Quarta Turma declara válido testamento que nomeou irmã curadora especial para os bens de herdeira menor

Segundo o colegiado, a possibilidade de nomeação da curadora para a gestão de bens deixados para a irmã menor de idade está prevista no art. 1.733 do Código Civil.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a validade do testamento de uma mulher que nomeou a filha mais velha como inventariante e curadora da parte da herança deixada para a filha menor de idade.

De acordo com o colegiado, a possibilidade de nomeação de curador especial para a gestão de bens deixados a herdeiro menor, ainda que a criança ou o adolescente esteja sob poder familiar, está prevista no parágrafo 2º do artigo 1.733 do Código Civil, e, portanto, não há razão para não ser preservada a vontade expressa em testamento.

O caso diz respeito a uma ação de inventário e partilha de bens em que a falecida, mediante registro em testamento, deixou herança para as filhas e estabeleceu que a mais velha ficaria responsável pela gestão dos bens herdados pela menor até esta atingir a maioridade.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de primeira instância que tornou a disposição testamentária sem efeito, sob o fundamento de que a possibilidade de nomeação de curador especial não se aplicaria ao caso em que ambas as herdeiras necessárias são também as únicas beneficiárias do testamento, não havendo justificativa para afastar o pai da administração dos bens deixados à co-herdeira incapaz.

Testamento é expressão da autonomia privada

Para o relator no STJ, ministro Marco Buzzi, o fato de uma criança ocupar a posição de herdeira legítima e testamentária, simultaneamente, não afasta a possibilidade de ser instituída curadoria especial para administrar os bens a que tem direito, ainda que esteja sob poder familiar.

De acordo com o ministro, a interpretação do artigo 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil deve se guiar pela preservação da autonomia de vontade do testador. Ele explicou que o testamento é uma expressão da autonomia privada – ainda que limitado por regras da sucessão legítima – e representa a preservação da vontade da pessoa que, em vida, planejou a disposição de seu patrimônio para o momento posterior à morte, o que inclui o modo como os bens deixados serão administrados.

O relator ressaltou ainda que a instituição de curadoria especial não afasta o exercício do poder familiar por parte do pai da menor, já que o conjunto de obrigações inerentes ao poder familiar não é drasticamente afetado pela figura do curador especial, que se restringe ao aspecto patrimonial.

No entendimento de Marco Buzzi, não há no caso nenhum prejuízo aos interesses da co-herdeira incapaz, “porquanto a nomeação de sua irmã como curadora especial de patrimônio, relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da autora da herança – genitora comum –, representa justamente um zelo adicional em relação à gestão patrimonial”.

Fonte: STJ

Guarda de registros de TV deve seguir prazos do Código Civil para pretensão indenizatória

O entendimento foi definido pela Terceira Turma ao determinar que a emissora SBT apresente arquivo de reportagem sobre maus-tratos infantis.

Para resguardar os direitos de terceiros em eventual ação de responsabilidade civil, a emissora de TV deve manter a guarda de todos os documentos referentes à sua atividade enquanto não ocorrer a prescrição ou a decadência da pretensão indenizatória, conforme previsto no artigo 1.194 do Código Civil.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a determinação da Justiça de São Paulo para que o SBT apresente arquivo de reportagem sobre maus-tratos infantis, na qual foram expostos o nome e a imagem do autor de uma ação de exibição de documentos.

Na origem do caso, o autor explicou que tem uma filha menor de idade e detém a sua guarda definitiva. Argumentou que precisaria ter acesso à matéria jornalística para tomar as medidas judiciais cabíveis devido ao potencial dano decorrente do conteúdo veiculado.

O pedido foi julgado procedente, e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão. De acordo com a corte estadual, o prazo para manutenção do arquivo de reportagens pela emissora deve ser o mesmo estabelecido no Código Civil para a prescrição da pretensão indenizatória, ou seja, três anos, pois o conteúdo se destina à instrução da ação de reparação civil.

Citando uma suposta violação do artigo 71, parágrafo 3º, da Lei 4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações), a defesa do SBT alegou em recurso especial que o prazo de conservação de gravações transmitidas é de 30 dias. Assim, a emissora não estaria obrigada a apresentar o material requerido pelo autor após o transcurso desse período.

Análise de prazos deve observar o princípio da especialidade

O relator do processo no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que o caso deve ser analisado sob a ótica do princípio da especialidade, que estabelece a prevalência do regramento específico, com força de lei, sobre as normas de caráter geral.

