Comissão aprova pena maior para crime de perseguição contra pessoa com deficiência

A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 819/25, que aumenta a pena do crime de perseguição (também conhecido como stalking) quando a vítima for pessoa com deficiência. O texto altera o Código Penal.

A relatora, deputada Dayany Bittencourt (União-CE), recomendou a aprovação do texto. “A proposta representa avanço relevante na proteção das pessoas com deficiência, grupo historicamente vulnerável e alvo de diversas formas de violência”, disse.

Como é hoje
Atualmente, pelo Código Penal, o crime de perseguição é punido com reclusão de seis meses a dois anos e multa.

Essa pena poderá ser aumentada da metade caso a vítima seja criança, adolescente ou pessoa idosa. Agora, o projeto inclui pessoas com deficiência nessa lista.

“Apesar de a Lei Brasileira de Inclusão [antigo Estatuto da Pessoa com Deficiência] tratar da violência contra as pessoas com deficiência, o crime de stalking não aparece hoje nas hipóteses de majoração da pena”, disse o autor da proposta, deputado Alex Manente (Cidadania-SP).

Próximos passos
O projeto agora será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e depois seguirá para o Plenário. Para virar lei, terá de ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

 

Fonte: Câmara dos Deputados

CJF libera o pagamento de RPVs a mais de 94 mil beneficiárias(os)

Caberá aos TRFs, segundo cronogramas próprios, efetuar depósito dos recursos financeiros

O Conselho da Justiça Federal (CJF) liberou aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) os limites para o pagamento de Requisições de Pequeno Valor (RPVs), autuadas em abril de 2025, para 77.724 processos, com 94.737 beneficiárias(os). A soma atinge o valor de R$ 1.147.709.454,55. 

Do total geral, R$ 960.366.519,54 correspondem a matérias previdenciárias e assistenciais, a exemplo de revisões de aposentadorias, auxílio-doença, pensões e outros benefícios, que somam 46.358 processos, com 58.860 beneficiárias(os). 

O Conselho esclarece que cabe aos TRFs, segundo cronogramas próprios, o depósito dos recursos financeiros liberados. Com relação ao dia em que as contas serão efetivamente liberadas para saque, esta informação deve ser buscada na consulta de RPVs disponível no portal do Tribunal Regional Federal responsável. 

RPVs em cada região da Justiça Federal: 

TRF da 1ª Região (sede no DF, com jurisdição no DF, GO, TO, MT, BA, PI, MA, PA, AM, AC, RR, RO e AP)  
Geral: R$ 274.110.763,12  

TRF da 2ª Região (sede no RJ, com jurisdição no RJ e ES)  
Geral: R$ 155.198.515,35  
Previdenciárias/Assistenciais: R$ 111.279.602,00 (4.906 processos, com 6.798 beneficiárias(os) 

TRF da 3ª Região (sede em SP, com jurisdição em SP e MS)  
Geral: R$ 84.534.010,56  
Previdenciárias/Assistenciais: R$ 67.671.591,99 (2.291 processos, com 2.960 beneficiárias(os) 

TRF da 4ª Região (sede no RS, com jurisdição no RS, PR e SC)  
Geral: R$ 403.310.069,13  
Previdenciárias/Assistenciais: R$ 336.046.607,84 (17.553 processos, com 23.955 beneficiárias(os) 

TRF da 5ª Região (sede em PE, com jurisdição em PE, CE, AL, SE, RN e PB)  
Geral: R$ 10.205.102,46  
Previdenciárias/Assistenciais: R$ 5.356.564,46 (324 processos, com 607 beneficiárias(os) 

TRF da 6ª Região (sede em MG, com jurisdição em MG)  
Geral: R$ 220.350.993,93  
Previdenciárias/Assistenciais: R$ 200.571.148,58 (10.217 processos, com 12.081 beneficiárias(os) 

Fonte: CJF

Posted in CJF

Projeto aumenta pena para feminicídio cometido contra a própria mãe

O Projeto de Lei 908/25 aumenta em 1/3 a pena para o crime de feminicídio ser for praticado contra a mãe, com dolo (intenção) ou dolo eventual – ou seja, quando o agente assume o risco de produzir o resultado e não age de modo a evitá-lo. 

Em análise na Câmara dos Deputados, o texto inclui a medida no Código Penal, que prevê pena de reclusão de 20 a 40 anos para o crime de feminicídio. 

“O homicídio de ascendente direto, especialmente da própria mãe, caracteriza-se como uma das condutas de maior reprovação social, por violar não apenas o direito à vida, mas também os valores morais e afetivos que estruturam o núcleo familar”, justifica o deputado Messias Donato (Republicanos-ES), autor da proposta.

O texto também inclui o homicídio doloso contra a mãe, por sua condição materna, na Lei dos Crimes Hediondos

“O ordenamento jurídico já prevê qualificadoras para o crime de homicídio que o tornam hediondo, contudo, a proposta visa assegurar a aplicação da penalidade máxima nos casos em que a vítima for a mãe do agente, independentemente de outras circunstâncias qualificadoras”, afirma Messias Donato. 

“A inclusão expressa dessa conduta como crime hediondo resulta em maior rigor no cumprimento da pena, vedando a concessão de benefícios penais como anistia, graça, indulto e progressão de regime nos termos da legislação vigente”, acrescenta. 

Próximos passos
A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania; e pelo Plenário. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada por deputados e senadores.

Fonte: Câmara dos Deputados

Ideias fora do lugar e realismo mágico: relações de trabalho sob a ótica do STF

“… Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria. Filha do medo, a raiva é mãe da covardia.
Ou doido sou eu que escuto vozes. Não há gente tão insana, nem caravana, nem caravana, nem caravana do Arará. Não há!”
Chico Buarque

O Brasil é um país de eternas contradições socioeconômicas, sendo o contexto trabalhista atual um bom exemplo. Se, por um lado, o debate público se aquece em torno de pautas sociais — como a proposta de redução da jornada de trabalho sem corte de salário e o eventual abandono do regime 6×1 —, o Poder Executivo divulga recordes de desemprego e geração de postos formais, além da expansão da massa salarial e, simultaneamente, lança um robusto programa de crédito consignado destinado aos empregados regidos pela CLT. Por outro lado, na contracorrente, o Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar o Tema 1.389, cujo desfecho pode consolidar a “pejotização” (neologismo criado para designar uma espécie de simulação contratual fraudulenta de natureza trabalhista, tributária e previdenciária) como modalidade contratual ordinária, facultando ao empregador o uso de modalidades contratuais que escapam do arcabouço protetivo constitucionalmente assegurado ao trabalho humano subordinado.

