Provedor não precisa de ordem judicial para remover conteúdo contrário aos seus termos de uso

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um provedor de aplicação de internet, como o YouTube, pode, por iniciativa própria, remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos de usuários que violem seus termos de uso.

“É legítimo que um provedor de aplicação de internet, mesmo sem ordem judicial, retire de sua plataforma determinado conteúdo (texto, mensagem, vídeo, desenho) quando este violar a lei ou seus termos de uso, exercendo uma espécie de autorregulação regulada: autorregulação ao observar suas próprias diretrizes de uso, regulada pelo Poder Judiciário nos casos de excessos e ilegalidades porventura praticados”, disse o relator do caso no STJ, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Com esse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso de um médico para que fossem restabelecidos vídeos da sua conta no YouTube, removidos pela plataforma em 2021. Na época, ele postou conteúdo orientando sobre tratamentos para a Covid-19 não referendados pela Organização Mundial da Saúde, inclusive com a utilização de hidroxicloroquina.

O YouTube avaliou que a publicação era incompatível com a sua “Política sobre desinformação médica da Covid-19”, divulgada aos usuários da plataforma.

O médico reclamou que estaria sendo vítima de censura, pois o Marco Civil da Internet garantiria o direito do usuário à inviolabilidade do fluxo de comunicações. Ele ajuizou ação para determinar o restabelecimento do conteúdo removido, mas tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram o pedido.

Interpretação do recorrente contraria esforço social de combate às fake news

O ministro Villas Bôas Cueva explicou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que o provedor de aplicações só será responsabilizado civilmente por publicações de terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar medidas para tornar o conteúdo ofensivo indisponível.

Para o relator, isso não significa que o provedor só poderá tornar o conteúdo indisponível se houver ordem judicial para tanto, como argumentou o médico.

Além de dar à lei um sentido não previsto, o ministro comentou que a interpretação restritiva do artigo 19, tal como sustentada pelo recorrente, contraria o esforço feito pela comunidade nacional e internacional, pelo poder público, pela sociedade civil e pelas empresas contra a desinformação (fake news) e práticas ilícitas na internet.

Exercício da liberdade de expressão exige zelo e responsabilidade

Em sua decisão, o relator também rechaçou a alegação do médico de que estaria sofrendo shadowbanning, ou banimento às escuras. Segundo explicou, essa prática – vedada em documentos regulatórios – consiste na moderação de conteúdo por meio de rebaixamentos em sistemas de recomendação ou outras formas de banimento de difícil detecção pelo usuário.

No entanto, no caso em análise, o ministro entendeu que essa prática não foi adotada pela empresa, que notificou o usuário do conteúdo irregular e o retirou do ar.

“A liberdade de expressão, estabelecida no caput do artigo 19 do Marco Civil da Internet, é um princípio democrático de alta hierarquia, que se impõe sobre todas as relações, tanto públicas quanto entre particulares, e recebe tratamento especial no ordenamento jurídico. É ela que possibilita o exercício do livre pensamento e da transmissão de informações, opiniões e críticas e autoriza o acesso a informações de interesse coletivo. Seu titular, do mesmo modo, tem o dever de exercê-la com grande zelo e responsabilidade”, concluiu.

Fonte: STJ

Informativo aborda inadmissibilidade de recurso especial contra acórdão que nega mandado de segurança e julga IRDR

A Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 832 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição. 

No primeiro processo destacado, a Primeira Seção, por maioria, decidiu que é inadmissível a interposição de recurso especial contra decisão que, embora fixe tese em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), denega mandado de segurança no tribunal de origem. A tese foi fixada no AgInt no REsp 2.056.198, de relatoria do ministro Gurgel de Faria. 

Em outro julgado citado na edição, a Sexta Turma, por unanimidade, definiu que a fixação da competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de racismo mediante divulgação de conteúdo em rede social exige a demonstração da natureza aberta do perfil que realizou a postagem, a fim de possibilitar a verificação da potencialidade de atingimento de pessoas para além do território nacional. O AgRg no HC 717.984 teve como relator o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.

