STF obriga Congresso legislar sobre direitos dos trabalhadores na gestão de empresas

Em decisão, unânime, os ministros reconheceram omissão do Congresso e estabeleceram o prazo de dois anos para criar a legislação

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um prazo de dois anos para o Congresso Nacional regulamentar o direito dos trabalhadores urbanos e rurais à participação na gestão das empresas. Em decisão, unânime, dada em plenário virtual na sexta-feira (14/2), os ministros reconheceram haver omissão do Congresso com relação ao tema.

Eles definiram o assunto, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 85), impetrada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Para a PGR, a falta de lei provoca redução arbitrária e injustificada do nível de proteção ao direito social dos trabalhadores, infringindo o princípio da proporcionalidade.De acordo com a Constituição (artigo 7°, inciso XI), são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração, e, “excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”. Porém, mais de 35 anos depois da promulgação da Constituição, ainda não foi aprovada uma lei que regulamente esse direito.

Para o relator, ministro Gilmar Mendes, o Congresso extrapolou o tempo razoável para editar uma norma nesse sentido, diferentemente da participação nos lucros e resultados, que já foi regulamentada. Essa situação, para Mendes, inviabiliza a plena efetividade do artigo 7º, inciso XI, da Constituição e caracteriza omissão inconstitucional.

O relator reconheceu que o assunto é complexo e que há leis que já preveem a participação de empregados nos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista e a participação de representantes dos trabalhadores nos conselhos de sociedades anônimas. Contudo, a seu ver, ainda há um vasto universo de empresas para as quais não existem regras sobre o assunto. “Não há mais como remediar a solução desse problema, cabendo, dessa forma, ao legislador o devido equacionamento da matéria”, concluiu. Ele foi seguido pelos demais ministros.

Segundo o advogado Alberto Nemer, do Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados, essa lei pode ser inócua, porque a Constituição fala de forma excepcional e seria difícil definir essa excepcionalidade. “ Como é que o trabalhador vai participar da gestão da empresa? Ele também eventualmente vai ser responsabilizado no eventual insucesso da empresa?”, diz. Para o advogado, o STF precisava gastar energia com outras coisas, até porque não é um pleito nem dos trabalhadores nem dos empresários. “Eu acho que não faz sentido ter essa lei, que pode ser uma lei que pode criar, inclusive, uma tensão inexistente entre empregador e empregado”, diz.

Já na opinião do advogado José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que assessora trabalhadores, são 35 anos de silêncio legislativo sobre um tema clássico, mas enormemente negligenciado no Brasil: a relação entre democracia e empresa. “A participação de trabalhadores ‘na gestão da empresa’ tem alguma regulação nas empresas públicas, nos Conselhos de Administração. É um embrião. Mas o chamado “modelo alemão”, de participação efetiva, aliado ao reconhecimento de representação sindical no local de trabalho, sempre foi um tabu. Teremos aí a chance de reacender esse debate em prol de empresas ancoradas na participação efetiva de trabalhadores na “gestão” do negócio.”

Fonte: Jota

Carf mantém contribuição previdenciária sobre PLR por falta de memória de cálculo

Para colegiado, a empresa não apresentou documentação suficiente para afastar as irregularidades apontadas

A 2ª Turma da 1ª Câmara da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve, por unanimidade de votos, a cobrança de contribuição previdenciária sobre PLR paga a empregadores e diretores não empregados do BTG Pactual Gestora de Recursos Ltda. A turma entendeu que, embora a disparidade entre PLR e salário não desconfigure automaticamente a natureza do pagamento, a falta de objetivos no acordo de convenção coletiva e a ausência de memória de cálculo no processo justificaria a manutenção da autuação.

Em relação ao bônus de contratação, também julgado no caso, os conselheiros entenderam que seu pagamento condicionado à permanência do empregado na empresa reforça seu caráter salarial. 

Para a fiscalização, o plano de PLR do BTG permitia que o próprio empregador alterasse as regras, o que violaria o princípio da previsibilidade e da obrigatoriedade da negociação coletiva, tal qual a disparidade entre os valores pagos e os salários anuais de alguns diretores. Ambos os pagamentos, no formato feito pelo contribuinte, têm natureza salarial, segundo o fisco. Quanto ao bônus, o fisco argumenta que essa verba faz parte do pacote de benefícios para atrair talentos e, por isso, estaria diretamente relacionado à prestação de serviços.

A defesa argumentou que o plano de PLR estava em total conformidade com a Lei 10.101/2000 e que, além disso, foi formalmente acordado com o sindicato. Afirmou que a diferença entre os valores de salário e PLR não pode ser usada como justificativa para a tributação, pois a legislação não impõe limites ou proporções fixas. Quanto ao bônus de contratação, sustentou que se tratava de um incentivo pontual, sem caráter habitual, e não de remuneração salarial.

O relator, conselheiro Cleberson Alex Friess, acolheu os argumentos da Receita Federal. Concluiu que a fiscalização tinha razão ao tributar os valores pagos como PLR e bônus de contratação, pois a empresa não apresentou documentação suficiente para afastar as irregularidades apontadas. A turma acompanhou seu entendimento.

