É abusiva a justa causa por atos de manifestações nas mídias sociais?

É sabido que a legislação trabalhista prevê que a demissão por justa causa deve seguir determinados critérios legais, de sorte que, em casos de eventuais abusos, tal problemática poderá ser levada ao âmbito do Poder Judiciário, e, a depender da situação concreta, ser inclusive revertida.

Nesse sentido, o relacionamento interpessoal entre empregadores e trabalhadores deve sempre se pautar nos deveres da boa-fé objetiva e do respeito mútuo, para além de pressupor a observância das normas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Dito isso, verifica-se que desde o surgimento das redes sociais e dos aplicativos de mensagens — tais como Facebook, Instagram, WhatsApp, dentre outros —, algumas empresas têm se utilizado dos registros dessas plataformas digitais como pretexto para aplicar demissões por justo motivo.

Por certo, considerando as inúmeras polêmicas que giram em torno da matéria, o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista Consultor Jurídico (ConJur[1], razão pela qual agradecemos o contato.

Lição de especialista

Mas o que seria o conceito de justa causa para o Direito do Trabalho? Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Adalberto Martins [2]:

“Nas palavras de Wagner Giglio, ‘a justa causa traduz-se no ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a rescindir o contrato sem ônus para o denunciante’.”

Diante do conceito supramencionado, é possível afirmar que nem toda falta justifica a rescisão do contrato de trabalho. A justa causa caracteriza-se pelo dolo ou culpa grave. José Martins Catarino ensina que se a culpa for leve ou levíssima, ou não houver dolo, a despedida por justa causa não se justifica, e sim uma punição menos severa (suspensão ou advertência).

A doutrina concebe a existência de três sistemas legislativos a respeito da justa causa para a rescisão do contrato de trabalho: o genérico, o taxativo e o exemplificativo (…). No que respeita este aspecto, a doutrina é uníssora em assegurar que o legislador pátrio optou pelo sistema taxativo, em detrimento do genérico e do exemplificativo. No Brasil, a lei enumerou hipóteses de justa causa, motivo pelo qual não se permite invocar motivos não previstos legalmente para justificar a rescisão do contrato de trabalho”.

Legislação

Do ponto de vista normativo no Brasil, o artigo 482 da CLT [3] prevê que a demissão por justa causa deve seguir determinados critérios a embasar o encerramento de contrato com o trabalhador de forma motivada, sendo que nesta modalidade de extinção do pacto laboral o trabalhador terá reduzido ao final os seus direitos no momento do pagamento das verbas rescisórias [4].

Casos práticos

Um trabalhador que foi acusado de postar figurinhas “desrespeitosas” num grupo corporativo de WhatsApp teve revertida a sua dispensa por justa causa, sendo a empresa condenada ao pagamento das verbas rescisórias oriundas de uma dispensa imotivada [5]. O então desligamento do trabalhador que se encontrava há mais de 13 anos na empresa do ramo de serviços gráficos se deu em razão da acusação de “mau procedimento e indisciplina”.

Segundo informações extraídas do processo, após a empresa divulgar no WhatsApp a informação de que atrasaria o pagamento do adiantamento salarial aos empregados, o trabalhador postou figurinhas no grupo do qual também fazia parte o proprietário da companhia. As figurinhas foram consideradas “desrespeitosas” pela empresa, e que teriam causado tumulto no ambiente de trabalho, justificando, assim, a aplicação da justa causa.

Porém no julgamento da ação, o magistrado ponderou: “A despedida por justa causa caracteriza-se como a mais grave penalidade aplicada ao trabalhador e, por tal razão, deve ser admitida somente quando comprovada, de forma robusta, a ocorrência de falta grave o suficiente para quebrar, definitivamente, a fidúcia inerente ao contrato de trabalho”. Para além disso, o juiz também levou em consideração o fato de que outro trabalhador que enviou figurinha no grupo, assim como os demais colegas que enviaram mensagens externando indignação, não foram igualmente dispensados.

Portanto, concluiu-se que os argumentos apresentados pela empresa foram frágeis, bem como amplificadas pela decisão unilateral de punir apenas um trabalhador, ignorando outros que tiveram comportamentos semelhantes ao profissional demitido. Nesse diapasão, a demissão por falta grave deve ser excepcional, respaldada por provas robustas e por ações repugnantes que realmente comprometam a relação de confiança no contrato de trabalho.

Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) também já foi provocado a emitir juízo de valor sobre a mesma temática em um caso semelhante envolvendo publicações inadequadas em grupos de Whatsapp. No caso julgamento pela Corte Superior Trabalhista, determinado trabalhador havia sido dispensado por ato lesivo à honra e à boa-fama do empregador [6], pela conduta de reclamar sobre o atraso no pagamento do 13º salário.

Em seu voto, o ministro relator destacou:

“O reclamante valeu-se de seu aplicativo de mensagens para externar seu sentimento de insatisfação com o suposto atraso do pagamento da parcela do 13º salário — a qual, em realidade, foi quitada tempestivamente. Conquanto a linguagem empregada denote agressividade e suscite repúdio, configurando, portanto, uma conduta reprovável, não se reveste da gravidade necessária à configuração da justa causa, sobretudo quando considerado que o reclamante prestou serviços por oito anos sem ter cometido infração disciplinar e que a publicação foi retirada em poucos minutos. Não há, pois, como concluir que após oito anos de vínculo empregatício, a publicação, mantida por poucos minutos, contendo uma reclamação acerca do atraso de uma das parcelas legais implique na quebra absoluta da fidúcia imprescindível à relação empregatícia.”

Diante de tais casos práticos, infere-se ser necessária prudência para a aplicação da rescisão motivada, eis que tal modalidade de extinção contratual traz uma mácula para o trabalhador, assim como prejuízos severos que poderão impactar fortemente em sua vida pessoal e profissional.

Por tal razão, é preciso que as empresas invistam melhor em medidas preventivas, trazendo regras claras sobre o assunto, bem como promova a capacitação e os treinamentos de seus trabalhadores, de modo a fazer cumprir as normas previamente estabelecidas, fortalecendo o diálogo interno.

Em arremate, para além dessas medidas de cautela, a empresa poderá também adotar outros mecanismos, tais como registros de ocorrências, regulamentos internos e códigos de condutas, tudo, enfim, a evitar a ocorrência de danos, afinal, o investimento na prevenção é muito mais vantajoso que o pagamento pela reparação do prejuízo correspondente.

_____________________________

[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Manual Didático de Direito do Trabalho. 7. Ed. – Leme-SP: Mizuno, 2022. Página 240.

[3] CLT, Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado. Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

[4] Disponível em https://www.conjur.com.br/2025-jan-30/verbas-rescisorias-quais-sao-as-parcelas-e-as-formas-de-extincao-do-contrato-de-trabalho/. Acesso em 05.05.2025.

[5] Disponível em https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/revertida-justa-causa-de-trabalhador-acusado-de-postar-figurinhas-201cdesrespeitosas201d-em-grupo-corporativo-de-whatsapp. Acesso em 05.05.2025.

[6] Disponível e https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?conscsjt=&numeroTst=11752&digitoTst=15&anoTst=2020&orgaoTst=5&tribunalTst=18&varaTst=0010&consulta=Consultar . Acesso em 05.05.2025.

O post É abusiva a justa causa por atos de manifestações nas mídias sociais? apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Boas práticas e diretrizes internacionais para o processo legislativo democrático

Há uma crescente atenção de diversas organizações internacionais para a necessidade de democratizar o processo legislativo. Como destaca Tímea Drinóczi, para além da expansão da realização de análises de impacto legislativo ex ante em diversos países, organizações internacionais passaram a se dedicar à disseminação de boas práticas e diretrizes (guidelines) democráticas para o processo legislativo como estabelecimento de padrões de legística, fortalecimento da participação social e aumento da transparência das atividades parlamentares [1].

O presente artigo apresenta em visão panorâmica iniciativas recentes de algumas organizações internacionais que têm apontado boas práticas e diretrizes para o processo legislativo democrático, fazendo-se, quando possível, vinculações com o cenário brasileiro. Apresentam-se, em breves linhas, essas iniciativas com algumas conclusões gerais ao final.

Uma das organizações mais tradicionais é a União Interparlamentar – Inter-Paliamentary Union (IPU). Fundada em 1889, é sediada em Genebra e congrega mais de 180 Parlamentos nacionais, inclusive o Brasil. Sua atuação é destinada a promover a cooperação entre os Parlamentos para fortalecimento de suas capacidades institucionais e suas democracias. Alguns de seus temas de maior atenção são a resiliência democrática e os parlamentos, participação feminina na política, transformação digital e combate à crise climática.

Entre suas iniciativas, destacam-se os World e-Parliament Reports, sendo o mais recente de 2024, em que são apontadas as principais tendências de transição digital dos Parlamentos [2]. Como o Report demonstra, há uma tendência acentuada no período pós-Covid 19 de que as inovações digitais sejam permanentemente incorporadas às práticas parlamentares, gerando desafios de transparência, segurança e inclusão digital e oportunidades de aumento da participação social e resiliência democrática em contextos de crise. Há também o robusto “Indicadores para os Parlamentos Democráticos”, lançado em 202 [3], em que há 25 indicadores do caráter democrático dos parlamentos, já com estudos de casos em que países os utilizaram para avaliar suas instituições e práticas.

