leia o acórdão no RHC 187.335.
No julgamento, a Segunda Turma levou em consideração o fato de que a Justiça estrangeira já decidiu sobre a guarda das crianças – que têm dupla nacionalidade – e sobre o direito de visitas do pai.
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, concluiu que cabe à Justiça da Noruega decidir sobre a expedição de passaportes para duas crianças com dupla nacionalidade – norueguesa e brasileira – que vivem naquele país.
Uma mulher brasileira entrou com ação no Brasil, na tentativa de obter autorização judicial para a emissão de passaportes para seus filhos menores, após o pai, norueguês, ter negado seu consentimento. Segundo o processo, a família reside na Noruega desde 2015, e após a separação do casal, o pai se recusou a renovar os passaportes das crianças, temendo que elas viajassem ao Brasil com a mãe – que tem a guarda – e não retornassem.
Após o juízo de primeira instância extinguir o processo sem julgamento de mérito, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) manteve a sentença, ressaltando que a Convenção de Haia de 1980, da qual Brasil e Noruega são signatários, dá prioridade às decisões sobre guarda e visitação tomadas pela Justiça do país de residência das crianças.
Contra essa decisão, o Ministério Público Federal (MPF) interpôs recurso especial no STJ alegando que, ao considerar o Poder Judiciário da Noruega o único competente para decidir o caso, o TRF5 contrariou o parágrafo único do artigo 27 do Decreto 5.978/2006, o qual prevê a competência concorrente da Justiça brasileira e da estrangeira para suprir a autorização para emissão de passaporte brasileiro.
Atender ao MPF poderia facilitar que as crianças viajassem sem autorização do pai
O ministro Afrânio Vilela, relator do recurso, destacou que, de acordo com aquele dispositivo, havendo divergência entre os pais sobre a emissão de passaporte para menores de 18 anos, a questão pode, de fato, ser resolvida tanto pela Justiça brasileira quanto pela estrangeira.
No entanto, o ministro ressaltou que, no caso dos autos, a Justiça da Noruega já decidiu sobre a guarda dos filhos, que residem com a mãe em Rogaland, naquele país, e assegurou ao pai o direito de visitas, sem, contudo, abordar a possibilidade de os menores deixarem o país de domicílio. Assim, para Vilela, atender ao pedido do MPF poderia facilitar que as crianças viajassem ao Brasil sem a autorização do pai ou da autoridade judicial competente.
“Eventual decisão judicial brasileira que supra a autorização paternal para emissão do passaporte das crianças poderia caracterizar violação aos princípios emanados pela Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que tem por finalidade proteger a criança dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas, além de garantir a efetiva aplicação dos direitos de guarda e de visita estabelecidos pelo país de domicílio do menor”, disse.
Pai poderá exercer plenamente sua defesa no processo
Afrânio Vilela concluiu que, devido às peculiaridades do caso, o pedido para suprir a autorização paterna para a expedição dos passaportes deve ser analisado pela Justiça norueguesa, por envolver questões atinentes à guarda das crianças, garantindo ao pai o direito de ingressar nos autos para exercer plenamente sua defesa e contribuir para a instrução processual.
“Além disso, esse entendimento prestigia o princípio do juízo imediato, previsto no artigo 147, I e II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a proximidade do julgador com as partes proporciona uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva, visando atender ao melhor interesse dos menores”, declarou o relator ao negar provimento ao recurso.
O Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizará, nesta quarta-feira (28), às 18h, sessão destinada à análise de dois projetos de emenda regimental. A sessão será aberta ao público e acontecerá presencialmente na Sala de Videoconferências I (primeiro andar do Edifício Ministros I) e por videoconferência.
A expectativa de que a rede conveniada será suficiente para as necessidades do beneficiário nem sempre se confirma, e nessa situação ele pode pedir o reembolso do que gastou com serviços não credenciados.
Ao contratar determinado plano de saúde, as pessoas esperam que a rede médica credenciada pela operadora seja suficiente para atender às suas necessidades. Entretanto, nem sempre essa situação ideal acontece, motivo pelo qual os beneficiários também costumam buscar atendimento em prestadores não credenciados – e, nesse caso, eles podem solicitar ao plano o reembolso da despesa.
O sistema de reembolso das despesas de saúde está regulamentado pela legislação – como a Lei 9.656/1998 – e por resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mas, mesmo assim, são comuns os processos judiciais que discutem os limites do reembolso, as hipóteses de obrigatoriedade do ressarcimento e o prazo prescricional aplicável ao tema – controvérsias já analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), entre muitas outras.