O processo tramita com o número 16327.721143/2015-09.

Fonte: Jota

STF tem maioria para julgar caso sobre limite da Lei de Anistia para crimes permanentes

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão discutir se a Lei de Anistia de 1979 é válida nos casos de crimes que começaram durante o período da ditadura militar e persistem até o presente, como a ocultação de cadáver. Dessa forma, a Corte deve decidir a extensão da Lei de Anistia no caso de crimes ininterruptos. Isso porque há maioria formada entre os ministros em um julgamento que discute a existência da repercussão geral da matéria. Ou seja, a maioria dos magistrados entende que existe uma questão constitucional a ser debatida e que a decisão deve valer para todos os casos similares no país.

Esse primeiro julgamento está restrito à existência ou não da repercussão geral e ainda não há discussão do mérito da matéria.

A discussão se dá em um recurso ajuizado pelo Ministério Público Federal no STF, que busca a condenação dos militares Lício Maciel e Sebastião Curió, o Major Curió, por crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver cometidos durante a Guerrilha do Araguaia, no período da ditadura militar. O Major Curió faleceu em 2022.

O MPF procurou o STF porque a denúncia contra os militares não foi recebida em instâncias judiciais inferiores, sob o fundamento de que os crimes de Maciel e Curió são abarcados pela Lei da Anistia – que concede perdão a crimes políticos ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Contudo, o MPF defende que crimes que ainda continuam ocorrendo no presente não são abarcados pela Lei de Anistia. O relator do recurso é o ministro Flávio Dino.

No dia 15 de janeiro, Dino proferiu uma liminar a favor da repercussão geral neste processo. Na ocasião, o ministro citou o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e que concorre a três Oscars. O enredo conta a história da luta de Eunice Paiva na busca por informações sobre seu marido, o deputado Rubens Paiva, morto durante a ditadura militar. O corpo dele nunca foi localizado.

Na visão de Dino, o tema transcende a discussão subjetiva do caso de Maciel e Curió, por isso, deve ser analisada na sistemática da repercussão geral. Em sua avaliação, o tema apresenta repercussão geral por seus impactos sociais, políticos e jurídicos. Social porque a família tem direito de enterrar dignamente seus parentes; político, porque o STF precisa se posicionar sobre o alcance da Lei da Anistia em razão de tratados de direitos humanos firmados pelo Brasil e jurídico porque é preciso interpretar a extensão da norma em relação aos crimes permanentes.

Votaram pela existência de matéria constitucional e de repercussão geral os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes. Os demais têm até o dia 14 de fevereiro para depositarem seus votos no julgamento virtual.

Processo citado na matéria: ARE 1.501.674

Fonte: Jota

O direito à crítica deve ser garantido em uma sociedade democrática

Passo importante para a consolidação da democracia no Brasil é o amadurecimento e a autorresponsabilização dos líderes de nossas instituições

Os últimos acontecimentos em torno da polêmica do Pix reavivam o debate sobre a diferença entre desinformação e a crítica, especialmente nas redes sociais. O vídeo que o deputado Nikolas Ferreira postou sobre a fiscalização do Pix viralizou com mais de 300 milhões de visualizações e causou as mais diversas reações, tanto em defesa quanto em ataques.

As análises do vídeo perpassam desde as que o acusam de fake news e de hipocrisia até aquelas que acreditam que o vídeo demonstrou uma estratégia política muito bem colocada, a partir do momento em que conseguiu sintetizar a insatisfação e a falta de confiança da população no governo.

A questão desse texto não é avaliar o vídeo em si, se a estratégia política é hipócrita ou não, ou se as visualizações foram orgânicas ou impulsionadas pelos assessores, mas sim compreender que uma crítica dura, embora incômoda, faz parte do jogo. Até porque, ao contrário do que se pode pensar nos dias de hoje, criticar as ações de um governo com uma retórica forte não é crime. Na verdade, é política, e isso é ainda mais importante em uma sociedade democrática.

O que muitos podem esquecer devido aos altos níveis de polarização atuais, é que esses embates sempre aconteceram. Cabe lembrar que na época de FHC, a então oposição realizava críticas contundentes ao plano Real. Apesar de ter demonstrado ser um plano econômico que mudou a história do país, a crítica a essa medida não foi considerada crime. 

Uma sociedade verdadeiramente democrática inclui a habilidade de saber conviver e debater com quem pensa diferente. Vivemos desafios com a tecnologia massificada e a velocidade que uma desinformação pode correr, mas isso não pode ser usado como pretexto para criminalizar opiniões que são apenas divergentes. 

Esse é o perigo da supressão de opiniões como forma de combate à desinformação. Essa dinâmica pode levar aos “tribunais da verdade”. O problema é: quem define o que é verdade ou não? Limitar o discurso com base em critérios amplos, como “desordem informacional” — seja lá o que isso signifique —, gera problemas a partir do momento em que qualquer discurso de oposição pode ser enquadrado.

No documento “Liberdade de expressão: da necessidade proteção e promoção”, realizado pelo Centro Voxius através do Instituto Sivis, o texto defende que é válida a discussão de alguns limites à liberdade de expressão, desde que circunscritos e pontuais. Mas, via de regra, é a liberdade de expressão que fará a verdade, o conhecimento e a transparência florescerem, enquanto a censura certamente prejudicará esses fins.