Outra instituição que tem se destacado é a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual é o Brasil é um país associado com possível ingresso pleno futuro. Na OCDE, há dois principais órgãos que trabalham o tema das boas práticas e diretrizes em processo legislativo e democracia.

O primeiro deles é o Comitê de Política Regulatória, cuja missão é fortalecer a produção de normas jurídicas – legislativas e administrativas – com base em evidências empíricas de forma estratégica e inovadora. Em 2012, foi adotada a importante Recomendação para a Política Regulatória e Governança [4], que sugeriu a seus membros a adoção de uma política regulatória ampla (whole-of-government) fundada em princípios de transparência e participação social, bem como a adoção de boas práticas como a análise de impacto ex ante e avaliação constante de estoque regulatório. O Comitê também faz regularmente a avaliação de políticas regulatórias de determinados países (Regulatory Police Outlook [5]). O Brasil é um dos países regularmente avaliados, sendo que o Relatório de 2022 (Regulatory Reform in Brazil [6]) ressalta, dentre outras sugestões, a necessidade de criação de uma política nacional de melhoria da qualidade regulatória, inclusive envolvendo o Poder Legislativo. No plano do Poder Executivo federal, a retomada do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG – Decreto 11.738/2023) e os Decretos 10.411/2020 e 11.243/2022 dialogam diretamente com essas recomendações.

Destaque e conclusões

Ainda no âmbito da OCDE, em 2022 foi criada a “Iniciativa Reforçando a Democracia” coordenada pelo Comitê de Governança Pública, tendo cinco pilares-chave: 1) combate à desinformação, 2) ampliação da participação social, 3) representação política, transparência na vida pública e igualdade de gênero, 4) práticas de sustentabilidade e 5) democracia digital. Um relatório de 2024 sobre a implementação desses pilares por diversos países retrata, entre outros, a necessidade de repensar respostas estatais lentas em face da desinformação digital e formas inovadoras e criativas de ampliar a participação social nas atividades do poder público no geral e dos parlamentos, em específico [7].

Outra instituição que tem ganhado destaque na atuação internacional a respeito da democratização do processo legislativo é o Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos – Office for Democratic Institutions and Human Rights (ODIHR) –, da Organização para Segurança e Cooperação na Europa). Atualmente com 57 países membros da Europa, Ásia Central e América do Norte, a Organização tem uma atuação destacada na cooperação com países de transição democrática mais recente na avaliação e produção de sugestões para o fortalecimento de eleições transparente e justas e do caráter democrático das normas jurídicas que regem o processo legislativo.

Uma publicação recente que se destaca é o Guidelines on Democratic Lawmaking for Better Laws [8], em que são apresentados 17 princípios para o legislar democrático, entre eles os pré-requisitos do processo legislativo: respeito aos princípios democráticos, aderência ao Estado de Direito e respeito aos direitos humanos. Como já destacado em outra oportunidade [9], trata-se de um documento pioneiro focado especialmente na produção legislativo do direito, do seu potencial democrático, boas práticas parlamentares e desafios contemporâneos. Embora produzido por uma organização com atuação mais regionalizada, podem servir de inspiração para outros países, inclusive o Brasil, uma vez que apresentam rica experiência prática de problemas e soluções enfrentadas por parlamentos.

No âmbito das Américas, há o Parlamericas, entidade instalada em 2001, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), como fórum de compartilhamento de experiências e cooperação entre os parlamentos americanos. Atualmente 35 parlamentos nacionais participam do Parlamericas, inclusive o Brasil. Entre suas publicações, se destacam o Mapa para Abertura Legisaltiva 2.0, de 2021 [10], em que há a descrição de diretrizes e iniciativas para o fortalecimento transparência, accountability, participação social e ética na condução das atividades parlamentares.

Diante desse cenário de multiplicidade de documentos, apontam-se quatro conclusões.

É no mínimo curioso perceber que o debate sobre os princípios – aqui não em sentido jurídico, mas de diretrizes políticas – do processo legislativo seja objeto de maior atenção internacional relativamente a pouco tempo. Desde as revoluções liberais do século 17 e 18, entende-se que os parlamentos são órgãos centrais dos governos representativos e, mais recentemente, das democracias representativas, com suas regras e formalidades.

Contudo, é nas últimas décadas, com as transições democráticas especialmente em países da América Latina, leste Europeu, África e Ásia e as constantes crises da democracia representativa, que se aprofundam as demandas por maior qualidade e democraticidade dos trabalhos parlamentares. Como Elsa Pilichowski, diretora de Governança Pública da OCDE e responsável pelo programa Reforçando a Democracia, destaca: “(..) não é que nossas democracias não estão funcionando como elas costumavam funcionar – são as expectativas dos cidadãos que mudaram” [11]. Há, portanto, novas demandas de transformação democrática do processo legislativo e não apenas um retorno a um idealizado modelo de deliberação do passado.

Em segundo lugar, é possível notar alguns pontos largamente comuns nos diversos documentos e diretrizes sobre o legislar democrático. Diretrizes como respeito à democracia e aos direitos humanos, aumento da participação social e de minorias políticas, legislação com base em evidências e análise de impacto legislativo, igualdade de gênero na política e aumento do uso de ferramentas digitais nas atividades parlamentares, apenas para mencionar alguns, são contemplados nos diversos documentos e apontam para aspectos da transformação dos parlamentos no século 21.

Esses pontos comuns podem oferecer o substrato político para justificar e oferecer alternativas para reformas do arcabouço jurídico a respeito da produção legislativa do direito. Como aponta Edoardo Celeste em relação à grandes declarações de direito do século 18 e, mais recentemente, às diversas declarações de direitos digitais produzidas inclusive por entidades do terceiro setor, há um movimento histórico de que pautas inicialmente políticas do constitucionalismo expressadas em documentos esparsos e não vinculantes sejam incorporadas ao discurso jurídico e, posteriormente, transformadas em direito vigente nos planos nacionais [12]. Essa pode ser justamente a tendência no caso da democratização do processo legislativo a partir dessas diretrizes internacionalmente compartilhadas.

Em terceiro lugar, há uma percepção compartilhada de que a transformação dos parlamentos depende, de um lado, de estável compromisso político dos representantes parlamentares e, de outro, institucionalização por meio de regras e instituições dedicadas a essas atividades. Embora a produção legislativa não seja uma atividade meramente técnica, mas essencialmente política na qual diversas visões de mundo e ideologias são apresentadas para o debate público antes da tomada de decisão, há uma dimensão crescente da incorporação de boas práticas regulatórias para o processo legislativo, que requerem pessoal e instituições com algum grau de independência para produzirem informações para subsídio dos parlamentares. Além disso, a participação social por meio de canais institucionalizados cada vez mais é percebida como um elemento central do processo legislativo e não apenas algo que pode ou não ocorrer a critério exclusivo da maioria parlamentar.

Por fim, e a título de conclusão, abre-se amplo campo para estudos e pesquisas. Para mencionaram-se apenas alguns deles: 1) comparação entre os documentos e perspectivas das organizações internacionais sobre o caráter democrático do processo legislativo, 2) ) análise da colaboração entre essas instituições entre si e os parlamentos nacionais e regionais, 3) estudos de caso para a incorporação dessas diretrizes aos diferentes parlamentos nacionais e regionais, 4) relação dessas diretrizes com o direito positivo vigente de diversos países, com destaque para sua tradução em normas jurídicas constitucionais, legais e regimentais, bem como a prática de sua revisão judicial, e 5) estudos de caso do impacto dessas diretrizes sobre o processo legislativo de leis em concreto para avaliar suas potencialidades e desafios. Como é fácil perceber, trata-se de empreitada que mobiliza diversas áreas do conhecimento entre elas a teoria política, ciência política, política comparada, direito constitucional, direito parlamentar e direito regulatório. Fica, portanto, o convite.


[1] Tímea Drinóczi, “Quality Control and Management in Legislation: a Theoretical Framework”, KLRI Journal of Law and Legislation 7 (2017), p. 73.

[2] https://www.ipu.org/resources/publications/reports/2024-10/world-e-parliament-report-2024

[3] https://www.parliamentaryindicators.org/

[4] https://www.oecd.org/en/publications/2012/11/recommendation-of-the-council-on-regulatory-policy-and-governance_g1g3fce5.html

[5] https://www.oecd.org/en/publications/oecd-regulatory-policy-outlook-2025_56b60e39-en.html#:~:text=Adopt%20regulatory%20reviews%20to%20revise,potential%20for%20risk%2Dbased%20enforcement.

[6] https://www.oecd.org/en/publications/2022/06/regulatory-reform-in-brazil_da75f3f8.html

[7] https://www.oecd.org/en/publications/2024/10/the-oecd-reinforcing-democracy-initiative_458501ab.html

[8] https://www.osce.org/odihr/558321

[9] Victor Marcel Pinheiro, “Review: ODIHR Guidelines on Democratic Lawmaking for Better Laws”, Theory and Practice of Legislation 12 (2024), pp. 344-357.