Omissão da operadora na indicação de prestador justifica reembolso
Em 2023, a Terceira Turma entendeu que, configurada a omissão da operadora na indicação de prestador de serviço de saúde da sua rede credenciada, o beneficiário faz jus ao reembolso integral do tratamento.
A ação foi ajuizada para obrigar o plano de saúde a arcar integralmente com o tratamento psiquiátrico do paciente. Enquanto o juízo decidiu que a operadora deveria pagar o valor total apenas nos 30 primeiros dias e, depois disso, o beneficiário deveria arcar com 50% dos custos, o tribunal de segundo grau reformou a decisão e afastou a coparticipação, sob o fundamento de que não houve indicação de clínica referenciada para tratar o paciente.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, apesar de não afastar a possibilidade de coparticipação após os 30 primeiros dias de internação, destacou que ela não existia no caso, em que o usuário é que estava arcando com as despesas médicas diante da omissão do plano de saúde. Conforme ressaltou, o dever de reembolsar da operadora acabaria quando fosse disponibilizado atendimento pela rede credenciada.
No mesmo ano, a ministra, em decisão monocrática, reconheceu que a obrigação do plano de saúde de custear integralmente o tratamento, na hipótese de inexistência de clínica credenciada, vai no mesmo sentido da tese firmada no julgamento anterior.
Reembolso de gasto em urgência não exclui hospital de alto custo
No REsp 1.286.133, a Terceira Turma reconheceu que o plano de saúde deve reembolsar o segurado por despesas com atendimento de urgência ou emergência realizado em hospital de alto custo não credenciado, ainda que o contrato exclua expressamente a cobertura nessa categoria de estabelecimentos. No entanto, o reembolso é limitado ao valor que a operadora gastaria se o atendimento fosse prestado em sua rede credenciada
No caso em julgamento, os beneficiários sofreram graves queimaduras em um acidente aéreo, e o médico conveniado os encaminhou para um hospital de alto custo. Mesmo passada a situação de urgência, os pacientes permaneceram no hospital, seguindo o tratamento necessário para sua recuperação. No recurso que chegou ao STJ, eles pediam o ressarcimento integral das despesas naquele hospital.
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que a lei, ao assegurar o reembolso de despesas efetuadas em situação de urgência ou emergência, sempre que não for possível a utilização da rede própria ou contratada, não faz restrição aos hospitais de alto custo. A cláusula que exclui o reembolso nessas circunstâncias, portanto, é nula.
O ministro destacou, porém, que a operadora já havia pagado o equivalente ao valor que teria sido desembolsado se os recorrentes tivessem sido tratados em sua rede credenciada enquanto durou a situação de urgência, conforme disposto no artigo 12, inciso VI, da Lei 9.656/1998.
Prazo para pedir o reembolso de despesas médicas é de dez anos
A Segunda Seção, em 2020, decidiu que o prazo prescricional da ação para pedir reembolso de despesas médico-hospitalares, alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde e ainda não pagas, é de dez anos.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, disse que, no caso de reparação de danos causados pelo descumprimento de obrigação prevista em contrato de plano de saúde, aplica-se a regra geral de dez anos, disposta noartigo 205 de Código Civil (CC).
O ministro lembrou que a situação não se confunde com a devolução do valor pago indevidamente, decorrente da declaração de nulidade da cláusula de reajuste do plano ou seguro de saúde, na qual incide o prazo prescricional de três anos, segundo o artigo 206, parágrafo 3º, inciso IV, do CC.
Atendimento deve ser garantido no mesmo município
Em 2022, a Quarta Turma entendeu que o plano de saúde deve reembolsar as despesas médico-hospitalares feitas pelo beneficiário fora da rede credenciada, quando a operadora descumpre o dever de garantir o atendimento no mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede assistencial.
As instâncias ordinárias julgaram procedente o pedido de uma beneficiária para que a operadora garantisse atendimento médico nos termos do plano contratado e nos limites do município de sua abrangência, bem como o reembolso integral dos custos na realização dos tratamentos cobertos.
O autor do voto que prevaleceu no julgamento, ministro Marco Buzzi, ressaltou que, conforme estabelecido pela Resolução Normativa 259/2011 da ANS, o atendimento deve ser preferencialmente prestado no mesmo município, ainda que por prestador não integrante da rede da operadora. Segundo explicou, o pagamento por esse serviço deve ser estabelecido mediante acordo entre a operadora e o prestador.
