Comissão aprova proposta que permite a estados legislar sobre matéria penal e processual penal

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (4) projeto de lei que permite que os estados e o Distrito Federal aprovem leis específicas sobre matéria penal e processual penal. O projeto ainda depende de análise pelo Plenário.

 
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Coronel Assis (UNIÃO-MT)
Coronel Assis: “Mais adequado elencar pontos que possibilitem aos estados combater criminalidade” – Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O texto aprovado é substitutivo apresentado pelo relator, deputado Coronel Assis (União-MT), ao Projeto de Lei Complementar 215/19, do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS). O texto de Coronel Assis reduziu a abrangência com relação à proposta original.

“Entendemos não ser conveniente promover a delegação de forma tão ampla como foi feito, revelando-se mais adequado elencar pontos específicos que possibilitem aos Estados combater a criminalidade conforme as peculiaridades regionais”, explicou o relator.

De acordo com o texto aprovado, os estados e o Distrito Federal ficam autorizados a legislar sobre as seguintes questões, desde que de forma mais gravosa do que a prevista na legislação federal:

  • cominação de penas aos crimes previstos no ordenamento jurídico vigente, respeitando-se o limite de tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade previsto no Código Penal; 
  • regimes de cumprimento de pena, suas espécies, regras para fixação do regime inicial e para progressão;
  • requisitos para concessão de livramento condicional, suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo e transação penal; 
  • espécies e formas de cumprimento das penas restritivas de direitos;
  • critérios para a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos; e
  • previsão de efeitos genéricos e específicos da condenação.

O deputado Patrus Ananias (PT-MG) esteve entre os que se posicionaram contra a proposta. “Eu penso que é uma forma de facilitar a vida criminosa. Nós precisamos de normas no País que unifiquem o Brasil. Para possibilitar, inclusive, caso o marginal, a pessoa envolvida no banditismo fuja, não fique se perguntando onde a legislação é melhor, para onde é mais fácil fugir. Isso nós vemos em outros países, mesmo nos Estados Unidos”, afirmou.

Já a deputada Chris Tonietto (PL-RJ) defendeu o texto. “A gente tem que observar as peculiaridades de cada caso. Cada estado tem suas mazelas, suas peculiaridades. Meu estado, por exemplo, do Rio de Janeiro, tem um índice de criminalidade altíssimo. Há estados em que o roubo de carga é altíssimo. Em outros estados, de repente o crime contra o patrimônio é maior. Tendo em vista exatamente essas peculiaridades de cada estado, eu entendo que esse projeto vem em muito boa hora”, defendeu Tonietto. 

Fonte: Câmara dos Deputados

Comissão aprova recompensa para quem contribuir com informações para proteger criança de violência

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 846/21, do ex-deputado Roberto Alves (SP), que permite à administração pública pagar recompensa a quem contribua com informações para proteger crianças ou adolescentes de qualquer tipo de violência.

 
Seminário Interativo - Avanços recentes na Saúde Digital. Dep. Flávia Morais (PDT-GO)
Flávia Morais: poder público precisa agir para combater esse tipo de violência – Mario Agra / Câmara dos Deputados

Segundo o texto, a recompensa será paga quando a autoridade policial ou o Ministério Público atestarem que a informação foi decisiva para a efetiva proteção do menor.

A relatora, deputada Flávia Morais (PDT-GO), defendeu a aprovação da proposta. Ela destacou a importância da recompensa como ferramenta jurídica adicional à proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência. “Esse mal demanda esforços preventivos, mais que repressivos, devendo receber a devida atenção por meio de medidas efetivas antes que a violência se consume”, disse.

O projeto altera a Lei 13.431/17, que determina que qualquer pessoa que tenha conhecimento ou presencie ação ou omissão que constitua violência contra criança ou adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de recebimento e monitoramento de denúncias, ao conselho tutelar ou à autoridade policial.

A norma também obriga União, estados, o Distrito Federal e municípios a promoverem campanhas periódicas de conscientização da sociedade.

Próximos passos
A proposta tramita em caráter conclusivo e ainda será analisada pelas comissões de Finanças  e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Para STJ, relação entre motorista e Uber é de natureza civil

Corte remeteu processo que discute indenização de motorista descredenciado pela Uber para a Justiça comum

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (3/12), de forma unânime, remeter um processo que discute indenização de motorista descredenciado pela Uber para a Justiça comum.

Na ação, o motorista alega que a Uber não teria apresentado justificativa válida para o seu descredenciamento, ao passo que a plataforma alegou que o descredenciamento ocorreu porque o motorista era reincidente no cancelamento de viagens e provocava clientes a desistirem da chamada de viagem, o que lhe garantia o recebimento de uma taxa de cancelamento.