[10] https://www.parlamericas.org/uploads/documents/Road_map_2.0_ENG.pdf

[11]  Entrevista, “Time to act: Nurturing our democracies for the 21st century”, OECD Podcasts, 2022.

[12] Edoardo Celeste, “Digital Constitutionalism: The Role of Internet Bill of Rights”, London, Routledge, 2023, pp. 116-7.

O post Boas práticas e diretrizes internacionais para o processo legislativo democrático apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Securitização e reforma tributária: da não cumulatividade do IBS e da CBS

A reforma tributária possui como um dos seus fundamentos a neutralidade fiscal, definida como a mitigação da influência dos tributos sobre as decisões de consumo e de organização da atividade econômica. Ela tende a representar um empecilho para o planejamento tributário das empresas, pois, em tese, o novo sistema é formulado para que, independentemente das estruturas societárias criadas, dos contratos firmados e das nomenclaturas utilizadas, o encargo tributário permaneça o mais constante possível.

A securitização de crédito, conforme Resolução nº 60/2021 da CVM, consiste na aquisição de créditos para utilização como lastro para a emissão de títulos. Em suma, a empresa que possui créditos a receber no longo prazo, aliena-os à securitizadora com deságio a fim de ter uma antecipação do valor a receber. Assim, incrementa seu caixa, viabilizando o aumento de suas operações e outros investimentos.

Apesar de ser uma estratégia eminentemente financeira para as empresas, a securitização também é recorrentemente utilizada como meio de obter benefícios tributários, já que o deságio aplicado na venda do crédito pode ser deduzido na apuração do Imposto de Renda como despesa financeira.

Esta vantagem tributária, no entanto, depende da conjugação e equilíbrio de diversos fatores, incluindo a tributação da própria atividade de securitização. Logo, os contribuintes devem estar atentos à manutenção deste equilíbrio diante da reforma tributária, que prevê a modificação também da tributação dos serviços financeiros.

Securitização

Para uma análise mais completa, é necessário entender alguns aspectos tributários atuais da securitização de crédito.

Em primeiro lugar, a atividade não é submetida à cobrança de ISS, por conta da sua ausência de previsão na Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003, o que se confirmou em precedentes dos tribunais brasileiros.

A IN 2.121/22 dispõe que há a incidência de Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins sobre as securitizadoras com um regime cumulativo com alíquota de 4,65%. A base de cálculo é composta pela diferença entre o custo de aquisição dos direitos creditórios e o valor recebido pela securitizadora, o que permite o desconto das despesas com a captação de recursos.

A LC 214/25, que regulamenta o IBS e da CBS sobre os serviços financeiros, dispõe que, na operação de securitização, a base de cálculo será composta pelo desconto aplicado sobre a liquidação antecipada do crédito com a dedução das despesas com captação de recursos e das despesas com emissão, distribuição, custódia, escrituração, registro, preparação e formalização de documentos, administração do patrimônio separado e atuação de agentes fiduciários, de cobrança e de classificação de risco.

Há uma grande semelhança entre as bases de cálculo antes e depois da reforma, com uma maior definição das despesas passíveis de dedução da receita. Uma eventual majoração dos encargos tributários sobre a atividade, para análise da manutenção do benefício tributário, dependerá, portanto, da alíquota designada para o cálculo dos novos tributos.

Na Reforma, a securitização de crédito está sujeita à incidência de IBS e CBS, calculados conforme a alíquota geral do regime de serviços financeiros. Essas alíquotas serão fixadas de modo a manter a atual carga tributária incidente sobre as operações de crédito praticadas pelas instituições financeiras bancárias.

Considerando a IN 2.121/2022 e a LC 214/25, percebe-se que a definição da base de cálculo para operações de crédito possui semelhanças, porém, a alíquota dos novos tributos será acrescida dos encargos tributários não recuperados, atualmente, pelas instituições financeiras. Assim é provável que a nova alíquota de modo que poderá resultar em valor superior a 4,65%, porém espera-se que não seja um aumento abrupto, de modo que as operações de securitização não devem ser excessivamente oneradas com o novo sistema.

Já sob a perspectiva daquele que cede o crédito, uma novidade da Reforma é a possibilidade de permitir o crédito de IBS e CBS sobre o valor do deságio aplicado sobre o título. Ou seja, além do benefício já existente quanto à dedução do deságio no IRPJ e CSLL, o novo sistema permitirá a dedução (crédito) também em relação aos tributos do consumo, o que atualmente não ocorre com o PIS e a Cofins. Assim, a operação pode se tornar ainda mais atrativa, do ponto de vista fiscal, para os contribuintes.

Em conclusão, ainda não é possível avaliar com precisão o impacto das novas regras sobre a atividade de securitização de créditos. Contudo, a semelhança na composição das bases de cálculos entre o atual e o novo regime, permite vislumbrar uma perspectiva de baixo impacto, salvo diante de variação abrupta da alíquota. Como aspecto positivo, o creditamento sobre o deságio tende a potencializar os benefícios tributários obtidos pela securitização, podendo fazer com que esse tipo de operação se mantenha como uma opção viável de planejamento para as empresas diante do novo sistema.

O post Securitização e reforma tributária: da não cumulatividade do IBS e da CBS apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

‘A única libertação para a Suprema Corte é interpretar a Constituição com integridade’

Em um mundo polarizado e com o Judiciário sob ataques de políticos, “a única libertação para uma Suprema Corte é interpretar a Constituição com integridade, coerência e fundamentação transparente e inteligível”.

Gustavo Moreno/STF

 

É o que afirma o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, no prefácio do livro A autoridade da Suprema Corte e o perigo da política, de Stephen Breyer, ministro aposentado da Suprema Corte dos EUA. A edição brasileira da obra foi traduzida por Georges AbboudGustavo Vaughn e Gabriel Teixeira.

No prefácio, Barroso destaca a importância do respeito às instituições democráticas, mesmo diante de decisões que possam desagradar setores da sociedade. Segundo o presidente do STF, a obra oferece uma análise profunda sobre o papel do Judiciário em democracias contemporâneas.

“As instituições democráticas, e entre elas as Supremas Cortes, devem ser apreciadas em seu conjunto, mesmo quando, eventualmente, não se goste de um ou outro resultado”, ressalta.

De acordo com Barroso, a capacidade de fazer justiça é o trunfo do Judiciário para conquistar a obediência espontânea dos cidadãos e dos demais Poderes.

“Cabe à Constituição o papel de abrigar o ideal de justiça de uma sociedade. Mas, como visto, existem cláusulas constitucionais que não têm sentido unívoco, sendo passíveis de interpretações variáveis. Breyer defende que, em certos casos, a Corte simplesmente evite adentrar questões polêmicas, o que nem sempre é possível. Que, em outras situações, adote uma postura minimalista, construindo argumentos bem limitados ao caso concreto. Em outras, ainda, deve optar por resolver o problema com base em legislação ordinária, escapando de interpretações constitucionais mais complexas”, menciona o ministro.

Segundo ele, não existe uma “fórmula mágica” para preservar a confiança na Corte, nem para impedir acusações de que os ministros são políticos sem legitimidade popular.

“Tal percepção se tornou inevitável num mundo crescentemente polarizado, em que um dos lados do espectro político nutre ojeriza a cortes independentes, que não tenham sido capturadas pelas maiorias eventuais. Nesse cenário conflagrado, a única libertação para uma Suprema Corte é interpretar a Constituição com integridade, coerência e fundamentação transparente e inteligível. E ter em conta que a legitimidade da sua missão não se confunde com a popularidade de seus membros. O certo, justo e legítimo nem sempre é popular. Mas é o que deve ser feito”, opina Barroso.

Experiência na Suprema Corte

O livro A autoridade da Suprema Corte e o perigo da política examina a interação entre a Suprema Corte norte-americana e a política e aborda os desafios enfrentados pelo Judiciário em um contexto de crescente polarização.

Stephen Breyer atuou por mais de 28 anos na Suprema Corte e foi nomeado pelo então presidente Bill Clinton em 1994. Aposentou-se em 2022 e, atualmente, leciona Direito Administrativo em Harvard.

O post ‘A única libertação para a Suprema Corte é interpretar a Constituição com integridade’, diz Barroso apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Defesa da democracia não pode depender do Judiciário, diz pesquisador

Embora seja visto como uma barreira ao autoritarismo no Brasil e no exterior, o Judiciário tem poder limitado para proteger a democracia e os direitos individuais. A avaliação é do pesquisador britânico Chris Thornhill, professor de Direito na Universidade de Birmingham.

 

Especialista em Direito Constitucional Comparado, Thornhill lançou em dezembro passado o livro A Sociology of Post-Imperial Constitutions: Suppressed Civil War and Colonized Citizens, publicado pela editora da Universidade de Cambridge.

Na obra, que não foi lançada em português, o professor estuda a evolução das constituições pelo mundo desde o século 18. No livro, ele argumenta que os regimes constitucionais têm retomado, nos últimos anos, um caráter militarizado que era uma tendência histórica até a Segunda Guerra Mundial, mas que havia se enfraquecido.

O pesquisador, que está no Brasil como professor visitante do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), falou à revista eletrônica Consultor Jurídico sobre as constituições modernas, avaliou a solidez das democracias pelo mundo e tratou do papel e dos limites do Judiciário nesse processo.

“No Brasil, o Judiciário tem conseguido, em linhas gerais, preservar as condições institucionais, políticas e normativas para a democracia. Não digo que o STF acertou em tudo, mas tem sido melhor do que as supremas cortes em outras democracias ameaçadas ou sob pressão. Melhor do que a Suprema Corte dos EUA, por exemplo”, diz.

Thornhill sustenta que o Judiciário tem poder limitado para conter crises democráticas. “Os tribunais não conseguem fazer isso sozinhos. Se eles sofrem pressão política por um longo período, capitulam. E a composição desses tribunais pode ser alterada com muita facilidade. A capacidade das instituições judiciais de proteger os direitos individuais, que são um requisito básico da democracia, foi corroída ao longo do tempo.”

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Seu livro mais recente trata da história das constituições modernas. Pode resumir o teor da obra?
Chris Thornhill — O livro é uma tentativa de reconstruir o desenvolvimento do Direito Constitucional desde o século 18. Meu argumento, em essência, é que a elaboração de constituições é orientada por imperativos de segurança. As constituições refletem o ambiente internacional de segurança do momento histórico em que foram criadas.

Até o final da década de 1980 as constituições eram, em geral, guiadas pela necessidade de mobilizar a força militar para conflitos internacionais, um fenômeno que está ligado ao imperialismo. A partir desse período, início dos anos 1990, vimos um declínio da pressão do imperialismo sobre o Direito Constitucional. As constituições foram, então, estabilizadas com base em direitos individuais e no Estado de bem-estar social.

Esse panorama, porém, voltou a mudar em anos recentes. Podemos observar uma nova tendência de militarização nas constituições, ou formas de constitucionalismo em que os militares têm papel importante. O ambiente de segurança internacional está novamente influenciando o Direito Constitucional.

ConJur — Em que países ou regiões o sr. notou a retomada da militarização no Direito Constitucional?
Chris Thornhill — O livro faz uma distinção entre dois tipos de militarização: vertical e horizontal. Na vertical, que tem foco na segurança externa, os governos buscam legitimidade integrando os cidadãos aos exércitos regulares e tratando o conflito militar como a maior ameaça a essa legitimidade. Já a militarização horizontal é uma resposta a um possível conflito civil. Nesse caso, os governos se legitimam por meio da gestão desse conflito, ou tomando partido nele.

A dimensão vertical tem sido observada na Europa. Vários governos europeus caminham para uma remilitarização constitucional principalmente devido à guerra na Ucrânia, mas também pelas mudanças nas políticas de segurança dos EUA. Processos semelhantes têm aparecido na Índia e em países da Ásia Central.

Também temos exemplos a nível horizontal. Nos EUA, o aparato constitucional criado a partir de 1945 vive uma crise de legitimidade porque o governo promove o descrédito do Direito Internacional. O resultado disso é uma clara incubação de conflitos internos na sociedade americana. A democracia constitucional está mais ameaçada pela intensificação desses conflitos do que pela militarização externa.

ConJur — Como o Brasil se posiciona nessa análise?
Chris Thornhill — O Brasil é uma das democracias constitucionais mais importantes do mundo. Desde 1988, o sistema democrático no Brasil teve conquistas extraordinárias, particularmente no combate à pobreza. É um caso incomum de Constituição que não foi criada por pressões militares e lançou bases para um Estado de bem-estar social.

Mas podemos ver, nos últimos anos, que esse investimento no bem-estar social tornou-se um estopim para vários tipos de movimentos radicais. E estes movimentos assumem uma forma parcialmente militar, ou são apoiadas por atores com força militar.

ConJur — As democracias atuais têm conseguido preservar sua integridade?
Chris Thornhill — Acho importante não ser apocalíptico nessas análises. Não vejo, pelo menos por enquanto, uma crise constitucional global. Nos últimos anos, alguns Estados com grandes populações tornaram-se mais democráticos.

Mas muitos Estados tornaram-se menos democráticos. Eu diria que já é questionável se os EUA são uma democracia. A Rússia claramente não é mais uma democracia. E vários sistemas constitucionais na Europa não correm necessariamente o risco de um colapso democrático, mas podem enfraquecer as estruturas da democracia por influência de regimes populistas.

Já o Brasil, como sabemos, sobreviveu a um desafio muito sério à democracia. Em alguns aspectos, o sistema constitucional brasileiro se mostrou mais resistente que o de países europeus.

ConJur — O Judiciário tem conseguido exercer seu papel na preservação da democracia?
Chris Thornhill — Uma coisa que venho repetindo em minhas publicações, nos últimos anos, é que não sabemos muito sobre democracia. Não temos um arcabouço teórico muito forte sobre como ela se desenvolve e como pode ser estabilizada.

O que sabemos com bastante segurança é que a democracia geralmente tem dois pré-requisitos: ela precisa estar pautada pelo Direito Internacional dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, ter um sistema robusto de bem-estar social, que englobe renda, saúde e educação. A questão, portanto, é saber se os órgãos judiciais nacionais são capazes de preservar essas condições.

No Brasil, o Judiciário tem conseguido, em linhas gerais, proteger as condições institucionais, políticas e normativas para a democracia. Não digo que o STF acertou em tudo, mas tem sido melhor do que as supremas cortes em outras democracias ameaçadas ou sob pressão. Melhor do que a Suprema Corte dos EUA, por exemplo.

Mas o que podemos ver a nível global é que os tribunais não conseguem fazer isso sozinhos. Se eles sofrem pressão política por um longo período, capitulam. E a composição desses tribunais pode ser alterada com muita facilidade. A capacidade do Judiciário de preservar um requisito básico da democracia, que é a proteção dos direitos individuais, foi corroída ao longo do tempo.

O que podemos observar pelo mundo, de maneira praticamente invariável, é que ataques ao Judiciário são um sinalizador de crise democrática. Quando governos começam a se voltar contra a democracia, ou são influenciados por movimentos antidemocráticos, a hostilidade ao Judiciário é o primeiro indicador disso.

O post Defesa da democracia não pode depender do Judiciário, diz pesquisador apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Acidente com lombada e iluminação irregulares resulta em indenização

A 3ª Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve, por unanimidade, a condenação do município de Sinop por danos morais e materiais decorrentes da morte de uma mulher, vítima de um acidente de trânsito causado por uma lombada fora dos padrões técnicos e a ausência de iluminação pública adequada. A decisão foi proferida na sessão do dia 5 de fevereiro de 2025, sob relatoria do desembargador Luiz Octávio Oliveira Saboia Ribeiro.

O acidente ocorreu em junho de 2009. Conforme os autos, a vítima trafegava de motocicleta quando foi surpreendida por uma lombada recém-instalada e com dimensões superiores às permitidas pelas normas de trânsito. O laudo pericial confirmou que o quebra-molas foi construído em desacordo com a Resolução nº 39/1998 do Contran e que a via não possuía iluminação pública no momento do acidente, o que comprometeu a visibilidade.

Diante das evidências, o juízo de primeira instância condenou o município ao pagamento de R$ 50 mil a título de danos morais para cada um dos autores da ação — os filhos da vítima — e pensão mensal de dois terços do salário-mínimo, rateada entre os três filhos até que completem 25 anos.

Na apelação, o município de Sinop sustentou a culpa exclusiva da vítima, alegando que ela trafegava em velocidade acima do permitido, sem habilitação e possivelmente sem o uso adequado do capacete. Requereu ainda a dedução do valor recebido pelo seguro DPVAT da indenização, além da redução dos valores fixados a título de danos morais e pensão.

O relator, no entanto, rejeitou os argumentos. Segundo ele, a falta de habilitação constitui mera infração administrativa e, junto com o excesso de velocidade, configura culpa concorrente — e não exclusiva — da vítima. “Mesmo na velocidade permitida, haveria risco de acidente, considerando a lombada fora dos padrões técnicos e a ausência de iluminação”, destacou em seu voto.

O pedido de abatimento do valor do DPVAT foi rejeitado por configurar inovação recursal, ou seja, não havia sido apresentado em primeira instância, o que é vedado pelo artigo 1.014 do Código de Processo Civil.

A Câmara considerou razoável e proporcional o valor de R$ 50 mil fixado a título de danos morais para cada filho da vítima, bem como a pensão mensal estipulada. “Trata-se de compensação mínima diante da gravidade do fato — a morte de um ente querido em acidente provocado por negligência do poder público — e da condição de dependência dos filhos menores à época dos fatos”, afirmou o relator.

A decisão reforça a jurisprudência consolidada quanto à responsabilidade objetiva do Estado por omissão na conservação e sinalização das vias públicas, conforme previsto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal. Para o relator, ficou evidente o nexo causal entre a conduta omissiva e comissiva do ente público e o dano sofrido. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-MT.

