O artigo 166 do CTN e os depósitos judiciais do IBS e da CBS

Dentre os vários temas nublados na parte procedimental da reforma tributária estão o da restituição dos tributos, hoje regulado pelo artigo 166 do CTN (Código Tributário Nacional), e o do direito ao crédito dos depósitos judiciais. Os dois temas se intercalam em algumas situações, foco desta coluna.

Iniciemos pela realidade: em tempos de ampla aceitação de seguro-garantia judicial para as lides, por qual motivo as empresas ainda fazem depósitos judiciais dos valores em discussão? Uma das razões é afastar o artigo 166 do CTN, que, para a restituição dos tributos indiretos, obriga a comprovação de sua não-repercussão econômica, ou seja, que o tributo em discussão não tenha sido transferido ao adquirente/consumidor pela via do preço cobrado. Já escrevi sobre o artigo em outra ocasião (aqui) demonstrando sua inaplicabilidade, o que me desobriga a explicar novamente as razões pelas quais o identifico como inconstitucional.

Considerando que o artigo 166, CTN, permanecerá vigente, como ficará essa situação com a introdução do IBS e da CBS no sistema tributário?

Com a adoção do split payment, que é o núcleo do sistema a ser adotado, o problema se agravará. Para compreender o que é o split payment e sua importância, recomendo a leitura de dois textos, dentre outros: aqui e aqui).

Considerando que só o efetivo pagamento gerará crédito pela via do split payment, como operacionalizar a questão dos depósitos judiciais, que as empresas continuarão a fazer visando afastar o artigo 166, CTN? Esses depósitos gerarão créditos na rotina das empresas? O dinheiro sairá dos cofres privados e será carreado para os depósitos judiciais, mas será considerado como crédito a ser utilizado naquelas operações, já que não adentrarão aos cofres públicos pela via do split? Isso revela o problema: as empresas terão o desembolso, mas não haverá o crédito correspondente, pois o tributo não será pago, mas depositado.

Crédito

A solução, que me parece estar sendo discutida, é de as empresas estabelecerem em sua contabilidade que os valores depositados judicialmente geram crédito, a despeito de não estarem submetidos ao split payment. Quando o processo for decidido após décadas, o montante de crédito poderá ser revertido a favor ou contra a empresa. Esta alternativa não é a ideal, pois poderá acarretar pendências contábeis, com impactos fiscais relevantes, inclusive na apuração de seus resultados ao longo de muitos anos, com impactos na distribuição de dividendos. Além de ser tornar operacionalmente complexa, pois fora dos padrões rotineiros do novo sistema.

Parece-me que a melhor solução será a de simplesmente revogar o artigo 166, CTN, considerando sua inaplicabilidade, pois, se o Fisco recebeu mais do que era devido, houve violação do Princípio da Legalidade (Reserva Legal Tributária), que determina exatamente o quanto deveria ser pago aos cofres públicos. É irrelevante saber se o tributo foi trasladado economicamente para o adquirente/consumidor, uma vez que a legalidade delimita o valor que o Estado pode cobrar, motivo pelo qual é inconstitucional o artigo 166, CTN. Essa é a solução ideal, afastando um problema que as empresas enfrentam em seu quotidiano.

Os benefícios serão enormes com a revogação do artigo 166, CTN, pois: (1) afasta-se a necessidade de as empresas realizarem depósitos judiciais para cumprir o que é inadequado, pois inconstitucional, (2) as empresas realizarão o split payment sem o temor que não terem restituição sob o argumento da repercussão econômica, (3) mantém íntegro o sistema adotado pela reforma tributária, ancorado no split, (4) isso aliviará o Poder Judiciário da gestão desses recursos, (5) e afasta-se a discussão da correção monetária desses valores depositados, tema que recentemente retornou à pauta de debates.

A revogação do artigo 166, CTN, está em tudo coerente com o que se prega, considerando estar sendo a reforma tributária uma verdadeira revolução rributária na área do consumo.

P.S. : Registro com pesar o falecimento do professor Paulo de Barros Carvalho ocorrido semana passada. Tributarista de muitas qualidades, deixa uma legião de seguidores. Perdem as letras jurídicas nacionais um grande doutrinador. Meus pêsames a todos os enlutados.

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Afinal, imóvel de pessoa jurídica pode ser bem de família? TST decide que sim

A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho proferiu importante acórdão reconhecendo a impenhorabilidade de imóvel residencial de propriedade de pessoa jurídica, quando este é utilizado como moradia permanente por sócio e sua entidade familiar. Trata-se do julgamento do recurso de revista no processo TST-RR-20943-98.2021.5.04.0702, no qual o tribunal reformou acórdão do TRT da 4ª Região para afastar a penhora sobre imóveis da empresa utilizados exclusivamente como residência.

A controvérsia surgiu no âmbito de uma execução trabalhista em que foi determinada a penhora de imóveis registrados em nome da empresa executada. Os terceiros embargantes, sócios da empresa, sustentaram a impenhorabilidade dos bens com base na Lei nº 8.009/1990, sob o argumento de que residem permanentemente nos imóveis com suas famílias.

O Tribunal Regional manteve a penhora, entendendo que, por se tratarem de bens registrados em nome da pessoa jurídica, não poderiam ser considerados como “imóvel residencial próprio”, requisito expresso no artigo 1º da Lei nº 8.009/90.

Decisão do TST

O TST, no entanto, reformou esse entendimento, ao reconhecer a aplicação da proteção conferida ao bem de família mesmo quando o imóvel é de titularidade da pessoa jurídica, desde que seja utilizado efetivamente como moradia do sócio e sua família.

Segundo a relatora, ministra Maria Helena Mallmann, “a possível condição de bem de família não se extingue automaticamente pelo simples fato de os bens imóveis serem de propriedade da pessoa jurídica executada”. A decisão foi fundamentada na função social da moradia e na interpretação finalística da Lei nº 8.009/90, à luz do direito fundamental à moradia previsto no artigo 6º da Constituição.