O motorista recorreu ao STJ depois de o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) afirmar que a competência para o julgamento do caso seria da Justiça do Trabalho, tendo em vista a possível relação de trabalho entre as partes. No recurso, o motorista alega que a relação entre as partes é de contrato civil, não um vínculo de trabalho.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, deu provimento ao recurso do motorista e foi acompanhado pelos demais ministros. De acordo com Villas Cuêva, a relação entre o motorista e a plataforma digital é de natureza civil. “Os elementos demonstrativos da relação de emprego não estão configurados nessa modalidade de contratação, pois os requisitos de eventualidade e subordinação estão ausentes”.

Ele ainda acrescentou que a plataforma digital atua como intermediária do contrato digital entre o motorista e o consumidor, caracterizando uma relação de autoatendimento. “A natureza jurídica da reivindicação está diretamente relacionada à demanda e à causa da demanda, que, no entanto, são eminentemente civis e conduzem à competência da justiça comum”, disse.

Fonte: Jota

Deputados aprovam medidas de proteção a juízes e integrantes do Ministério Público; texto ainda pode ser alterado

A Câmara dos Deputados votou nesta quarta-feira (4) parte das emendas do Senado ao projeto que prevê medidas para garantir a proteção pessoal de juízes e integrantes do Ministério Público (PL 4015/23). Foram rejeitadas 11 das 14 emendas. As demais serão votadas em data a definir.

 
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Rubens Pereira Júnior (PT - MA)
Rubens Pereira Júnior, relator do projeto – Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O projeto também torna qualificados os crimes de homicídio ou lesão corporal dolosa praticados contra membros do Ministério Público ou da magistratura em razão do exercício da função ou em decorrência dela.

No Código Penal, o homicídio qualificado prevê pena de reclusão de 12 a 30 anos, que poderá ser aplicada ainda quando o crime for cometido contra cônjuge, companheiro ou parente, inclusive por afinidade, até o terceiro grau, em razão dessa parentalidade com membros do Ministério Público ou da magistratura. Já a lesão dolosa terá aumento de pena de 1/3 a 2/3 nas mesmas situações.

O texto também considera crime hediondo o homicídio qualificado, a lesão corporal gravíssima e a lesão seguida de morte contra essas pessoas.

O relator da proposta, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), rejeitou todas as alterações aprovadas no Senado que incluíam outras categorias no rol de autoridades cujo assassinato passa a ser considerado homicídio qualificado e crime hediondo. “O texto inicialmente aprovado pela Câmara contempla o acordo político possível em torno da matéria”, disse, ao justificar a decisão.

Pereira Júnior afirmou que o projeto nasceu da luta de associações de juízes e de integrantes do Ministério Público, categorias que entraram no texto em votação no Plenário da Câmara. “Este projeto serve para cumprir o acordo com a magistratura e com o Ministério Público apenas”, explicou.

Outras categorias
Deputados da base governista e da oposição defenderam a inclusão de outras categorias na proposta. Segundo o deputado Jonas Donizette (PSB-SP), é justo aceitar as alterações do Senado para incluir a proteção aos oficiais de Justiça. “Se existe risco para o juiz e para o promotor, ele não é menor para aquele que vai bater na porta e ultimar os atos da Justiça”, disse.

Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), os oficiais de Justiça precisam ser lembrados. “Não podemos esquecer de uma categoria que está na base, na luta e na operacionalização da Justiça.”

O deputado Coronel Meira (PL-PE) afirmou que é um absurdo tratar os oficiais de Justiça de forma desigual.

Segundo a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), a execução da juíza Patrícia Aciolli, morta em 2011 por policiais que ela julgava, explicitou a necessidade da mudança legal. “É fundamental proteger o Judiciário, mas ao lado de magistrados, do Ministério Público, ali na ponta está a Defensoria, estão os oficiais de Justiça”, disse.

Defensores públicos
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) falou que, além dos oficiais de Justiça, os profissionais da Defensoria Pública precisam estar na proposta. “Os defensores entram em área de conflito entre facções criminosas, são muitas vezes ameaçados, defendem mulheres, crianças e idosos. Muitos defensores já tiveram arma no rosto, com vidas ameaçadas”, declarou.

O deputado Defensor Stélio Dener (Republicanos-RR) afirmou que não colocar o defensor no texto é uma injustiça contra a sociedade brasileira, que é defendida por esse cidadão.

Porém, o presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara, deputado Alberto Fraga (PL-DF), criticou o que ele chamou de “privilégio” para algumas categorias. “Os parlamentares são diferentes? E o lixeiro? Não somos melhores que ninguém, mas não somos menos importantes que essas categorias”, afirmou, ao citar profissionais como conselheiros tutelares, que estão fora do texto.

Segundo o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), a sociedade brasileira está cansada de privilégios, mas “proteger a vida de agentes públicos decentes é uma obrigação do Estado brasileiro”.

Fonte: Câmara dos Deputados

Comissão aprova projeto que proíbe agressor de mulher de pedir pensão alimentícia à vítima

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 523/24, que proíbe o agressor, em casos de violência doméstica e familiar, de pedir pensão alimentícia à vítima.