Assim, o país celebra avanços na formalização e na renda, mas, contraditoriamente, ensaia permitir que a própria formalidade se torne opcional — quadro que revela a complexa tensão entre políticas públicas e programas de inclusão socioeconômica de quem vive da oferta de sua mão de obra no mercado econômico (o que é o caso da esmagadora maioria da população) e tendências de desregulação do mercado de trabalho.

Ao admitir que o labor pessoal — ainda que caracterizado por inequívoca subordinação — seja juridicamente enquadrado como prestação de serviços entre pessoas jurídicas, de natureza civil ou comercial, bastando a existência de um simples contrato formal escrito ou até mesmo verbal nesse sentido, o Estado transfere a definição do regime jurídico nas relações de trabalho às forças do mercado e pavimenta o caminho para a consolidação da “pejotização” como padrão hegemônico de contratação e gestão de mão de obra.

Não há dúvidas de que a lógica da competição por custos fará da “pejotização” o caminho dominante, seja pelos benefícios tributários e previdenciários da pessoa jurídica, seja pela supressão de encargos trabalhistas, a exemplo da desconsideração do salário-mínimo e da jornada máxima legal, bem como da possibilidade de ruptura contratual sem ônus, o que reduz o preço do serviço e pressiona empresas concorrentes a adotar o mesmo modelo para preservar margens de ganhos.

O fenômeno tende, portanto, a generalizar-se não porque seja mais eficiente em termos de produtividade — como alegam alguns analistas, ao defenderem o argumento exclusivo da livre iniciativa —, mas sim porque explora distorções fiscais, como a exoneração do FGTS e da cota patronal ao INSS, e transfere riscos econômicos ao trabalhador — inclusive aqueles relacionados à saúde, higiene e segurança no trabalho, que são questões de ordem pública, com forte impacto na saúde da população e no sistema de saúde pública financiado por toda a coletividade.

Os efeitos e as contradições, portanto, transcendem o domínio juslaboral e invadem as esferas tributária, previdenciária, de saúde pública etc.

Um importante ponto a se destacar é que, enquanto o debate fiscal vem dominando a pauta da política econômica do Estado brasileiro nos últimos anos, com a implementação de sucessivas medidas voltadas à busca do equilíbrio fiscal, se prevalecer, no âmbito do STF, o entendimento que torna a contratação empregatícia algo opcional para o empregador — a despeito da presença concreta da subordinação jurídica na relação de trabalho subjacente —, haverá um significativo impacto sobre a arrecadação tributária [1].

Sem liberdade de escolha

Imperioso registrar que não se trata de negar legitimidade ao trabalho autônomo genuíno, historicamente reconhecido pelo ordenamento (artigo 593 do CC e seguintes, entre outros), nem mesmo deixar de se valorizar e fomentar a livre iniciativa e o empreendedorismo criativo, inovador e gerador de riquezas, vantajoso para o contexto socioeconômico como um todo e alçado à condição de fundamento da República, ao lado dos valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV, da CF/88).

Formas autônomas de contratação são e sempre foram — legítimas, por meio de pessoa física ou jurídica (a exemplo do MEI, da sociedade unipessoal, da participação societária e das cooperativas). O que não se admite é a fraude, a simulação, pois não é dado às partes escolher, de forma fictícia, a modalidade contratual quando esta não corresponde à realidade dos fatos. Ou seja, as coisas são o que são. Um contrato — sobretudo de adesão —, ainda que pretenda, não tem força para se sobrepor à realidade e transmutar a natureza da relação fático-jurídica pela simples vontade das partes, sobretudo em contextos de assimetria. Por exemplo, se a relação é consumerista no plano fático, não se transmuta em relação civil comum apenas pela nomenclatura formal atribuída no contrato de adesão. É o óbvio ululante, diria Nelson Rodrigues!

O alvo da crítica, portanto, é a simulação de autonomia quando estão presentes os elementos típicos do emprego — pessoalidade, habitualidade, onerosidade e, sobretudo, subordinação jurídica (artigos 2º e 3º da CLT). Tal disfarce infringe toda lógica jurídica construída no Ocidente desde a eclosão da revolução industrial e das revoluções liberais, voltada à proteção e promoção dos valores sociais do trabalho e à garantia de condições dignas labor. Ainda, contraria os comandos da Resolução n. 198 da OIT, de 2006, que preceitua que os países-membros devem formular políticas públicas nacionais para combater fraudes contratuais nas relações de trabalho, capazes de ocultar o verdadeiro status legal do empregado e privá-lo de devida proteção (item 4, alínea ‘b’).

No curso dos dois últimos séculos, as razões filosófica, política e jurídica do Ocidente, pressionadas por conflitos sociais e reivindicações populares, tiveram como um de seus principais desafios a pauta relativa à construção e ao aprimoramento de instituições políticas e de arranjos jurídico-normativos capazes de proteger a pessoa humana e sua dignidade, sobretudo no mundo do trabalho, por meio da garantia de condições de trabalho dignas, justas e humanas. Isso porque, para a grande maioria das pessoas, a inserção socioeconômica e o acesso aos recursos materiais que possibilitam sua subsistência, capacitação para o exercício das liberdades fundamentais, desenvolvimento de suas potencialidades e realização de seus projetos de vida somente são viabilizados por meio da oferta de sua mão de obra no mercado econômico para o exercício de um trabalho juridicamente subordinado/economicamente dependente (artigos 2º e 3º da CLT).

Assim, a dignidade da pessoa humana impõe, como consequência lógica, a tutela jurídica do trabalhado, voltada à preservação da higidez física e psíquica do trabalhador e à harmonização de suas esferas de vida pessoal e profissional.

Nada obstante, como demonstram os marcos históricos, essa arquitetura protetiva não se ergueu exclusivamente para melhorar as condições de vida e de trabalho dos assalariados. O complexo normativo laboral também foi concebido como instrumento de contenção de greves, de neutralização de radicalismos políticos e de prevenção de perdas produtivas — objetivos voltados à pacificação social e à criação de um ambiente econômico favorável à livre-iniciativa, à segurança jurídica e aos investimentos de longo prazo.