Fonte: STJ

Segunda Turma considera legal limite de 1% para que rótulos informem sobre presença de transgênicos

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, pela legalidade do Decreto 4.680/2003, que estabelece o limite de 1% para que os fabricantes de produtos alimentícios comercializados no Brasil sejam obrigados a informar, nos rótulos, a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs).

O Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram ação civil pública contra a União para questionar a legalidade do Decreto 3.871/2001, que disciplinava a rotulagem dos alimentos que continham produtos transgênicos em até 4% da sua composição. No curso do processo, o decreto original foi substituído pelo Decreto 4.680/2003, o qual reduziu de 4% para 1% o limite que torna obrigatória a informação ao consumidor sobre a presença de OGMs.

A ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O tribunal entendeu que o consumidor tem direito à informação, que deve ser incluída nos rótulos em todos os casos, independentemente de quantidades.

A União e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) interpuseram recursos especiais no STJ, sustentando que o decreto obedece às disposições legais sobre os limites de tolerância e que quantidades abaixo de 1% de OGM dispensam a informação.

Limite de 1% concilia desenvolvimento e segurança do consumidor

O relator dos recursos, ministro Francisco Falcão, comentou que as preocupações com o uso dos transgênicos na indústria alimentícia eram compreensíveis há mais de 20 anos, mas “hoje já se sabe que os alimentos 100% transgênicos não representam risco à saúde, muito menos em proporções ínfimas, como abaixo de 1%”.

O ministro considerou que a decisão do tribunal de origem ultrapassou os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, contrariando o ordenamento jurídico vigente. Ele argumentou que o limite de 1% para rotulagem é suficiente para conciliar os interesses de desenvolvimento econômico e tecnológico com a segurança do consumidor, sem comprometer a saúde pública.

“Exigir de toda a indústria que submeta todos os produtos a rigorosos testes, de alto custo, para garantir a informação específica de qualquer resquício de OGMs, em toda a cadeia produtiva, é providência exagerada, assaz desproporcional”, afirmou.

Para Falcão, a medida afrontaria a razoabilidade e a proporcionalidade, e impediria a convivência harmoniosa dos interesses dos participantes do mercado.

Leia o acórdão no REsp 1.788.075.

Fonte: STJ

Repetitivo vai definir condições para empresa do setor de eventos usufruir de benefícios do Perse

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 2.126.428, 2.126.436, 2.130.054, 2.138.576, 2.144.064 e 2.144.088, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, para julgamento sob o rito dos repetitivos.

A controvérsia, cadastrada como Tema 1.283 na base de dados do STJ, envolve duas questões:

1) se é necessário ou não que o contribuinte esteja previamente inscrito no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), conforme previsto na Lei 11.771/2008, para que possa usufruir dos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei 14.148/2021; e

2) se o contribuinte optante pelo Simples Nacional pode ou não se beneficiar da alíquota zero relativa ao Programa de Integração Social (PIS), à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), prevista no Perse, considerando a vedação legal do artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006.

O colegiado determinou a suspensão da tramitação de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial que discutam a mesma matéria, na segunda instância ou no STJ, observada a orientação do artigo 256-L do Regimento Interno do STJ.

Necessidade de cadastro prévio para usufruir de benefício fiscal

Segundo a ministra, a Lei 14.148/2021 criou o Perse no contexto da pandemia da Covid-19 e, entre outras medidas, reduziu a zero, em favor das pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos, a alíquota de alguns tributos federais – como o PIS, a Cofins, a CSLL e o IRPJ.

O julgamento do tema repetitivo, explicou, vai resolver duas questões em torno do direito a gozar dessas vantagens. A primeira diz respeito à necessidade de pessoas jurídicas do setor de eventos estarem regularmente inscritas no Cadastur, do Ministério do Turismo, para fruição do benefício fiscal, no momento da publicação da lei que instituiu o programa.

A segunda é referente à exclusão de pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional, uma vez que o artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006 dispõe que “não serão consideradas” em favor das optantes desse regime quaisquer alterações em alíquotas que modifiquem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional.