Audiência Pública – Inscrição do nome de Oliveira Silveira no Livro dos Heróis da Pátria. Dep. Reginete Bispo (PT - RS)

Reginete Bispo: é inaceitável a mulher agredida ter de ajudar o agressor – Renato Araújo/Câmara dos Deputados

O texto, do deputado Florentino Neto (PT-PI), insere a medida no Código Civil. A lei vigente prevê a possibilidade de pagamento de pensão alimentícia a ex-cônjuge ou ex-companheiro ou ex-companheira que não possa prover sua subsistência com o próprio trabalho.

A relatora, deputada Reginete Bispo (PT-RS), recomendou a aprovação do projeto. “Se o agressor não puder se sustentar, não será a mulher agredida que dará ajuda”, afirmou ela. “Nada mais justo do que a legislação civil passar a vedar a inaceitável possibilidade de a mulher agredida fornecer alimentos ao agressor.”

Próximos passos
A proposta ainda será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a medida precisa ser aprovada pelos deputados e pelos senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

Eficácia imediata da reforma trabalhista

A Lei 13.467/2017 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho e as Leis 6.019/1974, 8.036/1990 e 8.212/1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho.

Propõe-se examinar a eficácia no tempo das normas de natureza material previstas naquele diploma legal.

A Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, tem início de vigência depois de 120 dias de sua publicação oficial (artigo 6º), ocorrida em 14/7/2017. Desse modo, entende-se que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017.

Conforme o princípio da irretroatividade das leis, estas dispõem para o futuro, não atingindo fatos passados. O referido princípio tem como objetivo a garantia da segurança jurídica, em consonância com o artigo 5º, caput, da Constituição da República.

Nesse contexto, a Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVI, estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, ficam resguardados: os atos consumados à época da lei anterior; os direitos já integrados definitivamente ao patrimônio jurídico do titular antes da vigência da nova disposição; as questões definitivamente decididas pelos tribunais.

Ao se analisar a eficácia no tempo da norma de Direito do Trabalho, deve-se destacar que a relação de emprego tem duração continuada, ou seja, o contrato de trabalho é negócio jurídico de trato sucessivo.

A teoria do efeito imediato da norma jurídica é a que apresenta maior adequação, inclusive no Direito do Trabalho [1].

Entende-se que a nova disposição normativa tem aplicação imediata, de modo que incide sobre a relação de emprego em curso, regulando apenas os fatos ocorridos daí para frente, sem atingir eventos anteriores já consumados. Se a norma de Direito do Trabalho fosse aplicada aos fatos anteriores à sua vigência, o seu efeito seria retroativo, e não imediato.

Obviamente, o contrato de trabalho já extinto não é alcançado pela norma jurídica posterior à cessação do vínculo, mas a relação de emprego iniciada após a nova disposição normativa é por esta regulada.

Foto: Portal Brasil/Divulgação

O artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Trata-se do mesmo critério seguido pelo artigo 912 da CLT, ao prever que os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência da Consolidação das Leis do Trabalho.

O direito adquirido é aquele que integra o patrimônio jurídico da pessoa. O direito é considerado adquirido no momento em que o titular preenche os seus requisitos, podendo, assim, exercê-lo quando quiser. Logo, não se exige o seu efetivo exercício. Antes do cumprimento dos requisitos para a sua aquisição, tem-se a mera expectativa de direito.

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não há direito adquirido a regime jurídico, ou seja, de permanecer em certo regime jurídico (formado por normas jurídicas, em regra genéricas e abstratas, que compõem o ordenamento jurídico ou o Direito objetivo), mesmo depois da sua modificação legal [2].

Frise-se que as modificações decorrentes da Lei 13.467/2017 não tratam de alteração contratual imposta pelo empregador ou oriunda da vontade das partes, pois decorrem de nova determinação legislativa, o que, a rigor, afasta a incidência dos requisitos do artigo 468 da CLT quanto ao tema em estudo.

Irretroatividade

Mesmo que a nova lei seja de ordem pública, incide o princípio da irretroatividade. Desse modo, a garantia da segurança jurídica, por meio do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, deve ser observada inclusive em relação à nova disposição jurídica de ordem pública [3].

Se a Lei 13.467/2017 fosse aplicada aos fatos anteriores à sua vigência, o seu efeito seria retroativo, o que é vedado pelo artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição de 1988. Portanto, a nova disposição normativa deve incidir de forma imediata, mas não retroativa.

No caso da relação jurídica de emprego, como a sua execução se prolonga no tempo, a nova lei deve incidir de forma imediata, ou seja, quanto aos contratos em curso, aplicando-se aos fatos ocorridos posteriormente à modificação normativa, mas sem prejudicar as situações já consumadas.

A posição defendida também é confirmada pelo artigo 2.035, caput, do Código Civil de 2002, ao prever que a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor desse Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no artigo 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência desse Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

O artigo 2º da Medida Provisória 808/2017 estabelecia que o disposto na Lei 13.467/2017 aplicava-se, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes. Entretanto, a Medida Provisória 808/2017 perdeu eficácia em 24 de abril de 2018, desde a edição, por não ter sido convertida em lei (artigo 62, § 3º, da Constituição da República).