As normas trabalhistas, portanto, geram externalidades positivas para o desenvolvimento sustentável da economia. Regras de saúde, higiene e segurança, por exemplo, internalizam riscos que, se lançados sobre a coletividade, resultariam em custos elevados de absenteísmo, rotatividade e pressão sobre o sistema de saúde. De igual modo, a remuneração mínima e o tempo livre assegurados por limites de jornada, intervalos, férias e licenças alimentam a demanda agregada e fortalecem o mercado interno – situação atualmente vivenciada no país, a propósito.

Paradoxo

Nesse contexto, é valioso destacar que o entendimento adotado pelo STF no julgamento de determinadas reclamações constitucionais, ao buscar legitimar práticas fraudulentas e promover a generalização da “pejotização” no mercado de trabalho, caso venha a ser efetivamente consolidado com força vinculante, teria o condão de reavivar, no Brasil do século 21, a teoria contratual vigente nos países centrais do capitalismo nos primórdios da Revolução Industrial — séculos 18 e 19. Nessa lógica, não há dúvidas de que o maior prejudicado seria o trabalhador mais vulnerável, pois, quanto maior a vulnerabilidade de uma pessoa humana, menores são seu poder de barganha e suas condições de pactuação no mercado de trabalho.

Ao adotar a ficção de que trabalhador e empregador se encontram em igualdade de condições para pactuar o regime jurídico aplicável, o STF corre o risco de instituir a figura paradoxal do trabalhador “subordinado, porém autônomo” — um oxímoro que ignora as desigualdades materiais inerentes ao mercado de trabalho brasileiro. Sob essa premissa formalista, bastaria um “contrato de adesão” para conferir ao empregado suposta liberdade de optar, junto com o tomador de serviços, entre o estatuto protetivo do emprego (artigos 2º e 3º da CLT) e o direito civil‑comercial.

Na prática, porém, a subordinação continuaria presente e, com ela, a assimetria de poder de barganha, de modo que a escolha declarada seria apenas retórica. Tal construção esvazia o princípio da primazia da realidade (artigo 9º da CLT), viola a indisponibilidade de direitos trabalhistas (artigo 7º, caput, CF/88) e subverte a lógica do valor social do trabalho (artigo 1º, IV), pois transfere ao indivíduo o ônus de renunciar — sob pressão econômica — às garantias mínimas que a própria Constituição consagra como fundamentais e de ordem pública.

Cabe, aqui, um parêntese para registrar que, no Direito do Trabalho, a premissa jurídica de igualdade de condições entre as partes para negociação contratual manifesta-se no âmbito do direito coletivo, no qual se presume a existência de equilíbrio de poder de barganha entre empresas e sindicatos. Nem mesmo nesse contexto o STF admitiu liberdade contratual irrestrita, tendo resguardado os direitos absolutamente indisponíveis do trabalhador das negociações, conforme tese firmada no Tema 1.046. E mais, a supressão da premissa da hipossuficiência nas relações desiguais abriria, também, as portas para a subversão do Direito do Consumidor, em nome da modernização – ou tal flexibilização ficaria restrita apenas ao ramo juslaboral?

Proteção x informalidade

Retomando o raciocínio, cumpre esclarecer que, nas principais democracias capitalistas, a regra hegemônica de organização do mercado de trabalho continua sendo a proteção jurídica do emprego subordinado — seja por meio de legislação estatal, seja por convenções coletivas negociadas com sindicatos robustos. As economias avançadas demonstram que é possível conciliar, com eficiência, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. Alemanha, França, países nórdicos e mesmo os Estados Unidos, por exemplo, sustentam alta competitividade em meio à revolução digital, sem abrir mão de pisos salariais, limites de jornada, normas de proteção à saúde e direitos coletivos.

Nesses países, o emprego protegido constitui a principal política pública de inclusão socioeconômica, funcionando como eixo de distribuição de renda, financiamento da seguridade social e ancoragem democrática das relações produtivas. Assim, longe de ser obstáculo à modernidade, o estatuto protetivo do trabalho revela‑se a forma mais abrangente de valorização do trabalho humano e mitigação das desigualdades que fragilizam tanto a dinâmica do mercado quanto a estabilidade das instituições [2].

Dados da OCDE confirmam que, quanto maior o grau de desenvolvimento econômico, social e institucional, menor tende a ser a parcela de trabalhadores que atuam por conta própria, sem cobertura trabalhista ou previdenciária. Nos países‑membro mais avançados, o emprego subordinado — regulado por lei ou por convenções coletivas — predomina amplamente: a participação de autônomos na força de trabalho gira em torno de 6 % a 9 % em economias como Estados Unidos (≈ 6,1 %), Canadá (≈ 6,8 %), Dinamarca (≈ 8,4 %), Alemanha (≈ 8,6 %) e Austrália (≈ 8,7 %). Na outra ponta do espectro, países com menor renda per capita e alta informalidade apresentam taxas substancialmente mais elevadas: Colômbia (≈ 46,6 %), México (≈ 31,4 %), Grécia (≈ 31 %) e Turquia (≈ 28,6 %).[3]

O Brasil situa‑se mais próximo desse segundo grupo. Estimativas recentes indicam que cerca de 33 % da população economicamente ativa trabalha na condição de autônomo, com limitada – ou nenhuma – proteção social.

Esse contraste sugere que economias modernas, democráticas e competitivas não se sustentam sobre trabalho desprotegido. Ao contrário, elas combinam alta produtividade com redes sólidas de seguridade, favorecendo a estabilidade macroeconômica, uma arrecadação tributária robusta e a redução das desigualdades. Onde a autogestão da própria força de trabalho se torna a regra — seja por necessidade, seja por incentivos fiscais distorcivos —, ampliam‑se a volatilidade de renda, o subfinanciamento previdenciário e as barreiras à inclusão social. No Brasil, por exemplo, é nítida a diferença remuneratória e de acesso a benefícios entre o emprego formal e o informal.

Não se trata, aqui, de esmiuçar as múltiplas causas desses indicadores, mas de realçar um ponto: a simples expansão do trabalho autônomo não se traduz, por si só, em ganhos de produtividade, tampouco em melhores indicadores socioeconômicos. Modernizar as relações laborais — se o propósito for genuinamente promover progresso econômico e inclusão social — não equivale a desmontar o arcabouço protetivo forjado, ao longo de séculos, em favor do trabalho subordinado.