Como exemplo, o magistrado citou a adoção dos prazos previstos na Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) para decidir questões sobre a guarda de dados de usuários das redes sociais, lembrando que, antes de a lei entrar em vigor, era aplicada a norma genérica do artigo 1.194 do Código Civil, ou seja, os dados deveriam ser armazenados por um tempo mínimo equivalente aos prazos de decadência ou de prescrição de eventuais ações relacionadas a eles.

Artigo 1.194 do Código Civil deve ser aplicado por analogia

Quanto ao dispositivo do Código Brasileiro de Telecomunicações mencionado pela defesa da emissora, o relator explicou que ele diz respeito a infrações e respectivas penalidades na hipótese de abuso no exercício da liberdade de radiodifusão, não havendo relação com a eventual transgressão do direito de terceiros.

“À míngua de lei fixando um prazo específico para a guarda de conteúdos televisionados, ao menos em relação ao direito de terceiros, deve incidir, por analogia, a disposição contida no artigo 1.194 do Código Civil, que obriga a guarda, pela sociedade empresária, de todos os documentos concernentes à sua atividade enquanto não ocorrer a prescrição ou a decadência do direito correspondente aos atos neles consignados”, concluiu Villas Bôas Cueva ao negar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 1.602.692.

Fonte: STJ

Preso que recusa comida por achá-la imprópria não comete falta grave, decide Quinta Turma

Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não configura falta grave a conduta do preso que recusa alimento por considerá-lo impróprio para o consumo. Segundo o colegiado, se o detento se comportou de forma pacífica, sem ameaçar a segurança do ambiente carcerário, sua atitude apenas representa o exercício do direito à liberdade de expressão, à saúde e à alimentação.

De acordo com o processo, os agentes penitenciários conferiram os alimentos e entenderam que eles estavam bons para o consumo, mas um grupo de detentos se recusou a receber a comida nas celas. Ouvido em sindicância, um dos presos afirmou que a recusa tinha o objetivo de provocar a melhoria das condições de alimentação no presídio. O diretor da unidade classificou a conduta do preso como falta disciplinar de natureza grave.

A punição ao detento foi determinada pelo juízo da execução penal e mantida pelo tribunal estadual, sob o entendimento de que a conduta se enquadraria no artigo 50, inciso I, da Lei 7.210/1984 (incitação ou participação em movimento para subverter a ordem ou a disciplina).

Lei não obriga preso a ingerir alimentos em condições que julga inadequadas

O ministro Ribeiro Dantas, relator do caso no STJ, apontou que uma “greve de fome” realizada por detentos pode, em determinadas situações, caracterizar a falta grave prevista no artigo 50 da Lei 7.210/1984, especialmente se o movimento resultar na configuração do crime de motim de presos (artigo 354 do Código Penal) ou de dano ao patrimônio público (artigo 163 do CP).

“Em tais situações, a recusa deliberada em se alimentar pode ser considerada parte de um movimento que busca subverter a ordem ou a disciplina no estabelecimento prisional, sujeitando os envolvidos às sanções correspondentes”, completou.

Por outro lado, o ministro comentou que não há caracterização de falta grave apenas pela recusa do detento em aceitar a comida tida por ele como imprópria para o consumo, tendo em vista que o ordenamento jurídico não obriga um preso a ingerir alimentos em circunstâncias que considera inadequadas.

Alimentação digna é um direito básico do preso

Segundo Ribeiro Dantas, a entrega de alimentos sem condições adequadas tira do indivíduo já privado de liberdade o direito básico à alimentação digna, representando uma afronta direta à sua integridade física e mental. É um fato que, em última análise, ameaça a saúde e o bem-estar do detento, contrariando princípios consagrados na Constituição, disse o relator.

Ao afastar a falta grave, o ministro afirmou ainda que a rejeição à comida duvidosa está intrinsecamente ligada à obrigação estatal de proporcionar alimentação adequada e suficiente no presídio, e também diz respeito à obrigatoriedade de assistência material e à saúde do detento.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial

Fonte: STJ

Constituição e Justiça aborda criação e competências do Tribunal da Cidadania

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) lança, nesta terça-feira (31), o quinto e último capítulo da série audiovisual STJ, Constituição e Justiça, uma ação da Secretaria de Comunicação Social em comemoração dos 35 anos da Carta Cidadã e da criação do Tribunal da Cidadania.