O ministro disse que, conforme o artigo 9º da referida resolução, o reembolso deve ser integral, incluindo as despesas com transporte, no prazo de 30 dias, contado da data de sua solicitação.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a Resolução Normativa 539/2022 da ANS tornou obrigatória a cobertura de qualquer método ou técnica para tratamento do paciente que tenha um dos transtornos enquadrados na CID F84, conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID).
A ministra ressaltou que, até o início da vigência da Resolução 539, é devido o reembolso integral de tratamento multidisciplinar para beneficiário portador de TEA realizado fora da rede credenciada, inclusive das sessões de musicoterapia, na hipótese de inobservância de prestação assumida no contrato ou se ficar demonstrado o descumprimento de ordem judicial.
Ressarcimento deve estar limitado ao preço de tabela
Ao julgar o REsp 1.933.552 em 2022, a Quarta Turma entendeu que é válida a limitação do reembolso de despesas médicas, pelo preço de tabela, ao usuário que utilizar profissionais e estabelecimentos não credenciados para o tratamento de terapia coberta, não incluídas despesas com hospedagens, transporte e alimentação.
O autor do voto vencedor, ministro Marco Buzzi, considerou que o procedimento cirúrgico de colocação de marca-passo era imprescindível e urgente, diante do quadro de arritmia do paciente. O ministro apontou que também houve recusa indevida da operadora, o que gerou direito ao dano moral. Segundo ele, a situação foi agravada por aflição e angústia do beneficiário que necessitava com urgência da intervenção.
“A limitação do reembolso ao valor de tabela afasta qualquer possibilidade de enriquecimento indevido do usuário ao se utilizar de profissional ou hospital de referência, que, muitas vezes, demandam altas somas pelo trabalho desempenhado”, declarou Buzzi.
Reembolso de despesas não urgentes com prestador não credenciado
Em 2020, a Segunda Seção decidiu que o reembolso das despesas efetuadas pelo beneficiário com tratamento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento.
O beneficiário buscou indenização do plano de saúde por não ter sido coberta sua cirurgia. O juízo considerou a ação improcedente, sob o fundamento de que o tratamento foi realizado por médico e hospital não credenciados e não era caso de urgência ou emergência. Já o tribunal de segundo grau condenou o plano a restituir os valores, nos termos da tabela de referência.
No STJ, o ministro Marco Buzzi decidiu monocraticamente restabelecer a sentença de improcedência, decisão mantida pela Quarta Turma. O beneficiário, então, interpôs embargos de divergência, sustentando discrepância entre os posicionamentos adotados nas turmas de direito privado.
O relator dos EAREsp 1.459.849, ministro Marco Aurélio Bellizze, comentou que, conforme as situações excepcionais previstas no artigo 12, inciso VI, da Lei 9656/1998, as operadoras são responsáveis pelas despesas médicas do usuário do plano, nos casos de urgência e emergência, sempre que inviabilizada pelas circunstâncias a utilização da rede própria ou contratada.
O ministro ressaltou, porém, que o procedimento cirúrgico em questão não se enquadrava nas situações de urgência ou emergência. Segundo ele, não era o caso de se determinar o reembolso das despesas médicas, por completa ausência de previsão legal e contratual.
Para reembolso, há necessidade de pagamento prévio pelo segurado
Na origem, uma clínica e um laboratório cooptavam pacientes pelas redes sociais informando que seus serviços eram cobertos pelo plano de saúde. Entretanto, ao procurarem atendimento, os beneficiários descobriam que o atendimento era particular, com posterior reembolso a ser solicitado pelas próprias empresas, sem desembolso prévio, apenas com assinatura de cessão de direitos.
Segundo o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, sem o pagamento prévio pelo beneficiário, não se pode falar em direito ao reembolso, tampouco na possibilidade de cessão de direitos, pois não existe o objeto do negócio jurídico.
“Apenas assinar um contrato de cessão de direitos não pode servir de justificativa para desvirtuar a cobertura securitária prevista na legislação de regência, em relação às regras do reembolso”, completou o ministro.
Bellizze ressaltou que não se pode criar um procedimento de reembolso fora do que está legalmente estabelecido.
Os debates do simpósio internacional Mudanças Climáticas, Água e Floresta, na tarde desta sexta-feira (23), trouxeram a perspectiva de instituições financeiras sobre o tema, além de abordarem questões sobre o combate ao desmatamento e ao crime organizado.
Promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelo Senado Federal e pelo Ministério das Relações Exteriores, o evento foi realizado no Palácio Itamaraty, em Brasília, e reuniu pesquisadores e autoridades de diferentes esferas de poder do Brasil e de outros países para discutir os impactos do desmatamento e a crescente intervenção da Justiça na solução de conflitos sobre o clima e o meio ambiente.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil e a Associação dos Magistrados Brasileiros transmitiram o simpósio pelo YouTube.
A abertura teve a participação do novo presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, que tomou posse nesta quinta-feira (22). Segundo ele, não há como tratar do clima sem aproveitar toda a riqueza teórica e jurisprudencial do direito ambiental. “As especializações nessa área são bem-vindas, pois permitem um conhecimento aprofundado, mas não podemos esquecer a visão holística e as interpelações existentes entre os três temas que compõem o nome desse simpósio”, alertou Benjamin.
Parcerias e legislação atualizada para proteger o meio ambiente
O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, conduziu o painel “Desmatamento e mudanças climáticas: aspectos jurídicos”. Segundo o dirigente, o órgão vem enfrentando o crescimento de crimes ambientais praticados por facções que habitualmente atuam em áreas urbanas. Para isso, houve a intensificação do uso de tecnologias, como imagens via satélite, e parcerias estratégicas com a Força Nacional e a Advocacia-Geral da União (AGU).
“Neste ano, reduzimos em 42% os crimes ambientais em relação ao ano passado e, nos últimos quatro meses, temos, pela primeira vez, a queda dos crimes no cerrado”, detalhou o gestor.
A procuradora-chefe da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente da AGU, Mariana Cirne, também destacou o trabalho feito pelo órgão em parceria com outros setores da sociedade, o que inclui acordos de cooperação, grupos de trabalho e, mais recentemente, a elaboração do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono. “A ideia é quantificar esse mercado e, de fato, transformar nossa proteção em um ganho real para todo o país”, explicou.
Em seguida, André Lima, secretário nacional de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, falou sobre o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O instrumento, lançado em 2004, busca reduzir de forma contínua o desmatamento e criar condições para a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal.
Especialista em direito comparado, o professor Nicholas Bryner, da Lousiana State Law School, elogiou o Código Florestal Brasileiro, mas fez ressalvas em relação às dificuldades para mantê-lo atualizado e eficiente no combate ao desmatamento ilegal. “O desafio não está apenas em ter leis, mas em adaptá-las às realidades de um mundo em mudança. Essas leis foram criadas antes das mudanças climáticas serem reconhecidas como ameaça existencial”, apontou o acadêmico.
Modelos econômicos pensados como soluções climáticas
O painel “O papel das instituições financeiras de desenvolvimento e das empresas” foi presidido por Fernanda Santiago, assessora-chefe para assuntos jurídicos do Ministério da Fazenda. Ela abordou as mudanças de paradigma da área econômica no tratamento da pauta ambiental.
“No Ministério da Fazenda, temos missões em três áreas: responsabilidade fiscal, reforma tributária e transformação ecológica. As duas primeiras, que poderiam ser as mais importantes, nós costumamos dizer que são pressupostos para a transformação ecológica”, afirmou.
O diretor jurídico do Banco Asiático de Desenvolvimento, Thomas Clark, abordou a importância da atuação conjunta entre entes públicos e privados e da melhoria dos sistemas jurídicos em matéria ambiental. “O aperfeiçoamento dos regulamentos é essencial para atrair um capital de longo prazo e estável no financiamento de soluções climáticas”, resumiu Clark.
Nabil Kadri, diretor do Fundo Amazônia, detalhou como ele é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Quando se olha para instituições como o BNDES, o que se imagina é o dinheiro. No entanto, o mais relevante é encontrar os modelos econômicos para viabilizar esses investimentos. Isso foi feito no Brasil, por exemplo, com a transformação da nossa matriz energética ao incorporar a energia eólica e a energia solar”, contou o diretor.
Atuação do Brasil no G20 deve aliar agendas climática e econômica
Ao lado do ministro Herman Benjamin, o embaixador André Corrêa do Lago – que atualmente exerce o cargo de secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores – foi o responsável pelo encerramento do simpósio.