Ao contrário, as nações mais desenvolvidas demonstram que competitividade e inovação convivem com redes robustas de proteção ao emprego. Nesses países, a busca do pleno emprego permanece a pedra angular das políticas públicas de trabalho, exatamente como preconiza o artigo 170 da Constituição. Desproteger o vínculo de emprego, portanto, não é sinônimo de modernidade, mas um atalho perigoso que pode aprofundar desigualdades e discriminações, fragilizar a própria base econômica e radicalizar a política, com viés antidemocrático.

Assim, ao flertar com esse caminho, o Brasil se desgarra de toda lógica jurídico-normativa que rege as democracias constitucionais ao redor do mundo — sobretudo nos principais centros capitalistas do Ocidente. Não bastasse o fato de o Brasil ter sido recordista no tráfico de escravizados africanos e o último país das Américas a abolir a escravidão, além de figurar entre os mais desiguais do planeta, agora estamos prestes a ser também os primeiros a inaugurar uma nova ordem trabalhista que, a despeito do discurso da modernização, irá tão somente reavivar a lógica jurídica de séculos passados.

Sob o rótulo de modernização, o Brasil insiste em perpetuar — para lembrar Roberto Schwarz — ideias fora do lugar. O resultado é um futuro que ostenta verniz emancipador, mas repete velhos padrões. Nesse universo invertido, reformas de dantesco impacto social deixam de ser papel do Legislativo e passam a ser ditadas pelo Judiciário; teses de repercussão geral afastam‑se dos fatos e da “ratio” do precedente; reclamações constitucionais, antes circunscritas à defesa da autoridade da corte, tornam‑se atalhos para reexaminar provas, em afronta ao princípio da aderência estrita; e a simulação contratual e a fraude passam a ser fontes de um “realismo mágico”, em que as coisas já não são o que elas são, o fantasioso se naturaliza no ordinário.

Entre o forte e o fraco, a lei converte‑se em instrumento de opressão do fraco, enquanto a suposta liberdade contratual se apresenta como redentora; “pejotização” confunde-se com terceirização lícita; e, após 80 anos, à Justiça do Trabalho já não cabe sequer averiguar a presença dos elementos fáticos‑jurídicos da relação de emprego, pois a sua competência se esvai. Assim, o passado ressurge travestido de vanguarda.

Nessa toada, se a prerrogativa constitucional de proteger e valorizar o trabalho — sobretudo o trabalho subordinado – ceder diante da “pejotização” legitimada, operar-se-á uma inversão digna da crítica de Ferdinand Lassalle. Em sua lição, a Constituição só possui eficácia e força normativa quando exprime os “fatores reais de poder”. Aqui, porém, esses fatores deslocam o centro normativo das relações de trabalho para o mercado, reduzindo a Carta de 1988 a mera “folha de papel”. Simultaneamente, aquilo que antes era justamente “papel” — o contrato individual, submisso à primazia da realidade — ganha estatura quase soberana: a letra contratual passa a definir, por si, o estatuto jurídico do trabalhador, tornando a própria realidade fática “inócua” ou, pior, juridicamente irrelevante. Assim, o Direito do Trabalho deixa de ser contrapeso para se conformar aos novos poderes econômicos, enquanto a Constituição social, através de uma decisão de seu órgão guardião, perde a função de limitar o poder e garantir igualdade material.


[1] Para se ter uma ideia, em nota técnica, pesquisadores da FGV apresentaram dados para concluir que “se supusermos que, dado o avanço da pejotização e com o passar dos anos, 50% da força de trabalho com carteira assinada passe a atuar como conta própria formal, isso é, seja pejotizada, a perda arrecadatória seria da ordem de 384 bilhões de reais por ano. Esta redução corresponde a 16,6% da arrecadação federal de 2023, a valores do ano passado”. Estudo disponível no seguinte endereço eletrônico https://eaesp.fgv.br/sites/eaesp.fgv.br/files/impactos_da_pejotizacao_sobre_a_arrecadacao_de_tributos_-_final.pdf , acessado em 28 de abril de 2025, às 15hs. Nesse sentido, ver também o estudo do IPEA, disponível em https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8327/1/cc_38_nt_desequilibrio_financeiro_MEI.pdf , acessado em 14 de maio, às 16hs.

[2] Para aprofundamento no tema, ver GODINHO DELGADO, M. .; GUSTAVO DE SOUZA ALVES, L. .; PINHEIRO VILAR LIMA, M. . O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O OBJETIVO CONSTITUCIONAL DA BUSCA DO PLENO EMPREGO. Res Severa Verum Gaudium, Porto Alegre, v. 7, n. 1, 2022. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/resseveraverumgaudium/article/view/128972. Acesso em: 14 maio. 2025.

[3] Dados disponíveis no seguinte endereço eletrônico https://www.oecd.org/en/data/indicators/self-employment-rate.html?oecdcontrol-d7f68dbeee-var3=2023 .

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Projeto isenta taxistas e motoristas de aplicativo de tarifa por estacionamento rotativo público

O Projeto de Lei 414/25 isenta taxistas e motoristas de aplicativo do pagamento de tarifas por estacionamento rotativo pago em vias públicas. O texto, em análise na Câmara dos Deputados, altera o Código de Trânsito Brasileiro.

“Pela proposta, a isenção não será taxativa. A prefeitura, conforme a conveniência e a realidade local, poderá conceder o benefício ou impor tempo limite”, explicou o autor, deputado Saulo Pedroso (PSD-SP).

“É fato que esse modelo de estacionamento rotativo pago democratiza o uso do espaço público”, afirmou o parlamentar. “No entanto, é necessário permitir que certos veículos possam estacionar gratuitamente ou com condições especiais”, acrescentou.

Próximos passos
O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Viação e Transportes; de Desenvolvimento Urbano; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para virar lei, terá de ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Comunhão parcial não resulta, por si, em responsabilidade por dívida de cônjuge

A 3ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, manter decisão que negou o pedido de penhora de valores depositados em conta bancária da ex-esposa de um devedor. O colegiado reafirmou o entendimento de que o regime de comunhão parcial de bens não implica, por si só, responsabilidade solidária pelas dívidas do outro cônjuge.

 

No caso, um posto de combustíveis buscava executar dívida contraída em 2023, durante o casamento do executado. A tentativa de penhora visava a conta bancária de sua ex-mulher, com o argumento de que os frutos da sociedade conjugal beneficiaram ambos e, portanto, a obrigação deveria recair sobre o patrimônio comum do casal.