Com isso, chegou a ganhar força o entendimento de que as previsões decorrentes da Lei 13.467/2017, que estabeleçam condições de trabalho menos benéficas ao empregado, ou seja, em patamar inferior ao anteriormente estabelecido, apenas seriam aplicáveis aos contratos de trabalho pactuados a partir da vigência do referido diploma legal, em respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido (artigos. 5º, inciso XXXV, 7º, caput, da Constituição da República).

Ainda assim, no âmbito administrativo, notadamente para fins de fiscalização trabalhista, de acordo com o Parecer 00248/2018/CONJUR-MTB/CGU/AGU, de 14 de maio de 2018, aprovado pelo Ministro do Trabalho (Diário Oficial da União de 15.05.2018), “entende-se que mesmo a perda de eficácia do artigo 2º da MP 808/2017, a qual estabelecia de forma explícita, apenas a título de esclarecimento, a aplicabilidade imediata da Lei 13.467/2017 a todos os contratos de trabalho vigentes, não modifica o fato de que esta referida lei é aplicável de forma geral, abrangente e imediata a todos os contratos de trabalho regidos pela CLT (Decreto-lei nº 5.542, de 1º de maio de 1943), inclusive, portanto, àqueles iniciados antes da vigência da referida lei e que continuaram em vigor após 11/11/2017, quando passou a ser aplicável a Lei 13.467/2017”.

Apesar do exposto, a eficácia imediata da Lei 13.467/2017 deveria respeitar a norma constitucional que proíbe a redução salarial. Efetivamente, conforme o artigo 7º, inciso VI, da Constituição da República, os trabalhadores urbanos e rurais têm direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Nesse contexto, cabe lembrar a atual previsão da Súmula 191 do TST, notadamente em seu item III [4].

A respeito do tema, o Tribunal Superior do Trabalho fixou a seguinte tese para o Incidente de Recursos Repetitivos 23: “A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência” (TST, Pleno, IncJulgRREmbRep-528-80.2018.5.14.0004, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/11/2024).

Com isso, decidiu-se no sentido da limitação da condenação ao pagamento de horas in itinere [5] e do intervalo do artigo 384 da CLT [6] a 10/11/2017, antes da vigência da Lei 13.467/2017 (TST, Pleno, E-RR-528-80.2018.5.14.0004 e RR-20817-51.2021.5.04.0022, rel. min. Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/11/2024).

Cabe, assim, acompanhar os desdobramentos do referido entendimento, notadamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.


[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. p. 39-40.

[2] STF, Pleno, RE 575.089/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 24.10.2008.

[3] STF, Pleno, ADI 493/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04.09.1992.

[4] “Adicional de periculosidade. Incidência. Base de cálculo. […] III – A alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740/2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT”.

[5] O art. 58, § 2º, da CLT, com redação dada pela Lei 13.467/2017, passou a prever que o tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

[6] O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 528): “O art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei nº 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras” (STF, Pleno, RE 658.312/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 06.12.2021).

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Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, a audiência de conciliação ou mediação muitas vezes nem acontece, e pode virar mais uma discussão no processo.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação – em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o diálogo entre as partes.

artigo 334 do CPC/2015 tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma delas não compareceu.

Em situações assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos, para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC, quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização, pode resultar em nulidade do processo.

Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata

Em 2020, no julgamento do RMS 63.202, a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação, que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do artigo 334 do CPC.

Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes em resolver a questão consensualmente.

Devido às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrar mandado de segurança alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.

Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19 de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse repetitivo, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.

Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no repetitivo, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.

Fonte: STJ

Terceira Turma afasta custas processuais em embargos de terceiro que perderam objeto sem ter havido citação

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a cobrança de custas processuais em embargos de terceiro que foram extintos por perda de objeto após a parte embargada (autora na ação principal) desistir da penhora de um imóvel. De acordo com o colegiado, a exigência do pagamento seria inadequada, uma vez que o embargado nem sequer foi citado nos autos, e o embargante, por outro lado, teve seu patrimônio restringido de forma indevida.

Na origem do caso, a desistência da penhora na ação principal levou o juízo de primeiro grau a extinguir os embargos de terceiro, impondo ao embargante a obrigação de arcar com as custas processuais, sem arbitramento de honorários advocatícios.

Ele apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que a desistência se deu antes da citação nos embargos de terceiro, o que indicaria falta de resistência à pretensão do embargante. Com base no princípio da causalidade, a corte estadual avaliou que esse fato afastaria a possível atribuição de encargos sucumbenciais ao embargado.

Ao STJ, o embargante alegou, entre outros pontos, que o autor da ação principal deveria arcar com os ônus sucumbenciais dos embargos, pois foi a penhora injusta que motivou a sua oposição.