De acordo com a ministra, em todos esses casos, a interpretação da Receita Federal foi desfavorável aos contribuintes.

Recursos repetitivos geram economia de tempo e segurança jurídica

O CPC regula, nos artigos 1.036 e seguintes, o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham controvérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repetem nos tribunais brasileiros.

A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como conhecer a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações.

Fonte: STJ

Reconhecimento da decadência não prejudica julgamento da impugnação ao valor da causa

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o reconhecimento da decadência do direito reclamado na ação não impede que o juízo, de ofício ou mediante provocação, faça a adequação do valor da causa apontado pela parte autora na petição inicial.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que julgou prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa em razão do reconhecimento da decadência.

No caso dos autos, os réus apresentaram contestação e, em preliminar, impugnaram o valor de R$ 100 mil atribuído à causa, pedindo a fixação do montante de quase R$ 4 milhões. Em primeiro grau, o juízo acolheu a impugnação e, reconhecendo a decadência do direito dos autores, julgou extinto o processo com resolução de mérito, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 30 mil.

A sentença foi reformada pelo TJMT, que manteve o valor da causa em R$ 100 mil e readequou os honorários para 20% sobre a causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil (CPC). No entendimento da corte estadual, com o acolhimento da prejudicial de mérito, não seria possível falar em alteração do valor da causa.

Valor da causa tem reflexos em questões como honorários e competência do juízo

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator no STJ, explicou que a impugnação ao valor da causa é questão processual que envolve a adequação do montante financeiro atribuído à demanda, com reflexos na fixação dos honorários, nas custas judiciais e na determinação da competência do juízo.

Por outro lado – apontou –, a decadência diz respeito à perda do direito potestativo pela falta de seu exercício no prazo previsto pela legislação. “É matéria de mérito, que demanda análise mais aprofundada dos fatos e do direito aplicável ao caso, devendo ser apreciada em momento subsequente ao das questões processuais preliminares”, completou.

Segundo o ministro, mesmo que a parte ré seja vitoriosa na ação, com o reconhecimento da decadência do direito pleiteado pelo autor, ainda persiste o seu interesse na adequação do valor da causa, tendo em vista que essa modificação pode influenciar diretamente na quantia a ser recebida pelo seu advogado.

“Logo, o TJMT, ao reformar a sentença e julgar prejudicada a análise da impugnação ao valor da causa, em razão do reconhecimento da decadência, negou vigência ao disposto nos artigos 292, parágrafo 3º, 293 e 337, III e parágrafo 5º, do CPC”, concluiu.

Com o provimento do recurso, o relator determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para exame do valor atribuído à causa.

Leia o acórdão no REsp 1.857.194.

Fonte: STJ

Morte da parte autora durante ação de divórcio não impede dissolução póstuma do casamento

Para o tribunal, os efeitos da manifestação de vontade do autor não precisam esperar pela sentença; se ele morre antes, é possível reconhecer a dissolução do casamento na forma como foi requerida.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a morte do autor do pedido de divórcio no curso do processo não impede o reconhecimento da dissolução do casamento.

Na origem, um homem gravemente doente ajuizou ação de divórcio com pedido de liminar, o qual foi indeferido pelo juízo de primeira instância. Ele recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e obteve a antecipação da tutela recursal para que o divórcio fosse reconhecido provisoriamente.

No entanto, o autor faleceu antes do julgamento de mérito da ação, razão pela qual a corte estadual extinguiu o processo, revogando a liminar concedida anteriormente. O TJRJ entendeu que, nessas condições, a causa de extinção do casamento foi a morte do cônjuge, e não o divórcio.

O espólio e as herdeiras recorreram ao STJ sustentando sua legitimidade para seguir na ação e tentando manter o reconhecimento do divórcio, ao argumento de que a sua decretação em antecipação da tutela recursal significa verdadeiro julgamento antecipado do mérito.

Divórcio só depende da vontade do cônjuge

O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que a definição sobre a forma de extinção do casamento – se pela morte ou pelo divórcio – tem importantes consequências jurídicas, principalmente em relação à herança e aos direitos previdenciários.

Ele observou que o entendimento do tribunal de segunda instância, de que a morte durante a ação de divórcio extingue a demanda, prevaleceu no Judiciário por muito tempo. No entanto, a Emenda Constitucional 66/2010 mudou essa situação ao dispensar qualquer requisito prévio para o divórcio e transformá-lo em um direito potestativo, ou seja, um direito cujo exercício só depende da vontade da parte interessada, cabendo à outra parte apenas a submissão jurídica, sem possibilidade de se contrapor ao direito invocado.

“A dissolução do casamento passou a depender, unicamente, da válida manifestação da vontade de um dos cônjuges de não mais permanecer casado, sem ter que cumprir qualquer requisito temporal e, principalmente, sem se vincular à vontade da contraparte”, afirmou.

Reconhecimento de divórcio pode ser feito postumamente

Segundo o relator, uma vez ajuizada a ação de divórcio, o pedido de dissolução do casamento pode ser julgado antecipadamente, com fundamento nos artigos 355 e 356 do Código de Processo Civil (CPC), independentemente do prosseguimento do processo para a definição de questões acessórias, como as ligadas ao patrimônio e à filiação.

Assim, de acordo com o ministro, não há razão para que os efeitos da manifestação de vontade da parte autora fiquem condicionados à sentença judicial definitiva. Não tendo sido apreciado o mérito do pedido de divórcio – disse Villas Bôas Cueva –, e vindo a parte autora a falecer no curso do processo, o reconhecimento da dissolução do vínculo conjugal, na forma como requerida, pode ser feito postumamente.

“Sendo assim, ainda que não haja, por ora, legislação específica a respeito, a natureza do direito material posto em juízo implica a prevalência da vontade livremente manifestada em vida sobre a morte na definição da causa da dissolução do casamento”, concluiu o ministro.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Mãe pode entregar filho para adoção sem conhecimento da família extensa

Na edição que vai ao ar nesta terça-feira (29), o programa STJ Notícias traz o entendimento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o sigilo sobre o nascimento e a entrega voluntária da criança para adoção – um direito garantido à genitora pela Lei 13.509/2017, que inseriu o artigo 19-A no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – pode ser aplicado também em relação ao suposto pai e à família extensa do recém-nascido.

Com essa conclusão, os ministros deram provimento ao recurso de uma mãe para permitir que seu filho seja encaminhado para adoção, conforme sua vontade, sem consulta prévia aos parentes que, eventualmente, poderiam manifestar interesse em ficar com ele.

A edição também aborda a decisão da Quarta Turma no sentido de que o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não pode ser bloqueado para o pagamento de créditos relacionados a honorários advocatícios, sejam contratuais ou sucumbenciais, em razão da impenhorabilidade absoluta estabelecida pelo artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.

Outro destaque é o julgamento em que a Sexta Turma declarou nulas as provas decorrentes do acesso ao telefone celular de um homem condenado por tráfico de drogas. Para o colegiado, não houve comprovação adequada de que o acusado consentiu com o acesso ao celular pelos policiais que fizeram a prisão.

Produzido pela Coordenadoria de TV e Rádio do tribunal, o STJ Notícias será exibido na TV Justiça nesta terça-feira (29), às 13h30, com reprise no domingo, às 18h30. O programa também está disponível no YouTube.

Clique na imagem para assistir:

Fonte: STJ

ANP não está dispensada de dupla visita antes de multar pequena empresa que trabalha com GLP

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, de forma unânime, que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve seguir a regra da dupla visitação ao fiscalizar microempresas ou empresas de pequeno porte que trabalham com gás liquefeito de petróleo (GLP) – o gás de cozinha.

Na origem do processo, uma pequena empresa que vende GLP foi multada por armazenar recipientes de forma irregular. A empresa entrou com ação para anular a multa, alegando que a ANP não respeitou o procedimento exigido no artigo 55, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. O dispositivo estabelece a necessidade de duas visitas: a primeira deve ser de orientação; a segunda, se ainda houver irregularidades, pode resultar em multa.

O pedido da empresa foi deferido em primeira e segunda instâncias. No recurso ao STJ, a ANP argumentou que o GLP é um produto inflamável e perigoso, razão pela qual seria aplicável ao caso o parágrafo 3º do artigo 55 da LC 123/2006, que dispensa a dupla visita na fiscalização de situações que envolvam alto grau de risco.

Dupla visita é compatível com empresas que trabalham com GLP

O ministro relator do caso, Gurgel de Faria, reconheceu haver decisões anteriores do STJ que afastaram a necessidade da dupla visitação no caso de empresas que trabalham com GLP, por se tratar de um produto perigoso. Esse entendimento foi confirmado pela Primeira e Segunda Turmas nos julgamentos do REsp 1.938.555 e do REsp 2.081.474, respectivamente.

No entanto, a interpretação foi revista no julgamento do REsp 1.952.610, de relatoria da ministra Regina Helena Costa. Nesse julgamento da Primeira Turma, apontou-se que a LC 123/2006 determina aos órgãos administrativos que listem, por meio de ato infralegal, as atividades nas quais poderia ser dispensado o procedimento padrão da visita dupla, por serem consideradas de alto risco.

A exigência foi cumprida pela ANP com a edição da Resolução 759/2018. A partir da análise desse ato normativo, no julgamento relatado pela ministra Regina Helena, o colegiado afastou a presunção de perigo em toda atividade com GLP e concluiu que a norma não relaciona como situação de risco o armazenamento, no mesmo ambiente, de recipientes de gás cheios e vazios, ainda que essa prática esteja em desacordo com regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da própria ANP.

“Entendo que a controvérsia jurídica foi dirimida com a necessária profundidade nesse último julgado citado e, tratando o presente recurso da mesma discussão ali entabulada, saliento que as razões jurídicas expostas naquela ocasião são aqui reiteradas como fundamentos desta decisão”, declarou Gurgel de Faria.

Fonte: STJ

Mesmo com previsão no edital, arrematante não responde por dívida tributária anterior à alienação do imóvel

Devido à mudança na jurisprudência do STJ, a nova tese só valerá para os leilões com editais divulgados após a publicação da ata de julgamento, salvo os casos ainda pendentes de apreciação.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, “diante do disposto no artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

Devido à mudança na jurisprudência do tribunal, o colegiado acompanhou a proposta do relator do Tema 1.134, ministro Teodoro Silva Santos, para modular os efeitos da decisão, determinando que a tese fixada só valerá para os leilões cujos editais sejam divulgados após a publicação da ata de julgamento do repetitivo, ressalvados pedidos administrativos e ações judiciais pendentes de apreciação, para os quais a tese se aplica de imediato.

Segundo o ministro, ainda que o parágrafo único do artigo 130 do CTN diga que, na alienação em hasta pública, o crédito tributário se sub-roga no preço, tornou-se praxe nos leilões realizados pelo Poder Judiciário a previsão editalícia atribuindo ao arrematante o ônus pela quitação das dívidas fiscais pendentes.

CTN diz que o arrematante recebe o imóvel livre de ônus

O ministro lembrou que a disciplina das normas gerais em matéria tributária está condensada no CTN, que foi recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei complementar. O código, explicou, estabelece normas que estruturam todo o sistema tributário nacional.

De acordo com o relator, nos casos de alienação comum, o artigo 130 do CTN prevê que o terceiro que adquire imóvel passa a ter responsabilidade pelo pagamento dos impostos, taxas ou contribuições de melhorias cujos fatos geradores tenham ocorrido antes da transmissão da propriedade. Contudo, o parágrafo único desse dispositivo excepciona a arrematação em hasta pública, hipótese em que a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

“Significa dizer que, quando a aquisição do imóvel ocorrer mediante alienação judicial, a sub-rogação se operará sobre o preço ofertado, e não sobre o arrematante, que receberá o bem livre de quaisquer ônus. Nesse específico caso, a aquisição da propriedade dar-se-á na sua forma originária, visto que não há relação de causalidade entre o antigo proprietário do bem e o seu adquirente”, afirmou.

Teodoro Silva Santos destacou que essa circunstância não deixa a dívida fiscal sem proteção, pois o crédito poderá ser satisfeito com o valor depositado em juízo pelo arrematante (sub-rogação da dívida no preço). Nessa situação, ressaltou o relator, o ente público concorrerá com outros credores, inclusive com titulares de créditos trabalhistas, que terão preferência. Na impossibilidade de satisfação integral da dívida, a Fazenda Pública deverá acionar o antigo proprietário para a recuperação do valor remanescente.

Edital não pode trazer regra diferente da prevista no CTN

O relator observou que a partir da previsão do artigo 686, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973 e do artigo 886, inciso VI, do CPC/2015, foi adotada a tese de que a menção, no edital do leilão, dos ônus tributários que recaem sobre o imóvel afastaria o comando do artigo 130, parágrafo único, do CTN para permitir a responsabilização pessoal do arrematante pelo pagamento, dada sua prévia e inequívoca ciência da dívida.

No entanto, segundo o ministro, não é possível admitir que uma norma geral sobre responsabilidade tributária constante do próprio CTN – cujo status normativo é de lei complementar – seja afastada por simples previsão em sentido diverso no edital. Para ele, os dispositivos processuais que ampararam a orientação adotada pelo STJ não possuem esse alcance.

Teodoro Silva Santos comentou que são irrelevantes a ciência e a eventual concordância do participante do leilão em assumir o ônus pelo pagamento dos tributos sobre o imóvel arrematado. Em conclusão, alertou que é vedado exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação.

Fonte: STJ

STJ complementa tese sobre devolução de benefício previdenciário pago em tutela antecipada

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) complementou a tese firmada no Tema 692 dos recursos repetitivos para incluir a possibilidade de devolução nos próprios autos de benefícios previdenciários recebidos por força de decisão precária revogada.

A tese passou a ter a seguinte redação: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do artigo 520, II, do Código de Processo Civil de 2015 (artigo 475-O, II, do CPC/1973)”.

O colegiado acolheu parcialmente os embargos de declaração nos quais o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outros pontos, alegava ter havido omissão na tese jurídica fixada no repetitivo, pois o acórdão questionado em um dos recursos representativos da controvérsia reconheceu a possibilidade de execução do valor dos benefícios nos próprios autos, quando fosse reformada a decisão provisória.

Questão de ordem admitiu liquidação nos próprios autos

O relator dos embargos, ministro Afrânio Vilela, lembrou que, em junho de 2022, o relator do Tema 692, ministro Og Fernandes, acolheu questão de ordem para reafirmar a tese fixada, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação sobre a matéria (artigo 115, II, da Lei 8.213/1991).

Segundo o relator, na ocasião daquele julgamento, foi feita uma análise da evolução legislativa e jurisprudencial sobre o assunto, que levou à conclusão da possibilidade de liquidação nos próprios autos, quando reformada a decisão que lastreava a execução provisória. Contudo, o ministro observou que a tese fixada não fez referência a esse posicionamento.

Complementação da tese vai evitar controvérsias desnecessárias

Para Vilela, embora a vinculação dos juízes e tribunais esteja atrelada à tese jurídica e também aos fundamentos determinantes (ratio decidendi) do acórdão repetitivo, o texto da tese tende a ser o principal mecanismo de difusão da orientação a ser observada pelos órgãos aplicadores do precedente qualificado.

“Especificamente quanto ao Tema 692, tenho notado a distribuição, no STJ, de inúmeros processos que discutem a possibilidade de liquidação, nos próprios autos, dos valores indevidamente pagos pelo INSS em antecipação de tutela, muito embora a matéria já tenha sido pacificada pela Primeira Seção na sistemática dos recursos repetitivos”, comentou.

O relator disse ainda que, muitas vezes, no exame de admissibilidade do recurso especial, os tribunais de origem têm deixado de aplicar o Tema 692 devido à identificação de um suposto distinguish, o que os leva a determinar a subida do recurso para análise do STJ.

Na sua avaliação, a complementação da tese terá o efeito de evitar controvérsias secundárias desnecessárias ou derivadas do julgamento da questão de ordem.

Fonte: STJ