Depois de fazer um apanhado histórico sobre a evolução da agenda ambiental no âmbito das Nações Unidas, o embaixador ressaltou o papel do Brasil na liderança do G20 – o país preside o grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia até 30 de novembro de 2024.
“Temos que conseguir integrar a questão do clima e o impacto ao meio ambiente sobre a economia. Essa união entre o pensamento econômico e as circunstâncias dessa agenda ainda não foi devidamente trabalhada e debatida, e eu espero que o G20 seja uma etapa importante. Esse é o grande esforço do Brasil”, observou André Corrêa do Lago.
Para a Terceira Turma, o reconhecimento da obrigação de pagar não configura interferência indevida do poder público no funcionamento de organização religiosa.
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a ministro de confissão religiosa inativo não configura interferência indevida do poder público no funcionamento da organização religiosa. Segundo o colegiado, a autonomia das entidades religiosas não é absoluta, estando sua liberdade de funcionamento sujeita a reexame pelo Judiciário da compatibilidade de seus atos com regulamentos internos e com a lei.
No caso dos autos, o filho de um pastor ajuizou uma ação contra uma igreja cobrando o recebimento de diferenças devidas ao seu falecido pai, a título de côngrua de jubilação. O juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deu provimento à apelação para julgar parcialmente procedente o pedido formulado na inicial.
Em recurso ao STJ, a igreja alegou que o poder público estaria interferindo em seu funcionamento ao obrigá-la a reconhecer uma obrigação de pagamento de caráter moral, no qual o vínculo decorreria apenas de uma predisposição especial a pregar a palavra de Deus, sem que isso conceda aos pastores qualquer direito a remuneração. Sustentou, também, que a côngrua não possui caráter remuneratório ou de benefício de aposentadoria tal como definido na legislação previdenciária, não podendo ser imposta já que não existe previsão legal de pagamento de côngrua a filho de pastor falecido.
Natureza contratual da côngrua fica evidente quando certos elementos estão presentes
A ministra Nancy Andrighi, relatora, observou que côngrua, remuneração destinada aos ministros religiosos, tem uma história que reflete não apenas mudanças legais, mas também transformações sociais e morais ao longo do tempo.
A relatora apontou que, inicialmente durante o período imperial brasileiro, a côngrua era essencialmente uma obrigação tributária, sustentada pelo dízimo dos fiéis, sendo a sua cobrança compulsória, como parte integrante do sistema de financiamento da Igreja. No entanto, a ministra ponderou que, com a mudança do Estado confessional para Estado laico, a cobrança do dízimo e o repasse da côngrua deixaram de ser compulsórios e passaram a ser encarados como uma contribuição voluntária dos fiéis para sustentar seus líderes espirituais.
A ministra relatora ressaltou que a côngrua poderá ter sua natureza obrigacional modificada de moral/natural para contratual ainda que, num primeiro exame, o pagamento possa ser considerado mera faculdade da entidade religiosa, essa faculdade claramente se transmuda em dever, em determinadas situações. Segundo a relatora, embora em juízo de cognição mais restrita, o STJ, em uma situação similar, decidiu que a natureza contratual da côngrua fica evidente quando certos elementos estão presentes na previsão de adimplemento pela organização religiosa.
“Ou seja, pode-se dizer que o caráter contratual da côngrua passa a existir quando a entidade prevê seu pagamento (i) de forma obrigatória, (ii) fundamentado em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal”, declarou.
Estado pode intervir no funcionamento de organizações religiosas
A ministra ressaltou que, na hipótese dos autos, a igreja reconheceu a obrigatoriedade do pagamento vitalício de “côngrua de jubilação” em decorrência da entrada em inatividade de seu pastor, conforme previsto em seu estatuto e registrado formalmente em deliberação interna. Contudo, mesmo após realizar o pagamento da côngrua por quase vinte anos, a igreja deixou de pagar diferenças devidas nos últimos anos de vida do pastor jubilado, sob o fundamento de que o adimplemento seria mera liberalidade.
Diante disso, a relatora concordou com o entendimento do TJRJ, segundo o qual foram violados os princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações contratuais, por considerar que a verba possuía caráter contratual e que seu inadimplemento não era razoável pelo comportamento contraditório da entidade devedora.
Nesse contexto, a ministra afirmou que apesar das entidades religiosas possuírem autonomia em suas atividades internas, o Estado mantém o direito de intervir em casos de irregularidades ou descumprimento das leis vigentes. “No âmbito do controle judicial, a interferência diz respeito ao controle de conformidade normativa dos atos praticados pelas entidades em relação a seus regulamentos internos ou em relação à lei”.