Falta de citação em embargos de terceiro impacta análise da sucumbência

A ministra Nancy Andrighi, relatora na Terceira Turma, explicou que, se os pedidos feitos nos embargos de terceiro forem julgados improcedentes, o embargante responderá pelos ônus sucumbenciais, em virtude do princípio da sucumbência (quem perdeu paga). Caso contrário, continuou, o julgador precisará analisar o contexto sob a ótica do princípio da causalidade (quem deu causa ao processo é que paga).

Segundo a ministra, esse mesmo princípio deve ser observado na hipótese de perda do objeto dos embargos de terceiro em razão de desistência da penhora nos autos principais. Nesse caso, a ministra afirmou que a parte que deu causa ao processo deve arcar com os ônus sucumbenciais.

No entanto, Nancy Andrighi alertou que a situação em análise é peculiar, pois a parte embargada não chegou a ser citada nos autos dos embargos de terceiro. “Não se revela razoável imputar à embargada o dever de arcar com os ônus sucumbenciais de processo do qual nem sequer era parte. Por outro lado, tampouco revela-se razoável imputar a referida obrigação à parte embargante, vítima de aprisionamento material indevido de seu patrimônio, se por um comportamento seu não deu causa à constrição”, destacou.

A relatora observou ainda que esse entendimento foi adotado em julgados do STJ regidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, porém segue válido sob o CPC/2015.

“Nesse contexto, merece reforma o acórdão recorrido, pois, na hipótese de desistência da penhora anterior à citação da parte embargada, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito em virtude da perda superveniente do objeto, mas sem qualquer condenação em ônus sucumbenciais”, concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ

Sobre a crise da legalidade penal e das ciências penalísticas

Uma justiça penal sem verdade e sem igualdade

Quero fazer uma reflexão de fundo sobre o estado do nosso direito penal e processual, assim como sobre nossos estudos penalísticos e processualísticos. Não sou penalista. Por isso, meu ponto de vista será externo ao nosso sistema penal e terá por objeto duas graves involuções: a crise da legalidade penal e o crescimento da desigualdade perante a lei.

A primeira involução consiste no colapso da legalidade penal e, consequentemente, da verdade processual. Trata-se de uma crise gerada pela inflação legislativa, no plano quantitativo, e pela disfunção da linguagem legal, no plano qualitativo. Estima-se que, em nosso ordenamento, existam 35 mil tipos penais e milhares de leis penais, a ponto da Corte Constitucional ter sido constrangida, na célebre decisão n.º 364 de 1988, a admitir a escusabilidade por ignorância da lei quando esta, como frequentemente ocorre, for inevitável.

A violação da linguagem penal manifesta-se, por sua vez, em uma anti-linguagem burocrática, presente, sobretudo, nos decretos legislativos, elaborados nos gabinetes administrativos, e geralmente compostos por artigos e parágrafos longos, com palavras obscuras e ambíguas e, principalmente, com inúmeras remissões a artigos e parágrafos de outras leis, criando labirintos normativos indissolúveis e incompreensíveis.

É evidente que esse colapso da legalidade penal equivale ao fracasso dos próprios pressupostos da verdade processual e, com isso, da legitimação política do Poder Judiciário: equivale ao colapso da verificabilidade e falsificabilidade em abstrato, ou seja, dos pressupostos da verdade jurídica, bem como da verificação e falsificação em concreto, ou seja, dos fundamentos da verdade factual. O resultado desse caos é o crescimento do arbítrio judicial e a perda da legitimação da jurisdição.

A segunda involução refere-se à crescente desigualdade dos cidadãos perante a lei penal. Há mais de 30 anos, vem-se desenvolvendo um direito penal da desigualdade: um direito penal mínimo e brando para os poderosos, destinado a garantir sua impunidade; e um direito penal máximo e inflexível para os pobres, acompanhado, por vezes, de uma ostentação de desumanidade, com o objetivo de obter consenso.

Recordemos as inúmeras leis em benefício de Silvio Berlusconi, um verdadeiro corpus iuris ad personam, que o governo atual, aliás, complementou com diversas normas promulgadas ou prometidas: a Lei nº 199 de 30/12/2022, que excluiu do regime de prisão rígida previsto pelo artigo 4-bis apenas os condenados por peculato, concussão e corrupção; a abolição do crime de abuso de autoridade; a limitação das interceptações; e os recorrentes esforços para limitar a independência dos juízes e, sobretudo, do Ministério Público.

Simultaneamente, deu-se vida a um direito penal desigual e desumano, informado pela lógica do inimigo, invariavelmente identificado com os sujeitos mais vulneráveis: em primeiro lugar, os migrantes, que personificam os inimigos ideais, apontados pela demagogia populista e racista como pessoas inferiores e/ou perigosas; em segundo lugar, os detentos, grande parte dos quais submetidos a dois regimes de prisão rígida, ambos, a meu ver, ilegítimos; e, em terceiro lugar, os indivíduos perigosos ou suspeitos, punidos não pelo que fizeram, mas pelo que são — migrantes, mendigos, prostitutas, dependentes químicos, pessoas em situação de rua — por meio de um crescente arsenal de medidas pessoais de prevenção.