Processo 0012968-25.2009.8.11.0015

O post Acidente com lombada e iluminação irregulares resulta em indenização apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

O paradoxo Tostines, as redes sociais e o teste para brain rot: faça aqui!


Nem todos conhecem o “paradoxo Tostines”. Na época, a maioria chamou de “dilema Tostines”. Dilema é quando temos decisões a tomar e qualquer delas é trágica. Um exemplo é o dilema do trem, em que, para não matar dez pessoas, desvia-se o bólido e mata uma. Já o paradoxo trata de algo sobre o qual não podemos decidir.

Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais?  Trata-se de um paradoxo. Os mais jovens não sabem o que é, porque só frequentam redes sociais, com o que, paradoxalmente, em face do excesso de informações, acabam sem conhecimento algum. Como dizia T.S. Eliot, informação não é conhecimento; conhecimento não é saber; saber não é sabedoria.

Interessante notar que o número crescente de smartphones e quejandices tecnológicas, face à facilidade com que se tem acesso a informações, deveria diminuir o número de néscios e similares. Porém, mais informação, mais néscios. Informação demais é informação de menos. Eis aí outra questão paradoxal.

Voltando ao paradoxo Tostines: as redes sociais são superficiais e produtoras de ignorância porque se retroalimentam de ignorantes ou os ignorantes são assim porque frequentam as redes sociais?

Na mesma linha, o que veio primeiro? A agnotologia (produção deliberada de ignorância) ou o tik tok? Boa pergunta. De difícil ou impossível resposta.

A jornalista Becky Korich, em artigo na Folha de S.Paulo, faz uma ironia (ou sarcasmo) com os testes que aparecem nas redes sociais. Você pode testar seu QI (coeficiente de inteligência), seu índice de gordura, seu grau de cretinice, seu índice de alcoolismo, assim como fazer o teste para saber se você tem a doença da moda, o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção…). Korich alerta: além de confundir compreensão sobre transtornos, conteúdo de redes sociais enfraquece capacidade das pessoas de lidar com suas emoções.

E lá vem o teste:

(i) você esquece onde deixou as chaves do carro ou o celular? Check.

(ii) Tem dificuldade em manter o foco em tarefas entediantes? Check.

(iii) Lê vários livros ao mesmo tempo e demora para terminar? Check.

(iv) Sente incômodo com música alta quando está concentrado? Check.

(v) Esquece com frequência o que ia dizer? Check.

(vi) Sente sono pela manhã?

Korich conclui: mil checks. Sim para todas. Veredito: TDHA (transtorno do déficit de atenção por hiperatividade).

O resultado é instantâneo, mostra a jornalista: “os mestres em ‘medicina Tik Tok’ não sabem quem eu sou, de onde vim, se bebo, se fumo, se durmo bem – mas, de tão experts que são, sabem muito mais sobre mim. Funciona assim: uma lista de perguntas de ‘sim’ ou ‘não’ é lançada e o resultado vem no final, junto com a prescrição do remédio”.

Um estudo recente feito por pesquisadores da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, revelou um dado alarmante: dos sintomas relatados nos vídeos mais populares sobre TDAH no TikTok, que somam quase meio bilhão de visualizações, menos da metade se apoia em fontes confiáveis.  As redes sociais podem ser aliadas da saúde mental. Podem ajudar a espalhar informação de qualidade, aumentar a conscientização e combater estigmas e preconceitos. Mas, quando se trata de redes sociais, os likes são mais valiosos do que a ciência comprovada.

A jornalista conta que, em um vídeo, uma adolescente dança, aparece na tela uma relação de “sintomas” de autismo, como não gostar de usar meias, não misturar salada com o restante da comida e dormir com a TV ligada. “Coisas que eu achei que todo mundo fazia, mas na verdade são sintomas de autismo“, diz a legenda. Impressionante. A vítima do outro lado da tela deve abaixar os dedos da mão para cada característica com que se identifica. Se fechar os cinco dedos: bingo! Positivo para o espectro. Impressionante de novo.

E o espantoso de tudo isso, diz Korich, é que nos comentários muitos usuários engolem o diagnóstico: “Me identifiquei com todas, socorro“, “Sim para todas, mas fui diagnosticada como TDAH e agora estou confusa“, “estou descobrindo que sou autista com 56 anos“, “me identifiquei com 4, devo me preocupar?”.

Os vídeos sobre TEA (transtorno do espectro autista) e TDAH estão entre as dez hashtags relacionadas à saúde mais visualizadas do TikTok. Dos mais populares com a hashtag #autism, só 27% tinham informações precisas sobre o transtorno. Alguns prometem a “cura” para o autismo, oferecendo pulseiras magnéticas, óleos essenciais e outras tolices. Esqueceram as rezas de pastores. Ou Ora Pro Nobis. Até a ingestão de alvejantes foi recomendada como tratamento, que, pasme, alguns pais tiveram a insanidade de aplicar aos seus filhos.

As redes sociais são o lugar da charlatanice em grau semelhante ao das igrejas com cultos televisivos que todos os dias fazem “curas” até de Covid, como foi o caso de um missionário ou pastor que diz ter curado mais de 100 mil doentes de Covid. O problema é que ele mesmo foi entubado, mostrando que a realidade também produz ironias e sarcasmos. Será que ele esqueceu de orar? Ou de pagar o dízimo? Bom, deixem pra lá. Só estou fazendo perguntas. Ironia e fé às vezes se mesclam…!

Nestes tempos de cérebro podre ou apodrecimento cerebral (grupos de WhatsApp também colaboram para o brain rot), as redes sociais são um prato cheio para os pesquisadores. Redes: o lugar sem filtro. Em que um idiota se transforma em opinador.

Bom , nenhum pesquisador pode dizer que morre de tédio. Há de tudo nessa selva.

Talvez possamos fazer um teste para saber se o usuário da rede está com brain rot. Inventei o teste hoje. Vamos lá?

(i) Check 1: você não lê jornal e se informa no seu grupo de whatsapp e Instagram, Tik Tok ou X?

(ii) Check 2: fica mais de uma hora olhando filminhos de tik tok em um dia?

(iii) Check 3: há mais de dois anos não lê um livro?

(iv) Check 4: não resiste à tentação de esculhambar a postagem da qual não gostou?

(v) Check 5: é radicalmente a favor da linguagem simplificada (se você é da área jurídica ou do jornalismo a coisa é ainda mais grave) e tende a acreditar nas informações que circulam – resumidinhas – no Instagram e se sente atraído pelas imagens de sucesso?

Se você respondeu “sim” para as cinco checagens, você já está com brain rot em estágio avançado; se você respondeu quatro checagens afirmativamente, seu quadro é difícil, praticamente impossível de recuperar. Só tratamento de choque como ler livros pode lhe salvar.

Mas um adendo: livros que são genuinamente livros. Se for da área jurídica, não vale livro que reproduz o senso comum teórico jurídico. E não vale sinopse, resumidinho ou simplificado-mastigadinho. Nem musicado. Porque, se for algo desse tipo, o efeito é adverso: excesso de concursismo causa brain rot severo.

Dá para seguir no teste – um modelo premium:

(vi) Check 6: você acredita que “textão” é sinônimo de arrogância ou intelectualismo, e que qualquer ideia que exija mais de 30 segundos de atenção deve ser descartada?

(vii) Check 7: você compartilha frases de efeito sem saber quem disse (ou atribuindo a Clarice Lispector)?

(viii) Check 8: você é fofinho(a)/poliana nos grupos de whatsapp que participa, concordando com tudo e colocando emojis de positivo para qualquer platitude ou truismo?

(ix) Check 9: não sabe o que é platitude

(x) Check 10: você se sente satisfeito por “não saber dessas coisas aí” – sejam elas políticas, históricas, filosóficas ou qualquer assunto que não caiba em um meme? Parabéns, você é um entusiasta da agnotologia. Não tem cura.

Muito cuidado. O pior tipo de brain rot é o brain rot performático. Como se fosse bonito. Há algum tempo, ser estúpido era feio. Depois, passou a ser aceitável. Agora, o feio é estudar. E escrever textos difíceis (sic).

Bem, por hoje, é isso. Bocejei uma vez enquanto escrevia este texto. Deve ser TDAH! Check!

O post O paradoxo Tostines, as redes sociais e o teste para <i>brain rot</i>: faça aqui! apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

O SUS ainda é política de Estado?

A leitura do jornal do dia 14 de abril de 2025 [1] noticiava a reconfiguração do programa “Mais acesso a especialistas”. A notícia da iniciativa, em princípio louvável, revelava, todavia, bastidores de um conflito interno no Ministério da Saúde, que explicita o quanto ainda temos a amadurecer no tema da construção, monitoramento e avaliação de políticas públicas – não obstante todo o esforço de construção que se tem desenvolvido neste campo. Mais especificamente, o quanto é preciso avançar na visão de que políticas públicas podem não ser de governo, mas sim de Estado.