Produzida pela Coordenadoria de TV e Rádio, a série tem 13 episódios, agrupados em cinco capítulos, com conteúdo jurídico introdutório sobre as normas fundamentais da Constituição e a atuação do STJ e de todo o sistema de Justiça para garantir o cumprimento de direitos e deveres da população brasileira.

O quinto capítulo traz a história da criação do STJ e suas competências originárias e recursais previstas na Constituição. A série completa está disponível no canal do STJ no YouTube.

Clique nas links para assistir aos novos episódios:

https://www.youtube-nocookie.com/embed/28Sj0cVYjUk

https://www.youtube-nocookie.com/embed/IONIFQ-3sTM

Fonte: STJ

STJ autoriza CDHU a leiloar imóveis para executar garantia do contrato

É lícita a cláusula que fixa garantia de alienação fiduciária nos contratos de financiamento habitacional da CDHU. Com isso, é válida também a opção da companhia por fazer leilão desses imóveis após o inadimplemento do contrato e a consolidação da propriedade em seu nome.

TJ-SP entendeu que leilão público dos imóveis vinculados ao programa habitacional desvirtuaria objetivo
Reprodução/Governo de S. Paulo

Com essa conclusão, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça autorizou a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) do estado de São Paulo a leiloar imóveis cujos devedores assinaram contrato com garantia de alienação fiduciária.

Nesses contratos, a propriedade do bem é transferida para a instituição financeira que forneceu o dinheiro e só é devolvida quando o débito é totalmente quitado. Vencida a dívida, a propriedade do imóvel fica consolidada em nome do credor fiduciário.

No caso de operações de financiamento habitacional como praticadas pelo CDHU, as regras estão definidas na Lei 9.514/1997. O artigo 27 diz que a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário autoriza a promoção de leilão público para a venda do imóvel.

O valor arrecadado vai servir para quitar a dívida e encargos (despesas, prêmios de seguro, tributos e contribuições condominiais). O que sobrar — se sobrar algo — deve ser devolvido ao devedor fiduciário. O procedimento é o mesmo usado em contratos gerais com alienação fiduciária.

O problema, segundo a Defensoria Pública de São Paulo, é que desvirtua a política pública destinada à garantia do direito à moradia. Na ação, a entidade apontou que o leilão aberto permite que o bem seja arrematado por quem não estava previamente inscrito num dos programas habitacionais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo não viu problemas na inclusão de cláusula de alienação fiduciária nesses contratos, mas concordou que não poderia a CDHU negociar o imóvel com quem estivesse fora dos requisitos legais para o contrato em vigência.

Relator no STJ, o ministro Gurgel de Faria deu provimento ao recurso da companhia. Ressaltou que lei estabelece expressamente as consequências relacionadas à execução da garantia, sendo a principal delas a promoção de leilão público. Impedi-lo, portanto, contraria o texto legal.

Em sua análise, é também incorreta a conclusão de que a alienação dos imóveis de maneira pública, ao abranger interessados não cadastrados no programa de habitação, desvirtuaria a função da Companhia e o direito à moradia.

“É que o leilão público só ocorre nos casos mais graves de inadimplemento, de modo que a possibilidade de ofertar esses imóveis para mais interessados incrementa a possibilidade de alienação do bem e, consequentemente, reduz bastante as chances de o sistema ser deficitário”, explicou. Assim, benéfico ao CDHU que ele possa vender mais facilmente os imóveis.

“Portanto, entendo que não só é possível manter a cláusula de alienação fiduciária nos contratos regidos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo como também é admissível o leilão público dos imóveis quando houver a execução daquela garantia”, concluiu. A votação foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 1.776.983

Fonte: STJ

Valor muito baixo não autoriza Justiça a extinguir execução de honorários devidos à Defensoria Pública

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juízo não pode negar seguimento ao cumprimento de sentença requerido pelo credor apenas porque o valor executado é ínfimo e não supera os custos do processo.

“Nenhum dos elementos estruturantes do interesse processual prevê que causas de diminuto valor nominal não poderão ser objeto de pretensão sob esse fundamento, ainda que possam ser elas direcionadas para procedimento distinto, como é a hipótese dos juizados especiais, tampouco se identifica no ordenamento jurídico alguma regra que vede a dedução de pretensão com esse perfil e conteúdo”, declarou a relatora, ministra Nancy Andrighi.