O colegiado, no entanto, entendeu que o fato de a dívida ter sido contraída durante o casamento não autoriza, de forma automática, o bloqueio de valores em nome de terceiro não participante do processo de execução.

Segundo o relator, desembargador Gilberto Gomes de Oliveira, não se admite a penhora de ativos financeiros da conta bancária pessoal de terceiro não integrante da relação processual em que se formou o título executivo, só pelo fato de ser casado com a parte executada sob o regime da comunhão parcial de bens.

O voto destacou ainda que o regime adotado pelo casal não torna o cônjuge solidariamente responsável, de forma automática, por todas as obrigações contraídas pelo parceiro, e que impor a penhora a um terceiro que não participou do processo de conhecimento viola o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

A decisão se alinha ao entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. Conforme precedentes citados, “a ausência de indícios de que a dívida foi contraída para atender aos encargos da família, despesas de administração ou decorrentes de imposição legal torna incabível a penhora de bens pertencentes ao cônjuge do executado”.

A turma reforçou que, para viabilizar a constrição de valores, seria necessário comprovar que a conta da ex-esposa era usada pelo devedor para movimentações financeiras ou ocultação de patrimônio — o que não foi demonstrado nos autos.

In casu, embora a parte agravante alegue que as dívidas foram contraídas durante a constância do casamento, firmado sob o regime da comunhão parcial de bens, a então esposa não figura como demandada nos autos do cumprimento de sentença originário”, escreveu o relator. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SC.

Processo 5083697-48.2024.8.24.0000

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Os precatórios e o Arcabouço Fiscal entre despesas e dívidas

Debate-se nas esferas político-financeiras do governo federal se o montante a ser pago de precatórios em 2027 deve ou não compor o limite de despesas a serem consideradas para fins do Arcabouço Fiscal (Lei Complementar 200/23).

Faço logo o spoiler: o montante de precatórios a serem pagos, em 2027 ou em qualquer outro ano, não deve compor a base de despesas para fins do Arcabouço Fiscal.

Justifico a conclusão já exposta. O Arcabouço Fiscal visa controlar as despesas públicas, porém existem despesas que são controladas pelo Poder Executivo e outras que não são. Dois exemplos demonstram esse fato.

O montante a ser pago em razão do serviço da dívida pública não é controlado pelo Poder Executivo, até mesmo porque a taxa de juros é determinada pelo Banco Central, que é autônomo inclusive para essa função, e esse valor não pode ser reduzido ou contingenciado pelo Executivo. Corretamente esse montante não é computado para fins do Arcabouço Fiscal.

Da mesma forma, o montante a ser pago de precatórios não é uma despesa que possa ser controlada pelo Poder Executivo, pois sua quantificação e determinação é são efetuadas pelo Poder Judiciário, fruto de milhares de ações que tramitaram em suas Varas durante décadas e, finalmente, transitaram em julgado, formando coisa julgada contra o Tesouro Nacional. Nem mesmo ao Poder Legislativo é autorizado modificar o valor que o Poder Judiciário remete para inserção na Lei Orçamentária Anual (LOA) – a quantia que tiver sido estabelecida pelo Judiciário deve ser inserida pelo Poder Legislativo na LOA sem nenhuma alteração. Sequer pode haver veto do Poder Executivo referente a essa rubrica ao sancionar a LOA. Tal qual referente ao serviço da dívida pública, o montante de precatórios não pode ser reduzido ou contingenciado pelo Poder Executivo.

Nestes casos o Poder Executivo encontra-se de mãos atadas, nada podendo fazer para reduzir a despesa. O montante do serviço da dívida pública não é computado para fins dos limites de despesas do Arcabouço Fiscal, porém o montante a ser pago de precatórios é computado para fins do Arcabouço Fiscal. Qual a razão do tratamento desigual? Nenhuma.

No caso da dívida pública os credores estão comprando títulos emitidos pelo Tesouro, representativos da dívida pública no mercado. São credores do Tesouro Nacional aquelas pessoas que possuem em sua carteira LTNs ou qualquer outro dos títulos ofertados pela União (conferir no site do Tesouro Direto).

No caso dos precatórios, os credores são os sofridos litigantes que durante décadas disputaram em juízo contra o poder público e venceram a demanda perante o Poder Judiciário, em suas múltiplas instâncias, tornando-se credores do Tesouro Nacional por meio de um título específico denominado precatório, que é uma decisão judicial transitada em julgado – algo que o sistema jurídico considera seguríssimo.

Os credores dos precatórios são tão credores quanto aqueles que possuem títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional. O devedor é o mesmo. Por qual motivo a dívida pública representada por títulos emitidos pelo Tesouro Nacional deve ter um tratamento diferente daquela que é emitida pelo Poder Judiciário contra o Tesouro Nacional? A resposta é: não há razão para discriminação. O Tesouro Nacional deve pagar a todos os credores de forma igual.

Não se trata de falta de dinheiro para pagar a uns e não pagar a outros. Não é esse o ponto – dívidas devem ser honradas e há dinheiro para pagar a todos esses credores, sendo que a dívida financeira é milhares de vezes superior que a dívida judicial.

Ocorre que o tratamento contábil é distinto no âmbito do Arcabouço Fiscal, pois ficam fora da limitação de despesas os credores financeiros (dos títulos emitidos pelo Tesouro), e ficam dentro dessa limitação de despesas os credores judiciais (dos títulos emitidos pelo Poder Judiciário contra o Tesouro = precatórios). Não há razão para esse tratamento distinto, o que justifica a conclusão exposta no spoiler, de que o montante de precatórios a serem pagos, em 2027 ou em qualquer outro ano, não deve compor a base de despesas para fins do Arcabouço Fiscal.

Relembre-se que em dezembro de 2023 o STF, por meio da ADI 7.064, relatada pelo ministro Luiz Fux, declarou formalmente inconstitucional parte das Emendas Constitucionais 113 e 114, que criavam o efeito bola de neve no pagamento de precatórios, o que era perverso (um resumo das discussões pode ser lido aqui). A decisão do STF desarmou parcialmente a bomba relógio  pois foi afastada a limitação orçamentária até 2026, o que fará retornar o problema em 2027. O problema foi adiado e não resolvido em definitivo.

O nó é conceitual, pois foi afirmado pelo STF (item 19 da ementa do acórdão da ADI 7.064) que “A dívida pública em matéria de Direito Financeiro, é sempre decorrente ou (i) de empréstimos realizados pelo ente público ou (ii) da emissão de títulos. As dívidas decorrentes do pagamento de condenações judiciais não são classificadas como dívida pública, mas como despesas”.

O problema está nesse ponto, pois precatórios não são despesas, são dívidas, como consta da última frase do próprio texto, que ora grifado: “As dívidas decorrentes do pagamento de condenações judiciais não são classificadas como dívida pública, mas como despesas”.

Isso decorre de uma interpretação imprecisa do artigo 30, §7º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece: “Os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites”.

A expressão-chave para o entendimento do artigo 30, §7º da LRF é dívida “consolidada”, não havendo referência na norma de que precatórios são despesas. O contraponto à expressão dívida consolidada é dívida flutuante, prevista no artigo 92 da Lei 4.320/64, que inclui no inciso II “os serviços da dívida a pagar”.

Os precatórios que devem ser pagos no exercício corrente são dívida flutuante (Lei 4.320/64, artigo 92, II) e os precatórios que não foram pagos no exercício corrente se constituirão como dívida consolidada (LRF, artigo 30, §7º). Em nenhum momento consta que precatórios são despesas; precatórios são dívidas, ora consideradas como flutuantes (caso sejam pagas no exercício corrente), ora consideradas como consolidadas caso não tenham sido pagas no exercício corrente, mas acumuladas para pagamento nos exercícios posteriores.

A confusão ocorre em razão de uma distinção entre a análise jurídica (que busca a essência dos atos/fatos, comumente denominada de natureza jurídica) e a análise contábil (que busca evidenciar a execução orçamentária e financeira do ente público).  Juridicamente os precatórios a serem pagos no exercício corrente tem a natureza jurídica de dívida flutuante, porém, contabilmente, para fins de execução orçamentária, seu pagamento quita uma despesa realizada no exercício corrente.

Em síntese: o pagamento dos precatórios no exercício corrente quita contabilmente uma despesa, caracterizada juridicamente como uma dívida flutuante.

Na leitura do item 19 da ementa do acórdão da ADI 7.064 deveria constar um parêntesis, que ora aponho: “As dívidas decorrentes do pagamento de condenações judiciais não são classificadas (contabilmente) como dívida pública, mas como despesas”. A partir daí seria necessário distinguir a análise jurídica da contábil, ambas corretas, mas com diferentes abordagens, devendo prevalecer o Direito no julgamento dessa matéria, pois trata da essência dos atos ou fatos jurídicos.

É necessário colocar um ponto final nesse debate em prol da segurança jurídica no país, incluindo a dos credores, sejam os do mercado financeiro, sejam os judiciais, pois isso impacta no risco-país e, consequentemente, na taxa de juros e em toda a economia.

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Câmara dos Deputados instala grupo de trabalho para sistematizar leis federais

 

A Câmara dos Deputados instala nesta terça-feira (20) o grupo de trabalho de consolidação das leis. Na ocasião, também será apresentado o plano de trabalho do colegiado, que é coordenado pelo deputado Weliton Prado (Solidariedade-MG) e tem como relator o deputado Duarte Jr. (PSB-MA).

A reunião ocorrerá às 13h40, no plenário 15.

A Lei Complementar 95/98 determina que a consolidação das leis consistirá na integração de todas as normas pertinentes a determinado tema em um único diploma legal. A intenção é suprimir dispositivos conflitantes, repetitivos e desatualizados.

O grupo de trabalho da Câmara vai congregar a legislação federal para oferecer um sistema normativo mais acessível e integrado.

O novo colegiado terá 21 integrantes titulares.

Fonte: Câmara dos Deputados

Os novos contornos das imunidades e prerrogativas parlamentares

Condenação do deputado Nikolas Ferreira por atuação na tribuna

No último dia 30 de abril, foi amplamente noticiada a condenação do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) ao pagamento de indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo por causa por transfobia, em razão de discurso proferido no dia 8 março de 2023 no plenário da Câmara dos Deputados, quando usou uma peruca loira e se apresentou como “deputada Nikole”.

A condenação se deu no âmbito de ação civil pública (processo 0720279-88.2023.8.07.0001, junto à 12ª Vara Cível de Brasília/TJDFT) proposta pela Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Família Homotransafetivas (ABRAFH), que pediram na inicial a condenação do réu ao pagamento de R$ 5 milhões, à publicação de retratação e a frequentar e implementar medidas e mecanismos de compliance antidiscriminatório.

Os dois últimos pedidos foram julgados improcedentes, sob o fundamento de que a indenização já constitui uma resposta razoável à ofensa cometida, que a retratação representaria uma indevida incursão na esfera do direito à liberdade de manifestação do pensamento do réu, forçando-o a expressar algo contrário às suas convicções, e que a imposição de elaborar e implementar políticas públicas em prol da comunidade LGBTI+ seria afrontar os mesmos princípios democráticos que a decisão busca proteger.

No que interessa aos temas tratados nesta coluna, importa destacar os fundamentos apresentados a respeito da imunidade parlamentar.

Em síntese, a decisão considerou: a) que a imunidade parlamentar não é absoluta, mas relativa, exigindo-se o nexo de implicação recíproca (ou seja, que as palavras tenham sido exteriorizadas no exercício do mandato ou estejam relacionadas à função legislativa); b) que o discurso não pode ser utilizado para praticar ou incitar conduta criminosa, ofender, ou difundir ódio contra grupos vulneráveis, porque essas são manifestações abusivas da liberdade de expressão, de acordo com a jurisprudência do STF (citou o HC 82424 – caso Ellwanger); e c) que os dizeres proferidos pelo réu desbordaram dos limites da livre manifestação do pensamento e constituíram verdadeiro discurso de ódio, destacando – nas palavras usadas pela própria decisão – que “A ausência de termos explicitamente ofensivos não desnatura o cunho discriminatório do discurso, evidenciado desde a utilização de uma peruca para escarnecer a transição de gênero por que passam os indivíduos transsexuais até a propagação da ideia de que a existência de mulheres trans põe em risco direitos como a segurança e a liberdade de mulheres cisgênero” e que a gravidade do pensamento transfóbico já foi reconhecida pelo STF no julgamento da ADO 26.

A decisão teve claro cunho pedagógico (objetivo de desestimular novas manifestações semelhantes). Como visto, cita a jurisprudência do STF, que, como sabido, vem retirando conteúdos do âmbito de proteção da imunidade. O perigo é que o precedente acabe incentivando ações indevidas contra manifestações políticas legítimas (que não incitam ódio ou discriminação). A questão aqui precisará ser lida com o possível desfecho do julgamento do Tema 650 da Repercussão Geral do STF comentado mais à frente.

Primeira suspensão cautelar do mandato de um deputado

No último dia 6 de maio, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados (COETICA), aprovou o pedido de suspensão cautelar do mandato, por 3 meses, do deputado Gilvan da Federal (PL-ES) por ato incompatível com o decoro parlamentar. Foi a primeira vez que se aplicou tal suspensão cautelar, que tinha sido incluída pela Resolução 11/2024, da Câmara dos Deputados. Assim que publicada, a novidade foi comentada aqui.

À época, chamou-se a atenção para a legitimidade exclusiva da Mesa, cujo pedido precisaria ser dirigido exclusivamente a um deputado contra quem a própria Mesa tenha protocolizado representação por quebra de decoro parlamentar. Esse desenho tende a despolitizar a medida (que está fora do alcance dos partidos) e tornar o expediente sumamente raro (em consequência, sempre que a Mesa pedir, a tendência é que o pedido seja aceito). Se for assim, menos mal, dado que a suspensão cautelar do mandato acaba funcionando na prática como uma antecipação de pena.

No caso concreto, a Mesa apresentou a Rep 1/2025 contra o deputado, por suas falas dirigidas à deputada licenciada e atual ministra das Relações Institucionais Gleisi Hoffmann (PT-PR). O episódio se deu na forma de bate-boca com o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) durante a sessão da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado no último dia 29 de abril. Para não se reproduzir o conteúdo ofensivo aqui, simplesmente remete-se à leitura do que está na própria representação.

Após a repercussão negativa da sua fala, prontamente, o deputado reconheceu que se excedeu; pediu desculpas da tribuna em plenário “a quem se sentiu ofendido” e ao presidente da Câmara; disse que não recorreria da decisão do COETICA para o plenário (nos termos do art. 15, § 4º, do RICD); e se comprometeu a mudar de comportamento.

A providência da suspensão cautelar no caso se mostrou adequada para frear o emprego de tons ofensivos, em claro excesso verbal, que, como sabido, é uma forma de abuso de prerrogativa parlamentar, sobretudo quando caracterizada violência política de gênero, com falas direcionadas a colegas detentoras de mandato eletivo. Por mais que pareça contraditório com o que se defende nesta Defensor Legis, já restou constatado que os principais ataques às parlamentares mulheres partem de dentro da Casa Legislativa a que pertencem e no (suposto) uso da imunidade parlamentar. Então, ou se reconhece esse conteúdo como proibido, ou não será possível punir a violência política de gênero.

Sem prejuízo, por outro lado, convém enfatizar a importância de que seja a própria Casa Legislativa a instância adequada para a repressão dos parlamentares que atentam contra o decoro. Nada obstante, a deputada licenciada já apresentou uma queixa-crime no STF, autuada como Pet 13.767, distribuída ao ministro Gilmar Mendes. A queixa-crime pede a condenação do deputado por injúria e difamação, com o aumento de pena do art. 141, inciso III, do CP (crime cometido na presença de várias pessoas ou por meio que facilite a divulgação), e o pagamento de R$ 30 mil por danos morais.

Embora não tenham sido mencionados os tipos de violência política (art. 359-P do CP, inserido pela Lei 14.197/2021), nem de violência política de gênero (art. 326-B do Código Eleitoral, inserido pela Lei 14.192/2021), o cerne da acusação é, precisamente, a tentativa de diminuir a trajetória da querelante e difamar uma mulher parlamentar com termos pejorativos, o que desborda a crítica política e caracteriza misoginia e violência política e de gênero.

Início do julgamento do Tema 950 da Repercussão Geral do STF

No último dia 7 de maio, começou o aguardado julgamento do Tema 950 da Repercussão Geral do STF, cujo leading case é o RE 632.115. A Defensor Legis já tinha comentado sobre o tema em texto passado. Discute-se a existência de responsabilidade civil do Estado em face de pronunciamentos protegidos pela imunidade parlamentar. Houve apenas a leitura do relatório e sustentações orais, que foram brilhantes.

Entretanto, mesmo sem que os votos tivessem sido apresentados, as manifestações dos ministros já deram pistas preocupantes de para onde o julgamento poderá ir. Por um lado, os ministros pareceram se encaminhar para reconhecer que, nas situações em que as falas estejam acobertadas pela imunidade parlamentar, não há que se falar em responsabilidade civil, seja do próprio parlamentar, seja do Estado (no caso, do ente a que pertencer a Casa Legislativa).

Todos pareceram concordar com a ideia básica muito bem explicada pela advogada-geral do Senado, Dra. Gabrielle Tatith Pereira, de que irresponsabilidade civil do ente público é uma consequência jurídica necessária da imunidade parlamentar.

Por outro lado, entretanto, os ministros insistiram na ideia de que a imunidade parlamentar não é absoluta e que, quanto aos fatos não acobertados pela imunidade parlamentar, “alguém” seria responsável civilmente, seja o parlamentar, seja o Estado. O ministro Flávio Dino, aproveitando a distinção realizada pela advogada-geral do Senado, afirmou a necessidade de distinguir entre a responsabilidade por atos administrativos (em que o Estado responde objetivamente) e a responsabilidade por atos jurisdicionais (que privilegia a responsabilidade subjetiva), dando a entender que esse seria o melhor caminho para lidar com a responsabilidade pelos atos tipicamente políticos/legislativos.

Na sequência, vieram falas dos ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia registrando que a responsabilização por atos não acobertados pela imunidade seria necessária para impedir o abuso de prerrogativas parlamentares, evitar a impunidade e garantir o acesso à jurisdição pelo ofendido (art. 5º, inciso XXV, da CF), um direito fundamental.

A ministra chegou a cogitar de uma responsabilidade solidária entre Estado e agente. O ministro Barroso manifestou sua preocupação com o excesso de responsabilização civil do Estado, e que a responsabilidade subjetiva deveria ser a regra, e a objetiva, a exceção.

Enfim, como vai-se vendo, tudo aponta para o caminho que será tomado pela Corte: admitir a responsabilidade civil da pessoa do próprio parlamentar por suas opiniões, palavras e votos que venham a ser considerados não acobertados pela imunidade do art. 53, caput, da CF. Qual a consequência desse entendimento? Não é difícil antever: sem saber ao certo quando suas falas serão consideradas não abrangidas pela imunidade, o parlamentar passará à autocensura, deixando de exprimir a opinião e a vontade dos eleitores que o elegeram.

Além disso, vão proliferar ações judiciais como a que resultou na condenação acima comentada do deputado Nikolas Ferreira. Essas processos equivalerão a uma reedição da indústria do dano moral e, sendo ajuizadas na primeira instância (já que desprovidas de natureza penal, sem a incidência do foro por prerrogativa de função previsto no art. 53, § 1º, da CF), acabarão arruinando de vez a imunidade material e a liberdade de expressão.

Só resta torcer para que esta colunista esteja errada e o julgamento tome o que se reputa ser o melhor rumo, reconhecendo a irresponsabilidade civil total, seja do Estado, seja do parlamentar, para opiniões, palavras e votos emitidos pelos parlamentares.

Sustação da ação criminal no caso Ramagem e a decisão do STF

Também no último dia 7 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), com 315 votos a favor, 143 contra e 4 abstenções. A sustação foi promulgada na forma da Resolução 18/2025. Também foi a primeira vez em que a Câmara dos Deputados aplicou o art. 53, § 3º, da CF.

O assunto tinha sido adiantado aqui, ocasião em que se adiantou o principal ponto controvertido: parte dos crimes imputados na acusação teriam se iniciado antes da diplomação e supostamente não poderiam ser sustados.

Inclusive, como se noticiou aqui, depois o ministro Zanin chegou a enviar um ofício ao presidente Hugo Mota (Ofício eletrônico nº 5836/2025, de 24 de abril de 2025), registrando que somente os crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e de deterioração de patrimônio tombado poderiam ser sustados, já que apenas esses teriam sido cometidos após a diplomação. Ou seja, não seria possível paralisar a ação quanto aos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.

Pois bem. Quanto a essa questão, convém conhecer a fundamentação trazida pelo relator da SAP 1/2025, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), para a sustação integral da AP 2.668 (fruto do recebimento da Pet 12.100) em curso no STF, de forma integral. O parecer pode ser lido aqui.

Em síntese, a argumentação do relator para sustar integralmente foi a seguinte: os crimes imputados teriam se consumado ou perdurado após sua diplomação em 16 de dezembro de 2022, especialmente considerando que o crime de organização criminosa tem natureza permanente e que os crimes de abolição violenta e golpe de estado têm como elementares do tipo a violência ou grave ameaça, cuja ocorrência se deu apenas no 8 de janeiro de 2023, após a diplomação do deputado em 16 de dezembro de 2023.

Além disso, o relator mencionou a fragilidade dos indícios na denúncia contra o deputado, sugerindo que ele pode estar sendo submetido a uma “provável injustiça”. Registrou, ainda, uma “antiga e provável antipatia pessoal e política” por parte de um ministro do STF que, em 2020, suspendeu a nomeação do hoje deputado para o cargo de Delegado-Geral da Polícia Federal.

Outro aspecto que chamou a atenção na Resolução 18/2025 foi a sua amplitude: em relação a todos os crimes imputados ao deputado, bem como aos corréus, na medida em que a denúncia foi unificada contra todos os denunciados e também recebida de forma unida. O relator justificou melhor esse ponto na sessão do plenário.

No ponto, afirmou que a escolha de denunciar todos em conjunto foi do próprio Ministério Público, que a decisão de receber a denúncia da mesma forma foi do STF, que o art. 53, § 3º, da CF prevê a sustação do “andamento da ação”, e que não lhe caberia “restringir direito constitucional onde não cabe restrição”.

Nada obstante a solidez técnica da argumentação legislativa e a ampla maioria parlamentar a favor as sustação, no último dia 10 de maio, a 1ª Turma do STF decidiu por unanimidade manter a ação penal contra do deputado Ramagem quanto aos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado democrático de Direito. A discussão se deu em sede de questão de ordem (AP 2.668-QO).

Entendeu-se que a ação penal deveria prosseguir normalmente em relação aos demais crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, pois somente os de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado teriam sido cometidos após a diplomação, e que a sustação tem caráter personalíssimo, aplicando-se só ao parlamentar no exercício do mandato – pelo próprio enunciado da Súmula 245 do STF, “A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa” –, de modo que a Resolução 18/2025 da Câmara dos Deputados é inaplicável e não tem eficácia jurídica em relação aos corréus não parlamentares.

Pronto. Acabou o espaço da coluna e também a discussão sobre a sustação.

Fonte: Jota

Comprador de imóvel em leilão não deve pagar dívida tributária anterior

O comprador de um imóvel em leilão não é responsável por dívida tributária anterior ao arremate do bem.

Com esse entendimento, a Vara Única de Porangaba (SP) declarou inexigíveis os impostos referentes aos exercícios anteriores ao arremate de um imóvel em hasta pública. A decisão atendeu ao pedido dos compradores em um mandado de segurança.

Segundo o processo, os autores arremataram o bem em fevereiro de 2022. Embora a carta de alienação tenha sido expedida no mesmo dia, foi registrada na matrícula em setembro daquele ano.

Os compradores relatam que pediram a guia para o pagamento dos tributos devidos a partir da data da arrematação. A prefeitura informou, porém, que só emitiria uma guia com o valor total dos débitos, incluindo os exercícios de 2017 a 2022.

A administração municipal invocou o artigo 130 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172 /1966), que prevê a sub-rogação de créditos tributários relativos a impostos sobre a propriedade do imóvel ao comprador.

Cobrança indevida

Em sua decisão, o juiz Mário Henrique Gebran Schirmer argumentou que o parágrafo único do próprio artigo 130 do CTN ampara o pedido dos compradores. O dispositivo afirma que “no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço”, o que isenta o adquirente de responsabilidade por débitos preexistentes.

Conforme lembrou o julgador, o entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema 1.134, que fixou a seguinte tese: “Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

“Portanto, assiste razão ao impetrante, na medida em que o adquirente não pode ser responsabilizado pelo pagamento dos débitos tributários relativos a fatos imponíveis ocorridos em momento anterior à realização da hasta pública”, escreveu o julgador.

Os advogados Paulo Roberto Athie Piccelli e Alessandra Kawamura, do escritório Paulo Piccelli e Advogados Associados, representaram os compradores do imóvel.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1000971-76.2024.8.26.0470

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