Vamos localizar o tema. A notícia acima referida, dizia do esforço do Ministério da Saúde, no sentido da reformulação do referido programa. O modelo originário tinha por eixo principal, o desenho de incentivos para que estados e municípios se engajassem em iniciativas para reduzir a fila de espera de procedimentos como exames e cirurgias. A formatação que se baseava no envolvimento dos demais entes federados – é o que diz a notícia – foi reputada indesejável, eis que, dentre outros argumentos, com isso não se tinha o reforço da presença do governo federal como o garantidor da solução do problema. A alternativa agora sob estudo é o uso de parcerias com a rede privada.

A notícia, nos termos em que foi veiculada, desperta algumas perplexidades.

O SUS é política pública de Estado

A primeira delas envolve a naturalidade com que se afirma a relevância de se conferir maior visibilidade a um determinado plano federal, num segmento de serviço público que tem configuração constitucional expressa, a saber, o Sistema Único de Saúde. A execução dos serviços de saúde foi reputada pelo constituinte de 1988, como política pública de Estado, reforçada na sua pretensão de permanência e estabilidade, pelo desenho institucional e principiologia própria, todos explicitados em sede constitucional. A solução de engenharia constitucional foi reforçada, em alguma medida, pela Emenda 20/2000, que assegurava mecanismos de financiamento considerados todos os integrantes do sistema único – ferramenta que indiretamente reforça a viabilidade do sistema, que não sobrevive sem recursos que o sustentem.

A opção, boa ou má sob a perspectiva estritamente política, é do texto constitucional, e até o momento, não foi objeto de qualquer iniciativa de emenda que modifique a escolha constituinte. Nestes termos, segue mandatória, não admitindo flexibilização nos parâmetros fixados na Carta de 1988.

A pretensão de assegurar visibilidade ou identificação pela população, de que o executor do serviço seja este ente federado – ao invés de outro – externa uma visão que entende o SUS como política de governo, que admite reconfiguração conforme a opção estratégica das forças contingencialmente no poder. Afinal, buscar conferir destaque a uma específica camada da federação brasileira é desvincular-se da ideia de sistema único, com o concurso de todos os entes federados em pé de igualdade – alternativa que, a meu sentir, o desenho constitucional pretendeu exatamente evitar.

Segunda perplexidade que a iniciativa causa, está na naturalidade com que se proclamou fosse essa a intenção do esforço de reconfiguração da iniciativa então em já em andamento – alinhada com a oferta de incentivos para que estados e municípios reduzissem as filas de atendimento. A proclamação, com todas as letras, de que se buscava transformar uma iniciativa relacionada à tutela ao direito fundamental à saúde numa “marca” do governo federal revela a naturalização da já apontada visão de que se tenha no SUS não propriamente uma política de Estado. Serviços de saúde, segundo esta visão externa, compreenderiam uma dimensão de discricionariedade em relação ao seu modo de prestação, admitindo atores de maior ou menor relevância, identificados com esta ou aquela iniciativa.

Observe o ilustre leitor, que a crítica aqui formulada valeria igualmente caso se identificasse um estado ou município afirmando pretender maior visibilidade do que a conferida aos demais entes federados na execução de serviços de saúde. Iniciativa dessa natureza, deflagrada por qualquer dos entes federados milita contra uma escolha que não está na esfera de discricionariedade do agente político de plantão, eis que foi delimitado pelo constituinte.

Descaracterização do caráter hierarquizado da rede

Terceira perplexidade que a leitura da notícia desperta, diz respeito ao distanciamento de outro critério que tem sede igualmente constitucional, a saber, o caráter hierarquizado da rede de serviços públicos de saúde (artigo 198 CF).

O deslocamento de exames e cirurgias para um específico integrante do SUS (União) pela circunstância de se cuidar de serviço represado se afasta da estrutura em níveis de atendimento (primário, secundário ou terciário), e pode ainda deitar efeitos negativos em relação à premissa de integração funcional, que é de presidir a atuação do sistema único.

Também aqui é de se apontar que não se tenha alternativa contida numa esfera de livre decidibilidade do agente político. Afinal, a hierarquização da rede, referida em texto constitucional expresso (artigo 198, caput CF) organiza o sistema, referindo o paciente a estruturas específicas que hão de prover o atendimento integral, observado o nível de atendimento que sua condição de saúde exija. Não por outra razão se tem, na saúde, uma política de Estado, que é de operar a partir da premissa de estabilidade, para que as ações de saúde possam se dar de maneira orgânica, segundo um signo de planejamento.

O redirecionamento a outras estruturas – iniciativa privada inclusive – pode impactar adversamente no sistema, determinando uma representação equivocada em relação, por exemplo, a providências de continuidade do atendimento inicialmente empreendido por agente externo ao SUS, neste modelo “reconfigurado” do programa “Mais acesso a especialistas”. Mais ainda, é possível prever um contencioso potencial no que toca aos limites de responsabilidade desses agentes estranhos ao SUS, e daqueles que, por determinação constitucional, têm competência para atuar. No centro do conflito, possivelmente, se terá o paciente…

Direcionando a imaginação para o reforço do SUS

Quarta perplexidade que a notícia evidencia, é a apresentação, como uma espécie de argumento de reforço, da tese de que dificuldades de ordem burocrática tornavam mais lento o processo de incentivo de estados e municípios a aderirem ao esforço de redução das filas de atendimento. Assim sendo, a solução “criativa” seria a execução dos serviços por uma via mais célere – que compreenderia não só o redesenho em si do processo de solicitação e  financiamento da providência médica, mas também a troca dos agentes executores.

Se a operação de serviços de saúde é de se dar, como determinado pela Constituição, por intermédio de sistema único, é de se supor que, transcorridos 37 anos da formalização dessa opção institucional, os mecanismos de controle e financiamento tivessem alcançado já nível de aperfeiçoamento que tornassem menos impactante o peso da burocracia no seu funcionamento.

Em tempos de governo digital, em que a União proclama sua excelência na inserção neste admirável mundo novo, a afirmação de que a burocracia do sistema SUS seja um empecilho suficiente a determinar a reconfiguração de uma política pública desta abrangência e relevância soa paradoxal.

Mais ainda; o problema apontado – burocracia – não guarda uma relação direta de solução, com a troca dos agentes executores do serviço público cogitado. O procedimento de execução dos serviços e respectivos pagamentos não se tem por abreviado ou simplificado simplesmente porque o agente executor não é mais um estado ou município. O esforço de simplificação – princípio do governo digital e da eficiência pública, nos termos do artigo 3º, I da Lei 14.127 de 29 de março de 2021 – determinando a desejada agilidade poderia se verificar igualmente com a preservação dos entes federados integrantes do SUS como executores principais dos procedimentos represados.

Também neste ponto se tem por evidenciada uma compreensão do SUS como política de governo – e não de Estado. Afinal, o investimento de imaginação e criatividade na busca de soluções mais ágeis, que preservem as respectivas esferas de responsabilidade dos integrantes do SUS é a visão que se alinha com uma política de Estado, permanente e estável, que se beneficie desta construção incremental de soluções.

A proposição de mecanismos alternativos de agilização dos procedimentos e respectivos pagamentos, sob o argumento de que se está buscando uma solução pontual para um problema de represamento nos atendimentos, secundariza a importância de esforços de revisão estrutural do relacionamento entre os integrantes do sistema SUS – e com isso, nega em alguma medida a já referida opção constituinte por um modelo que não é de estar sujeito às contingências do cenário político. Políticas públicas de Estado são concebidas exatamente para isso.

Preservar a esfera de discricionariedade de agentes políticos é um desdobramento potencial de regimes democráticos – a proposta vencedora nas urnas é de encontrar espaço para concretização no dia a dia da gestão. Esta ideia, todavia, pode encontrar limites na própria Constituição; e isso assim se dá pela relevância do valor social que se esteja a preservar com o recorte da esfera de decidibilidade do agente político.

O SUS é mesmo um desafio; uma experiência particular no cenário nacional – mas tem se revelado, com todos os seus percalços, um grande avanço para a sociedade brasileira. Saúde é uma conquista sujeita a consolidação incremental, e não por outra razão o constituinte optou por erigi-la como política pública de Estado.

Ao gestor ávido por imprimir a sua marca, sempre restarão as (múltiplas) áreas que a Constituição deixou livre à escolha democrática. Mas não no SUS…

O post O SUS ainda é política de Estado? apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Análise de impacto e o mito do atraso em decisões regulatórias

Quando o Brasil adotou a AIR (análise de impacto regulatório) como ferramenta obrigatória para subsidiar as decisões regulatórias no país, muitos tomadores de decisão temeram o impacto dessa obrigatoriedade sobre as rotinas das instituições. Ainda há muitos adeptos do entendimento de que a AIR é um procedimento burocrático, demorado e que atrasa a tomada de decisão.

Conforme já nos posicionamos no artigo “Por um uso mais racional da análise de impacto regulatório no Brasil”, a AIR é uma ferramenta valiosa que confere racionalidade e legitimidade às decisões regulatórias. No entanto, para que o seu uso seja compatível com a crescente demanda por soluções regulatórias e com a insuficiência de recursos nas autoridades regulatórias, é fundamental que o Brasil encontre um modelo proporcional de AIR, que priorize o seu uso em propostas regulatórias de maior impacto para a sociedade.

Observado o critério da proporcionalidade, um fator que pode, ainda assim, desencorajar gestores a realizar uma AIR é o tempo de sua elaboração. Como observado em artigos anteriores publicados nesta coluna, a urgência é um dos motivos que frequentemente é utilizado para a dispensa de AIR em casos em que sua realização seria recomendável.

Mensurando o tempo de realização de uma AIR

Mas, afinal, enquanto o Brasil busca o seu modelo ideal, a AIR tem provocado atrasos em decisões regulatórias? Quanto tempo tem sido gasto na elaboração de uma AIR? Em busca de contribuir com esse debate, a equipe de pesquisadores do Projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio, realizou levantamento e análise de 1.415 processos regulatórios, conduzidos entre abril de 2021 e abril de 2024, pelas 11 agências reguladoras federais. O objetivo do levantamento foi explorar os dados disponíveis para compreender o tempo de elaboração da AIR no Brasil.

O tempo de duração de qualquer ação pode ser medido pela sua data de conclusão, com desconto de sua data de início. No caso da AIR, a data de conclusão pode ser representada pela data da assinatura do Relatório de AIR. Mas como identificar o momento em que a AIR começou a ser elaborada? As instituições regulatórias nem sempre deixam registros dos primeiros esforços e discussões orientadas às etapas da AIR.

Diante dessa limitação, adotou-se como proxy do início da elaboração da AIR, a data de abertura do processo regulatório. Trata-se de adotar entendimento de que, em alguma medida, a partir da abertura do processo regulatório, esforços institucionais são dedicados ao estudo do tema, à participação social e à identificação de problemas e soluções, como partes integrantes da AIR. A partir desse entendimento, foi possível estimar o tempo de realização da AIR no Brasil (Tabela 1).

Tabela 1. Tempo gasto com a realização de AIR (mediana, em dias)

Agência Reguladora Federal (1)Tempo estimado (2)
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)543 (n=22)
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)473 (n=44)
Agência Nacional de Águas e Abastecimento (ANA)455 (n=25)
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)252 (n=20)
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)234 (n=66)
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)188 (n=23)
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)86 (n=18)
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)75 (n=13)

(1) A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não apresentaram volume de AIRs suficiente para apuração dos seus resultados.

(2) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data de assinatura do relatório de AIR e a data de abertura do processo regulatório. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

Os dados mostram importante variação no tempo gasto com a realização de AIR, nas diferentes agências. É possível agrupar as agências em 3 grupos distintos. No primeiro, estão a Aneel, a Anvisa e a ANA. As três agências dedicaram mais de 450 dias à realização de AIR. No segundo grupo, Anatel, Anac e ANTT dedicaram em torno de 200 dias para conduzir suas AIRs. E no terceiro grupo estão a ANP e ANS, que realizaram AIRs em menos de 100 dias.

O tempo gasto com a AIR é proporcionalmente menor do que se imagina

A interpretação desses resultados requer cuidado. Não se pode almejar, a priori, que um regulador se posicione no primeiro, no segundo ou no terceiro grupo. O tempo ideal de dedicação à AIR dependerá de inúmeros fatores, como a complexidade de cada processo regulatório, a disponibilidade de recursos para sua realização, bem como o nível de amadurecimento, informações e conhecimento pré-existentes.

Como já foi mencionado, o objetivo dos reguladores deve ser priorizar o uso de AIR em propostas de maior impacto e evitar o desperdício de recursos na realização de AIRs de menor relevância social. Considerando que algumas pesquisas correlacionam — positivamente — um maior tempo de dedicação à AIR com maior qualidade na análise, a estratégia ideal para os reguladores deve ser fazer boas escolhas sobre quais processos regulatórios merecem AIR e dedicar recursos e tempo para a realização de análises qualificadas.

Voltando à provocação que deu título a esse artigo. É comum que tomadores de decisão dispensem as AIRs ou pressionem suas equipes para que as elaborem rapidamente. Os decisores temem perder oportunidades decisórias e não querem que a AIR signifique atrasos nas respostas regulatórias demandadas pela sociedade. Mas afinal, a AIR tem gerado atrasos em decisões regulatórias?

Para tentar responder essa questão, é necessário adotar uma premissa. Deve-se considerar que o uso da AIR não implicará em atraso na decisão quando o tempo dedicado à sua elaboração for significativamente inferior ao tempo total do processo decisório (tempo necessário para a tomada de decisão). Em outras palavras, não é razoável acusar uma AIR, que levou poucos meses para ser elaborada, por ter atrasado uma decisão que precisou de anos para ser tomada.

Nesse sentido, a tabela 2 compara o tempo necessário para a tomada de decisão com o tempo gasto com a realização de AIR, nas agências reguladoras federais brasileiras.

Tabela 2. Comparativo de tempo gasto com AIR e com a tomada de decisão

Agência (1)Tempo gasto com a realização de AIR(2)Tempo necessário para a tomada de decisão (3)%
Aneel54369778%
ANA45572463%
ANS7518141%
Anvisa473129537%
ANTT18861031%
Anac23482928%
Anatel252109323%
ANP8648718%

(1) A Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) não apresentaram volume de AIRs suficiente para apuração dos seus resultados.

(2) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data de assinatura do relatório de AIR e a data de abertura do processo regulatório. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

(3) O resultado foi apurado, em dias, a partir da diferença entre a data do ato normativo e a data de abertura do processo regulatório. Considerou-se apenas os processos com AIR. Foi adotada a mediana para amortecer os efeitos de processos atípicos sobre os resultados.

Os resultados indicados na tabela 2 são esclarecedores. Em seis das oito agências avaliadas, o tempo gasto com as AIRs representou menos da metade do tempo necessário para a tomada de decisão. Mesmo na Aneel e ANA, as duas agências que investiram maior tempo relativo em AIR, foi identificado interstício de tempo superior a 150 dias entre a finalização da AIR e a decisão.

O que se depreende é que não há indícios de que o uso da AIR tenha gerado atrasos em decisões regulatórias. Se atrasos aconteceram, foram processos regulatórios pontuais e atípicos. A análise, a partir de grandes números, indica que houve um hiato entre o tempo que os reguladores precisaram para realizar AIRs e para tomar decisões. Os processos regulatórios podem estar sujeitos a forças, pressões e condições que exigem dos reguladores um amplo tempo para a tomada de decisão. A AIR não é a vilã, ao menos não nesse aspecto.

Este artigo se propôs a examinar alguns dados para inaugurar debate ainda não explorado no país. Examinar o tempo que foi gasto com a elaboração de AIR e se esse tempo repercutiu em atrasos nas decisões. Os resultados indicaram que o uso da AIR não se relacionou com atrasos nas decisões. De modo geral, as agências precisam de muito mais tempo para decidir do que precisam para realizar AIR.

O post Análise de impacto e o mito do atraso em decisões regulatórias apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

A falta que faz uma lei geral de processo administrativo normativo

Afirmar que grande parte das normas que regulam o dia a dia dos indivíduos e empresas é elaborada pela administração pública, e não pelo Legislativo, parece levantar pouca polêmica na atualidade. Esse quadro, por vezes nomeado como “deslegalização” ou de “crise da lei formal”, que animou intensos debates doutrinários desde os anos 1990 sobre a necessidade de rever os contornos dados ao princípio da legalidade, consolidou-se na prática da administração no Brasil em todos os níveis da federação.

No entanto, a produção de “atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados”, expressão utilizada pela Lei Geral das Agências Reguladoras, pela Lei de Liberdade Econômica e pelo regulamento da análise de impacto regulatório (AIR), não é isenta de questionamentos. Afinal, como conferir legitimidade democrática a normas de interesse geral elaboradas pela burocracia estatal, ou seja, por agentes públicos não eleitos?

Importância do processo administrativo normativo

Uma resposta usual a essa questão é qualificar o procedimento adotado para elaboração das normas pela administração. Esse procedimento pode ter várias etapas, que antecedem até mesmo a discussão de uma norma específica: informar aos administrados com antecedência quais temas serão objeto de discussão pela instituição; exigir, durante o processo de discussão de um tema específico, a elaboração de estudos que possam auxiliar na tomada de decisão administrativa e esclarecer os motivos que levaram a elaboração da norma destinada a tratar daquele tema com determinadas características; rever periodicamente os efeitos das normas previamente elaboradas, e alterá-las ou revoga-las, se for o caso; e estabelecer mecanismos para que cidadãos e agentes econômicos possam se manifestar e influenciar no conteúdo das normas que irão afetá-los.

Em outros termos, uma resposta é estabelecer regras claras para o procedimento administrativo normativo, entendido como o procedimento que regulamenta como normas administrativas são elaboradas, alteradas ou revogadas.