O caso analisado pelo colegiado diz respeito a ação de alimentos em que um homem foi condenado a pagar à filha 25% do salário mínimo por mês. A condenação incluiu a obrigação de pagar, a título de honorários sucumbenciais, o valor de R$ 58,37 para a Defensoria Pública do Tocantins (DPTO), que assistiu a menor durante o processo.

Após o trânsito em julgado, a DPTO deu início à fase de cumprimento da sentença, buscando receber os honorários. Veio, então, outra sentença, dessa vez extinguindo a fase de cumprimento, sob o fundamento de que a movimentação do Poder Judiciário para a execução de valor tão pequeno ofenderia os princípios da eficiência e da utilidade da tutela jurisdicional. A DPTO apelou à segunda instância, mas o recurso foi desprovido pelos mesmos fundamentos.

Negativa de seguimento ao cumprimento de sentença não está prevista em lei

A ministra Nancy Andrighi observou que, no ordenamento jurídico vigente, não há autorização para que o juízo negue seguimento ao cumprimento de sentença pelo fato de o valor executado ser ínfimo. Segundo ela, não é possível admitir a interpretação de que, nessa hipótese, faltaria interesse processual à parte, já que a tutela jurisdicional requerida é útil e necessária. Além disso, há a autoridade e a imutabilidade da coisa julgada material sobre aquilo que se pretende executar.

A relatora ressaltou que, em um país de dimensão continental e de relevantes diferenças sociais como o Brasil, é inviável ao Judiciário decidir o que é um valor mínimo para que o processo possa tramitar. Ela mencionou que, segundo o IBGE, o rendimento mensal domiciliar per capita em Tocantins é de R$ 1.028,00, de modo que o valor da execução em debate representaria algo próximo de 5,5% da renda média. “Entretanto, se a comparação se desse em relação ao estado do Maranhão, cujo rendimento é o mais baixo (R$ 635,00), a presente pretensão executiva representaria quase 10% da renda média”, afirmou.

Ao dar provimento ao recurso da DPTO, a relatora ainda ponderou que, embora o valor possa ser considerado pequeno individualmente, é preciso considerar que a Defensoria Pública, na função de representar pessoas pobres, patrocina um grande número de processos com baixo conteúdo econômico.

“Se se negar seguimento a mil cumprimentos de sentença de valor individual de R$ 58,37, ter-se-á o valor total de R$ 58.370,00. Desse modo, a eventual chancela desta corte à tese do acórdão recorrido, sem dúvida nenhuma, implicará o aumento de decisões nesse sentido, com potencial e inestimável prejuízo à Defensoria Pública”, concluiu.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Prática de artes marciais justifica elevação da pena-base em crime de lesão corporal, define Sexta Turma

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legítimo o aumento da pena-base no crime de lesão corporal cometido por praticante de artes marciais. Para o colegiado, os princípios éticos das modalidades esportivas de luta preveem a utilização da violência apenas em situações extremas, de modo que o delito com uso da força, nesses casos, configura maior reprovação da conduta.

O entendimento foi estabelecido em caso no qual o réu, em uma casa noturna, desferiu um soco no rosto da vítima, causando-lhe debilidade permanente no lábio inferior e deformidade definitiva da face.

Em primeiro grau, no momento de fixar a pena-base pelo crime de lesão corporal, o juízo levou em consideração o fato de o réu ser praticante de jiu-jítsu e valorou negativamente a circunstância judicial da culpabilidade. A pena final, fixada em três anos e quatro meses de reclusão, em regime semiaberto, foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

No STJ, o relator, desembargador convocado Olindo Menezes, reduziu a pena para dois anos e sete meses de reclusão e manteve o semiaberto, mas a defesa, por meio de agravo regimental, insistiu na tese de que a valoração negativa da culpabilidade teria violado o artigo 59 do Código Penal.

Análise da culpabilidade considera grau de censura sobre o comportamento do réu

Em seu voto no julgamento do agravo, o desembargador Jesuíno Rissato – que assumiu a relatória do processo – transcreveu precedente do STJ segundo o qual a culpabilidade deve ser entendida como o juízo de reprovabilidade sobre a conduta do agente, apontando maior ou menor censura de seu comportamento.

Reafirmando os termos da decisão do relator original, o desembargador assinalou que o fato de o réu ser praticante de artes marciais, cujos princípios éticos vedam o uso da violência, salvo em casos extremos, “justifica validamente a exasperação da pena-base, porquanto evidencia maior reprovabilidade da conduta”.

Com esse entendimento, a Sexta Turma manteve a pena fixada na decisão monocrática, inclusive o regime semiaberto.

Leia o acórdão no AREsp 2.053.119.

Fonte: STJ

Inspeção de segurança em pessoas e bagagens não tem os requisitos da busca pessoal, decide Sexta Turma

Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a inspeção de segurança de pessoas e bagagens realizada por agentes públicos e privados em locais como aeroportos, rodoviárias e espaços coletivos não se confunde com a busca pessoal para fins penais, a qual deve ser baseada em prévia e fundada suspeita, com requisitos expressos fixados no artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP).

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao considerar válida a ação na qual agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em abordagem rotineira a ônibus interestadual, localizaram 30 quilos de maconha na bagagem de uma mulher e de um adolescente.

“Se a busca ou inspeção de segurança – em locais de ocupação coletiva ou que envolvam transporte de pessoas, cargas e bens – pode ser realizada por agentes privados incumbidos da segurança, com mais razão pode – e deve – ser realizada por agentes públicos que estejam atuando no mesmo contexto, sem prejuízo do controle judicial a posteriori acerca da proporcionalidade da medida, em ambos os casos”, apontou a relatora do habeas corpus, ministra Laurita Vaz.

De acordo com os autos, em rodovia do estado de São Paulo, os agentes da PRF pararam o ônibus, que partiu de Dourados (MS), e iniciaram uma inspeção aleatória. Percebendo sinais de nervosismo na mulher e no adolescente, os policiais examinaram a bagagem dos dois e encontraram 34 tijolos de maconha.

No habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa da mulher alegou que a prova encontrada seria ilícita, pois os policiais rodoviários não teriam comprovado fundada suspeita anterior que justificasse a busca pessoal.

Inspeção de segurança tem aspecto de contratualidade e não é obrigatória

A ministra Laurita Vaz destacou que a expressão “busca pessoal”, prevista no CPP, tem sido utilizada para designar outros procedimentos que não possuem natureza penal e que, por isso, não exigem a presença da fundada suspeita.

No caso da inspeção de segurança, a ministra comentou que o procedimento ocorre rotineiramente em aeroportos, rodoviárias, prédios públicos e eventos festivos – locais e situações em que, normalmente, há grande circulação de pessoas e a necessidade de zelar pela integridade física dos usuários e das instalações.

“Embora a inspeção de segurança também envolva restrição a direito fundamental e possa ser alvo de controle judicial a posteriori, a fim de averiguar a proporcionalidade da medida e a sua realização sem exposição vexatória, o principal ponto de distinção em relação à busca de natureza penal é a faculdade que o indivíduo tem de se sujeitar a ela ou não”, explicou.

Segundo a ministra, a inspeção de segurança envolve um aspecto de contratualidade, pois a recusa em se submeter ao procedimento apenas irá impedir o acesso do indivíduo ao local ou serviço – situação diferente da busca pessoal para fins penais, que a pessoa não tem como evitar.

Bagagem poderia ter sido inspecionada previamente na rodoviária

Em relação aos aeroportos, por exemplo, Laurita Vaz destacou que a inspeção de segurança deriva do cumprimento, pelo Brasil, da Convenção Internacional de Aviação Civil. Nos termos do Decreto 11.195/2022, que regulamenta o assunto, a responsabilidade pela inspeção de passageiros e bagagens pode ser delegada a agentes privados, sob supervisão da Polícia Federal.

No caso dos autos, a relatora comentou que, se a bagagem poderia ser inspecionada na rodoviária ou em um aeroporto sem qualquer indicação de prévia suspeita, não há razão para questionar a legalidade da revista feita por policiais rodoviários, os quais atuaram no contexto de inspeção de segurança.

“Ainda que assim não se entenda, penso que a busca do caso concreto também preenche os requisitos do artigo 244 do Código de Processo Penal. Com efeito, penso que se pode ter por fundada a suspeita que decorre da troca de olhares nervosos entre um adolescente viajando sozinho e uma outra passageira que afirmou desconhecê-lo, sobretudo quando se considera que o ônibus partiu de localidade conhecida como um dos mais relevantes pontos de entrada e distribuição de drogas no país”, ponderou a ministra.

Apesar de reconhecer a legitimidade da diligência policial, a Sexta Turma aplicou uma causa de diminuição de pena e fixou a condenação da mulher em dois anos e cinco meses de reclusão

Pena restritiva de liberdade para casos mais graves, geralmente cumprida em estabelecimento com segurança mais rigorosa. Pode começar no regime fechado.

Fonte: STJ

Impossibilidade de tratamento em hospital credenciado justifica reembolso total de despesa fora da rede

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, determinou que uma operadora de plano de saúde reembolse, integralmente, as despesas feitas em hospital não credenciado pelos pais de uma bebê recém-nascida. Segundo o colegiado, por não ter assegurado à consumidora a cobertura dos tratamentos médicos abarcados pelo contrato, a conduta da operadora configurou inadimplemento contratual.

De acordo com os autos, poucos dias após o nascimento, a bebê apresentou quadro de grave baixa ou diminuição de consciência e precisou ser intubada na UTI neonatal do hospital onde nascera, em João Pessoa. Foram detectados indícios de síndrome metabólica, a qual somente poderia ser confirmada com exames complexos, que não eram oferecidos na região.

Considerando o risco de morte, a médica responsável pelo caso solicitou a transferência da recém-nascida para o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, a qual foi autorizada e custeada pela operadora. No hospital paulista, os exames revelaram o diagnóstico de acidemia isovalérica, o que levou a bebê a ser internada em UTI e intubada, sem previsão de alta, não tendo a operadora do plano de saúde arcado com os custos dessa nova internação.

Internação fora da rede credenciada não foi simples conveniência do beneficiário

Os pais da recém-nascida, que arcaram com os custos da internação em São Paulo, ajuizaram ação para obter da operadora de saúde o reembolso total dessas despesas. O pedido foi julgado integralmente procedente pelas instâncias ordinárias.

No STJ, o relator do recurso da operadora, ministro Marco Buzzi, comentou que, segundo a jurisprudência, o reembolso de despesas realizadas fora da rede credenciada, para tratamento de urgência ou emergência, deve ser limitado ao valor de tabela praticado entre o plano de saúde e as entidades conveniadas.

No entanto, no caso em discussão, ele observou que a internação em hospital não integrante da rede credenciada não decorreu de mera conveniência do beneficiário, mas da impossibilidade técnica de continuidade do tratamento até então fornecido em hospital conveniado – situação que foi devidamente informada à operadora.

Operadora descumpriu artigo da Resolução 259 da ANS

O ministro destacou que, nos termos do artigo 6º da Resolução Normativa 259/2011 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), quando não houver prestador, integrante ou não da rede assistencial, que ofereça o serviço de urgência ou emergência demandado na região do beneficiário, a operadora deverá garantir o transporte do paciente e o custeio de seu tratamento em um prestador apto a realizar o devido atendimento.

O relator apontou que, caso a operadora descumpra tal exigência, o artigo 9º da resolução da ANS prevê que os gastos do beneficiário com tratamento fora da rede credenciada serão reembolsados integralmente, no prazo de 30 dias.

Ele também ressaltou que a rede credenciada não tinha condições técnicas para prosseguir com o tratamento, diante da incapacidade de obtenção de diagnóstico preciso da doença da bebê.

Nesse cenário, segundo o relator, cabia à operadora, de forma proativa, remover a paciente para uma unidade hospitalar, credenciada ou não, capaz de prestar o atendimento necessário e contratualmente previsto, arcando com os custos do transporte e da internação.  

“A despeito de regularmente notificada sobre a necessidade de transferência da paciente, e consequente internamento em outro hospital, não há nos autos notícia de que a empresa tenha adotado qualquer das providências estabelecidas pela ANS para casos como este em julgamento. A operadora limitou-se a custear o traslado da paciente à unidade hospitalar não integrante da rede conveniada, omitindo-se sobre seu dever de, ainda assim, custear o tratamento e relegando aos beneficiários o custeio da internação”, afirmou Buzzi.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Grupo de trabalho vai discutir criação de fase nacional unificada nos concursos para a magistratura

Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, e Mauro Campbell Marques, diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), foram designados para integrar o grupo de trabalho encarregado de propor reformas para o ingresso na carreira da magistratura.

Instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em portaria publicada nesta quarta-feira (18), o grupo deverá apresentar, em até 30 dias, proposta de alterações normativas para o estabelecimento de uma fase nacional unificada nos concursos públicos de ingresso na magistratura, tanto na Justiça comum quanto nos ramos especializados.

A presidência dos trabalhos estará a cargo do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Fonte: STJ