O STJ diante dos pedidos de homologação de sentença estrangeira no direito de família

Ao analisar um pedido de homologação – competência exercida pela Corte Especial –, o tribunal não rediscute o conteúdo da decisão estrangeira, mas apenas a possibilidade de sua execução no Brasil.

Em um mundo globalizado, em que as relações sociais – e seus conflitos – frequentemente ultrapassam fronteiras, é indispensável que as decisões judiciais de um país possam ser validadas para ter efeitos no exterior. O artigo 105 da Constituição Federal atribui com exclusividade ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a competência para homologar as sentenças estrangeiras, assegurando que respeitem a legislação e os princípios do ordenamento jurídico brasileiro.

O processo de homologação exige o cumprimento de requisitos legais, como a validade da decisão no país de origem, a ausência de ofensa à ordem pública brasileira e o respeito à soberania nacional e à dignidade da pessoa humana. Esses e outros critérios estão previstos no artigo 963 do Código de Processo Civil (CPC) e nos artigos 216-A a 216-X do Regimento Interno do STJ.

Os pedidos de homologação de decisão estrangeira (HDE) abrangem as mais diversas áreas jurídicas. Entre todas, ainda que o STJ não possa reexaminar o mérito das causas julgadas no exterior, as questões relacionadas ao direito de família merecem especial atenção, sobretudo quando envolvem crianças e adolescentes.  

Homologação de decisão estrangeira é ato meramente formal

O ministro Raul Araújo foi relator do pedido de homologação de uma sentença proferida pelo Tribunal Ordinário de Milão, na Itália, sobre a dissolução de um casamento, a guarda da filha menor, o direito de visitas e alimentos.

Embora não se opusesse ao pedido de homologação da separação nem à fixação do local de residência da menor, o pai questionou o valor da pensão alimentícia e a obrigação de visitar a filha, estabelecidos pelo tribunal italiano. Segundo informou, sua condição financeira era incompatível com o valor arbitrado.

A Corte Especial do STJ, no entanto, homologou o pedido por unanimidade. Em seu voto, o relator ressaltou que não era possível analisar as alegações relativas à falta de condição financeira no âmbito do pedido homologatório.

“A homologação de decisão estrangeira é ato meramente formal, por meio do qual o STJ exerce tão somente um juízo de delibação”, explicou o relator.

Em outro pedido de homologação, o ministro Antonio Carlos Ferreira reafirmou que esse procedimento se limita à análise de requisitos formais. Em agravo interno interposto contra decisão monocrática que homologou a sentença do Tribunal de Família e Menores do Funchal, em Portugal, a qual determinava o pagamento de pensão alimentícia, o pai alegou que não houve comprovação da paternidade e que ele nem mesmo foi citado no processo de regulação das responsabilidades parentais.

Como a decisão combatida no agravo não tratou da paternidade nem de qualquer outra questão de mérito da demanda original, apenas reconhecendo os requisitos formais do pedido de homologação da sentença portuguesa, o STJ negou provimento ao recurso. Segundo a corte, questões de mérito não podem ser analisadas nesse tipo de procedimento.

Pensão alimentícia: homologação não exclui possibilidade de ação revisional

Em dois outros pedidos de homologação de decisões sobre pensão alimentícia, o STJ reiterou a importância de cumprir os requisitos formais e respeitar o ordenamento jurídico brasileiro.

Em um desses processos, buscava-se a homologação de decisão da Justiça da Áustria que mandara o pai pagar pensão ao filho. O homem, no entanto, alegou que o valor estabelecido na sentença estrangeira era excessivo e superava suas possibilidades econômicas. A Defensoria Pública da União (DPU), que o assistia, argumentou que a decisão da corte austríaca violava princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro e ignorava a realidade socioeconômica do país e do alimentante, que exercia a profissão de pedreiro.

A Corte Especial do STJ, porém, deferiu a homologação da decisão estrangeira. O relator, ministro Raul Araújo, destacou que a sentença havia cumprido todos os requisitos previstos na legislação para ser homologada e acrescentou que, embora os argumentos da defesa suscitassem questões importantes, a análise do mérito da decisão não era cabível. O relator acrescentou que a homologação não retirava do devedor a possibilidade de ajuizar ação revisional do valor da pensão, tendo em vista a disparidade entre as realidades econômicas brasileira e austríaca.

Em outro caso envolvendo obrigação de alimentos para menor de idade, a parte requerente pediu a homologação da sentença da Justiça portuguesa que reconheceu uma dívida em seu favor, decorrente do acúmulo de pensões não pagas entre outubro de 2013 e setembro de 2015. Em contestação, o requerido alegou que a homologação representaria uma violação à soberania do Brasil, pois uma demanda idêntica teria sido processada no Judiciário brasileiro, com outro resultado.

O relator do processo, ministro Humberto Martins, no entanto, decidiu pela homologação da sentença. De acordo com o ministro, além de estarem presentes todos os requisitos formais para o atendimento do pedido, o acordo celebrado na Justiça brasileira foi posterior à decisão portuguesa e tratava de valores devidos a partir de abril de 2016. Ou seja, os processos nos dois países não haviam tratado das mesmas questões.

“Se o objeto da sentença estrangeira é diverso daquele fixado no título judicial brasileiro, não há que se falar em violação à soberania por sua homologação”, declarou o ministro.

Decisão brasileira sobre o mesmo caso inviabiliza homologação

O STJ negou o pedido de um homem que pretendia ver homologada a sentença do Tribunal de Menores de Milão, na Itália, que lhe atribuía a guarda de seu filho. Ele vinha morando com a criança na Itália e desejava voltar a viver no Brasil. No entanto, uma tia do menor, irmã de sua falecida mãe, havia obtido a guarda legal por decisão da 3ª Vara de Família de Porto Velho, posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça de Rondônia.

O relator do caso na Corte Especial do STJ, ministro Francisco Falcão, negou o pedido do pai por entender que a situação não atendia a um dos requisitos fundamentais para a homologação de decisões estrangeiras no Brasil: o respeito à soberania nacional. Para o ministro, o fato de ter havido uma decisão da Justiça brasileira sobre o mesmo caso inviabiliza o atendimento do pedido.

Cláusula que veta convivência familiar ofende a ordem pública

A Defensoria Pública da União insurgiu-se contra o pedido de homologação de uma sentença estrangeira que vetou o direito de visitas de um pai a seu filho. Para a DPU, a decisão caracterizava uma ofensa à ordem pública.

A relatora do processo, ministra Maria Thereza de Assis Moura, afirmou que a convalidação do divórcio e a concessão da guarda do filho não tinham impedimento na legislação nacional, mas o veto às vistas não poderia ser admitido. Por essa razão, a ministra homologou parcialmente a decisão estrangeira.

“A cláusula que tolhe a convivência familiar e veta o direito de visita ao pai, sem qualquer consideração sobre o motivo dessa proibição, contraria os bons costumes e não se coaduna com as disposições constitucionais e legais de nosso ordenamento jurídico sobre a proteção da família, ofendendo, portanto, a ordem pública”, declarou.

Adoção de maiores traz complicações específicas para a homologação

Dois casos envolvendo adoção de pessoas maiores de idade geraram precedentes importantes quanto à possibilidade de homologação.

Sob a relatoria do ministro Ari Pargendler (aposentado), um dos processos tratava do pedido de homologação da adoção de um brasileiro adulto por um alemão – decisão efetivada pelo Tribunal de Brühl.

Nos termos da legislação alemã, a adoção de pessoa maior de idade é simples, ou seja, mantém inalterados – como regra geral – os vínculos de parentesco do adotando com a sua família biológica. A legislação brasileira, por outro lado, estabelece que a adoção é plena, isto é, desliga o adotando de qualquer vínculo com pais e parentes consanguíneos.

Se fosse homologada no Brasil, a decisão produziria efeitos mais amplos do que os previstos na legislação do país de origem, extinguindo vínculos e gerando efeitos patrimoniais para o adotando e seus descendentes. Em virtude dessa divergência legal acerca dos termos da adoção, o pedido foi deferido em parte, apenas para reconhecer a alteração do sobrenome do requerente, de forma a superar as dificuldades relativas à sua documentação pessoal.

O outro caso se referia ao pedido de homologação da sentença estrangeira que julgou procedente a adoção unilateral de duas pessoas maiores de idade por um cidadão alemão, com extinção do vínculo consanguíneo com o pai biológico. Ao contestar a homologação, o genitor dos adotandos apontou a incompatibilidade da legislação brasileira com a alemã, pois esta impediria o rompimento do vínculo nas adoções de pessoas maiores de idade.

O relator no STJ, ministro Raul Araújo, destacou que a lei alemã, embora tenha como regra a manutenção do vínculo de parentesco entre o adotado maior e a família biológica, admite a extinção desse vínculo desde que, a pedido das partes, os efeitos da adoção sigam as regras da adoção de menores.

Como, no caso em análise, a autoridade judiciária alemã consignou expressamente que a adoção fosse regida pelos efeitos da adoção de menores, não haveria impedimento para que a sentença estrangeira fosse homologada pelo STJ.

Os números dos processos não são divulgados em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Gabinetes conhecem, na prática, funcionamento do STJ Logos

O STJ deu mais um passo na modernização de suas atividades judiciais com a apresentação do STJ Logos, ferramenta de inteligência artificial (IA) generativa lançada na última terça-feira (11). Desenvolvida para tornar o trabalho nos gabinetes mais eficiente, a IA agiliza a análise processual e a elaboração de minutas de decisão.

Para capacitar servidores e colaboradores, o Centro de Formação e Gestão Judiciária (Cefor) iniciou, na última quarta (12), o treinamento Soluções de Inteligência Artificial para Gabinetes de Ministros. ​​​​​​​​

Servidores dos gabinetes iniciam preparação sobre as funcionalidades do sistema STJ Logos.​ | Foto: Lucas Pricken / STJ. 

O curso, dividido em três módulos, acontece ao longo do mês de fevereiro e já conta com mais de 160 pessoas inscritas. O treinamento pretende demonstrar, na prática, as funcionalidades da nova ferramenta.

Funcionalidades

O STJ Logos permite selecionar peças processuais para interação e possibilita aos usuários fazer perguntas à ferramenta sobre o conteúdo do processo.

Entre suas principais funções, destacam-se a análise de admissibilidade de agravo em recurso especial (AREsp) e o Chat Escaninho, que organiza processos por temas e subtemas.

O primeiro módulo do curso, “Painel de Controle e Geração de Relatórios”, foi ministrado pelo assessor-chefe de IA, Montgomery Muniz, pela assessora-chefe de Eventos Especiais, Giovana Ventura, e pelo servidor do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) Ricardo Marques. 

​​​​​​​​​

Curso será ministrado ao longo do mês de fevereiro.​ | Foto: Lucas Pricken / STJ. 

Marcos Brayner, servidor do Gabinete do Ministro Teodoro Silva Santos, afirmou que o lançamento do STJ Logos marca o início de uma nova fase na prestação jurisdicional do STJ.  “É uma histórica inovação, capaz de fazer frente ao exponencial aumento da demanda com economia de tempo de trabalho, sem abrir mão da qualidade”. 

A servidora Roberta Castro, do Gabinete do Ministro Afrânio Vilela, acredita que a ferramenta ajudará na admissibilidade dos recursos e na elaboração de decisões, tornando o trabalho mais ágil e eficiente. “Vai ajudar a compreender recursos com fundamentação truncada. Também pode contribuir na gestão dos processos e na elaboração das decisões”, disse.

Segundo Murilo Laureano Pinto, também servidor do Gabinete do Ministro Afrânio Vilela, o treinamento apresentou os usos legítimos e eficazes da inteligência artificial, sem deixar de pontuar suas limitações e a impossibilidade de substituir o elemento humano. “A demonstração deu exemplos práticos de como usar a ferramenta, mas sem criar expectativas ilusórias”, disse.

Para Fernanda Mathias, servidora do Gabinete do Ministro Teodoro Silva Santos, a IA representa uma revolução, sendo intuitiva e com grande potencial para aprimorar o fluxo de trabalho. “Ajudará especialmente na análise dos agravos, que representam um grande volume no tribunal. Claro que a IA nunca substituirá a inteligência humana, mas será um suporte valioso”.

O que muda em relação a outras tecnologias?

Durante o evento, a equipe explicou as diferenças entre o STJ Logos e outras tecnologias já utilizadas pelo tribunal. Enquanto o Athos e o Sócrates operam com análise semântica e planos vetoriais, o STJ Logos utiliza inteligência artificial generativa.

​​​​​​​​

Entre as inovações do sistema STJ Logos, está a realização de comandos em uma caixa de diálogo.​ | Foto: Lucas Pricken / STJ. 

Essa inovação permite a geração de conteúdo com base em padrões previamente identificados, aumentando a precisão e a eficiência dos processos decisórios em comparação aos sistemas anteriores. 

Além disso, a ferramenta segue as diretrizes de segurança do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de organismos internacionais, garantindo confiabilidade e conformidade com as normas.

Fonte: STJ

Publicação reúne doutrina e jurisprudência sobre julgamentos com perspectiva de gênero

O Superior Tribunal de Justiça lançou, em dezembro de 2024, a publicação digital Visão do STJ – Julgamentos com Perspectiva de Gênero, que reúne doutrina e jurisprudência sobre o tema e está disponível na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur).

A proposta inicial era formar uma parceria entre a Seção de Atendimento e Pesquisa (Seape) e a Seção de Jurisprudência em Teses (STESE) para publicar edições de Bibliografias Selecionadas e de Jurisprudência em Teses com assuntos semelhantes, em datas próximas. A ideia acabou se transformando no projeto de uma nova publicação e passou a integrar o plano de ação da Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência (SBJ) para 2024.

A chefe da STESE, Erica Barbosa Sousa Moreira, explicou que o tema dos julgamentos com perspectiva de gênero foi escolhido devido à sua importância e à prioridade que lhe é dada no tribunal, bem como pelo fato de estar relacionado à Meta 8 do Poder Judiciário para 2024.

Erica Moreira esclareceu que o compilado, direcionado prioritariamente ao público interno do STJ, especialmente às equipes dos gabinetes de ministros, visa otimizar o julgamento dos processos. Além disso, busca oferecer um serviço relevante aos leitores do site e das redes sociais do tribunal, já que esse é um tema sensível que impacta toda a população brasileira.

Clique para acessar Visão do STJ – Julgamentos com Perspectiva de Gênero.

Fonte: STJ

Racismo reverso: STJ afasta injúria racial contra pessoa branca em razão da cor da pele

Sob a relatoria do ministro Og Fernandes, a Sexta Turma concedeu habeas corpus para anular a ação penal contra um homem negro acusado de ofender um branco com referências à sua cor de pele.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para anular todos os atos de um processo por injúria racial movido contra um homem negro, acusado de ofender um branco com referências à cor da pele.

No julgamento, o colegiado afastou a possibilidade de reconhecimento do chamado “racismo reverso”, ao considerar que “a injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição”, pois “o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se aplicando a grupos majoritários em posições de poder”.​​​​​​​​​

Para o relator, ministro Og Fernandes, a tipificação da injúria racial visa proteger grupos minoritários historicamente discriminados.

De acordo com a denúncia do Ministério Público de Alagoas, o réu teria cometido injúria racial contra um italiano, por meio de aplicativo de mensagens, chamando-o de “escravista cabeça branca europeia”. A troca de mensagens teria ocorrido após o réu não receber por serviços prestados ao estrangeiro.

Lei protege grupos historicamente discriminados

O relator do pedido de habeas corpus, ministro Og Fernandes, afirmou que o caso revela uma ilegalidade flagrante. Segundo ele, a tipificação do crime de injúria racial, previsto no artigo 2º-A da Lei 7.716/1989, visa proteger grupos minoritários historicamente discriminados. “A interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a proteção de grupos minoritários, conforme diretrizes do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, declarou.

Com base no protocolo, que reconhece o racismo como um fenômeno estrutural baseado na hierarquia racial historicamente imposta por grupos dominantes, o ministro destacou que a injúria racial só se configura quando há uma relação de opressão histórica – o que não se verificava no caso em discussão. 

Og Fernandes mencionou também o artigo 20-C da Lei 7.716/1989, segundo o qual a interpretação das normas sobre crimes raciais deve tratar como discriminatória “qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.

População branca não pode ser considerada minoritária

No entendimento do relator, “a expressão ‘grupos minoritários’ induvidosamente não se refere ao contingente populacional de determinada coletividade, mas àqueles que, ainda que sejam numericamente majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder, público ou privado, que são frequentemente discriminados inclusive pelo próprio Estado e que, na prática, têm menos acesso ao exercício pleno da cidadania”.

“Não é possível acreditar que a população brasileira branca possa ser considerada como minoritária. Por conseguinte, não há como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria racial”, avaliou o ministro.

Em seu voto, Og Fernandes ressalvou que é perfeitamente possível haver ofensas de negros contra brancos, porém, sendo a ofensa baseada exclusivamente na cor da pele, tais crimes contra a honra teriam outro enquadramento que não o de injúria racial.

“A injúria racial, caracterizada pelo elemento de discriminação em exame, não se configura no caso em apreço, sem prejuízo da análise de eventual ofensa à honra, desde que sob adequada tipificação”, concluiu o relator ao conceder o habeas corpus para afastar qualquer interpretação que considere a injúria racial aplicável a ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por essa condição. 

Fonte: STJ

Contrato de adesão a consórcio pode ser essencial na ação de busca e apreensão

A ação de busca e apreensão de veículo foi extinta porque o contrato de alienação fiduciária não especificava as obrigações do devedor e a credora não anexou cópia do contrato de adesão ao consórcio.
 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a ação de busca e apreensão deve ser ajuizada com o contrato de adesão ao grupo de consórcio quando, no contrato de alienação fiduciária, não constarem as condições e os encargos a que o devedor se obrigou.

Uma administradora de consórcio de veículos ajuizou ação de busca e apreensão contra um de seus consorciados, a qual foi extinta sem julgamento de mérito porque a autora, intimada, não anexou à petição inicial a cópia do contrato de adesão ao consórcio.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve a decisão, confirmando que o não atendimento à determinação do magistrado para apresentar o documento justificou a extinção do processo sem resolução de mérito.

No recurso especial dirigido ao STJ, a administradora sustentou que a lei não a obriga a apresentar o contrato de adesão para iniciar o processo e que o contrato de alienação fiduciária seria suficiente.

Comprovação do valor da dívida é indispensável

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, na petição inicial da ação de busca e apreensão, deve ser indicado o valor da integralidade da dívida pendente, conforme os artigos 319 e 320 do Código de Processo Civil, além de serem observados os requisitos estabelecidos no artigo 3º, parágrafo 2º, do Decreto Lei 911/1969.

A ministra explicou que são indispensáveis para o ajuizamento desse tipo de ação a comprovação da mora do devedor fiduciante, conforme a Súmula 72 do STJ, e o contrato escrito celebrado entre as partes. “É também necessária a comprovação da adesão do devedor fiduciante ao contrato de consórcio”, enfatizou.

Segundo ela observou, o contrato de alienação fiduciária no caso em julgamento, como muitos outros, não contém elementos que permitam definir o valor da dívida com exatidão.

Alienação fiduciária é instrumento acessório

Nancy Andrighi comentou que o pacto de alienação fiduciária é um instrumento acessório ao contrato de adesão, negócio jurídico principal. Conforme apontou, “é o descumprimento do contrato principal que dá ensejo à busca e apreensão embasada no pacto de alienação fiduciária”.

A ministra esclareceu ainda que o contrato de adesão permite comprovar a titularidade do direito e a legitimidade das partes, além de identificar o objeto que será apreendido e contabilizar os encargos da mora.

Leia o acórdão no REsp 2.141.516

Fonte: STJ

Edição extra do Informativo traz decisões sobre crimes ambientais e direito de defesa do indígena

A Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a 24ª edição extraordinária do Informativo de Jurisprudência, com decisões no ramo do direito penal. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição.

No primeiro processo em destaque, a Terceira Seção decidiu, por unanimidade, que a competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais é determinada quando a conduta envolve espécies constantes na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção, configurando interesse da União. A tese foi fixada no CC 208.449, de relatoria do ministro Messod Azulay Neto.

Em outro julgado mencionado na edição, a Quinta Turma, por unanimidade, definiu que a presença de intérprete é suficiente para garantir o direito de defesa de indígenas no processo penal, sendo desnecessária a tradução da denúncia para a língua indígena quando não há comprovação de hipossuficiência linguística. O RHC 201.851 teve como relator o ministro Ribeiro Dantas. 

Fonte: STJ

Primeira Turma declara ilegal cobrança de tarifa para entrega de cargas em terminais retroportuários

Navios no porto de Santos (SP): cobrança de tarifa para separação, transporte e entrega de cargas nos terminais retroportuários não pode criar vantagens injustas para um participante do mercado.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que a cobrança da tarifa Terminal Handling Charge 2 (THC2) pelos operadores portuários, em relação aos terminais retroportuários, configura abuso de posição dominante, na modalidade de compressão de preços (price squeeze). Para o colegiado, a prática viola a Lei 12.529/2011, que regula a defesa da concorrência no Brasil.

O entendimento foi fixado durante o julgamento de ação ajuizada pela empresa retroportuária Marimex, que questionava a cobrança da THC2 pela operadora portuária Embraport. A tarifa era exigida para separação, transporte e entrega de cargas do porto nos terminais retroportuários.

Segundo a Marimex, a THC2 já estaria incluída na tarifa box rate (THC), cobrada para o desembarque da carga do navio. A empresa alegou que a cobrança adicional representaria pagamento em duplicidade.

Embora, em primeira instância, o pedido tenha sido julgado improcedente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou o afastamento da cobrança, por entender que a exigência da THC2 violava regras concorrenciais.

No recuso ao STJ, a Embraport sustentou a legalidade da cobrança da THC2, com base na Lei 10.233/2001 e na Resolução 2.389/2012 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que regula o setor. A empresa argumentou que a agência teria competência regulatória para definir tarifas, promover revisões e reajustes tarifários e reprimir ações que atentem contra a livre concorrência ou infrações de ordem econômica.

Acesso às instalações portuárias garante ambiente competitivo

Para a relatora, ministra Regina Helena Costa, a competência regulatória conferida à Antaq pela Lei 10.233/2001 incorporou a concepção de que a garantia de acesso às instalações portuárias por todos os atores do mercado constitui elemento indispensável ao incentivo do cenário competitivo, especialmente para impedir a concentração de serviços em reduzido número de prestadores.

Ela apontou que os operadores portuários detêm posição dominante no mercado de infraestrutura portuária, podendo atuar tanto nas atividades de movimentação de cargas nos portos quanto no seu posterior armazenamento, em concorrência com os retroportos. Essa integração vertical pode gerar ganhos de eficiência, mas também viabilizar práticas que prejudiquem a concorrência.

Cobrança de serviço essencial não pode criar vantagens injustas

Conforme explicou a ministra, aplica-se ao caso a teoria das infraestruturas essenciais, segundo a qual o detentor da infraestrutura deve garantir acesso às instalações indispensáveis ao exercício de atividades econômicas pelos demais atores do mercado, especialmente quando a oferta de um produto ou serviço não se viabiliza sem acesso ou fornecimento essencial.

De acordo com essa teoria, é possível exigir tarifas para o acesso à infraestrutura essencial, mas a cobrança não pode criar vantagens econômicas injustas para um competidor em detrimento de outros, sob pena de violar os princípios da livre concorrência previstos no artigo 36 da Lei 12.529/2011.

No entendimento da relatora, permitir que os terminais portuários exijam a THC2 de seus competidores diretos no mercado de armazenagem de bens oriundos do exterior como tarifa de acesso a insumo essencial ao exercício de suas atividades possibilita a compressão dos preços praticados pelos retroportos.

Ao negar provimento ao recurso, Regina Helena Costa concluiu que a cobrança configuraria as práticas vedadas pela legislação antitruste de dificultar a constituição ou o desenvolvimento de concorrente; de impedir o acesso de competidor às fontes de insumos ou matérias primas; e, ainda, de discriminar adquirentes ou fornecedores de serviços mediante a fixação diferenciada de condições de prestação de serviço.

Fonte: STJ

Na ação renovatória, juros sobre diferença de aluguéis incidem após intimação do locatário para pagar

A ação renovatória é usada pelo locatário para assegurar a renovação compulsória do contrato de locação comercial e, assim, manter seu negócio funcionando no mesmo ponto.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que o termo inicial de incidência dos juros de mora sobre as diferenças de aluguéis vencidos e apurados em ação renovatória de locação comercial é a data da intimação do locatário na fase de cumprimento definitivo de sentença.

Uma empresa locatária ajuizou ação buscando a renovação compulsória do contrato de locação, e o juízo, ao julgar o pedido parcialmente procedente, renovou o aluguel e fixou seu novo valor. O tribunal de segundo grau, além de reduzir o valor, decidiu que o termo inicial dos juros de mora sobre a diferença dos aluguéis vencidos deveria ser a data da intimação das partes quanto ao conteúdo da sentença, por entender que nesse momento já existe o valor líquido que o locatário deve suportar.

No recurso dirigido ao STJ, a locatária sustentou que os juros de mora deveriam incidir a partir da sua intimação na fase de cumprimento definitivo de sentença.

Valor fixado na sentença pode mudar em julgamento de recurso

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que não é possível considerar que o valor estabelecido para o aluguel na sentença tenha liquidez, pois ele pode ser alterado em grau recursal, já que a ação ainda está na fase de conhecimento.

“Somente com o trânsito em julgado da definição desse montante é que seria possível constituir o devedor em mora”, enfatizou.

A ministra reconheceu que a intenção do tribunal de origem foi evitar a procrastinação por parte da locatária, que poderia adiar ao máximo o pagamento de um aluguel mais caro. Todavia, ela observou que essa preocupação também seria válida em relação ao locador, que poderia demorar para apresentar os cálculos do valor que entende ser devido, já que, no caso, houve a redução do aluguel.

Nancy Andrighi lembrou que, em situações similares, o STJ entendeu que a diferença entre o antigo e o novo valor do aluguel depende da formação do título executivo judicial para ser exigido.

Leia o acórdão no REsp 2.125.836

Fonte: STJ

Repetitivo define que PIS e Cofins compõem base de cálculo do ICMS quando esta é o valor da operação

A Primeira Seção reafirmou o entendimento de que as contribuições integram a base de cálculo do ICMS nas hipóteses legais em que esta base é o valor da operação, por configurar repasse econômico.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.223), reafirmou o entendimento da corte no sentido de que o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), nas hipóteses em que a base de cálculo é o valor da operação, por configurar repasse econômico.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos à espera da fixação do precedente qualificado.

O ministro Paulo Sérgio Domingues, relator dos recursos repetitivos, afirmou que não se aplica à controvérsia em julgamento a solução adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 69 da repercussão geral, conhecida como “tese do século”, que estabeleceu que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.

Imposto não se limita ao preço do produto

O relator destacou que, conforme estabelecido no julgamento do REsp 1.346.749, a base de cálculo do ICMS é o valor da operação que resulta na circulação da mercadoria, o que significa que o imposto não se limita ao preço do produto, mas também abrange o valor relativo às condições impostas ao comprador que são necessárias para a concretização do negócio. Dessa forma, de acordo com Domingues, o ICMS é calculado levando em consideração não apenas o preço da mercadoria, mas também os encargos e as exigências acordadas entre as partes envolvidas.

O ministro ressaltou que o PIS e a Cofins incidem sobre as receitas totais ou o faturamento das pessoas jurídicas, dependendo do regime de tributação adotado, com a observância das exceções legais. Segundo ele, as receitas e o faturamento devem ser considerados ingressos definitivos nas contas do contribuinte, sem qualquer caráter transitório, o que justifica a incidência do PIS e da Cofins e reforça a ideia de que essas contribuições impactam de forma efetiva a receita das empresas.

Para Domingues, embora o PIS e a Cofins sejam repassados economicamente ao contribuinte, sua incidência não recai diretamente sobre o valor final cobrado do consumidor. Ele apontou que isso os diferencia de tributos como o ICMS e o IPI, que têm um repasse jurídico autorizado pela legislação e pela Constituição. Assim, segundo o relator, o repasse do PIS e da Cofins ocorre de maneira indireta, refletindo no impacto econômico dessas contribuições, mas sem que haja uma transferência legalmente determinada da responsabilidade tributária.

Não há previsão legal que autorize a exclusão

O ministro lembrou ainda que, ao julgar o Tema 415 da repercussão geral, o STF entendeu que o repasse do PIS e da Cofins ao consumidor não viola a Constituição, pois se trata de um repasse de natureza econômica. Além disso, ele apontou que o próprio STJ, em diversas ocasiões, reconheceu a legalidade da inclusão do PIS e da Cofins na base de cálculo do ICMS, sempre com a justificativa de que o repasse é econômico, e não jurídico, como ocorre com outros tributos.

O relator também observou que a Constituição, em seu artigo 150, parágrafo 6º, estabelece que as exclusões da base de cálculo do ICMS devem ser previstas em lei. Como exemplo, ele citou o artigo 13, parágrafo 2º, da Lei Complementar 87/1996, que exclui o IPI da base de cálculo do ICMS em operações realizadas entre contribuintes, destinadas à industrialização ou à comercialização, que configuram o fato gerador de ambos os impostos. “Por ausência de previsão legal específica, não é possível excluir o PIS e a Cofins da base de cálculo do ICMS”, concluiu.

Fonte: STJ

Mesmo sem notificação prévia, seguradora não deve indenizar segurado que ficou muito tempo sem pagar

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é devido o pagamento de indenização securitária quando, apesar de não ter havido comunicação prévia da seguradora sobre a resolução do contrato, o segurado ficou inadimplente por longo período antes da ocorrência do sinistro.

Segundo o processo, foi contratado um seguro em 2016, com vigência de cinco anos, mas o segurado pagou apenas oito das 58 parcelas acordadas no contrato. Em 2019, ocorreu o sinistro, e o segurado exigiu a indenização.

Diante da negativa da seguradora, amparada na falta de pagamento das parcelas, o segurado ajuizou a ação de cobrança, que foi julgada improcedente. O tribunal de segunda instância, entretanto, reformou a sentença por entender que a seguradora não comprovou a prévia comunicação ao segurado a respeito do atraso no pagamento.

No recurso especial dirigido ao STJ, a seguradora sustentou que a indenização não seria devida em razão do longo tempo em que o segurado permaneceu inadimplente.

Seguradora precisa notificar o segurado sobre o atraso das parcelas

A relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que o artigo 763 do Código Civil (CC) determina que o segurado que estiver em atraso com o pagamento não terá o direito de receber a indenização se o sinistro ocorrer antes da regularização do débito. Todavia, ela lembrou que a Segunda Seção adotou o entendimento de que, para se configurar a inadimplência tratada no dispositivo legal, é necessário que o segurado seja previamente notificado.

Essa posição está sedimentada na Súmula 616 do STJ, que dispõe que a indenização deve ser paga pela seguradora se ela não tiver enviado ao segurado a notificação prévia sobre o atraso das parcelas. “A lógica do entendimento é evitar a desvantagem exagerada para o segurado impontual, de forma conciliadora e razoável”, acrescentou a ministra.

Por outro lado, a relatora destacou que o STJ tem afastado excepcionalmente a aplicação da súmula nos casos em que o segurado está inadimplente por longo período e a seguradora não conseguiu comunicar a rescisão unilateral do contrato.

Conforme enfatizou a ministra, não há um prazo exato de inadimplência para afastar a súmula e admitir que a seguradora se recuse a pagar a indenização. Por isso, o tempo de atraso não pode ser a única condição a ser observada, sendo necessário analisar o contexto de cada caso, disse ela. De acordo com Nancy Andrighi, além do tempo de inadimplência, devem ser verificados outros aspectos, como o início de vigência do contrato, o percentual da obrigação que já foi cumprido e as condições pessoais do segurado, entre outros.

Comportamento do segurado violou o princípio da boa-fé  

Ao dar provimento ao recurso da seguradora, a ministra ressaltou que, no caso, houve inadimplemento substancial e relevante do contrato, pois o segurado quitou apenas os oito primeiros meses e ficou sem pagar por 23 meses até a ocorrência do sinistro. Além disso, ela destacou que o segurado, por ser pessoa jurídica, tem conhecimento técnico suficiente para lidar com suas obrigações contratuais.

A relatora também enfatizou que, mesmo com a falta de comunicação ao segurado sobre a inadimplência, admitir o pagamento do prêmio sob essas circunstâncias desprezaria os deveres de boa-fé que são exigidos no cumprimento contratual.

“Em respeito ao princípio da boa-fé, não se pode admitir que a Súmula 616, que busca proteger o consumidor de uma onerosidade excessiva quando houver um mero atraso de pagamento, seja utilizada para fins espúrios, desviando-se de sua real finalidade de proteção ao consumidor, além de comprometer o equilíbrio contratual e a confiança entre as partes”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.160.515.

Fonte: STJ