“A análise pelo tribunal de origem de (des)conformidade na continuidade dos pagamentos por parte da entidade, feita com base em seus regramentos internos e com princípios de direito contratual, não configura violação da autonomia de funcionamento das organizações religiosas à luz do artigo 44, parágrafo 2º, do Código Civil“, concluiu ao negar provimento ao recurso.
Os ministros entenderam que, para o reconhecimento do crime, o Código Penal não exige forma determinada de resistência da vítima; exige sim, implicitamente, a sua discordância.
Mesmo tendo havido consentimento inicial para o sexo, a simples discordância da vítima em prosseguir na relação – quando essa negativa não é respeitada pelo agressor – basta para a caracterização do crime de estupro. Não se exige, em tais casos, que a recusa seja drástica ou que a vítima tenha uma reação enérgica no sentido de interromper o ato sexual.
O entendimento foi adotado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, ao reformar acórdão de segundo grau e restabelecer sentença que condenou um homem a seis anos de reclusão por estupro.
Ao decidir pela absolvição, o tribunal local havia entendido que, embora a mulher tivesse se recusado a seguir no ato sexual inicialmente consentido, não ficou comprovado no processo que essa discordância se deu de forma mais enfática, a ponto de ser percebida efetivamente pelo réu.
“O dispositivo do Código Penal que tipifica o delito de estupro não exige determinado comportamento ou forma de resistência da vítima. Exige sim, implicitamente, o dissenso, o que restou comprovado nos autos”, afirmou o ministro Sebastião Reis Junior no julgamento.
Relação sexual deve ser consentida do início ao fim
No voto acompanhado pela maioria do colegiado, o ministro comentou que, no crime de estupro, o constrangimento da vítima pode se dar por meio de violência ou grave ameaça (artigo 213 do Código Penal).
No caso dos autos, o magistrado apontou que, em seu depoimento judicial, a vítima afirmou ter dito ao réu que não desejava seguir na relação íntima, mas, mesmo após ouvir o “não”, ele seguiu no ato sexual mediante força física.
De acordo com Sebastião Reis Junior, a concordância e o desejo inicial têm que perdurar durante toda a relação, pois a liberdade sexual pressupõe a possibilidade de interrupção do ato. “O consentimento anteriormente dado não significa que a outra pessoa pode obrigá-la à continuidade do ato sexual. Se um dos parceiros decide interromper a relação sexual e o outro, com violência ou grave ameaça, obriga a desistente a continuar, haverá a configuração do estupro”, afirmou.
Contato posterior com agressor pode indicar mecanismo de redução de danos
Segundo o ministro, o fato de a vítima não ter “reagido física ou ferozmente” à continuidade do ato sexual não afasta o estupro, pois houve manifestação clara de discordância por parte dela. Pela mesma razão, apontou, o crime não deixa de estar configurado porque a vítima, após a resistência inicial, finalmente se submeteu ao ato, apenas aguardando que terminasse.
“A (relativa) passividade, após a internalização de que a resistência ativa não será capaz de impedir o ato, não é, por diversos fatores, incomum em delitos dessa natureza”, declarou o ministro ao lembrar que, segundo o processo, passada a resistência inicial, a vítima percebeu que não teria forças para impedir o ato e apenas esperou “que a violência chegasse logo ao fim”.
Também no entendimento do ministro, a informação de que, após o crime, a vítima teria trocado mensagens com o agressor não é suficiente para descaracterizar o estupro, como chegou a apontar o tribunal local – em “viés desatualizado e machista da situação”, segundo Sebastião Reis Junior –, pois, além de permanecer a demonstração da recusa durante a relação, o contato posterior pode indicar que a vítima buscou mecanismos para diminuir o “peso errôneo da culpa”, ou mesmo para sobreviver física e mentalmente à violência à qual foi exposta.
“Se tal pensamento fosse a solução certeira para o caso, não se caracterizaria o delito de estupro quando mulheres são subjugadas, dentro do lar, por seus maridos e companheiros à violência sexual, porque, mesmo dissentindo claramente do ato, submetem-se de maneira passiva aos desejos sexuais do consorte por inúmeros e inimagináveis motivos, como dependência financeira, emocional, forma de criação, pela cultura patriarcal enraizada em nossa sociedade, que vê o homem como uma figura que deve ser servida, temida e obedecida a todo instante pela mulher”, concluiu o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 240 de Jurisprudência em Teses, sobre o tema Legislação de Trânsito IV. A equipe responsável pelo produto destacou duas teses.