A fragmentação legal do procedimento administrativo normativo federal

Há uma série de instrumentos de “melhoria regulatória” que podem ser utilizados para enfrentar as questões anteriormente apontadas. A agenda regulatória permite aos agentes econômicos e usuários conhecerem antecipadamente quais temas serão objeto de discussão. A análise de impacto regulatório (AIR) confere racionalidade à tomada de decisão e dá transparência à opção adotada pelo órgão ou entidade, inclusive se for pela decisão de não elaborar uma norma. A avaliação de resultado regulatório (ARR) permite verificar se os impactos do ato normativo para a sociedade e agentes econômicos estão de acordo com os objetivos e premissas que levaram à elaboração da norma. Por fim, os diversos mecanismos de participação social – consulta pública, audiência pública, tomada de subsídios, dentre outros – conferem às partes afetadas pela norma a possibilidade de manifestação.

Contudo, a maior parte desses instrumentos é utilizada quase exclusivamente pelas agências reguladoras, particularmente em decorrência da Lei 13.848/2019. Lá estão previstas a obrigatoriedade de elaboração de agenda regulatória (artigo 21), de AIR (artigo 6º) e de consulta pública, nos casos de minutas de atos normativos (artigo 9º). Já outros órgãos e entidades federais, especialmente da administração direta, pouco adotam esses instrumentos.

A baixa disseminação desses mecanismos entre órgãos e entidades da administração não decorre da falta de previsão legal, mas sim da fragmentação dos dispositivos legais vigentes.

A Lei 9.874/1999 (Lei de Processo Administrativo) contempla mecanismos de participação, como consultas (artigo 31), audiências públicas (artigo 32) e outros procedimentos participativos (artigo 33). Também exige que os resultados desses processos sejam publicizados com a descrição do procedimento adotado (artigo 34).

A Lei 13.848/19 (Lei Geral das Agências Reguladoras) e a Lei 13.874/19 (Lei de Declaração de Liberdade Econômica) estabelecem aos órgãos e entes da Administração Pública federal, direta, indireta e fundacional, a obrigação de realização de AIR na produção de normas de “interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados”. A AIR, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto 10.411/2020, que dispõe sobre os usos obrigatórios e facultativos desse e de outro instrumento que introduz ao ordenamento jurídico, a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR).

Embora esses dispositivos atinjam toda administração pública federal, vários dos seus órgãos e entidades (Receita Federal, por exemplo) não realizam AIR sob a alegação de que as normas que editam não são “regulatórias”.

Recentemente, o Decreto 11.243/22 foi editado com o objetivo de regulamentar o Protocolo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica com os Estados Unidos, cujo Anexo II estabeleceu um conjunto de boas práticas regulatórias que ambos os países se obrigaram a adotar. Uma das inovações deste decreto foi instituir a obrigação de elaboração de agendas regulatórias para todos os órgãos e entes da administração pública federal (artigo 6º). Antes da sua edição, agendas regulatórias eram exigidas apenas das agências reguladoras pela Lei Geral das Agências (artigos 17 e 18).

Também pode-se dizer que as normas que regem a realização de agendas regulatórias possuem efeitos restritos, já que os mesmos órgãos e entidades administração pública federal que não realizam AIR, por não se considerarem “reguladores”, também não se sentem obrigados, pelos mesmos motivos, a elaborar agendas regulatórias.

O Decreto 11.243/2022, ao alterar o regulamento da AIR, também introduziu a obrigatoriedade, para todos os órgãos e entidades da administração pública federal, da realização de consulta pública em normas precedidas de AIR, além da obrigação de uso obrigatório de mecanismo de participação social de livre escolha para as propostas de normas dispensadas de AIR em situações de baixo impacto, convergência com normas internacionais e atualização de normas obsoletas (artigo 9º-A, § 2º).

Essa obrigatoriedade, vigente desde 9 de junho de 2024, ainda é pouco conhecida da maioria dos órgãos e entidades reguladoras federais. Recentemente, o Decreto 12.002/2024, que estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos, estabeleceu que as consultas públicas realizadas para a produção de normas do Poder Executivo devem ser divulgadas pela plataforma “Participa + Brasil” (artigo 30). Um rápido exame dos mecanismos de participação anunciados nesta plataforma permite identificar que não são todos os órgãos e entidades que vêm realizando consultas públicas, talvez porque não se considerem “reguladores”, ou talvez por mero desconhecimento das novas obrigações instituídas pelo conjunto de normas acima mencionado.

Da urgente necessidade de um regime geral para o processo administrativo normativo

É inegável que necessitamos de normas que costurem essa verdadeira “colcha de retalhos” que são as leis e decretos que hoje dispõem sobre processo administrativo normativo no Brasil.

Esses fatos não são desconhecidos das autoridades públicas. A Casa Civil da Presidência da República coordena atualmente grupo de trabalho que prepara substitutivo ao Decreto nº 10.411/20, visando integrar melhor o uso de ferramentas de melhoria regulatória ao ciclo regulatório.

Tramita no Senado Federal o PL 2.481/2022, uma proposta de reforma da Lei de Processo Administrativo, que passa a prever e regulamentar o uso de ferramentas de melhoria regulatória – como AIR e ARR – na Lei 9.874/1999, além de integrá-los ao uso de mecanismos de participação social. Esse projeto também prevê a possibilidade de invalidação do ato administrativo em caso de descumprimento das regras procedimentais (artigo 50-B, §3º), dispositivo inexistente na legislação atualmente vigente.

Independentemente do caminho que a reforma venha a tomar – se será instituída por decreto ou por lei – alguns cuidados precisarão ser tomados para quebrarmos a lógica de fragmentação normativa acima mencionada.

Diretrizes para a elaboração de normas gerais de processo administrativo normativo

É preciso que as novas normas gerais de processo administrativo normativo sejam realmente gerais, ou seja, aplicáveis a todos os órgãos e entidades da administração pública federal indistintamente. Como um de nós já teve a oportunidade de manifestar neste evento aqui, talvez seja necessário que os novos instrumentos legais troquem expressões como “análise de impacto regulatório, “avaliação de resultado regulatório” e “agenda regulatória” por “análise de impacto normativo”, “avaliação de resultado normativo’ e “agenda normativa”. Se isso for o preço a se pagar para avançarmos no uso indiscriminado de boas práticas “regulatórias” por todos os órgãos e entidades da administração pública federal, que assim o façamos.

Um outro cuidado que o novo estatuto legal de processo administrativo normativo deve ter é o de integrar os mecanismos de participação social em todas as suas fases. A legislação atualmente estabelece ritos e exigências de transparência ativa apenas para consultas públicas que têm por propósito discutir minutas de atos normativos. Essa modalidade de mecanismo de participação social, como um de nós já se manifestou anteriormente nesta coluna, é talvez a que se revele menos efetiva para alterar o resultado das políticas regulatórias. Mecanismos de participação “fazem mais diferença” quando ocorrem em fases mais iniciais do ciclo regulatório, quando ainda se discute a natureza do problema regulatório de forma ampla.

Os dispositivos legais hoje vigentes são tímidos a esse respeito. Não há normas que prevejam o uso, ainda que facultativo, de mecanismos de participação social na construção de agendas regulatórias ou até mesmo para a discussão de problemas regulatórios amplos. Embora alguns órgãos e entidades reguladoras já o pratiquem, há muitas incertezas sobre quais boas práticas (e.g. exigências de transparência ativa) deverão ser adotadas para conduzir esses mecanismos de participação. É certo que o Decreto 10.411/2020 trata, en passant, da realização (facultativa) de mecanismos e participação na construção de AIRs (artigo 9º). Trata-se, no entanto, de mera previsão da faculdade de uso de mecanismos de participação nessa fase, sem que sejam oferecidos parâmetros para a sua realização.

Quanto ao uso da participação social para a discussão de minutas normativas, a solução dada pelo Decreto 10.411/2020 é insatisfatória, já que, como visto, estabelece a obrigatoriedade de consulta pública apenas para normas precedidas de AIR e a obrigatoriedade de mecanismos de participação de livre escolha para alguns poucos casos remanescentes (artigo 9ºA, § 2º do Decreto 10.411/2020). Trata-se de solução insuficiente, já que o uso de AIR é exceção, e não a regra, da atividade normativa da Administração Pública federal brasileira.

É possível argumentar que a legislação atualmente vigente não fecha as portas para a participação. De fato, há previsões genéricas que permitem a adoção de diferentes instrumentos. Ademais, a ausência de fixação de procedimentos gerais e detalhados pode ser interpretada como um reconhecimento da diversidade de capacidades institucionais da administração pública.

Essas considerações não afastam a necessidade de instituição de normas gerais de processo administrativo normativo federal. Uma reforma se mostra urgente para uniformizar e dar maior clareza aos procedimentos, superando a fragmentação existente. Ela deve alcançar todos os administradores públicos federais que editam normas, e não apenas aqueles que se percebem como reguladores. Por fim, o novo regime de processo normativo administrativo deve estimular o uso de mecanismos de participação social em todas as fases do ciclo de produção de normas, integrando-os às demais ferramentas de melhoria regulatória.

O post A falta que faz uma lei geral de processo administrativo normativo apareceu primeiro em Consultor Jurídico.