Um passo importante para a consolidação da democracia no Brasil é o amadurecimento e a autorresponsabilização dos líderes presentes em nossas instituições. Culpar as fakes news por falta de comunicação e erros é um caminho fácil. De fato, a desinformação precisa ser combatida, mas esse problema encontra raízes profundas como a falta de educação formal e cidadã, por exemplo, que não será tratado realizando supressão de discursos em cima de critérios amplos, como autocracias fazem. 

Fonte: Jota

O conflito de interesses do árbitro e o papel central do dever de revelação

Uma análise à luz da economia comportamental

A arbitragem consolidou-se como um dos principais mecanismos de resolução de disputas no cenário global, destacando-se por sua eficiência, flexibilidade e confidencialidade. Contudo, sua legitimidade depende de um fator fundamental: a percepção de imparcialidade e independência do árbitro.

Nesse contexto, o dever de revelação desempenha um papel crucial, garantindo transparência e confiança no processo. Quando analisado sob a ótica da economia comportamental, esse dever exige não apenas o cumprimento técnico e literal de normas, mas também uma interpretação que considere os vieses cognitivos das partes e os riscos à confiança no instituto arbitral.

O dever de revelação e a percepção das partes

As diretrizes da International Bar Association (IBA), amplamente utilizadas como referência no campo arbitral, estabelecem parâmetros supostamente objetivos para a identificação e gestão de conflitos de interesses. No entanto, sua aplicação prática muitas vezes reflete uma perspectiva predominantemente técnica e até literal de interpretação das regras, alinhada à visão da comunidade arbitral, em detrimento da percepção das partes diretamente envolvidas (que são as empresas envolvidas na disputa e seus executivos, que são pessoas humanas com todos os seus vieses).

Sob a perspectiva da economia comportamental, essa abordagem puramente literal pode ser insuficiente para dar legitimidade ao instituto da arbitragem. Vieses cognitivos — como o viés de confirmação e o efeito halo — influenciam a maneira como as partes percebem a imparcialidade do árbitro. Assim, a mera observância literal das regras da IBA, sem considerar o impacto subjetivo de informações não reveladas ou mal compreendidas, pode gerar desconfiança e, em última instância, comprometer a credibilidade da arbitragem como um todo.

Economia comportamental e o dever de revelação

A economia comportamental aperfeiçoa o paradigma da racionalidade perfeita ao demonstrar que as percepções humanas são frequentemente moldadas por vieses e emoções. Dois conceitos são particularmente relevantes para o tema do dever de revelação:

  1. Viés de disponibilidade: as partes podem superestimar a importância de informações reveladas, especialmente quando essas informações são emocionalmente marcantes ou fáceis de compreender. Por exemplo, a divulgação de um vínculo antigo societário entre árbitro e um escritório, mas irrelevante sob critérios objetivos das regras da IBA, pode gerar a percepção de parcialidade às partes se não for adequadamente contextualizada; e
  2. Viés de confiança: quando uma parte descobre um vínculo não revelado — mesmo que aparentemente insignificante ao árbitro que não revelou à luz da letra fria da regulamentação —, isso pode minar sua confiança não apenas no árbitro, mas em todo o sistema arbitral. A falta de revelação completa, portanto, pode amplificar a desconfiança em relação à imparcialidade.

A interpretação das regras da IBA: economia comportamental em jogo

As diretrizes da IBA devem ser interpretadas e aplicadas de maneira a incorporar os insights da economia comportamental, sob pena de erosão da confiança no instituto arbitral. Isso significa que os padrões aparentemente objetivos estabelecidos pela IBA devem ser complementados por uma análise empática e subjetiva, considerando como as partes, e não apenas a comunidade arbitral, percebem a imparcialidade.

Em especial, as seguintes diretrizes devem ser revisitadas:

  1. Ampla divulgação com contextualização: informações sobre vínculos ou potenciais conflitos devem ser divulgadas de forma ampla, mas sempre acompanhadas de uma explicação clara de sua irrelevância (se for o caso) para o julgamento do caso. Isso reduz o impacto dos vieses de disponibilidade e evita percepções equivocadas;
  2. Foco na confiança subjetiva das partes: a aplicação das regras da IBA deve levar em conta que as partes não têm, em geral, o mesmo nível de familiaridade com o sistema arbitral. Isso exige que os árbitros e instituições considerem o contexto emocional, cultural e econômico das partes ao decidir sobre revelações. Isso pode significar a necessidade de envolvimento de empresas nos comitês de impugnação de árbitros evitando a natural autoproteção da comunidade arbitral; e
  3. Treinamento em economia comportamental: árbitros e profissionais do setor arbitral devem ser capacitados para compreender como vieses cognitivos afetam a percepção das partes e para adotar práticas que minimizem esses impactos.

Considerações Finais

A interpretação literal das regras da IBA, embora essencial, não é suficiente para garantir a confiança no instituto arbitral. É fundamental incorporar os insights da economia comportamental, reconhecendo que a percepção das partes desempenha um papel decisivo na legitimidade da arbitragem.