A primeira tese mostra que a apresentação de resultado negativo em exame toxicológico de larga janela de detecção é obrigatória para a habilitação e para a renovação da Carteira Nacional de Habilitação de motorista autônomo de transporte coletivo escolar.
O segundo entendimento aponta que a transferência de propriedade de veículo automotor usado implica, obrigatoriamente, a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo (CRV), ainda que a aquisição tenha a finalidade de posterior revenda.
A ferramenta
Lançada em maio de 2014, Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.
Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.
Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, na barra superior do site.
A aplicação da tese fixada no Tema 677 do Superior Tribunal de Justiça em execuções fiscais tem levado tribunais de todo o país a reconhecer a existência de saldo devedor do contribuinte que fez o depósito judicial da dívida como garantia.
A tese foi revisada pela Corte Especial do STJ em 2022 para fixar que, na fase de execução, quando um devedor deposita o valor referente à dívida, no todo ou em parte, ele não necessariamente fica liberado de pagar juros e correção monetária.
Esses encargos continuam correndo normalmente até o fim do processo, quando o dinheiro é levantado pelo credor. Nesse momento, é possível que exista uma diferença entre o valor da condenação e aquele liberado pelo banco que recebeu o depósito.
Isso acontece se o índice adotado pela instituição financeira para juros e correção monetária for menor do que o escolhido na decisão judicial. Nesse caso, haverá um saldo a ser quitado pelo devedor.
Até então, o STJ entendia que o depósito judicial deveria extinguir a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Em abril deste ano, a Corte Especial manteve a revisão feita e afastou a modulação temporal de seus efeitos.
Saldo devedor
A aplicação do Tema 677 em execuções fiscais não foi discutida no julgamento do STJ, mas tem sido adotada por Tribunais de Justiça. A revista eletrônica Consultor Jurídico encontrou exemplos nos TJs de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.
São acórdãos que indeferem a extinção da execução fiscal pela satisfação do débito, após a conversão do depósito judicial em renda. Assim, o ente público fica liberado para seguir com a cobrança do saldo devedor.
Esses mesmos tribunais têm exemplos de acórdãos recusando a aplicação do Tema 677 em execuções fiscais. Existe, portanto, uma divergência que, até o momento, não chegou ao STJ para pacificação.
O saldo devedor pode aparecer principalmente em casos de tributos municipais. Nos impostos federais, a Lei 9.703/1998 determina que todos os depósitos judiciais devem ser feitos na Caixa Federal e atualizados pela taxa Selic.
Como a Selic é também a taxa de atualização do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, dívida e depósito crescem na mesma proporção, o que elimina a hipótese de saldo devedor.
Já a remuneração do depósito depende dos contratos entre bancos e tribunais, em regra a partir de tabela estabelecida por cada corte. A diferença entre esses índices vai abrir a possibilidade de saldo residual nas execuções fiscais com garantia em dinheiro.
Imposto municipal
Um dos casos em que o Tema 677 foi usado trata da cobrança de IPTU pelo município de Caraguatatuba (SP) contra a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A dívida é do exercício de 1999.
A Sabesp fez o depósito judicial do valor integral em 2007 e opôs embargos à execução, que foram julgados improcedentes. O valor foi levantado pelo município, que notou que faltavam R$ 2 mil, referentes a juros de mora e correção monetária.
O saldo devedor levou o juiz da execução fiscal a indeferir a extinção do processo pela satisfação do débito, decisão que foi mantida pela 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, mediante aplicação da tese do STJ.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 2ª Câmara Cível seguiu a mesma linha. Relator de um caso semelhante, o desembargador José Joaquim Guimarães da Costa destacou que a obrigação do banco de corrigir os valores do depósito judicial não impede a incidência dos encargos moratórios.
“A suspensão da exigibilidade da dívida tributária obsta a prática de atos constritivos, não importando na suspensão dos efeitos da mora”, disse o relator do agravo regimental.
“Não há que se falar em liberação do devedor nos casos em que o depósito é realizado para garantia de juízo ou em razão de penhora, permanecendo o devedor, portanto, obrigado a arcar com consectários de sua mora”, concluiu o desembargador Leopoldo Mameluque em um caso julgado pela 6ª Turma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Disciplina especial
Para os tributaristas consultados pela ConJur, os tribunais erram ao aplicar o Tema 677 em casos de execução fiscal. Em primeiro lugar, porque esse procedimento é regido por regras específicas definidas em legislação especial.