Crise da legalidade e ciência penalística italiana

Como a cultura penalística e processualística respondeu à primeira dessas duas involuções, ou seja, à destruição da legalidade? Tenho a impressão de que, diante do “direito penal que muda”, como sugere o título de uma coleção de estudos penalísticos, e do “direito penal em transformação”, como aponta o título de uma conhecida monografia, grande parte da cultura penalística — obviamente com algumas louváveis exceções — em vez de criticar esse desvio e propor as garantias necessárias para impedi-lo, adaptou-se a ela, e por vezes, abandonou os princípios, promovendo uma espécie de regressão ao direito penal pré-iluminista.

A resposta à crise de uma cultura garantista deveria ter consistido na proposta de uma refundação da legalidade penal. Assim como, há quatro séculos, Thomas Hobbes, diante da incerteza e do arbítrio do direito premoderno, provocados pela jurisprudência caótica e desordenada dos juízes, opôs a autoridade da lei, isto é, a reserva de lei em matéria penal, hoje, diante da total incerteza e arbítrio provocados por uma legislação ainda mais caótica e desordenada, o único remédio é a refundação e o fortalecimento da legalidade.

Esse reforço, a meu ver, só pode ocorrer por meio da transformação da reserva de lei em uma reserva de código, estabelecida em nível constitucional — todas as normas e, temas de crimes, processos e penas devem estar nos códigos; nenhuma fora deles — vinculando o legislador à sistematicidade, coerência e capacidade de conhecimento do direito penal.

Somente assim é possível restaurar a sujeição dos juízes à lei e o caráter cognitivo do juízo, baseado justamente no acertamento da verdade processual. Obviamente, essa verdade não é uma verdade absoluta ou objetiva, já que apenas as teses da lógica e da matemática podem sê-lo. Trata-se, antes, de uma verdade relativa.

Precisamente, trata-se de uma verdade opinável em direito, dada a discricionariedade interpretativa que sempre acompanha o acertamento da verdade jurídica, e probabilística em fato, já que a verdade factual não pode ser demonstrada, mas apenas sustentada por uma pluralidade de confirmações e, portanto, exige, como um frágil, mas necessário substituto de uma impossível certeza objetiva, ao menos, a certeza subjetiva, ou seja, o livre convencimento do juiz.

A nossa cultura jurídica, no entanto, aceitou o caos normativo em que se transformou nosso direito penal como se fosse um fenômeno natural. Assim, renunciou, tanto à crítica de seu distanciamento dos princípios, quanto ao planejamento de garantias adequadas para tornar possível um grau aceitável de sujeição dos juízes à lei e um grau plausível de verdade processual. Respondeu a ambas as crises — a da verdade jurídica e a da verdade factual — com uma regressão epistemológica ao direito pré-moderno.

No plano da verdade jurídica e do direito penal substancial, abandonou-se a concepção cognoscitivista da jurisdição, substituída por uma concepção criacionista. O princípio auctoritas non veritas facit legem — que, se a lei é clara e inequívoca, tem como corolário o princípio veritas non auctoritas facit iudicium — foi transformado, graças também às teses cada vez mais difundidas da conexão objetiva entre direito e moral, nos princípios opostos: veritas facit legem auctoritas facit iudicium, ou seja, na ideia de que é a autoridade do juiz que cria o direito, ontologicamente fundado em sua justiça pelo menos tolerável.

Por trás dessa operação está a ideia arcaica e ilusória de uma verdade empírica objetiva, como aquela expressa na imagem do juiz “boca da lei”. Karl Popper distingue entre “verificacionistas iludidos” e “verificacionistas desiludidos”: os primeiros acreditam na possibilidade de alcançar uma verdade empírica objetiva ou absoluta; os segundos, diante da impossibilidade de alcançar essa verdade, acabam por cair no irracionalismo e no ceticismo, ou seja, na ideia de que nenhuma tese empírica é verdadeiramente sustentável.

A mesma distinção pode ser aplicada à verdade processual: os verificacionistas ou iluministas iludidos são aqueles que, tendo, como os iluministas iludidos, uma ideia da verdade processual como verdade absoluta ou objetiva e reconhecendo que tal verdade não é alcançável, caem no criacionismo, ou seja, na concepção da interpretação como a criação de um novo direito. A “interpretação criativa” é uma contradição em termos: onde há interpretação não há criação, onde há criação não há interpretação.

Por outro lado, na esfera da verdade factual e do direito processual penal, vem-se consolidando, entre alguns estudiosos, uma estranha epistemologia baseada em standards probatóriosStandard probatório é, em minha opinião, uma noção inconsistente: quer se entenda tais padrões como padrões objetivos, ou seja, retirados da livre apreciação do juiz, ou como padrões em abstrato, ou seja, independentes da singularidade do caso.

