Julgamento sobre redes sociais será retomado no dia 4 de junho no STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para o dia 4 de junho a retomada do julgamento sobre a responsabilização das redes sociais pelos conteúdos ilegais postados pelos usuários.

O julgamento foi interrompido em dezembro do ano passado por um pedido de vista do ministro André Mendonça, que devolveu o processo para julgamento nesta semana. 

O Supremo julga a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

De acordo com o Artigo 19 da lei, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, as plataformas só podem ser responsabilizadas pelas postagens de seus usuários se, após ordem judicial, não tomarem providências para retirar o conteúdo.

Até o momento, três ministros já proferiam seus votos sobre a questão.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, votou pela responsabilização parcial das plataformas. Para o ministro, as redes devem retirar postagens com conteúdo envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia. Pela proposta, a medida deve ser tomada após as empresas serem notificadas pelos envolvidos.

Contudo, no entendimento de Barroso, a remoção de postagens com ofensas e crimes contra a honra dos cidadãos só pode ocorrer após decisão judicial, ou seja, como ocorre atualmente. 

Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux também votaram a favor da responsabilização das plataformas. De acordo com os ministros, as plataformas devem retirar, após notificação extrajudicial, conteúdos considerados ilegais, como mensagens com ataques à democracia, incitação à violência, racismo, entre outras.

Entenda

O plenário do STF julga dois processos que discutem a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Na ação relatada pelo ministro Dias Toffoli, o tribunal julga a validade da regra que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos. O caso trata de um recurso do Facebook para derrubar decisão judicial que condenou a plataforma por danos morais pela criação de perfil falso de um usuário.

No processo relatado pelo ministro Luiz Fux, o STF discute se uma empresa que hospeda um site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar sem intervenção judicial. O recurso foi protocolado pelo Google.

Fonte: EBC

Criminalistas contestam visão do STF sobre ocultação de cadáver como crime permanente

O Plenário do Supremo Tribunal Federal se prepara para decidir se a Lei de Anistia também alcança os delitos de ocultação de cadáver cometidos por agentes da ditadura militar — muitos dos quais permanecem sem solução. A ideia é estabelecer se a anistia se aplica a um crime entendido pelos ministros como permanente, mas uma corrente de advogados criminalistas considera que a corte parte de um pressuposto equivocado: segundo esse grupo, a ocultação de cadáver é, na verdade, um crime instantâneo.

Em fevereiro, o STF reconheceu que a discussão tem repercussão geral, ou seja, a tese estabelecida servirá para situações semelhantes nas demais instâncias da Justiça. O julgamento, que ainda não tem data marcada, trata da “possibilidade, ou não, de reconhecimento de anistia a crime de ocultação de cadáver (crime permanente), cujo início da execução ocorreu antes da vigência da Lei da Anistia, mas continuou de modo ininterrupto a ser executado após a sua vigência”.

A Lei de Anistia, de 1979, perdoou delitos cometidos por militares durante o regime de exceção. Ela abrange crimes políticos e a eles conexos ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Crimes permanentes, no entanto, iriam além do período acobertado pela norma, uma vez que eles continuam sendo cometidos.

“No crime permanente, a ação se protrai no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei de Anistia”, disse o ministro Flávio Dino na sessão em que o Supremo reconheceu a repercussão geral do caso.

Escondeu, acabou

Porém, na visão de Fernanda Tórtima, mestre em Direito Penal pela Universidade de Frankfurt, na Alemanha, a ocultação de cadáver, embora tenha efeitos permanentes, é um crime instantâneo — ou seja, é praticado em um único instante e não se prolonga no tempo.

Ela explica que o Código Penal descreve a conduta de ocultar o cadáver, e não de mantê-lo oculto. Assim, uma vez que o corpo é escondido, o autor do crime não está mais praticando a conduta.

Helena Regina Lobo da Costa, professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), tem a mesma interpretação: “O crime é instantâneo de efeitos permanentes. Ocultar é a conduta proibida, ou seja, esconder. Não é manter oculto”.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça já entendeu dessa forma em 2020. Na ocasião, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do caso analisado, afirmou que a intenção da ocultação é esconder o corpo de forma temporária. Assim, considerá-la um crime permanente iria de encontro à finalidade da lei.

“Afirmar que a ação de ocultar cadáver é permanente somente seria possível quando se depreendesse que o agente responsável espera, em um momento ou outro, que o objeto jurídico venha a ser encontrado”, afirmou o magistrado.

A ocultação está prevista no artigo 211 do Código Penal, junto aos delitos de destruição e subtração de cadáver. Segundo Paciornik, não há dúvida de que essas outras duas condutas são crimes instantâneos.

Fernanda Tórtima destaca que quem oculta um cadáver pode, ao menos em determinados casos, indicar onde está o corpo. Pela lógica adotada pelo Supremo, a permanência do crime está relacionada à vontade do autor de não indicar onde está o cadáver.

No entanto, de acordo com a advogada, por essa interpretação, os crimes patrimoniais — como roubo, furto e estelionato — também deveriam ser considerados permanentes, pois o patrimônio permanece subtraído enquanto o autor do delito não o devolve.

Nesses casos, o criminoso pode, mas não quer devolver o que tomou de outra pessoa. Mas isso não torna permanente o crime de furto, por exemplo. Os delitos patrimoniais, em regra, são considerados instantâneos.

Ao reconhecer a repercussão geral do julgamento, os ministros do STF também se basearam em documentos e normas de Direito Internacional que tratam o desaparecimento forçado como crime permanente. Mas Fernanda Tórtima ressalta que essa conduta é diferente da ocultação de cadáver e sequer é criminalizada no Brasil.

O problema da anistia

Em entrevista recente à revista eletrônica Consultor Jurídico, o criminalista Antonio Pedro Melchior, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), também defendeu que “não é possível tratar o crime de ocultação de cadáver como um crime de natureza permanente, como aponta a importante doutrina do professor Juarez Tavares”. Segundo ele, “é, na verdade, um crime instantâneo”.

Melchior ressaltou que isso não significa concordância com a anistia: “O fato de essa anistia ter sido aprovada é uma das causas pelas quais o povo brasileiro não superou, como deveria, o seu passado autoritário. Nunca deveria ter sido feita”.

Mas “não é torturando a dogmática que vamos alcançar nossos objetivos”, completou ele. Na visão do advogado, o fato de uma anistia equivocada existir “não deveria ser enfrentado com teses jurídicas de consistência questionável”.

O caso concreto levado ao STF diz respeito a uma denúncia feita em 2015 pelo Ministério Público Federal contra dois tenentes-coronéis do Exército por homicídios qualificados e ocultação de cadáveres durante a Guerrilha do Araguaia — movimento armado organizado por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) nas proximidades do Rio Araguaia na década de 1970. Um dos militares já morreu.

A primeira instância da Justiça Federal do Pará rejeitou a denúncia com base na Lei de Anistia. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão, e o MPF recorreu.

Do cadáver ao dinheiro

A principal preocupação de Fernanda Tórtima é com a possível “transposição” do entendimento do Supremo sobre a ocultação de cadáver para a lavagem de dinheiro, um crime que também envolve o ato de ocultar.

Lei de Lavagem de Dinheiro criminaliza a conduta de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.

Segundo a criminalista, vários tribunais já tratam a lavagem de dinheiro como um crime permanente, o que, na sua visão, é equivocado. Ela vê perigo no precedente a ser estabelecido pelo STF, pois teme que qualquer pessoa possa ser presa em flagrante se estiver “na posse do bem ‘lavado’”.

Assim, alguém poderia ser preso em flagrante ao ser acusado, por exemplo, de comprar um apartamento com dinheiro “lavado”. Isso dificultaria a defesa.

Em precedente de 2017, a 1ª Turma do Supremo já reconheceu a lavagem de dinheiro como um crime permanente. No caso em questão, houve movimentações do dinheiro de origem ilegal em contas no exterior durante o período da ocultação.

Por outro lado, Helena Lobo da Costa acredita que não há como “transmutar” esse raciocínio para a ocultação de cadáver, pois, nesse crime, o autor não segue checando se o corpo continua escondido.

“Não tem nada que a gente possa equiparar por analogia a uma movimentação de conta bancária”, diz a professora. “São situações que têm as suas particularidades.”

Premissa insuperável?

Embora o STF já tenha tratado a ocultação de cadáver como um crime permanente ao reconhecer a repercussão geral da discussão, o constitucionalista Ademar Borges, professor da pós-graduação em Direito do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), explica que isso pode ser revisto no julgamento de mérito.

“Os ministros têm ampla liberdade, seja para revisar a premissa adotada no reconhecimento da repercussão geral, como também para eventualmente fixar uma tese geral ampla (de que os crimes permanentes estão fora do alcance da Lei da Anistia), mas deixar de aplicá-la ao caso concreto (por entender que o crime específico não é permanente)”, esclarece.

Apesar disso, Borges entende que a revisão da premissa já adotada pelos ministros “parece pouco provável nesse contexto específico”.

Diferentes visões

A premissa do STF encontra respaldo em outra corrente de interpretação. Guilherme de Souza Nucci, desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defende que o verbo “ocultar” diz respeito a condutas permanentes.

Para ele, enquanto o agente estiver escondendo algo, é possível “perpetuar a consumação” do delito.

A ocultação de cadáver significa esconder o corpo e ferir o “sentimento de respeito aos mortos”, pois a sociedade tem interesse em garantir a conduta ética de enterrar ou “dar um fim digno” aos mortos, segundo Nucci. Enquanto o corpo estiver oculto, não há enterro digno.

O ministro aposentado Celso de Mello, ex-presidente do Supremo, também já defendeu à ConJur que, “enquanto não se descobrir o local do sepultamento”, o crime continua “projetando-se no tempo, precisamente ante o seu caráter de permanência”.

ARE 1.501.674

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STF julga validade de regras internacionais em sequestro de crianças

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode retomar nesta quarta-feira (28) o julgamento da validade de regras sobre o sequestro internacional de crianças. As normas estão previstas na Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil em 2000.

O processo que trata da questão está na pauta do plenário da Corte, mas ainda não há confirmação de que será chamado para julgamento. 

No Brasil, as regras da convenção são alvo de questionamentos por permitirem a entrega de crianças e adolescentes a pais que viverem no exterior mesmo após denúncias de violência doméstica. A situação envolve principalmente mulheres que retornam ao Brasil com os filhos para fugir de episódios de violência e são acusadas pelo ex-companheiro de sequestro internacional de crianças.

As regras de Haia foram contestadas no STF pelo antigo partido DEM em uma ação protocolada em 2009. Para a legenda, o retorno imediato de crianças ao país de origem, principal regra da convenção, deve respeitar as garantias constitucionais brasileiras do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A legenda afirma que a Justiça brasileira determina o retorno imediato de crianças, após ser acionada por pais ou países signatários da norma internacional sem investigação prévia sobre a condição dos menores e as razões pelas quais elas foram trazidas ao Brasil pelas mães.

Em maio do ano passado, a Corte ouviu as sustentações orais das partes envolvidas.

Fonte: EBC

Imóvel não deve ser alienado sem que haja intimação do devedor

A alienação de um bem imóvel só pode ocorrer se a intimação do devedor for feita pessoalmente. Com esse entendimento, o juiz Thiago Rangel Vinhas, da Vara Federal Cível e Criminal de Formosa (GO), anulou a execução de um imóvel por um banco.

No caso, uma mulher financiou um imóvel e deixou de pagar algumas parcelas por causa de dificuldades financeiras. O banco credor, então, iniciou o processo de execução do bem e o colocou em leilão. Em seguida, a devedora buscou a Justiça, alegando que não foi devidamente intimada sobre a penhora.

Questionado, o banco se defendeu dizendo que todo o procedimento foi feito de forma legal. O juiz destacou que a inadimplência do devedor autoriza a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas disse que devem ser observados os requisitos legais, como a intimação pessoal. E o ônus de provar que o procedimento foi feito devidamente, disse o magistrado, é da instituição financeira.

Como, no caso, o credor não anexou provas da intimação, o juiz classificou como verdadeiros os fatos narrados pela autora e anulou a execução extrajudicial.

“Após a consolidação da propriedade, o credor fiduciário deve promover a alienação do bem em leilão extrajudicial, no prazo de 30 dias, observado o disposto no § 2º-A do artigo 27 da Lei 9.514/1997, que exige comunicação prévia ao devedor sobre as datas, horários e locais dos leilões, inclusive por endereço eletrônico, com o intuito de garantir o exercício do direito de preferência”, escreveu o juiz.

“A inércia do banco, nesse ponto, atrai a incidência do artigo 373, II, do CPC, impondo-lhe o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora. Assim, reputam-se verdadeiros os fatos narrados na exordial. A ausência de prova inequívoca da intimação pessoal invalida o procedimento de consolidação da propriedade fiduciária e, por conseguinte, todos os atos posteriores, inclusive os leilões eventualmente realizados.”

O advogado Daniel Pimenta Queiroz defendeu a autora da ação.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1002560-45.2024.4.01.3506

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Câmara aprova projeto que eleva pena por homicídio de profissional de saúde

Câmara dos Deputados aprovou proposta que aumenta a pena de homicídio praticado contra profissional de saúde no exercício de sua profissão ou em decorrência dela. A pena padrão de homicídio, de reclusão de seis a 20 anos, passa a ser de 12 a 30 anos. O texto segue agora para o Senado.

O Projeto de Lei 6749/16, de autoria do ex-deputado Goulart, foi aprovado nesta terça-feira (27/5) com mudanças feitas pelo relator, deputado Bruno Farias (Avante-MG). Ele incluiu esse crime na lista dos hediondos, assim como os de lesão corporal de natureza gravíssima e lesão seguida de morte.

Será considerado hediondo ainda esse crime de lesão se atingir cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até o terceiro grau em razão do vínculo.

Quanto aos crimes de lesão, as penas de reclusão de dois a cinco anos são aumentadas de um terço a dois terços se forem de natureza grave, gravíssima ou seguidos de morte. Nesse caso, o aumento valerá também se o crime for contra profissionais de educação no exercício de sua função ou em decorrência dela.

Para o crime de constranger alguém por meio de violência ou grave ameaça, com pena de detenção de três meses a um ano, e para o de incitação pública ao crime (detenção de três a seis meses), o projeto prevê aumento de pena em dobro caso praticados contra profissionais de saúde no exercício de suas funções ou em decorrência dela.

Injúria e desacato

Tanto se for contra profissionais de saúde ou contra profissionais de educação no exercício de suas funções, ou em decorrência dela, o texto aumenta as penas para os seguintes crimes:

— Aumento de um terço nas penas de detenção por injúria, calúnia ou difamação;

— Aumento em dobro na pena de detenção de um a seis meses para o crime de ameaça; e

— Aumento em dobro na pena de detenção de seis meses a dois anos por desacato a funcionário público.

O relator afirmou que é preciso assegurar a integridade física e mental dos profissionais de saúde. “Um trabalhador inseguro, desrespeitado ou emocionalmente abalado terá mais dificuldade em exercer suas funções com a atenção, o cuidado e a empatia necessários”, disse ele. “Valorizar quem cuida é um passo necessário para a construção de uma sociedade mais saudável e solidária.”

Farias afirmou que a mesma lógica deve ser aplicada aos profissionais de educação. “Garantir a integridade física e mental, valorizar a profissão e fortalecer a qualidade do ensino fazem parte de princípios essenciais para a efetivação do direito à educação segura e proteção dos educadores.”

Com informações da Agência Câmara.

Prazo de 30 dias para reparo de produto defeituoso não afeta direito ao ressarcimento integral de danos materiais

O carro do autor da ação ficou 54 dias parado na oficina à espera de peças, e a Quarta Turma decidiu que ele tem o direito de ser indenizado pelos danos comprovadamente sofridos desde o primeiro dia.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo de 30 dias do artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não limita a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor, o qual deve ser ressarcido integralmente por todo o período em que sofreu danos materiais.

Na ação de danos materiais e morais ajuizada contra uma montadora e uma concessionária, o autor afirmou que comprou um carro com cinco anos de garantia e que, em menos de 12 meses, ele apresentou problemas mecânicos e ficou 54 dias parado nas dependências da segunda empresa ré, devido à falta de peças para reposição.

O caso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) decidir que, além da indenização por dano moral, o consumidor tinha o direito de ser indenizado pelos danos materiais apenas em relação ao período que excedeu os primeiros 30 dias em que o carro permaneceu à espera de reparo. A corte local se baseou no parágrafo 1º do artigo 18 do CDC.

CDC não afasta responsabilidade integral do fornecedor

O relator na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, disse que o CDC não exclui a responsabilidade do fornecedor durante o período de 30 dias mencionado no dispositivo, mas apenas dá esse prazo para que ele solucione o defeito antes que o consumidor possa escolher a alternativa legal que melhor lhe atenda: substituição do produto, restituição do valor ou abatimento do preço.

O ministro destacou que o prazo legal “não representa uma franquia ou tolerância para que o fornecedor cause prejuízos ao consumidor nesse período sem responsabilidade alguma”.

De acordo com o relator, uma interpretação sistemática do CDC, especialmente em relação ao artigo 6º, inciso VI – que trata do princípio da reparação integral –, impõe que o consumidor seja ressarcido por todos os prejuízos materiais decorrentes do vício do produto, sem limitação temporal.

“Se o consumidor sofreu prejuízos em razão do vício do produto, fato reconhecido por decisão judicial, deve ser integralmente ressarcido, independentemente de estar dentro ou fora do prazo”, completou.

Consumidor não pode assumir risco em lugar da empresa

Antonio Carlos Ferreira comentou que uma interpretação diversa transferiria os riscos da atividade empresarial para o comprador, contrariando a lógica do sistema de proteção ao consumidor. Conforme apontou, o CDC busca evitar que a parte mais fraca arque com os prejuízos decorrente de defeitos dos produtos.

O ministro ressaltou, por fim, que “este entendimento não deve ser interpretado como uma obrigação genérica dos fornecedores de disponibilizarem produto substituto durante o período de reparo na garantia. O que se estabelece é que, uma vez judicialmente reconhecida a existência do vício do produto, a indenização deverá abranger todos os prejuízos comprovadamente sofridos pelo consumidor, inclusive aqueles ocorridos durante o prazo do artigo 18, parágrafo 1º, do CDC”.

Leia o acórdão no REsp 1.935.157.

Fonte: STJ

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Esquerda punitiva e intimação por edital de decisão de medida protetiva

Durante muito tempo, prevaleceu a percepção de que a pauta do punitivismo advinha, predominantemente, de discursos de políticas criminais da direita, especialmente dos movimentos de “lei e ordem” (law and order).

Mas coube à professora Maria Lúcia Karam, em meados de 1996, publicar um precioso ensaio, intitulado “A esquerda punitiva” [1]. Ali, Karam nos provoca a refletir que também há punitivismo em certas políticas criminais da esquerda. É dizer, a ideologia repressora possui vida própria para além de posições à direita ou à esquerda.

Pois bem, posteriormente, Karam revigora o texto em um livro [2], atualizando as pautas punitivistas da esquerda dos últimos anos. E ali se inclui a questão do mau tratamento à violência doméstica pelo sistema penal brasileiro.

Noutra perspectiva, é possível complementar a crítica com a abordagem que Zaffaroni [3] fez ao tratar, no seu indispensável “O inimigo no Direito Penal”, do “autoritarismo cool”, aquele autoritarismo “legal”, “maneiro”, que, por ser assim, se apresenta acima de todas as críticas, “além do bem e do mal”. Então, Zaffaroni nos ensina que este “autoritarismo cool” é popularesco, desmerece a técnica e se vale de um discurso fácil para, rechaçando as garantias constitucionais, nos convencer que: neste campo aqui, tudo pode!

Mas não! A Constituição não permite pretensões jurídicas absolutas, nem mesmo a favor dos mais vulneráveis. Em toda pretensão, há de haver um limite, orientado pelas garantias constitucionais!

Intimação via edital

Neste contexto, visando a suprir a necessidade de intimação de decisões de medidas protetivas para sujeitos não encontrados, o enunciado nº 43 do Fonavid (Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica) regulamentou a modalidade via edital, com a seguinte redação: “ENUNCIADO 43: Esgotadas todas as possibilidades de intimação pessoal, será cabível a intimação por edital das decisões de medidas protetivas de urgência.”

Aqui merece ressalva a banalização da utilização de modalidade de intimação por edital na seara criminal, na medida em que se trata, em essência, de uma intimação ficta, que geraria uma presunção de ciência. A rigor, presunção não é nada além de uma mera ficção. E a ficção, quando produz efeitos jurídicos drásticos — como a presunção de ciência da medida protetiva — no campo penal, o faz, via de regra, com feições autoritárias.

Pois bem, para além da incerteza da ciência através da intimação ficta, faz-se necessária a análise das possíveis repercussões cautelares e dogmático-penais.

No tocante às repercussões cautelares, eventual “descumprimento” da medida protetiva não pode servir, exclusivamente com base na cientificação via edital, de base para o agravamento cautelar, sobretudo quando se trata de fundamento à prisão preventiva. Este entendimento foi seguido no julgamento do habeas corpus pelo Tribunal de Justiça do Paraná: 0002588-22.2024.8.16.0000 Curitiba, Relator: Mauro Bley Pereira Junior, Data de Julgamento: 24/02/2024, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 26/02/2024.

Descumprimento de medida protetiva

Já no que diz respeito às repercussões penais, aqui a situação se apresenta de maneira igualmente sensível, na medida em que o artigo 24-A, da Lei 11.340/06 tipifica o descumprimento de medida protetiva, contando com um substancial agravamento do preceito secundário do tipo a partir da Lei nº 14.994/24 (de detenção de três meses a dois anos, para reclusão de dois a cinco anos, e multa).

Neste contexto, imputações de prática do crime do artigo 24-A, calcadas na mera intimação por edital, carecem de materialidade, na medida em que a modalidade editalícia não é medida minimamente segura para atestar a ciência da obrigatoriedade do cumprimento de medida protetiva, notadamente por ser exigido, no aludido tipo penal, o dolo como elemento subjetivo. Entendendo por este caminho, destaca-se o julgamento da Apelação Criminal, pelo TJ-SP, de nº 1503617-91.2022.8.26.0269 Itapetininga, relator: Marcelo Gordo, Data de Julgamento: 26/05/2023, 13ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 26/05/2023.

Desde a perspectiva aqui abordada, a respeito do populismo penal como resposta à violência doméstica, é importante ressaltar que acontece de as partes envolvidas, não raro, voltarem, consensualmente, a se relacionar, mesmo após as medidas protetivas. Não obstante, com certa frequência, as agências penais têm ignorado essa nova conjuntura e seguido, cegamente, o caminho da criminalização (artigo 24-A da Lei 11.340/06).

Contato consensual

Com efeito, ainda que se trate de intimação regular acerca da decisão de medida protetiva, o fato de o contato ser consensual não parece permitir a tipicidade, na medida em que, à luz da função conglobante [4] da tipicidade, carece de antinormatividade o fato de a beneficiária da medida protetiva “abrir mão” da ordem judicial. Afinal de contas, o que embasou a decisão foi exatamente o medo/receio do contato, ou seja, não há lesividade na conduta!

Ainda que entendesse típico, estamos diante de pelo menos duas causas evidentes de exclusão de crime. Temos o consentimento da ofendida (como causa supralegal de exclusão da ilicitude), bem como o erro de proibição (artigo 21, CP).

Seguramente, não dá pra se exigir, de um leigo, que perceba que continua prevalecendo a medida protetiva se a beneficiária busca — ou ao menos consente com — o contato.

Do contrário, que sistema penal é este, que age numa situação que nem a separação de corpos do direito de família é confirmada?

A pauta da esquerda punitiva para a violência doméstica possui como pano de fundo a ideologia da repressão, de tal sorte a, embalada pelo “autoritarismo cool”, colocar o poder punitivo como prima ratio!


[1] KARAM, Maria Lucia. A esquerda punitiva. Revista Discursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade, nº 1, ano 1, 1º semestre de 1996, p. 79-92.

[2] KARAM, Maria Lucia. A ‘Esquerda Punitiva’: vinte e cinco anos depois. São Paulo: Tirant Lo Blanch Brasil, 2021, p. 102ss.

[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. Trad. Sérgio Lamarão. 3ª Ed. 5ª reimp. Rio de Janeiro: Revan, 2017.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro. Volume II. Tomo I. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2016.Fonte: Conjur

Fonte: Conjur

Comissão aprova permissão para estados e DF legislarem sobre questões de direito agrário

A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 2/25, que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislar sobre cinco questões de direito agrário: cooperativismo; uso e manejo do solo; contratos agrários; regularização fundiária; e modelos inovadores de regulamentação para o setor agropecuário. O texto é do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP).

Hoje, por determinação da Constituição, esses pontos são definidos por lei federal.

Segundo o relator, deputado Ronaldo Nogueira (Republicanos-RS), ao permitir que os estados e o Distrito Federal legislem sobre questões específicas do direito agrário, o projeto promove políticas públicas mais eficazes e alinhadas às necessidades regionais.

Nogueira disse que é promissora a possibilidade de os estados instituírem ambientes regulatórios experimentais para inovações no campo, como no uso de drones, insumos biológicos e rastreabilidade ao longo de toda a cadeia produtiva. “A norma pode permitir que empresas e cooperativas testem tecnologias com menor carga regulatória, sob supervisão da secretaria estadual de agricultura ou meio ambiente, com regras especiais por 12 meses”, afirmou o relator.

Próximos passos
O projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois seguirá para o Plenário. Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Lei que regulamenta direitos de trabalhadores domésticos completa dez anos

 

Passados dez anos da aprovação da lei que regulamentou os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras domésticas (LC 150/15), deputados e representantes da categoria lutam para garantir esses direitos, melhorar o ambiente de trabalho e alcançar novas conquistas, como o abono salarial do PIS e o acesso a creches públicas.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) chamou atenção para os vários os casos de trabalhadores sendo resgatados em situação semelhante à escravidão. “Nós temos tido avanços, mas ainda não concluímos a tarefa de ter as trabalhadoras domésticas com seus direitos conquistados cumpridos pelos seus empregadores”, afirma.

Benedita da Silva atuou tanto pela aprovação da Emenda Constitucional 72, de 2013 – que equiparou os direitos dos trabalhadores domésticos aos dos demais – quanto pela lei que regulamentou os direitos.

Para a secretária da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Maria Isabel Castro, é necessária a implementação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Ela garante a essa categoria trabalho decente, trabalho digno, que é a nossa luta hoje, foi essa a luta das mulheres que nos antecederam. Foi pela valorização, pela visibilidade da categoria”, disse.

A representante dos trabalhadores ressaltou a reivindicação pelo abono salarial, pago aos demais trabalhadores que ganham até dois salários mínimos.

Direitos
Em 2015, a lei garantiu aos domésticos o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o seguro-desemprego; e regulamentou vários outros benefícios, como auxílio-creche, salário-família, adicional noturno, indenização por demissão sem justa causa e pagamento de horas extras.

A empregada doméstica Maria Eliane Silva, de 58 anos, lembrou que o cenário sem direitos trabalhistas era muito diferente. “Se a gente não estudava, ficava na casa, trabalhava até a hora que fosse necessário. Tipo, depois das sete, você servia jantar, você fazia uma coisa, você fazia outra. E a gente acaba que vai mexendo em algo e quando dá fé, o tempo já passou.” E tudo sem receber nada além do salário combinado, disse ela.

Segundo o Ministério do Trabalho, o país tem 6 milhões de empregados domésticos, sendo que mais de 90% são mulheres. Apenas um terço tem carteira assinada.

Fonte: Câmara dos Deputados

Respeito aos precedentes, um ponto de convergência no debate sobre o futuro do habeas corpus

Especialistas de diferentes esferas do Sistema de Justiça concordam em que a inobservância dos precedentes do STJ e do STF é uma das causas do aumento explosivo de habeas corpus nos tribunais.



Esta terceira e última parte da série de reportagens HC 1 milhão: mais ou menos justiça? propõe uma reflexão sobre como enfrentar o uso excessivo do habeas corpus sem prejudicar seu papel de garantia constitucional na proteção da liberdade. O desafio é complexo e sensível. Trata-se de equilibrar o peso das garantias fundamentais com a necessidade de racionalidade e eficiência no Sistema de Justiça penal.

No centro do debate, o que está em discussão é se é possível – e até que ponto – limitar o uso do habeas corpus em processos criminais. Várias propostas de mudanças jurisprudenciais e legislativas – como a criação de filtros de admissibilidade – estão na mesa, em um esforço para prestigiar o uso dos recursos e a própria função constitucional do HC.

Apesar de atuarem em diferentes esferas do Sistema de Justiça, os especialistas ouvidos convergem em um ponto fundamental: os operadores do direito devem seguir os precedentes fixados tanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Para muitos, a inobservância das balizas estabelecidas pelas cortes superiores – especialmente por parte de magistrados de primeiro grau, tribunais estaduais ou regionais federais, além de integrantes do Ministério Público (MP) – é um dos principais fatores que alimentam o excesso de habeas corpus.

Precedentes criam unidade nacional na interpretação de questões jurídicas

O ministro Rogerio Schietti Cruz, integrante da Sexta Turma do STJ, diz que o julgamento pelo rito dos recursos repetitivos e a afetação de casos de direito penal para a Terceira Seção ou para a Corte Especial, bem como a edição de súmulas, são alguns mecanismos do tribunal para lidar com o congestionamento de processos: “Com isso, tentamos mostrar, não só à sociedade, mas a todos os tribunais, como pensa o STJ e como deve ser a interpretação das leis federais”.

Segundo o ministro, é importante sensibilizar toda a magistratura e o MP quanto à importância de seguir os precedentes.

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Na medida em que fixamos determinadas teses em julgamentos qualificados, com a composição ampla, em temas já pacificados, elas deveriam ser observadas por todos, de modo a criar uma unidade nacional na interpretação de questões jurídicas, evitando uma série de impetrações de habeas corpus que só ocorrem porque não há a observância dessas decisões.

Ministro Rogerio Schietti Cruz

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Guilherme de Souza Nucci também acredita que, se fossem seguidos os entendimentos consolidados pelos tribunais superiores – especialmente os que são favoráveis ao réu –, muitos processos seriam resolvidos logo no primeiro grau de jurisdição, não havendo necessidade de habeas corpus ou recursos às demais instâncias por parte da defesa.


Um olhar específico sobre a real utilidade do habeas corpus

A promotora Fabiana Costa, chefe da Coordenação de Recursos Constitucionais do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), pondera que um olhar específico sobre a real utilidade do HC para a sua admissão pode ser uma medida eficaz no combate ao uso indiscriminado do instrumento, fora de suas finalidades constitucionais.

Fabiana observa que, diferentemente dos recursos no processo penal, que devem cumprir uma série de requisitos legais e formais para serem admitidos, o habeas corpus chega mais rápido para a análise do ministro relator, mesmo quando não guarda relação direta com a liberdade do paciente, nem com nulidades graves ou afrontas à jurisprudência consolidada. “Não é à toa que a maioria dos habeas corpus nem sequer são conhecidos”, enfatiza.

Outro ponto sensível destacado pela promotora refere-se à limitação da atuação do Ministério Público durante o processamento do habeas corpus: “O MP é ouvido como custos legis, mas o membro que conhece todas as peças do processo, conhece todas as cautelares, toda a tramitação daquele feito – que às vezes é extremamente complexo –, nem sequer é ouvido no momento em que o HC está sendo processado”.

Um exemplo de racionalização criado pela jurisprudência 

Em 2020, a Terceira Seção do STJ fixou um marco importante para conter a utilização excessiva do habeas corpus em situações já cobertas por recursos processuais próprios. No julgamento do HC 482.549, o colegiado entendeu que, uma vez interposto recurso cabível contra a mesma decisão judicial, o habeas corpus só poderá ser examinado se visar diretamente à tutela da liberdade de locomoção, ou se apresentar pedido distinto do recurso que reflita no direito de ir e vir.

O relator, ministro Rogerio Schietti, ressaltou que “é preciso respeitar a racionalidade do sistema recursal e evitar que o emprego concomitante de dois meios de impugnação com a mesma pretensão comprometa a capacidade da Justiça criminal de julgar de modo organizado, acurado e correto – o que traz prejuízos para a sociedade e os jurisdicionados em geral”.

Para o advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, no entanto, o habeas corpus é o instrumento mais eficaz para corrigir prisões ilegais e outros constrangimentos, e não pode sofrer restrições. “Um ponto crucial é a excessiva formalidade dos recursos. Se houvesse alguma alteração legislativa ou jurisprudencial para flexibilizar essas exigências nos recursos especial e extraordinário, isso poderia reduzir significativamente o número de habeas corpus impetrados”, opina.

Alteração do Código de Processo Penal divide opiniões

Uma oportunidade para a adoção dos aperfeiçoamentos em debate poderia ser a reforma do Código de Processo Penal (CPP), decretado por Getúlio Vargas em 1941. Diversas propostas já foram apresentadas ao Congresso Nacional nesse sentido, sendo uma delas o Projeto de Lei do Senado 156/2009, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados (PL 8.045/2010). A proposta original, elaborada por uma comissão presidida pelo ministro do STJ Hamilton Carvalhido (falecido), buscava evitar a utilização do HC como substituto recursal, restringindo as hipóteses de seu cabimento.

De acordo com o ministro Ribeiro Dantas, membro da Quinta Turma, essa proposta poderia melhorar a estrutura recursal do processo penal e direcionar muitas questões para serem resolvidas por outros meios processuais mais adequados. Na avaliação do ministro, essa é uma discussão relevante, que deve envolver não apenas os operadores do Sistema de Justiça, mas também administradores públicos e representantes políticos.

Contudo, Ribeiro Dantas alerta que qualquer eventual modificação legislativa deve ser feita com extremo cuidado, já que o habeas corpus vai além de uma mera peça processual: trata-se de uma garantia constitucional fundamental. “Essa garantia é algo que muitos países não possuem, mas que no Brasil está expressamente consagrada na Constituição. Portanto, é necessário ter cautela ao tratar desse tema”, afirma.

Por sua vez, o defensor público Marcos Paulo Dutra sustenta que o CPP em vigor já contém mecanismos adequados para coibir o uso abusivo do habeas corpus. Para ele, o problema não está na ausência de regras, mas na forma como elas são aplicadas. Segundo Dutra, é preciso adotar uma análise mais rigorosa dos critérios legais existentes e, sobretudo, respeitar as balizas interpretativas consolidadas pelos tribunais superiores ao longo dos anos.

Dutra explica que, quando uma nova lei surge, há todo um processo de criação de jurisprudências, doutrinas e interpretações, que gera inseguranças e “coloca em xeque” tudo o que já foi construído sobre o assunto.

“Acredito que é adequado o caminho trilhado pelo STJ e pelo STF de construir balizas, via interpretação do próprio CPP, que permitam uma racionalização do emprego do habeas corpus. Ainda mais diante de um ordenamento jurídico que, nos últimos anos, tem se preocupado tanto em prestigiar os precedentes judiciais. Se isso for prestigiado, não tenho dúvidas de que o próprio número de habeas corpus será reduzido”, expõe o defensor.

Tutela de urgência requerida na petição do recurso especial

O advogado Caio César Domingues de Almeida, que também defende a preservação do habeas corpus nos moldes atuais, propõe uma alternativa voltada à estrutura recursal: a criação, no próprio recurso especial, de um espaço específico para que a defesa possa formular pedidos de tutela de urgência.

“Isso daria mais segurança aos advogados, que hoje temem interpor apenas o recurso e ver a matéria de direito simplesmente não ser apreciada. Atualmente, não há um mecanismo que permita à defesa fazer esse pedido diretamente na peça recursal. Instituir essa possibilidade de forma clara e regulamentada poderia reduzir a quantidade de habeas corpus e tornar o sistema mais eficiente”, argumenta.

Para o advogado, se houver uma mitigação das formalidades processuais nos recursos às cortes superiores, haverá uma redução significativa do número de habeas corpus impetrados: “O que precisa ser repensado é o funcionamento do sistema recursal, especialmente no que diz respeito aos recursos especial e extraordinário”.

Nessa mesma perspectiva, o ministro Ribeiro Dantas defende um sistema de agravos no processo penal, os quais seriam interpostos diretamente nos tribunais, com a possibilidade de concessão de tutelas penais de urgência.


Atualização da Lei de Drogas poderia reduzir o número de impetrações

Na opinião do desembargador Guilherme Nucci, outra medida que pode levar à redução do número de habeas corpus é a reforma de leis já defasadas ou carentes de regulamentação mais precisa – a exemplo da Lei de Drogas, que, segundo ele, responde pelo maior número de habeas corpus analisados atualmente nos tribunais. Para o magistrado, mais do que criar restrições, é necessário corrigir uma grande falha: a ausência de parâmetros objetivos que orientem os juízes de todo o país na aplicação da norma penal.

“Está na hora do legislador entrar em campo e definir definitivamente o que é natureza de drogas, quais são as drogas mais perigosas à saúde, quais não são ou são menos perigosas e qual é a quantidade ideal para se presumir quem é usuário e traficante – como o Supremo fez com a maconha”, avalia o desembargador.

A falta dessas definições, conclui, reflete-se inclusive no aumento de prisões, o que gera mais pedidos de habeas corpus e o aumento desnecessário da população carcerária.

Salvo-conduto para Cannabis medicinal garante direito à saúde e à liberdade

Em meio a toda essa discussão, o habeas corpus segue desempenhando um papel essencial na defesa de direitos fundamentais, até para tutelar, de forma indireta, o direito à saúde. É o que tem acontecido com pessoas que recorrem ao Poder Judiciário em busca da garantia de não serem presas nem submetidas a quaisquer medidas repressivas em razão do uso medicinal da Cannabis sativa.

Em várias decisões, o STJ já deu habeas corpus preventivos para pacientes ou familiares de pacientes que se valem do óleo de canabidiol (CBD), um composto químico da Cannabis sativa que não tem efeitos psicotrópicos, para o tratamento de diversas doenças.

O vídeo abaixo mostra um desses casos em que o salvo-conduto do tribunal permitiu que o cidadão não fosse alvo de sanções penais por cultivar a planta para fins terapêuticos: uma história sobre como os direitos à saúde, à dignidade e à liberdade foram preservados pelo instituto do habeas corpus. 

Fonte: STJ

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