A Lei de Execuções Fiscais determina nos artigos 9º, parágrafo 4º, e 11, parágrafo 2º, que a garantia em dinheiro por depósito ou penhora faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e por juros de mora. E o artigo 151 do Código Tributário Nacional fixa que o depósito do valor integral do crédito tributário suspende sua exigibilidade. Assim, se ele deixa de ser exigível, não caberia a cobrança de juros e outros encargos legais.
Em segundo lugar, porque o precedente do Tema 677 foi construído sob a dinâmica do processo de execução cível, em que os juros de mora inclusive podem ser convencionados entre as partes que assinaram o contrato.
Um exemplo dessa diferença de tratamento está no fato de que, no âmbito federal, o valor do depósito judicial é transferido pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, por determinação da Lei 9.703/1998.
Ou seja, a União passa a usufruir dos recursos imediatamente, antes mesmo de saber o resultado do processo. Nos processos civis, a parte vencedora só levanta o valor quando a decisão se torna definitiva.
São fatores que levam o advogado Bruno Teixeira, sócio do escritório TozziniFreire Advogados, a defender a inaplicabilidade do Tema 677 em execuções fiscais. “A dinâmica do processo de execução fiscal é diferente do processo de execução cível”, apontou ele.
Para Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, o problema do saldo devedor precisa ser enfrentado, mas não em prejuízo de quem fez o depósito de boa-fé. Caberia a estados e municípios igualar os índices legais para evitar a discussão.
“Isso deveria ser legislado para garantir que o contribuinte que faz o depósito integral do valor do tributo, lá na frente, não seja questionado, nem tenha de se defender da cobrança de um débito completar.”
Perda de interesse
O impacto dessa conduta dos Tribunais de Justiça não é só financeiro, segundo a tributarista. Aplicar o Tema 677 às execuções fiscais retira do devedor a alternativa de desembolsar dinheiro para evitar os efeitos da mora. Trata-se de uma proteção conveniente inclusive para o poder público.
“Além da insegurança, haveria, de fato, um grande desestímulo para a realização de depósitos judiciais, pois eles representariam uma ‘saída de caixa’, mas sem oferecer qualquer proteção adicional com relação à fiança bancária ou ao seguro-garantia”, afirmou Maria Andréia.
Mírian Lavocat, sócia do Lavocat Advogados, segue a mesma linha ao prever que o contribuinte vai preferir se valer de outras formas de garantir a execução, como a fiança bancária ou o seguro-fiança.
“Ao final da execução, para além dos valores depositados, os quais já impactam no capital de giro das empresas, o contribuinte se responsabiliza pelo pagamento de custas extras que, dependendo do valor da causa e da duração do processo, podem se tornar exorbitantes.”
Dados do Conselho Nacional de Justiça, no relatório “Justiça em Números”, apontam que o tempo médio de baixa das execuções fiscais é de sete anos e nove meses. Trata-se do principal gargalo do Poder Judiciário.
Mírian Lavocat ainda destaca que, nos casos de ação anulatória de débito fiscal, usada para contestar uma dívida já consolidada, não se admite substituição do depósito. A suspensão da exigibilidade depende apenas do depósito integral do valor.
“Portanto, caso esse entendimento se estenda à esfera tributária, aquele contribuinte que venha a optar por uma ação anulatória como meio de defesa a uma provável execução, além de realizar o depósito em dinheiro do valor integral do débito discutido — já corrigido até a data da propositura da ação —, deverá arcar também com os encargos excedentes ao final do processo, que poderá ter longa duração.”
Agravo de Instrumento 2318821-42.2023.8.26.0000 (TJ-SP) Apelação Cível 9000625- 97.2003.8.26.0090 (TJ-SP) Agravo de Instrumento 2229193-42.2023.8.26.0000 (TJ-SP) Agravo de instrumento 1739374-88.2024.8.13.0000 (TJ-MG) Apelação Cível 5002035-12.2016.8.21.0005 (TJ-RS) Agravo de instrumento 5030956-64.2024.8.21.7000 (TJ-RS) Agravo de Instrumento 0081067-63.2023.8.16.0000 (TJ-PR) Agravo de Instrumento 1416976-87.2023.8.12.0000 (TJ-MS)
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