Sem essa abordagem ampliada, há o risco de que o sistema arbitral seja percebido como elitista ou insensível às reais preocupações das partes, o que pode comprometer sua credibilidade ao usuário do sistema arbitral. Ao alinhar os padrões de revelação às dinâmicas comportamentais das partes, a arbitragem reforça sua posição como um mecanismo legítimo, transparente e confiável de resolução de conflitos.

Fonte: Jota

Resolução de BC e CVM simplifica manutenção de investimentos no Brasil

A partir deste ano, pessoas físicas não residentes poderão fazer investimentos por meio de uma única conta

Em 1º de janeiro de 2025, entraram em vigor as novas regras referentes à manutenção de investimentos financeiros no Brasil por parte de não residentes fiscais. Este sempre foi, inclusive, um dos pontos de maior preocupação por parte de pessoas físicas que procedem com a saída definitiva do Brasil para fins fiscais.

Como se sabe, a pessoa física que deseja obter o status não residente fiscal no Brasil deve observar certas obrigações acessórias dispostas na Instrução Normativa da Receita Federal 208, de 10/10/2002. De acordo com o artigo 3º, parágrafo 2º, de tal diploma normativo, uma vez adquirido o status de não residente fiscal no Brasil, a pessoa física que recebe rendimentos de fonte situada no território nacional deve comunicar sua situação fiscal, por escrito, à fonte pagadora, para que esta proceda com a retenção na fonte da tributação aplicável.

Tendo em vista que instituições financeiras, como bancos e corretoras, são fontes pagadoras de rendimentos como dividendos, juros, entre outros, é necessário que sejam comunicadas do status da residência fiscal do então titular da conta nelas mantida, em cumprimento ao que determina a Instrução Normativa RFB 208/2002.

Ocorre que, em razão de regras estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), não residentes fiscais possuem condições próprias para a manutenção de recursos investidos no Brasil. Até 31/12/2024, havia dois diferentes tipos de contas para não que residentes fiscais brasileiros mantivessem recursos no país, a depender do tipo de investimento desejado:

  1. Conta de Não Residente (CNR, antiga Conta de Domiciliado no Exterior) e;
  2. Conta “4.373”, que recebe este nome por ter sido instituída pela Resolução 4.373, de 29/9/2014, do CMN.

Por meio da CNR, investidores não residentes no Brasil podiam receber e realizar pagamentos em moeda nacional, além de manter investimentos em poupança, Certificado de Depósito Bancário (CDB) da própria instituição financeira em que é mantida a conta, e produtos de previdência privada também disponibilizados por essa mesma instituição financeira.

Já no caso de investidores não residentes que desejassem manter outros investimentos financeiros, como ações em bolsa e cotas de fundos de investimento, era necessário abrir uma Conta 4.373.

Em razão de as instituições financeiras atuarem como representantes legais/fiscais de investidores não residentes detentores da Conta 4.373 perante o Banco Central, CVM e Receita Federal, o que atrai maiores custos de conformidade, sempre foi comum que cobrassem taxas mais altas para sua manutenção, quando não rejeitavam a abertura de tal conta.

Para os investidores não residentes, além da obrigação de constituição de representante legal/fiscal (no caso, instituição financeira ou pessoa autorizada pelo BC), havia, ainda, a necessidade de registro na CVM e, no caso de pessoas jurídicas, fundos ou outras entidades de investimento coletivo, a constituição de um agente custodiante autorizado pela CVM, já que esta obrigação às pessoas físicas foi dispensada com a publicação da Resolução CMN 4.852, de 27/8/2020.

Com a entrada em vigor da Resolução Conjunta 13, de 3/12/2024, o investimento no Brasil por parte de não residentes recebe novos contornos, que podem ser sintetizados da seguinte maneira:

  • Manutenção de apenas uma conta para não residentes: a partir de 2025, o investidor não residente poderá realizar todos os seus investimentos a partir de uma única conta, sendo esta a conta CNR, com as mesmas condições aplicáveis às contas de titularidade de residentes.
  • Necessidade de constituição de representante e registro na CVM para investir: o art. 6º da Resolução Conjunta 13 prevê a necessidade de o investidor não residente, previamente ao início de suas operações, constituir um ou mais representantes no país, bem como obter o registro na CVM, nos termos da regulamentação específica.
  • Os requisitos do art. 6 são, contudo, excepcionados no caso de pessoa jurídica não residente que investe em ativos financeiros a partir de conta CNR em reais mantida no país, de sua própria titularidade, conforme art. 14 da Resolução Conjunta 13.
  • Já nos casos de pessoa natural não residente, de acordo com o art. 16 da Resolução Conjunta 13, o requisito de constituição de representante(s) é afastado:
    • no caso de aplicação em ativos financeiros e valores mobiliários a partir de conta CNR em reais mantidas no país, de sua própria titularidade e com utilização de recursos próprios; e
    • no caso de aplicação em ativos financeiros não efetuadas a partir de CNR em reais mantida no país, de sua própria titularidade, quando o total de aportes mensais não ultrapassa R$ 2 milhões por meio de cada intermediário.
  • Quanto ao requisito de registro na CVM para pessoa natural não residente,
    este também poderá ser afastado, observados os requisitos cadastrais
    estabelecidos por tal comissão.
  • Diferenciação entre ativos financeiros e valores mobiliários: a Resolução Conjunta n. 13, em diversas oportunidades, faz menção a ativos financeiros e valores mobiliários, de modo a distingui-los. Isso fica ainda mais evidente quando observamos o teor dos art. 14 e 16, que conferem a pessoas jurídicas e pessoas naturais não residentes exceção à necessidade de constituir representante no país e registro na CVM para diferentes tipos de investimentos.
  • O próprio art. 14, em seu parágrafo único, determina que a exceção a pessoas jurídicas não residentes da obrigação de constituir representante e obter registro na CVM não se aplica a valores mobiliários sujeitos ao disposto na Lei n. 6.385, de 7.12.1976, como as ações listadas em bolsa, debêntures, bônus de subscrição, certificados de depósitos de valores mobiliários, notas comerciais, contratos derivativos, entre outros.
  • Os ativos financeiros, por sua vez, são os demais ativos que não compreendam valores mobiliários, como o CDB, poupança, letras de crédito etc.
  • Fim do RDE-Portfólio: o investimento realizado por não residentes no Brasil é controlado pelo Banco Central por meio de um sistema denominado Registro Declaratório Eletrônico (“RDE”). Atualmente, há 4 diferentes módulos do RDE, a depender do tipo de investimento realizado.

Para investimentos em aplicações financeiras, o módulo utilizado até 31/12/2024 era o RDE-Portfólio, que será descontinuado, não sendo necessária qualquer providência por parte de investidores. Os registros já realizados, contudo, permanecerão disponíveis para consulta até 31/12/2025.

Para o caso específico de pessoas físicas que procedem com a saída definitiva do Brasil para fins fiscais, uma questão que se coloca diz respeito à tributação aplicável aos investimentos mantidos no Brasil.

De acordo com o art. 85 da Instrução Normativa RFB 1.585, de 31/8/2015, os residentes e domiciliados no exterior sujeitam-se às mesmas normas de tributação pelo imposto de renda previstas para os residentes e domiciliados no país com relação aos rendimentos de alguns investimentos financeiros, como os decorrentes de aplicações de renda fixa e em fundos de investimento.

Porém, nos arts. 88 e 89 do mesmo ato normativo, há previsão de um regime especial de tributação para investidores residentes ou domiciliados no exterior, conferindo tratamento tributário mais favorável do que aquele conferido aos residentes e domiciliados no país para determinados investimentos.

É o caso, por exemplo, da alíquota de imposto de renda aplicável aos rendimentos de aplicações nos fundos de investimento em ações que, para os residentes e domiciliados no país, é de 15%, ao passo que, para investidores residentes ou domiciliados no exterior, é de 10%.

De acordo com a redação vigente do art. 88 da Instrução Normativa RFB 1.585/2015, duas são as condições a serem cumulativamente atendidas por um residente ou domiciliado no exterior para que usufrua do regime especial de tributação:

  1. realizar operações financeiras no país de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo CMN; e
  2. não ser residente ou domiciliado em país com tributação favorecida.

O item 1 se referia justamente à Conta 4.373, no sentido de ser necessário realizar operações financeiras no país por meio dela para que o investidor residente ou domiciliado no exterior pudesse aproveitar o regime especial de tributação, desde que também atendido o requisito do item 2.

Ocorre que, como visto, a Resolução Conjunta 13 propõe uma CNR única para que não-residentes possam investir no Brasil, não existindo mais a figura da Conta 4.373 para investimentos financeiros específicos.

Assim, para que seja possível ao não residente aproveitar o regime especial de tributação de investimentos financeiros, basta que não seja residente ou domiciliado em país com tributação favorecida e detenha uma CNR em reais por meio da qual são movimentados recursos próprios.

Fonte: Jota

A pauta do STF no começo de 2025: favelas, trabalho, ANP, anistia e funcionários públicos

Presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, definiu os processos que serão levados a plenário em fevereiro deste ano

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, definiu no último dia de 2024 a pauta de julgamentos que abrirá o ano da Corte, em fevereiro de 2025. 

Em 3 de fevereiro, uma segunda-feira, os trabalhos se iniciam com sessão solene de abertura do Ano Judiciário. Na quarta-feira daquela semana (5/2), os julgamentos recomeçam, com a ARE 959620, no primeiro item da pauta, na qual os ministros vão definir se é ilícita a prova obtida a partir de revista íntima de visitante em unidade prisional. 

Também está previsto para esta data o julgamento da ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas, que trata sobre as restrições impostas pela Corte durante a pandemia a operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro. Por fim, consta na pauta do dia 5 a ADPF 777, que versa sobre portarias publicadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que anularam anistia concedidas entre 2002 e 2005. 

No dia 12 de fevereiro a Corte terá um dia voltado apenas para questões trabalhistas. Ao longo do mês, a Corte julga também pode julgar um processo tributário sobre ISS em operações de industrialização por encomenda, a abrangência dos poderes da  Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para decidir sobre a venda de blocos petrolíferos e diversas ações relacionadas a funcionários públicos. 