Em todos os casos, são padrões dotados de um valor probatório vinculante, cuja adoção equivale a uma regressão ao sistema de provas legais. Por mais insensata e até então minoritária, essa orientação corre o risco de ser hoje creditada à atração exercida pela aplicação da inteligência artificial à jurisdição, que, por trás da ideia de maior objetividade, imparcialidade e igualdade, ou seja, de uma justiça exata ao invés de uma justiça justa, está inevitavelmente destinada a produzir a homologação de decisões, o rebaixamento das garantias da prova e a estabilização das conotações desiguais e classistas da justiça derivadas dos precedentes judiciais.

Acrescente-se a isso a quebra do processo penal provocada pelas verdades alegadas nos chamados ritos alternativos. Esses ritos equivalem, na realidade, à negação da prova, substituída por uma troca desigual e inquisitorial entre a confissão e a redução da pena, em que a acusação tem a vantagem e, enquanto os poderosos, graças às suas defesas caras, só aceitam a pena negociada se forem culpados, os pobres são forçados a aceitá-la, embora inocentes, como um mal menor, em comparação com a pena maior que sofreriam na ausência de um advogado de defesa, durante a instrução e o julgamento.

De acordo com a bela reportagem de hoje de Malena Pastor, nos Estados Unidos, 98% das condenações resultam de acordos judiciais e apenas 2% resultam de julgamentos. Em Buenos Aires, a porcentagem de condenações resultantes de acordos judiciais é de 83%. Na Itália, graças à obrigatoriedade da ação penal, que não permite a negociação de acusações – e, não surpreendentemente, contestada pelos defensores dos privilégios – essa porcentagem é de apenas 30%.

Direito penal da desigualdade e ciência penalística italiana. Sobre o papel da cultura jurídica

Não menos grave é a involução desigual do nosso sistema punitivo, que se manifesta na legislação contra os migrantes, no aumento desumano das condições carcerárias e no desenvolvimento de um direito penal preventivo, que penaliza não o que se fez, mas o que se é. Essas involuções são acompanhadas pela adoção de um novo método legislativo: o desenvolvimento, a partir de uma lei-base, de uma série ininterrupta de normas — geralmente decretos-lei — que, gradualmente, tem agravado e tornado mais arbitrárias e desumanas as restrições aos direitos dos migrantes, as condições de vida das pessoas privadas de liberdade e os abusos na adoção de medidas preventivas.

No âmbito da imigração, a lei-base foi a lei Turco-Napolitano de 1998, que introduziu uma primeira e limitada “detenção administrativa” dos migrantes, posteriormente agravada pela lei Bossi-Fini de 2002 e atribuída à competência de juízes de paz, em vez de magistrados profissionais, por um decreto-lei de 2004.

Seguiram-se a Lei nº 94 de 2009, que introduziu o crime de entrada clandestina, conferindo ao imigrante irregular o status de “pessoa ilegal”; o Decreto-Lei Minniti de 2017, que ampliou as hipóteses de detenção administrativa e reduziu, ainda mais, as garantias no âmbito do asilo; os Decretos-Lei Salvini, que estenderam a duração da detenção administrativa para 18 meses, suprimiram a permissão de residência por motivos humanitários e ordenaram o fechamento de portos às embarcações de ONGs que resgatam migrantes naufragados no mar; e, finalmente, os Decretos Meloni-Piantedosi de 2023, destinados a impedir ou dificultar os resgates no mar.

No âmbito carcerário, o desenvolvimento de um direito punitivo desumano foi confiado ao agravamento progressivo de dois regimes de prisão rígida: o previsto no artigo 4-bis da Lei Penitenciária de 1991, reiteradamente endurecido, conhecido como “ostativo” (hostil) porque impede a concessão de permissões e benefícios de pena sem a “colaboração com a justiça”; e o regime previsto no artigo 41-bis, introduzido como medida de gestão prisional pela Lei Gozzini de 1986, mas transformado, por meio de uma longa série de leis e decretos-lei subsequentes, em uma “pena dentro da pena”, inacreditavelmente ordenada pelo ministro da Justiça, em flagrante violação à separação dos poderes e aos artigos 13 e 25 da Constituição.

O direito penal da desigualdade — como o direito penal não do fato, conforme exige o artigo 25 da Constituição, mas do autor — finalmente triunfou com o desenvolvimento de medidas preventivas: um conjunto de medidas chamadas administrativas (como a “detenção administrativa” de migrantes), para ocultar seu conflito com os princípios básicos do Direito Penal, como a legalidade e a retributividade.

Essas medidas incluem a vigilância especial, o afastamento obrigatório e o confinamento, aplicados a pessoas consideradas “perigosas” ou “suspeitas”, sem maiores especificações: os “ociosos, vagabundos, mendigos e outras pessoas suspeitas”, de acordo com a lei piemontesa de 1839, que os introduziu pela primeira vez; “as classes perigosas da sociedade”, de acordo com a Lei de Consolidação Zanardelli de 1889; os “inaptos para o trabalho sem meios de subsistência” e as pessoas “suspeitas” ou “perigosas para a ordem pública”, ou aquelas que realizam atividades contra os poderes do Estado, ou seja, antifascistas, de acordo com o texto de segurança pública Rocco de 1931; novamente, os “ociosos, vagabundos, aqueles envolvidos em tráfico ilícito” e aqueles que “habitualmente realizam atividades contrárias à moral pública e aos bons costumes”, de acordo com a lei republicana de dezembro de 1956, ampliada repetidamente nos anos seguintes, legitimada com a inclusão, entre seus destinatários, daqueles suspeitos de atividades mafiosas, e reformulada com a emissão, em 2011, de um verdadeiro código de medidas de prevenção.