Fundamento doutrinário e jurisprudencial

A Turma citou doutrina de Fredie Didier Jr., segundo a qual a impenhorabilidade decorre do uso residencial do imóvel, ainda que pertencente à pessoa jurídica, especialmente quando esta é de pequeno porte ou familiar. O precedente encontra amparo em julgados do Superior Tribunal de Justiça, que vêm admitindo a extensão da proteção legal em situações similares, em que o imóvel da empresa se confunde com a residência da entidade familiar.

Importância da decisão

Esse acórdão representa um avanço na interpretação da Lei nº 8.009/1990, ao privilegiar o direito fundamental à moradia e a dignidade da pessoa humana sobre formalismos registrais. A jurisprudência majoritária caminha no sentido de admitir a impenhorabilidade de imóveis de empresas familiares quando há comprovação do uso exclusivo e permanente para moradia dos sócios e seus dependentes.

A decisão também ressalta a necessidade de ponderação entre o direito do credor à satisfação do crédito e a proteção da família contra a perda de sua residência, especialmente em execuções trabalhistas, nas quais a efetividade da execução costuma ter maior ênfase.

Conclusão

O precedente do TST é relevante para o contencioso trabalhista e civil, em especial para embargos de terceiros opostos por sócios de empresas familiares. O reconhecimento da impenhorabilidade de imóvel utilizado como moradia, mesmo quando pertencente à pessoa jurídica, representa a prevalência dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à moradia sobre a literalidade do texto legal.

A decisão oferece segurança jurídica a muitas famílias que residem em imóveis de empresas familiares e pode servir como importante ferramenta de defesa em execuções patrimoniais.

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STJ admite partilha de bem superveniente pedida após contestação na ação de divórcio

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou a inclusão, em uma partilha de divórcio, do crédito oriundo de previdência pública recebido pelo ex-marido durante o casamento e até a separação de fato, relativo a documento novo juntado aos autos depois da contestação. Além disso, fixou pensão alimentícia à ex-mulher.

As partes foram casadas sob o regime de comunhão universal de bens por mais de 20 anos. O ex-marido ajuizou ação de divórcio com o pedido genérico de partilha do patrimônio. Logo depois da audiência de instrução e julgamento, a ex-mulher pediu a inclusão de valores referentes ao pagamento atrasado de aposentadoria especial, reconhecida em ação previdenciária julgada procedente durante o divórcio.

O juízo decretou o divórcio, determinando a partilha dos bens do casal e condenando o autor ao pagamento de pensão alimentícia para a ex-mulher pelo prazo de dois anos. O tribunal de segunda instância, porém, entendeu que o pedido de inclusão de valores referentes à aposentadoria especial do ex-marido na partilha não foi feito dentro do prazo, e, além disso, não viu excepcionalidade que justificasse a pensão alimentícia.

No STJ, a ex-mulher sustentou que os créditos referentes à previdência foram concedidos durante o processo de divórcio e que o pedido de partilha foi feito na primeira oportunidade que teve de se manifestar. E afirmou ainda que existiriam motivos para o recebimento da pensão.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a possibilidade do pedido genérico de partilha, pois “é possível que as partes não tenham acesso a todas as informações e documentos relativos a todos os bens individualmente considerados quando do ajuizamento da demanda”.

Todavia, ela advertiu que o pedido genérico é admitido apenas temporariamente, devendo a quantificação dos bens ser feita em algum momento. Nesse sentido, enfatizou que o julgador deverá considerar os bens pertencentes ao patrimônio comum em todo o curso da demanda, não estando limitado aos bens listados na petição inicial.

Inclusão do crédito

A ministra observou que a legislação processual autoriza a inclusão de novos documentos, de acordo com o artigo 435 do Código de Processo Civil. No entanto, apontou que a expressão “a qualquer tempo” do dispositivo não permite a juntada indiscriminada de documentos em qualquer fase e grau de jurisdição. Segundo afirmou a relatora, isso deve ser feito na “primeira oportunidade em que se puder falar do fato novo, desde que a prova esteja disponível à parte, ou no primeiro instante em que se possa opor às alegações da parte contrária”.

Para Nancy, além de demonstrada a boa-fé da ex-mulher, não haveria razão para uma sobrepartilha, já que ainda não foi finalizado o próprio processo de divórcio.

A relatora enfatizou também que a jurisprudência do STJ considera comunicáveis os créditos oriundos de previdência pública, ainda que recebidos posteriormente ao divórcio, desde que concedidos na vigência do casamento.

Em relação aos alimentos entre ex-cônjuges, a ministra apontou que devem ser fixados por tempo necessário ao reingresso no mercado de trabalho, garantindo a subsistência da parte até lá. No entanto, no caso em julgamento, ela verificou particularidades que justificam sua fixação por prazo indeterminado, pois a ex-mulher, “que abdicou de sua vida profissional para dedicar-se à vida doméstica, em benefício também do marido”, não exerce atividade remunerada há mais de 15 anos e está em tratamento de saúde. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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Vigilância permanente é antídoto contra nova ‘lava jato’

A “lava jato” e suas vertentes deixaram de existir ao serem enquadradas como Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos). Mesmo assim, o risco de que um novo esquema volte a funcionar nos moldes da extinta força-tarefa nunca poderá ser descartado, o que impõe a necessidade de vigilância permanente por parte das autoridades, opina o ex-procurador-geral da República Augusto Aras.

Aras falou sobre o assunto em entrevista à série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito, em que a revista eletrônica Consultor Jurídico ouve alguns dos nomes mais importantes do Direito sobre as questões mais relevantes da atualidade. A conversa se deu durante o XIII Fórum de Lisboa, promovido em julho na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).

“O esquema ‘lava jato’, no fundo, na minha gestão, não foi destruído, como alguns gostam de dizer, mas institucionalizado. Não como esquema, mas como Gaecos federais, com a criação de 27 órgãos públicos, com procuradores, servidores, orçamento próprio e dever de prestação de contas. Cada investigação, agora, é um projeto a ser apreciado no tempo devido”, disse Aras, que comandou a Procuradoria-Geral da República entre 2019 e 2023.

Vigilância eterna

Aras entende que, ao dar o devido tratamento à força-tarefa, sua gestão na PGR desfez um esquema que deixou “R$ 400 bilhões de prejuízo” e que “provavelmente tirou do país a possibilidade de ter as grandes empreiteiras, com seu legado empresarial, prestando serviços no mundo inteiro”.

“E, com isso, deixou prejuízos a cada indivíduo, à paz de cada família, com a perda de patrimônio, a destruição moral, a perda de vidas. Quantas vidas foram ceifadas? Empresários morreram na mesa de audiência. Houve colegas no Ministério Público Federal, como subprocuradores, que foram perseguidos.”

Para Aras, ainda que o esquema e seus métodos tenham sido oficialmente desfeitos, isso não tira das autoridades a obrigação de continuar fiscalizando as instituições para impedir que tais abusos voltem a ser cometidos.

“O preço da democracia é a eterna vigilância, e essa frase foi utilizada tanto por movimentos de direita quanto de esquerda”, disse Aras. “O ser humano é o barro ainda em construção contínua e permanente. E é preciso que haja esse controle de todas as instituições entre si, para que os excessos sejam corrigidos.”

Clique aqui para ver a entrevista ou assista abaixo:

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Redefinindo a identidade do agente de contratação e do pregoeiro na Lei 14.133

A promulgação da Lei nº 14.133/2021 representa um marco significativo no campo das contratações públicas no Brasil. Suas disposições pretendem modernizar (ainda que sem uma ruptura com o modelo anterior) o arcabouço normativo existente e também enfatizam a importância de uma estrutura organizacional robusta e de boas práticas de governança.

A legislação de licitações estabelece novos padrões para a atuação dos agentes públicos envolvidos nas atividades de licitação e contratação, demandando, assim, uma necessária profissionalização desses agentes.

Profissionais qualificados são mais aptos a selecionar fornecedores de maneira mais criteriosa, estariam mais atualizados quanto às boas práticas e os entendimentos dominantes e logo mais capazes  de identificar possíveis práticas irregulares dos licitantes e de exercer a atividade decisória com maior maturidade.

Não por outra razão a Lei nº 14.133/2021 repercute em distintos momentos a necessidade de capacitação, como nos artigos  7º, 8º e 173º.

Virada de chave

Assim, a “virada de chave” promovida pela nova legislação não deve ser vista apenas como um conjunto de novas regras, mas como um impulso cultural que valoriza o conhecimento técnico e a capacitação continuada.

Considerando esses objetivos, o legislador definiu o agente de contratação como a “pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.”

No que se refere ao pregoeiro, o artigo 8º, §5º, estabelece que “em licitação na modalidade pregão, o agente responsável pela condução do certame será designado pregoeiro.” Portanto, o agente de contratação atua em todas as outras modalidades, que não sejam pregão, e o pregoeiro tem as mesmas atribuições do agente de contratação.

Percebe-se que a lei, que se pretende nacional, prevê de forma inovadora o perfil daquele que poderá ter assento na licitação. Percebe-se a resistência à participação indiscriminada de agentes públicos, entendendo-se que apenas determinadas espécies reúnem condições para tanto.

Essa preocupação especial se relaciona à função singular que as compras públicas ocupam. Nada existe à margem da contratação. Políticas públicas delas dependem. Daí todo o esforço legislativo em reforçar as estruturas e convocar a alta administração a bem guiar os agentes e processos. E diante do caráter estratégico da contratação pública para o Estado, a aplicação uniforme da Lei de Licitações para União, estados e municípios se apresenta como um instrumento essencial para promover a eficiência, a transparência e a legalidade nos processos de compras governamentais. Isso contribui para o desenvolvimento socioeconômico do país e para a construção de uma gestão pública mais eficaz e responsável.

A definição desse perfil de agente também reflete a opção brasileira pelo modelo de Administração Pública Gerencial, no qual a preocupação é voltada para os fins a serem atingidos. Trata-se de um tipo de Administração que busca o controle de resultados dos agentes do Estado, orientando-se para os resultados pretendidos por este.

Para esse modelo, a reforma da Administração Pública deve ser executada em três dimensões: 1) dimensão institucional-legal: modificam-se leis e se criam ou se modificam instituições; 2) dimensão cultural: promove-se a mudança dos valores burocráticos para os gerenciais; 3) dimensão de gestão: colocam-se em prática as novas ideias gerenciais e são oferecidos à sociedade serviços públicos efetivamente mais baratos, mais bem controlados e de melhor qualidade.

Logo, no entender do legislador, importa assegurar que empregados públicos de quadros permanentes e servidores públicos efetivos estejam envolvidos nos processos de contratação pública. Tal medida se alia à busca de integridade e profissionalização, dado o vínculo mais íntimo e duradouro, e unida às demais exigências, pretende assegurar maior competência técnica, resultando em contratações mais qualificadas.

Assim, sem embargos das dificuldades que possam daí advir, a exigência de que o pregoeiro e o agente de contratação sejam obrigatoriamente servidores públicos/empregados dos quadros permanentes, conforme disposto no artigo 8º da Lei nº 14.133/2021, é uma exigência nacional e contribui para competência técnica, facilitando inclusive a alocação de recursos públicos para fins de capacitação. A isso se une a criação de um histórico de experiências, diante do vínculo mais estreito e duradouro, a contribuir para o cotidiano das contratações.

Por isso o artigo 7º, a Lei nº 14.133/2021 estabeleceu que os agentes públicos que trabalham com contratações públicas devem ser preferencialmente servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, observando-se que a lei não usou a expressão “servidor público”, como fez no caput do artigo 8º.

Assim, utilizando-se da interpretação sistemática, pode-se concluir que a lei determinou que, no caso específico do agente de contratação e do pregoeiro, eles devem ser servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, o que não se aplica aos outros agentes públicos que trabalham com contratações públicas

Importante salientar as disposições do artigo 176 da Lei nº 14.133/2021. Nele, a lei possibilitou que os Municípios com até 20 mil habitantes tenham o prazo de seis anos, contado da data de publicação dessa norma, para cumprimento “dos requisitos estabelecidos no artigo 7º e no caput do artigo 8º desta Lei”. Essa disposição ratifica a defesa de que a exigência alcança todas as esferas, reconhecendo-se para os municípios de menor porte prazo maior para que o agente de contratação e o pregoeiro sejam servidores efetivos.

A isso se soma o rigor do artigo 7º, esse voltado a todos que participarão de alguma das fases do metaprocesso de contratação pública, alcançando, pois, os personagens afetos ao momento da execução contratual. A exigência constante de seu inciso II simboliza o intuito do legislador de marginalizar agentes públicos inábeis a trabalhar, ao menos teoricamente, nos moldes preconizados. Como imaginar que a governança da contratação, a partir de fluxos, procedimentos, controles internos e gestão de riscos, ocorrerá sem pessoal apto a tanto?

O legislador quer mesmo que as contratações recebam a atenção dos gestores, impondo-lhes focar na formação de um corpo profissional que possa tocar no processo, em especial na fase externa. A lei revoluciona, neste aspecto, ao forçar um olhar distinto a um aspecto usualmente não merecedor de atenção. Isso se alia à preocupação com governança e planejamento, gestão de riscos, controles internos, tudo a demandar da alta administração a atenção desejada. Não sem razão o farol do parágrafo único do artigo 12. [1]

Importante mencionar que a  Lei nº 14.133/2021 não conferiu ao agente de contratação atribuições de efetivo estabelecimento de diretrizes, planejamento de ações com um amplo espectro de discricionariedade e tomada de decisões políticas. As atividades atribuídas ao agente de contratação são técnicas, operacionais ou burocráticas, o que leva a crer que a norma está em consonância com o que foi decidido pelo STF no Tema 1.010, que veda a criação de cargos em comissão para o desempenho desse tipo de função.

Reconhecemos, todavia, ainda presente a controvérsia acerca da necessidade de observância desse atributo por todos os outros entes federativos, a merecer outros apontamentos.

No contexto brasileiro, o surgimento do federalismo ocorreu inicialmente de forma centrífuga, ou seja, de “dentro para fora”, isso quer dizer que a Federação se originou de um Estado Unitário que se fragmentou. No entanto, não é demais afirmar que o Estado brasileiro constitui uma Federação com tendências marcadamente centrípetas, ou seja, “de fora para dentro”, uma vez que a distribuição de poder ocorre dessa forma, com uma tendência ao fortalecimento do poder central da União. [2]

À União o artigo 22, XXVII da Constituição da atribui a competência privativa . Este tipo de competência geralmente não permite a legislação concorrente, a qual só é permitida mediante a edição de Lei Complementar. Como exceção a essa regra, os Estados podem legislar de forma concorrente, em questões específicas, conforme autorizado pelo parágrafo único do mesmo dispositivo, possibilitando a atuação de diversos entes federativos (União, estados e DF), mas, só quando a Lei Complementar permitir.

Por outro lado, existe também a competência legislativa suplementar dos estados prevista no artigo 24, § 2º [3], da Constituição, a qual é utilizada para preencher lacunas na legislação. Conforme estabelecido no texto constitucional, essa disposição afirma que a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados.

Dessa maneira, é possível afirmar que, por exemplo, o município (artigo 30, inciso II da CF [4]) pode estabelecer uma determinada modalidade de licitação como obrigatória, considerando que faz sentido aplicá-la em seu contexto local exercendo a competência suplementar autorizada pela Constituição. No entanto, o município não tem autoridade para proibir o uso de modalidade expressamente prevista na Lei Geral de Licitações e Contratos. Além disso, não pode criar situações de dispensa ou inexigibilidade, pois esses assuntos estão dentro da competência exclusiva da União para editar normas gerais de licitação e contratos

Com base no princípio de que as normas se presumem legítimas e devem ser aplicadas até que sejam declaradas inconstitucionais, caso o estado-membro ou município discorde de disposição geral de norma emitida pela União no uso de sua competência privativa, cabe a ele recorrer à instância apropriada, que para nosso Estado é o Supremo Tribunal Federal, e questionar essa norma.

Não se reconhece ao estado-membro ou o município decidir o que é norma geral ou não sem que exista decisão por parte da Corte Constitucional correspondente. Portanto, até que esse questionamento seja feito e a norma eventualmente seja declarada inconstitucional, entendemos que o estado-membro ou o município deve cumprir a obrigação normativa geral. Isso se deve à busca pela segurança jurídica, valor fundamental em nosso sistema legal.

Ao adotar uma legislação de licitações e contratos comum a todos os entes federativos, opção realizada quando da promulgação do texto constitucional, cria-se uma uniformidade e ambiente de maior segurança jurídica e previsibilidade para os agentes econômicos que desejam contratar com o setor público.

Atento a isso, o Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, ao final do processo das jornadas de Licitação e Contratos, emitiu o Enunciado nº 121, dispondo que: “a exigência de que o agente de contratação e o pregoeiro tenham vínculo permanente com a Administração Pública licitante é norma geral, aplicável a todos os entes da federação”.

___________________________________

[1] Aqui

[2] Aqui

[3] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Normas gerais e competência concorrente. Uma exegese do art. 24 da Constituição Federal. (1995). Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 90, p. 245-251. Disponível aqui.

[4] Art. 30 da CF: Compete aos Municípios: II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

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Projeto e-trânsito: inovação jurídica e eficiência no trânsito aduaneiro brasileiro

A crescente demanda por segurança, eficiência e rastreabilidade nas operações de comércio exterior tem impulsionado iniciativas disruptivas no Brasil. Entre elas, destaca-se o Projeto E-Trânsito, concebido pela Alfândega da Receita Federal em Vitória (ALF/VIT), em parceria com o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), com entidades do setor privado, com o Governo do Estado do Espírito Santo e também com operadores logísticos. Trata-se de uma inovação no monitoramento de cargas em trânsito aduaneiro, com potencial para redefinir paradigmas na logística portuária e na fiscalização alfandegária nacional.

Contexto jurídico e normativo do trânsito aduaneiro

O regime de trânsito aduaneiro é regulamentado pela Instrução Normativa SRF nº 248, de 2002, e visa a permitir a circulação de mercadorias sob controle alfandegado entre zonas secundárias ou recintos alfandegados distintos. Conforme o artigo 315 e seguintes do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759, de 2009), o regime permite o transporte de mercadorias com suspensão do pagamento de tributos, do ponto de origem ao destino, desde o desembaraço até sua efetiva conclusão. Ainda que fundado em bases jurídicas sólidas, o modelo atual apresenta desafios operacionais, sobretudo no que se refere à complexidade procedimental e às limitações para fiscalização contínua ao longo do trajeto. Ademais, a ausência de acompanhamento contínuo ao longo do percurso fragiliza o controle e amplia a margem para ilícitos, impactando negativamente a confiança no sistema aduaneiro.

A concepção do Projeto E-Trânsito

O E-Trânsito nasce em resposta a esses problemas, o projeto propõe a implementação de um dispositivo eletrônico com tecnologia de georreferenciamento, sensores inteligentes e criptografia embarcada, capaz de monitorar em tempo real a localização e a integridade física de unidades de carga durante todo o seu trajeto aduaneiro. A iniciativa parte de um Acordo de Cooperação Técnica assinado em setembro de 2022 entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil e o Ifes, e conta com apoio institucional e financeiro de diversas entidades do setor privado, do Governo do Estado do Espírito Santo e de órgãos da gestão aduaneira.

A integração entre academia, setor público e setor privado no âmbito do Projeto E-Trânsito constitui um modelo original de governança colaborativa em matéria aduaneira, posicionando-se como uma inovação intersetorial. A aliança entre ciência aplicada (representada pela academia), autoridade reguladora (Secretaria da Receita Federal do Brasil), ente fiscalizador (ALF/VIT), Governo do Estado do Espírito Santo e operadores logísticos (usuários do sistema) compõe um ecossistema de decisão e execução pública orientado por evidências. Esse arranjo institucional multifacetado é capaz de entregar um processo mais eficiente, eficaz e efetivo — os três pilares fundamentais de toda política pública orientada a resultados. Trata-se, portanto, de uma experiência exemplar de como a coordenação entre conhecimento técnico-científico, missão institucional e interesse público pode gerar soluções estruturais para gargalos históricos da administração aduaneira brasileira.

Inovações no Direito Aduaneiro e transformação digital

Além de seu caráter tecnológico, o Projeto E-Trânsito suscita reflexões relevantes sobre a reinterpretação normativa do regime especial de trânsito aduaneiro, conforme disposto nos artigos 315 e 316 do Regulamento Aduaneiro. Ao permitir o deslocamento de mercadorias com suspensão do pagamento de tributos entre pontos do território aduaneiro, sob estrito controle da administração, o regime exige garantias específicas de segurança e rastreabilidade. A substituição de lacres físicos por dispositivos eletrônicos de monitoramento em tempo real desafia o modelo tradicional de fiscalização e demanda a edição de regulamentação complementar que discipline a utilização dos dados telemáticos como instrumentos válidos de controle, prova e responsabilização tributária, em conformidade com os avanços tecnológicos aplicáveis à fiscalização aduaneira.

Dessa forma, a transição depende de atuação normativa coordenada entre a Secretaria da Receita Federal do Brasil e os demais entes reguladores técnicos, como forma de assegurar a integridade do processo e a segurança jurídica dos intervenientes. A transição para dispositivos de rastreamento eletrônico implica não apenas avanços técnicos, mas um aprimoramento sensível em regras aduaneiras que historicamente se baseiam em documentos físicos, inspeção presencial, adequadas ao contexto tecnológico vigente à época. Com a adoção do E-Trânsito, a lógica de controle passa a ser centrada em dados e eventos, exigindo nova leitura dos princípios da fiscalização contínua, da presunção de veracidade documental e da materialidade da infração.

Nesse sentido, mostra-se necessária a incorporação de dispositivos normativos que atribuam valor probatório aos dados digitais transmitidos em tempo real, incluindo sua validade como fundamento para lançamento de crédito tributário, aplicação de sanções ou início de processos administrativos. O reconhecimento da equivalência funcional entre dados digitais e evidências físicas será condição essencial para que os dispositivos de rastreamento possam gerar efeitos jurídicos plenos e seguros no novo modelo fiscalizatório.

Desafios e oportunidades para o comércio exterior

A transformação promovida pelo Projeto E-Trânsito vai além da introdução de um novo aparato tecnológico. Ela se insere em um contexto mais amplo de mudança importante na Administração Aduaneira, com mais foco na promoção da conformidade, na valorização dos bons contribuintes e no fortalecimento do papel orientador da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Essa nova abordagem deve buscar reduzir a ênfase no viés punitivo e reforçar o caráter educativo e preventivo das ações fiscais, em linha com as diretrizes internacionais mais modernas de governança pública e justiça fiscal.

A ferramenta inovadora desenvolvida no âmbito do projeto, baseada em dados e geointeligência, permitirá uma atuação ainda mais direcionada e precisa contra contribuintes que descumprem dolosamente as normas tributárias e aduaneiras. Ao mesmo tempo, favorecerá aqueles que mantêm conduta regular, criando incentivos positivos à autorregularização e à previsibilidade dos procedimentos aduaneiros.

Além disso, espera-se que a adoção do E-Trânsito reduza significativamente os custos logísticos associados ao tempo de trânsito e à burocracia documental. Essa racionalização não apenas impactará positivamente a competitividade do comércio exterior brasileiro, mas também poderá resultar em menor custo sistêmico na cadeia de suprimentos, com efeitos favoráveis para a economia e para a competitividade e, em última instância, para a sociedade brasileira.

A implantação do E-Trânsito deve ainda ser interpretada no contexto da transformação digital em curso na Administração Tributária, marcada pelo uso crescente de tecnologias aplicadas à rastreabilidade e à conformidade fiscal. Inserido no marco da Reforma Tributária do Consumo, o projeto responde à necessidade de um modelo mais moderno e transparente de arrecadação, no qual a circulação de mercadorias passa a ser acompanhada por dispositivos eletrônicos capazes de gerar dados seguros, em tempo real, com interoperabilidade entre sistemas e reforço da segurança jurídica.

Nesse mesmo sentido, o cenário internacional também impulsiona essa transição. A Organização Mundial das Aduanas (OMA) tem promovido o uso de dispositivos inteligentes, inteligência artificial e blockchain como instrumentos centrais para modernização das aduanas, especialmente diante da expansão do comércio eletrônico transfronteiriço. O E-Trânsito alinha-se a essas diretrizes e contribui para posicionar o Brasil nas cadeias logísticas digitais e na convergência regulatória com as melhores práticas internacionais.

Impactos jurídicos da digitalização dos procedimentos de fiscalização

A digitalização dos procedimentos de fiscalização no âmbito do comércio exterior representa uma inflexão estrutural no modelo jurídico-administrativo da atuação estatal. Ao substituir práticas baseadas em documentos físicos e presença fiscal in loco por mecanismos remotos, baseados em sensores e dados em tempo real, o Projeto E-Trânsito inaugura um novo patamar de responsabilidade jurídica fundamentada em evidências digitais.

No ordenamento jurídico brasileiro, a legalidade e a eficácia dos atos administrativos dependem da sua conformidade com os princípios constitucionais da eficiência, moralidade, segurança jurídica e legalidade (artigo 37, caput, da CF/88). Nesse sentido, os dispositivos digitais de monitoramento remoto poderão ser considerados instrumentos legítimos de controle e produção de prova administrativa, desde que haja previsão normativa adequada que regulamente sua validade, autenticidade e cadeia de custódia da informação.

Além disso, a integração de sistemas digitais exige interoperabilidade entre plataformas governamentais e privadas, o que impõe a necessidade de proteção jurídica dos dados trafegados e delimitação clara das responsabilidades em caso de falhas operacionais ou omissões de monitoramento. A adoção de protocolos de certificação digital e a regulamentação do uso de alertas automatizados como base para medidas sancionatórias representam pontos centrais dessa nova fase do Direito Aduaneiro digital.

Considerações finais e perspectivas futuras

O Projeto E-Trânsito sinaliza uma nova era para o comércio exterior brasileiro, baseada em inteligência logística, automação e rastreabilidade digital. Seu sucesso depende da articulação interinstitucional e da adaptação normativa para incorporar as inovações de forma segura, transparente e escalável. Trata-se de uma iniciativa que transcende a mera modernização tecnológica, inserindo o Brasil no cenário global de aduanas inteligentes, em consonância com as recomendações da Organização Mundial das Aduanas (OMA) e práticas adotadas por países de alto desempenho logístico.

A consolidação do Projeto E-Trânsito como política pública permanente exigirá marcos regulatórios consistentes, atualização de normativas infralegais e investimentos contínuos em capacitação institucional. Também será fundamental a articulação com os demais países do Mercosul e com organismos internacionais, a fim de garantir a interoperabilidade dos sistemas e a convergência regulatória em nível regional.

Por fim, à luz da crescente complexidade das cadeias logísticas globais, a digitalização do trânsito aduaneiro brasileiro por meio do E-Trânsito poderá projetar o país, mais uma vez, como referência em inovação fiscal, reforçando sua inserção segura, eficiente e competitiva nos fluxos internacionais de comércio.


Referências

1. Receita Federal do Brasil. Tomada de Subsídio – Especificação Técnica Lacre Eletrônico. Participa + Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/tomada-subsidio-lacre-eletronico. Acesso em: 24 jul. 2025.

2. Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 fev. 2009.

3. INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Aditivo de valor Projeto e-Trânsito. Vitória: IFES, 2025. Documento interno.

4. ALFÂNDEGA DE VITÓRIA. Programação da Consulta Pública e-Trânsito. Vitória: Receita Federal, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal.

5. FOLHA VITÓRIA. Nova plataforma da Receita deve agilizar fluxo de cargas no ES. 2 jul. 2025. Disponível em: https://www.folhavitoria.com.br.

Demissão por justa causa por dependência química é discriminatória

A demissão de um empregado por causa de sua dependência química configura dispensa discriminatória. Com esse entendimento, o juiz substituto Moisés Timbo de Oliveira, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou uma empresa a anular a justa causa e pagar indenização e verbas rescisórias a uma enfermeira.

Segundo o processo, a profissional trabalhava em uma UTI móvel. Ela era contratada por uma empresa que prestava serviços para a Prefeitura de São Paulo e foi demitida com a alegação de estar alcoolizada no trabalho e de ter muitas faltas injustificadas.

Na ação trabalhista, a autora alegou que é dependente química e que a empresa sabia de seu problema. Entretanto, a profissional disse que nunca se apresentou bêbada ou drogada no ambiente de trabalho. E ela alegou que em 2022 foi diagnosticada com ansiedade generalizada.

Por isso, pediu a anulação da justa causa e a conversão para dispensa imotivada, com o pagamento de todas as verbas rescisórias devidas. A autora também solicitou indenização por danos morais, alegando que se tornou motivo de piada no ambiente profissional por causa da dependência.

O município alegou não ter responsabilidade pelos atos do contratante. Para o juiz, entretanto, a celebração de contrato com empresa terceirizada não isenta o poder público de responsabilidade.

“O C. Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que o alcoolismo e a dependência química não caracterizam desvio de conduta bastante para a rescisão contratual, devendo ser aplicado o entendimento de sua Súmula 443, presumindo discriminatória a despedida de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito”, escreveu o magistrado.

O escritório Jade Advocacia representou a enfermeira no processo.

Processo 1001946-39.2023.5.02.0604

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Crédito presumido de ICMS não entra na base de cálculo de IRPJ e CSLL

A atribuição de crédito presumido de ICMS na base de cálculo de IRPJ e CSLL pela União representa ofensa ao pacto federativo, uma vez que retira, por via oblíqua, uma benesse concedida pelos estados. E esse entendimento não foi alterado pela Lei 14.789, de 2023.

Com essa fundamentação, a juíza Leticia Daniele Bossonario, da 2ª Vara da Justiça Federal de Piracicaba (SP), reconheceu o direito de uma empresa de não ter incluído o ICMS na base de IRPJ e CSLL.

A decisão foi provocada por um mandado de segurança, com pedido liminar, que pediu o reconhecimento do direito de não se sujeitar ao recolhimento do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS, afastando as disposições da Lei 14.789/23. A empresa autora da ação também pediu a compensação dos valores indevidamente recolhidos, corrigidos pela taxa Selic.

Em sua sentença, a juíza destacou que o regramento trazido pela Lei 14.789/2023 sobre a tributação do crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico não se aplica ao crédito presumido de ICMS, conforme o entendimento fixado no EREsp 1.517.492/PR.

“Posto isso, julgo parcialmente procedente o pedido, com resolução de mérito, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e concedo parcialmente a segurança e a respectiva liminar para reconhecer o direito da impetrante de excluir os valores relativos a crédito presumido/outorgado de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (lucro real) independentemente das regras estabelecidas na Lei 14.789/2023.”

A julgadora também autorizou a compensação em favor da empresa do imposto pago indevidamente, atualizado pela Selic. 

A autora da ação foi representada pelo advogado Wesley Oliveira do Carmo Albuquerque

Clique aqui para ler a decisão
Processo  5001941-07.2025.4.03.6109

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Relativização da impenhorabilidade: entre proteção à subsistência e efetividade da execução

Inicialmente, cabe destacar que as regras de impenhorabilidade têm por finalidade assegurar a dignidade da pessoa humana. Elas buscam proteger valores e bens necessários à sobrevivência do devedor e de sua família, como salários, vencimentos, aposentadorias, pensões e outros rendimentos essenciais, impedindo que a execução judicial o reduza à miséria.

Seguindo este diapasão, há quem entenda que as regras de impenhorabilidade são normas de ordem pública [1]. Todavia, conforme elucida Fredie Didier Jr [2], as regras de impenhorabilidade não servem à proteção da ordem pública, mas, sim, à proteção do executado. Logo, a impenhorabilidade perfaz um direito do executado.

Em outras palavras, como salienta Daniel Amorim [3], a impenhorabilidade é a última medida no trajeto percorrido pela “humanização” da execução, sendo uma tentativa do legislador em preservar a pessoa do devedor, manifestando a defesa de um mínimo existencial, respeitando-se a dignidade humana que, conforme emanado pelo legislador, possui patamar elevado em relação ao direito do exequente em ver o seu crédito satisfeito.

Relativização jurisprudencial: da literalidade do artigo 833 à ponderação de princípios pelo STJ com base no julgamento do EREsp 1.874.222/DF

Ocorre que, embora o artigo 833 CPC/15 tenha definido um rol de bens impenhoráveis, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 1.582.475-MG [4], relator ministro Benedito Gonçalves, por maioria, julgado em 3 de outubro de 2018, definiu que a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor, além da exceção explícita prevista no parágrafo 2º do artigo 649, IV, do CPC/1973, também pode ser excepcionada quando preservado percentual capaz de manter a dignidade do devedor e de sua família.

Vê-se, portanto, fazendo uma análise paralela entre a equiparação do artigo 649 do CPC/73 com o artigo 833 do CPC/15, que o Superior Tribunal de Justiça mitigou a regra sobre a impenhorabilidade, definindo que a impenhorabilidade só se revela necessária e adequada quando o bem efetivamente presta-se à manutenção da dignidade humana do devedor.

Esse entendimento foi ratificado posteriormente, com o julgamento do EREsp 1.874.222-DF [5], relator ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, por maioria, julgado em 19 de abril de 2023, onde relativizou-se a penhora de verba salarial inferior a 50 salários mínimos, desde que assegurado o montante que garanta a dignidade do devedor e de sua família, alterando, portanto, o entendimento do legislador esboçado no §2º do artigo 833 do CPC/15.

Isto, pois, segundo o ministro João Otávio, o Código de Processo Civil de 2015 suprimiu a palavra “absolutamente” impenhoráveis, presente no CPC/73. Logo, entendeu-se que a nova lei processual tratou a impenhorabilidade como relativa, permitindo que o Juízo, à luz da ponderação de princípios, tais como o princípio da execução menos gravosa, do desfecho único e da dignidade da pessoa humana, possa prestar uma tutela jurisdicional adequada para às peculiaridades do caso concreto.

Rol taxativo tornou-se exemplificativo após decisão do STJ

Assim, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o rol previsto no artigo 833 do CPC, originalmente taxativo, tornou-se exemplificativo após a relativização da impenhorabilidade pelo STJ.

E, ainda neste diapasão, a flexibilização das regras de impenhorabilidade à luz do entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 1.874.222/DF, consolidou-se o entendimento no sentido de que a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, prevista no artigo 833, IV, do CPC, não possui caráter absoluto, admitindo-se sua relativização em caráter excepcional, inclusive para satisfação de dívidas de natureza não alimentar, devendo o magistrado analisar o caso concreto, realizando a ponderação entre os princípios cabíveis.

Portanto, em que pese a literalidade da impenhorabilidade esboçada pelo legislador no artigo 833 do CPC, a jurisprudência entende que é, sim, possível afastar a impenhorabilidade “absoluta”, quando resguardado o mínimo existencial, à luz do caso concreto, haja vista que a não flexibilização desta impenhorabilidade absoluta, a exemplo da fixação do limite de 50 salários-mínimos para a impenhorabilidade, conforme artigo 833, §2º, do CPC, seria praticamente um dispositivo-barreira, impedindo a prestação jurisdicional no âmbito executivo, pois destoa-se da realidade da população brasileira, não traduzindo, portanto, em uma impenhorabilidade que vise o mínimo existencial para o devedor, mas, sim, uma tese defensiva que impede a satisfação do crédito.


[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. 4, cit., p. 341; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 3, p. 222; REDONDO, Bruno Garcia, LOJO, Mário Vítor Suarez. Penhora. São Paulo: Método, 2007, p. 82; GÓES, Gisele. “Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial”. Tese de doutoramento em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2007, p. 254; STJ, 4°. T., REsp n. 327.593/MG, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 19.12.2002, publicado no DJ de 24.02.2003, p. 238. Pontes de Miranda afirma que o beneficium competentiae, impenhorabilidade de bens estritamente necessários à preservação da dignidade do executado, examinado mais à frente, é de “direito público” (Comentários ao Código de Processo Civil. 2° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, t. 10, p. 133).

[2] Didier Jr., Fredie Curso de direito processual civil: execução / Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira – 7. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, pág. 815.

[3] Neves, Daniel Amorim Assumpção Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 14. ed. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2022, pág. 1144/1145.

[4] Disponível aqui.

[5] Disponível aqui.

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Magistrados não veem responsabilidade de jornais por plágio, mas tema é controverso

Os veículos de imprensa não se responsabilizam pela publicação de conteúdo que possa ser produto de plágio, de acordo com o entendimento de magistrados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. O tema, porém, é polêmico, e advogados que atuam na área de Propriedade Intelectual (PI) têm uma visão distinta: para eles, o veículo deve responder pelos danos eventualmente causados à vítima do plágio e tem o dever de checar se há violação de direitos autorais antes de qualquer publicação.

Segundo um ministro de corte superior, que preferiu não se identificar, o jornal, nesses casos, não se responsabiliza pelo conteúdo da publicação porque, no direito autoral, a presunção de responsabilidade é de quem copiou o conteúdo de outra pessoa.

A ideia é que o veículo não tem como saber se o conteúdo é plagiado, e isso não muda caso o plágio seja detectado posteriormente.

Caroline Somesom Tauk, juíza de uma vara federal do Rio de Janeiro especializada em PI, explica que, como tem entendido a jurisprudência, “haverá responsabilidade do editor ou diretor do jornal se, uma vez notificado extrajudicialmente da existência de plágio, o jornal não retirar o conteúdo”.

Tal interpretação se baseia no Marco Civil da Internet, que prevê duas situações nas quais as plataformas eletrônicas (inclusive jornais) têm de remover conteúdos mesmo sem ordem judicial: cenas de nudez não consentidas e violações de direito autoral. Ou seja, nesses casos, se o veículo for notificado e não retirar o texto do ar, pode ser responsabilizado.

Mesmo na jurisprudência, o tema é controverso. Segundo Caroline, exige-se uma checagem prévia de plágio quando o conteúdo é produzido por algum jornalista vinculado ao veículo. Mas, quando o conteúdo é de terceiros, “normalmente a retirada do conteúdo do ar já resolve”, a depender do caso. De qualquer forma, essa checagem “mostra cuidado” e é levada em conta para eventuais quantificações de danos morais, por exemplo.

Há quem defenda que os jornais têm, sim, responsabilidade pela publicação de conteúdos plagiados, devido ao artigo 104 da Lei de Direitos Autorais. Conforme esse trecho, “quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator”.

Porém, de acordo com a juíza, pela lógica desse artigo, “o jornal pode ser responsabilizado se não tiver cautela e controle editorial adequados”. Caso o veículo demonstre que não tinha como saber da violação e que eliminou rapidamente o conteúdo ao ser notificado, não deve ser responsabilizado.

“A responsabilização normalmente é discutida conforme o grau de envolvimento editorial do jornal”, aponta ela. Assim, os julgadores podem levar em conta se o veículo apenas hospeda conteúdos de terceiros ou se os edita ou até mesmo os destaca.

Longe da unanimidade

Para o advogado Fernando de Assis Torres, sócio do escritório Dannemann Siemsen e professor de Direitos Autorais em cursos de extensão da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), “o jornal responde solidariamente com o plagiador” por conteúdos plagiados devido à regra do artigo 104 da Lei de Direitos Autorais, pois “utiliza artigo produzido com fraude”.

A advogada Laetitia d’Hanens, sócia do Gusmão & Labrunie, explica que quem se sentiu prejudicado pode responsabilizar o jornal pela violação de seus direitos, pois o veículo tem “dever de verificação da originalidade dos conteúdos”.

A responsabilidade, de acordo com ela, é objetiva e não depende de notificação. Isso porque a atividade de um veículo de mídia é justamente publicar conteúdos autênticos. Assim, a obrigação de “checar a originalidade dos conteúdos” oferecidos faz parte da “natureza do negócio”. O benefício econômico obtido com a exploração dos conteúdos gera um “dever de vigilância para evitar a publicação de violação de direitos autorais de terceiros”.

Quem se sentir plagiado pode abordar o veículo de mídia e pedir a retirada do conteúdo do ar, uma retratação, o apontamento do crédito adequado do autor, indenizações por danos patrimoniais e morais etc.

Embora a situação seja mais comum em casos de artigos publicados pelo jornal, o plágio também pode ocorrer em textos escritos por jornalistas ou outras pessoas contratadas pelo veículo.

Segundo Torres, a existência de um contrato entre o plagiador e o jornal não afasta a responsabilidade solidária, “mas pode garantir direito de regresso ao jornal pelo plágio”. Ou seja, o veículo, caso seja responsabilizado, em tese, tem direito de ser reembolsado.

Laetitia indica que, normalmente, no momento da contratação, os jornais já pedem que a pessoa se responsabilize perante o veículo. Assim, se houver plágio e o jornal for responsabilizado, poderá cobrar eventuais indenizações do próprio plagiador — já que ele tinha o dever de produzir conteúdos originais, mas descumpriu o contrato. Isso é o direito de regresso.

No entanto, de acordo com a advogada, mesmo nesses casos, o jornal ainda precisa demonstrar que tomou “todas as cautelas necessárias” para evitar a violação de direitos autorais. E a responsabilização do veículo, em si, não é excluída: o jornal continua respondendo pelo plágio, mas ganha uma alternativa caso sofra algum prejuízo.

De todo modo, quem é acusado de ter cometido plágio pode sempre argumentar que não houve tal violação. Muitas vezes, tais discussões são levadas ao Judiciário, que analisa todo o contexto, com base em uma série de critérios. “A verificação da ocorrência ou não do plágio não é uma verificação ‘preto no branco’”, ressalta Laetitia.

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