Confira a agenda de julgamentos do STF em fevereiro de 2025

3 de fevereiro

Sessão solene de abertura do Ano Judiciário

5 de fevereiro

ARE 959620 – Recurso Extraordinário com Agravo, de relatoria do ministro Edson Fachin, que trata sobre a ilicitude de prova obtida a partir de revista íntima de visitante em unidade prisional, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem.

ADPF 635 – Conhecida como ADPF das Favelas, a ação, com pedido de medida cautelar,  tem a finalidade “de que sejam reconhecidas e sanadas” as alegadas “lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública, notadamente no que tange à excessiva e crescente letalidade da atuação policial, voltada sobretudo contra a população pobre e negra de comunidades”.

ADPF 777 – Ação proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil “em face das Portarias 1.266 a 1.579 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, publicadas no Diário Oficial da União em 5 de junho de 2020, que tratam da anulação de portarias declaratórias de anistiados políticos datadas entre 2002 e 2005”.

6 de fevereiro

ADI 7686 – Leitura do relatório e realização das sustentações orais na ADI, proposta pelo PSol que pede para que a Corte impeça repatriação de crianças quando houver suspeita de violência doméstica. A sessão também será composta por processos remanescentes da sessão de 5 de fevereiro de 2025.

12 de fevereiro

RE 1298647 – Recurso extraordinário em que se discute acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que definiu a legitimidade da transferência ao ente público tomador de serviço do ônus de comprovar a ausência de culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas devidas aos trabalhadores terceirizados pela empresa contratada, para fins de definição da responsabilidade subsidiária do Poder Público.

AO 2417 – Trata-se de embargos de declaração na AO 2417, que versa sobre a possibilidade de cobrar honorários contratuais de trabalhadores beneficiados por demandas coletivas, em que já havia honorários assistenciais (correspondentes à assistência judiciária gratuita) estipulados pela Justiça do Trabalho.

RE 1387795 – O recurso extraordinário trata da possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento.

13 de fevereiro

ADI 3596 – Ação, ajuizada pelo PSol, questiona o poder da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para decidir sobre a venda de blocos petrolíferos.

RE 608588 – Recurso extraordinário, com repercussão geral, que trata sobre o limite da atuação legislativa dos municípios para fixar as atribuições de suas guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do município.

19 de fevereiro

RE 1075412 – Embargos de declaração nos quais o Diário de Pernambuco busca reverter decisão do STF que possibilita a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas que imputem de forma falsa crimes a terceiros. A tese estabelece que a “plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais”.

RE 1133118 – Recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade de norma que prevê a possibilidade de nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante, para o exercício de cargo político.

MS 26156 – Mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado contra diversas decisões do Tribunal de Contas da União tomadas na análise do registro de aposentadoria e pensões relativas a docentes da Fundação Universidade de Brasília.

ADI 3228 – Ação do governo capixaba questiona a constitucionalidade dos artigos 6 e 13 da Lei Complementar 238/02, do Espírito Santo, que disciplina as gratificações que devem ser pagas aos membros do Ministério Público estadual (MPES), em razão do exercício de determinadas funções de confiança.

20 de fevereiro

ADI 6757 – Ação da PGR contra Lei de Roraima que prevê que nas promoções por merecimento e por antiguidade, precederá a remoção de magistrados. Para a PGR,  a matéria concerne ao Estatuto da Magistratura e deve ser disciplinada sob a forma de lei complementar de iniciativa do STF.

ADI 4055 – Ação movida pela PGR contra reserva de cargos em comissão para servidores efetivos previstas na Emenda 50 do Distrito Federal, de 17 de outubro de 2007, e na Resolução 232/2007, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).

26 de fevereiro 

RE 882461 – Os ministros julgam o RE 882461 (Tema 816), que trata da incidência de ISS em operações de industrialização por encomenda e a limitação ao percentual de 20% da multa moratória, ou seja, a multa por atraso no recolhimento do tributo. O caso tem placar de 7X1 favorável aos contribuintes, e deve ser retomado com voto-vista do ministro André Mendonça.

AR 2876 – Questão de Ordem em Ação Rescisória para discutir se a expressão “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, constante do § 15 do art. 525 e do § 8º do art. 535 do CPC, é inconstitucional.

ADPF 615 – Ação  proposta pelo Governador do Distrito Federal para impedir execuções de decisões que rejeitaram arguições de inexequibilidade de sentenças transitadas em julgado sob o fundamento de que “a decisão de inconstitucionalidade não possui o condão de esvaziar por inteiro o conteúdo da coisa julgada, sobretudo daquela materializada em situações jurídicas nas quais o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorrera em momento anterior à inconstitucionalidade reconhecida”. Tais ações discutem a gratificação a docentes dedicados “exclusivamente” a alunos portadores de necessidades educativas ou em situações de risco e vulnerabilidade. Liminar proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso suspendeu 

RE 586068 – Embargos contra acórdão do STF que assentou que poderão ser anuladas decisões definitivas de Juizados Especiais que tiverem sido fundamentadas em norma ou interpretação posteriormente considerada inconstitucional pela Suprema Corte.

27 de fevereiro

ADPF 338 – Ação requer a declaração de inconstitucionalidade do inciso II do art. 141 do Código Penal Brasileiro, que estabelece como causa de aumento de pena dos crimes contra a honra o fato de ter sido cometido contra servidor público, no exercício de suas funções. Processo incluído em pauta exclusivamente para leitura do relatório e realização das sustentações orais, com posterior agendamento de sessão para o início da votação e julgamento.

ADI 6238, ADI 6302, ADI 6266, ADI 6236, ADI 6239 – Ações questionam dispositivos que preveem crimes de abuso de autoridade praticados por funcionários públicos.

Fonte: Jota

Incide contribuição previdenciária sobre parcela de PLR paga como reajuste, decide Carf

Para colegiado, a parcela excedente, ainda que em valores reduzidos, descaracteriza a natureza do benefício

Por maioria, a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu que deve incidir a contribuição previdenciária sobre a terceira parcela da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) paga como complemento ao valor de parcela anterior. A Turma considerou que, embora o pagamento seja um resquício da segunda parcela, o descumprimento das normas do programa compromete a natureza jurídica do benefício.

A parcela em questão se tratava de uma complementação do valor anterior devido a uma convenção coletiva que pediu correção de 1,58% sobre a segunda parcela. O advogado representante do contribuinte, Matheus França, do Gaia Silva Gaede Advogados, argumentou que o valor reajustado foi insignificante para ser classificado como uma terceira parcela de PLR, e afirmou que cada funcionário recebeu, em média, R$ 50.

A relatora defendeu que a Lei 10.101/00, que trata da PLR, precisa ser cumprida em sua totalidade e, uma vez a periodicidade infringida, todo o programa tem sua conformidade comprometida. Além disso, destacou que a parcela excedente, ainda que em valores reduzidos, descaracteriza a natureza do benefício. Assim, votou pela tributação de todo o pagamento.

O conselheiro Leonam Rocha de Medeiros abriu divergência ao considerar que a parcela corresponde a uma diferença pequena e de uma tratativa negocial junto ao sindicato. Para ele, se tratou de uma extensão da segunda parcela em função do acordo. Ele foi acompanhado pela julgadora Ludmila Mara Monteiro de Oliveira. A votação terminou em 6×2 para negar provimento ao recurso do contribuinte.

O processo tramita com o número 10980.727803/2012-14.

Fonte: Jota

A (in) justiça tributária no mundo digital

IA propõe política fiscal ideal, mas desafios surgem na justiça tributária e na tributação da economia digital

Um sistema de aprendizagem profunda, nomeado por The AI Economist[1], elaborou, através de simulações econômicas, o que os idealizadores, baseados em teóricos da economia, chamaram de politica fiscal ideal, equitativa, justa que encoraja a igualdade, aumenta a produtividade e proporciona maior bem estar social.

Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, é possível que haja um trabalho conjunto entre o AI Economist e os humanos de modo que a inteligência artificial possa ajudar, principalmente os governantes, na concepção de políticas fiscais ideais que beneficiem o maior número de pessoas.

Dessa afirmação, cabe a crítica: Qual seria a configuração de um sistema tributário justo e o quão tendenciosos podem ser os dados que moldarão os algoritmos de aprendizado desse sistema?

O imposto sobre os rendimentos do trabalho e do capital apresenta, idealmente, a melhor qualidade de justiça, pois consegue concretizar a medida da capacidade contributiva através da imposição de alíquotas progressivas. No entanto, existe um desequilíbrio no tratamento tributário entre o capital e o trabalho.

Além das alíquotas progressivas, um sistema tributário progressivo deve ser estruturado em harmonia com a concessão de créditos, deduções e incentivos; com a incidência criteriosa dos impostos sobre propriedades e patrimônio; com políticas que proporcionem a redução da carga sobre os mais pobres nos impostos sobre o consumo e com uma efetiva progressividade das pessoas jurídicas.

De acordo com estimativas recentes[2], a alíquota média efetiva global do imposto de renda das pessoas jurídicas diminuiu de aproximadamente 30% na década de 1960, para cerca de 25% na década de 1980, e 18% em 2020. Esta redução impacta diretamente nas receitas públicas e compromete a progressividade do sistema tributário, além de exercer pressão sobre a tributação do rendimento das pessoas físicas, essencialmente sobre os rendimentos do trabalho.

Entretanto, apesar da imprecisão dos números sobre o futuro do trabalho, não podemos ignorar o aperfeiçoamento constante na dinâmica da substituição (total ou parcial) dos trabalhadores provocada pelas tecnologias inteligentes.

Se, por um lado, surgirão novas profissões tecnológicas e a necessidade de trabalhadores qualificados e bem remunerados, por outro, estão a diminuir os empregos tradicionalmente “do meio” e a aumentar o trabalho de menor complexidade, instável, desgastante, sem vínculo laboral, disfarçado de flexível, mas que, na verdade, trata-se de trabalho precarizado com uma pressão descendente sobre os seus salários. Esta situação reforça a responsabilidade das novas tecnologias no alargamento da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e os demais.

São alterações profundas na natureza do trabalho que provavelmente terão um impacto negativo sobre a arrecadação do IRPF incidente sobre os rendimentos do trabalho e das contribuições da seguridade social e, ao mesmo tempo exigirão do Estado aumento das despesas, inclusive com subsídios sociais.

Em contrapartida, o sistema de produção, distribuição e concentração de riqueza está sofrendo mudanças significativas. A inteligência artificial apresenta vantagem em relação à inteligência humana em um pequeno, mas crescente número de domínios limitados, daí decorre o risco de extinção de algumas profissões e o esvaziamento de outras.

À medida que essa tecnologia é incorporada por mais e mais empresas, a tendência é observarmos uma diminuição dos custos, com consequente aumento dos lucros e o enfraquecimento do poder de reivindicar uma parte dos lucros que o próprio trabalho possibilita[3].

Os dados de cidadãos, empresas e governos, passaram a ser um ativo dos mais relevantes para a geração de riqueza nas economias globais. A depender do modelo de negócio, os dados, fornecidos gratuitamente, são otimizados e utilizados como fonte de receita, incremento dos lucros e maximização dos resultados de empresas privadas. Seja com a criação de novos produtos e funcionalidades, personalização do cliente ou como fonte para treinar padrões – prever comportamentos, intenções e desejos – em sistemas de Inteligência Artificial, inclusive com o intuito de substituir a força de trabalho humana.

Em vista deste cenário, os critérios de repartição dos impostos, pensados em outros contextos históricos e econômicos, precisam ser readequados à contemporaneidade. A presença do Estado, através da atividade arrecadatória, se justifica em função da caracterização de uma atividade lucrativa, cuja tendência é ser ainda mais valiosa no futuro, e da necessidade de eliminar, ou pelo menos reduzir, as externalidades negativas decorrentes desse mercado digital, entre as quais, a redução das receitas tributárias.

Com a identificação e consequente tributação dessas novas fontes de rendimentos não se pretende negar os benefícios da robótica, penalizar as empresas automatizadas ou desencorajá-las a aderirem às novas tecnologias. A questão que se coloca é como poderemos nos certificar que os benefícios advindos da presença de robôs e da inteligência artificial serão compartilhados por toda a coletividade.

Manter o sistema tributário baseado no regime de apropriação e acumulação do passado, é reconhecer sua ineficácia futura. É fundamental que o legislador identifique as fontes de riqueza geradas nas empresas pela adoção de tecnologias inteligentes e, em consonância com a aplicação da capacidade contributiva, garanta uma distribuição equitativa da carga tributária. O reconhecimento de uma nova base tributável, que não seja a atividade laboral, pode ser um caminho que deve ser explorado e será crucial na promoção da justiça tributária em um mundo digital.

[1]Stephan Zheng, Alexander Trott, Sunil Srinivasa, Nikhil Naik, Melvin Gruesbeck, David C. Parkes, Richard Socher. The AI Economist: Improving Equality and Productivity with AI-Driven Tax Policies. 2020. Harvard University. Disponível em:https://arxiv.org/pdf/2004.13332.pdf.

[2]World Inequality Report (2022). Disponível em: https://wir2022.wid.world/ .

[3]PORTO, Lilia. Capitalismo digital: enfraquecimento do trabalho, novos conflitos e oportunidades. O futuro das coisas. Disponível em:https://ofuturodascoisas.com/capitalismo-digital-enfraquecimento-do-trabalho-novos-conflitos-e-oportunidades/

Fonte: Jota

Para STJ, relação entre motorista e Uber é de natureza civil

Corte remeteu processo que discute indenização de motorista descredenciado pela Uber para a Justiça comum

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (3/12), de forma unânime, remeter um processo que discute indenização de motorista descredenciado pela Uber para a Justiça comum.

Na ação, o motorista alega que a Uber não teria apresentado justificativa válida para o seu descredenciamento, ao passo que a plataforma alegou que o descredenciamento ocorreu porque o motorista era reincidente no cancelamento de viagens e provocava clientes a desistirem da chamada de viagem, o que lhe garantia o recebimento de uma taxa de cancelamento.

O motorista recorreu ao STJ depois de o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) afirmar que a competência para o julgamento do caso seria da Justiça do Trabalho, tendo em vista a possível relação de trabalho entre as partes. No recurso, o motorista alega que a relação entre as partes é de contrato civil, não um vínculo de trabalho.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, deu provimento ao recurso do motorista e foi acompanhado pelos demais ministros. De acordo com Villas Cuêva, a relação entre o motorista e a plataforma digital é de natureza civil. “Os elementos demonstrativos da relação de emprego não estão configurados nessa modalidade de contratação, pois os requisitos de eventualidade e subordinação estão ausentes”.

Ele ainda acrescentou que a plataforma digital atua como intermediária do contrato digital entre o motorista e o consumidor, caracterizando uma relação de autoatendimento. “A natureza jurídica da reivindicação está diretamente relacionada à demanda e à causa da demanda, que, no entanto, são eminentemente civis e conduzem à competência da justiça comum”, disse.

Fonte: Jota