A doutrina jurídica ignorou ou, quando muito, ocupou-se apenas marginalmente desse direito penal da desigualdade, que é, em sua maior parte, contrário à letra ou, pelo menos, ao espírito da Constituição. O debate público, por outro lado, voltou a sua atenção, exclusivamente, aos processos contra os poderosos, para os quais o respeito às garantias é legitimamente reivindicado. Todavia, considero um insulto à razão chamar de “garantismo” este garantismo da desigualdade e do privilégio, que ignora os horrores da prisão rigorosa, a vergonha das leis contra os migrantes e a incivilidade das medidas de prevenção.

E considero uma abdicação científica e cívica da razão a teorização do papel criativo da jurisdição e, por outro lado, a renúncia à crítica das violações dos princípios de igualdade, legalidade e retributividade, que formam a alma do garantismo e do constitucionalismo penal.

Concluo, portanto, levantando uma questão fundamental, que diz respeito ao papel e ao estatuto da ciência penalística: se ela deve apenas interpretar o direito vigente, ou, também, criticar sua ilegitimidade jurídica ou política por violação dos princípios teóricos — em grande parte constitucionalizados — do garantismo penal e processual.

Se ela deve ser um saber puramente técnico, ou deve também se questionar sobre os fundamentos de legitimação da justiça penal, com o auxílio da filosofia política, e sobre as razões da distância entre princípios e práticas punitivas, com o auxílio da sociologia do direito. A reflexão sobre os fundamentos foi a base da penalística inaugurada na Itália por Cesare Beccaria e continuada por Gaetano Filangieri, Mario Pagano, Gian Domenico Romagnosi e Francesco Carrara.

No entanto, no início do século passado, houve uma guinada, promovida pelo método técnico-jurídico de Arturo Rocco e Vincenzo Manzini, que defendia a autonomia da ciência penal em relação à filosofia e à sociologia. Mais tarde, nas décadas de 1970 e 1980, redescobriu-se a Constituição, e o garantismo foi retomado como um projeto civilizatório de refundação democrática da justiça penal.

Hoje, tenho a impressão de que se está reafirmando o antigo método técnico-jurídico. A questão que devemos voltar a debater é aquela que sempre dividiu a cultura penalística: se esta deve consistir na mera descrição técnica do direito penal vigente, ou se, a essa descrição, deve acrescentar-se, graças à clara separação entre justiça e direito gerada pelo positivismo jurídico, aquilo que chamarei de “espaço Beccaria” da teoria do garantismo, ou seja, a elaboração de princípios racionais de legitimação do direito penal como guias à crítica do direito existente e à projeção do direito futuro.

*tradução de Ana Cláudia Pinho, doutora em Direito. Professora da UFPA (Universidade Federal do Pará). Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Garantismo em Movimento”. Promotora de Justiça do MP-PA.

**texto correspondente à intervenção de Luigi Ferrajoli em uma mesa redonda sobre Justiça Penal, no congresso internacional La verità nel processo penale (Roma-Bologna, 18 a 22 de janeiro de 2024).

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Comissão aprova guarda provisória para mães vítimas de violência

A Comissão de Segurança Públicada Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2613/24, do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que altera a Lei Maria da Penha para prever a concessão da guarda provisória dos filhos à mãe vítima de violência doméstica ou familiar.

Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Delegado Caveira (PL - PA)

O deputado Delegado Caveira recomendou aprovar a proposta – Mario Agra / Câmara dos Deputados

O relator na comissão, deputado Delegado Caveira (PL-PA), concordou com o argumento de que essa guarda é imprescindível que a vítima possa tomar decisões imediatas e necessárias para o bem-estar dos filhos sem enfrentar a demora inerente ao processo judicial.

“A guarda provisória, nesses casos, configura-se como porto seguro para as crianças, evitando mudanças frequentes na custódia e mantendo rotinas nos âmbitos da educação, da saúde e de outras atividades cotidianas”, disse.

O deputado Aureo Ribeiro, autor da proposta, argumenta que alterações recentes no Código Civil e no Código de Processo Civil já permitem a guarda unilateral quando há risco de violência, mas ele avalia que o período entre a autorização das medidas protetivas e a conclusão dos processos de guarda pode deixar a família em situação de vulnerabilidade.

A concessão de tutela provisória, segundo o deputado, também visa garantir que o processo de guarda seja conduzido de maneira mais tranquila, permitindo a consideração adequada de todas as evidências antes de uma decisão final.

Próximos passos
A proposta ainda será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados