Prazo de caducidade da desapropriação comum não se aplica no caso de terras quilombolas

Para o ministro Paulo Sérgio Domingues, as desapropriações têm função reparatória e visam corrigir injustiças históricas (na foto, comunidade quilombola perto de Poções, na Bahia).

​A desapropriação para comunidades quilombolas tem caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, não se aplicando a esse procedimento os prazos de caducidade das desapropriações comuns.

Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que aplicou o prazo de dois anos, previsto no artigo 3º da Lei 4.132/1962, para declarar a caducidade do decreto de desapropriação por interesse social de um território quilombola em Mato Grosso, uma vez que a União só ajuizou a ação nove anos após a edição do decreto.

“As desapropriações quilombolas têm uma função reparatória e visam corrigir injustiças históricas, além de promover direitos humanos e garantir direitos fundamentais. O processo de titulação das terras quilombolas, portanto, não pode ser regido cegamente pelos mesmos prazos e regras aplicáveis às desapropriações convencionais”, disse o relator do caso no STJ, ministro Paulo Sérgio Domingues.

Preservação do direito fundamental à identidade cultural e territorial

O ministro explicou que os prazos de caducidade para as desapropriações têm o objetivo de evitar a indefinição jurídica e a sujeição da propriedade privada ao poder de império do Estado por tempo indeterminado.

Segundo o relator, o assunto já foi enfrentado pelo STJ em outras situações, mas merece um novo olhar especialmente diante das balizas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 3.239, em 2018. Na ocasião, ressaltou, o STF entendeu que o Decreto 4.887/2003 – que regulamenta o processo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas – é um decreto autônomo que retira sua validade diretamente da Constituição Federal, mas não prevê prazo para caducidade da desapropriação.

“No contexto das comunidades quilombolas, o principal objetivo é a preservação do direito fundamental à identidade cultural e territorial, de forma que a aplicação de prazos que comprometam a eficácia desse direito fundamental, quando já identificado e reconhecido pelo próprio Estado, não se justifica, ainda mais à luz do entendimento do STF sobre o tema”, ponderou.

Natureza especial do processo de titulação das terras quilombolas

Na avaliação do relator, os institutos jurídicos não previstos no Decreto 4.889/2003 somente podem ser aplicados se compatíveis com a essência e a finalidade do contexto protetivo e afirmativo da política pública em prol das comunidades quilombolas.

Para Domingues, o silêncio do Decreto 4.887/2003 sobre um prazo de caducidade não deve ser entendido como lacuna normativa a ser preenchida por outras normas. “Ao contrário, entendo que reflete uma escolha deliberada ao normatizar e tratar essa modalidade de desapropriação. Esse silêncio está alinhado com a natureza especial do processo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas, que envolve a ocupação tradicional e a proteção de um direito constitucional fundamental”, ponderou.

O ministro lembrou ainda que a desapropriação não se destina à declaração ou ao reconhecimento de direitos, uma vez que eles já foram previamente reconhecidos no curso do procedimento administrativo. Esse momento, observou, é o processo final e formal que possibilita a transferência de titularidade das terras de forma definitiva às comunidades quilombolas, bem como concede indenização aos detentores da propriedade.

“O Decreto 4.887/2003 cumpre a função de regulamentar o processo de titulação das terras quilombolas, assegurando a proteção dos direitos constitucionais dessas comunidades sem a submissão a prazos de caducidade que comprometam a plena realização desses direitos, pois a especialidade normativa das desapropriações de terras quilombolas justifica o tratamento diferenciado, revelando-se incompatível com a fixação de prazo de caducidade ao ato administrativo que reconhece a propriedade como pertencente às comunidades quilombolas”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.000.449.

Fonte: STJ

Página Súmulas Anotadas inclui enunciado sobre conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva

A página Súmulas Anotadas incluiu em seu índice o enunciado da Súmula 676 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Súmula 676, classificada em direito processual penal, assunto prisão, estabelece que em razão da Lei 13.964/2019, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter prisão em flagrante em prisão preventiva.

Súmulas

As súmulas são resumos de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.

Na página Súmulas Anotadas, é possível visualizar todos os enunciados com trechos dos julgados que lhes deram origem, além de outros precedentes relacionados ao tema, que são disponibilizados por meio de links.

A ferramenta criada pela Secretaria de Jurisprudência facilita o trabalho das pessoas interessadas em informações necessárias para a interpretação e a aplicação das súmulas. A pesquisa pode ser feita por ramo do direito, pelo número da súmula ou pela ferramenta de busca livre.

Os enunciados já publicados também podem ser acessados neste link

Fonte: STJ

Primeira Seção cancela todas as teses em abstrato estabelecidas no IAC 14

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, em juízo de retratação, revogou as teses em abstrato firmadas no Incidente de Assunção de Competência (IAC) 14, por contrariar o entendimento fixado em repercussão geral no Tema 1.234 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em abril de 2023, no julgamento do IAC 14, a Primeira Seção havia estabelecido três teses a respeito de qual ente federativo deve responder à ação em que se pede acesso a medicamento não incluído nas políticas públicas, mas devidamente registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A proposta de revogação foi apresentada pelo ministro Gurgel de Faria, que ressaltou a necessidade do juízo de retratação, conforme o artigo 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015. Segundo ele, as questões jurídicas discutidas no IAC 14 foram tratadas no julgamento de mérito da repercussão geral, e as teses abstratas adotadas pelo STJ revelam incompatibilidades com as novas diretrizes do STF sobre o fornecimento de medicamentos registrados na Anvisa, mas não padronizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

STJ reconheceu o caráter potencialmente transitório do incidente

O ministro destacou que o STF julgou o mérito do RE 1.366.243 RG (Tema 1.234) e homologou três acordos firmados entre União, estados e municípios, estabelecendo critérios para a oferta de medicamentos e tratamentos médicos no âmbito do SUS.

Gurgel de Faria ressaltou que, ao julgar o IAC 14, o STJ reconheceu de forma expressa o caráter potencialmente transitório do incidente. Segundo ele, o objetivo do IAC era, à época, reduzir a proliferação de questões processuais relacionadas à competência para julgar demandas de saúde, garantindo segurança jurídica até que o STF se manifestasse de forma definitiva no julgamento do Tema 1.234, afetado à repercussão geral.

O ministro explicou que a revogação é justificada, em primeiro lugar, pela própria finalidade do IAC 14, que era oferecer uma solução jurídica provisória até o julgamento do Tema 1.234, o que já ocorreu.

Em segundo lugar, ele apontou que as teses estabelecidas pelo STJ no incidente são incompatíveis, em diversos aspectos, com as diretrizes de mérito fixadas na repercussão geral, especialmente com a determinação do STF de que, figurando somente um dos entes no polo passivo, cabe ao magistrado, se necessário, promover a inclusão de outro ente para garantir o cumprimento efetivo da decisão, em conformidade com as regras de repartição de responsabilidades do SUS.

“Diante desse quadro, não só em face da vinculação que o STJ tem em relação ao precedente do STF, como também por razões de segurança jurídica, penso que nos cabe cassar todas as teses em abstrato estabelecidas pela Primeira Seção desta corte (itens “a”, “b” e “c” do IAC 14 do STJ), para que as instâncias ordinárias tenham como única baliza (a respeito da controvérsia em questão) o Tema 1.234 do STF”, disse.

Modulação dos efeitos da decisão

No julgamento, o colegiado também decidiu que a decisão não afetará os processos já resolvidos com base nas teses revogadas. Segundo o relator, “a revogação em questão não deverá operar efeito retroativo, pelo que não há de modificar a solução jurídica dada aos conflitos de competência e demais incidentes que ingressaram nesta corte anteriormente”.

Quanto ao caso concreto, Gurgel de Faria ressaltou que, “como foram mantidos os efeitos da tutela provisória incidental proferida nos autos do RE 1.366.243/SC (do Tema 1.234 do STF) até a publicação do acórdão da repercussão geral, a revogação das teses jurídicas do presente IAC não altera o resultado do presente conflito de competência”.

Leia o acórdão no CC 187.276.

Fonte: STJ

Quinta Turma reitera impossibilidade de colaboração premiada de advogado contra cliente

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou o entendimento de que o advogado não pode firmar colaboração premiada para delatar fatos contra o cliente, sob pena de comprometer o direito de defesa e o sigilo profissional. A exceção ocorre nos casos de simulação da relação advogado-cliente – situação que, segundo o colegiado, deve ser provada, não podendo ser presumida. 

O caso teve origem em habeas corpus no qual o réu de uma ação penal defendeu a ilicitude de colaboração premiada firmada por advogado anteriormente contratado por ele, por envolver fatos supostamente cobertos pelo sigilo profissional.  

Por maioria de votos, o habeas corpus foi negado em segundo grau, mas o recurso foi provido pelo relator no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Contra a decisão monocrática, o Ministério Público Federal (MPF) interpôs agravo regimental e apontou haver indícios de que os serviços advocatícios prestados eram simulados, colocando em dúvida a relação entre advogado e cliente.

Presunção de boa-fé na relação advogado-cliente

O ministro Reynaldo Soares da Fonseca apontou que o STJ, em mais de uma oportunidade, já se posicionou sobre a impossibilidade de o advogado delatar fatos cobertos pelo sigilo profissional, tendo em vista que o sigilo é premissa fundamental para o exercício de defesa e para a relação de confiança entre defensor técnico e cliente.

O relator também citou precedentes no sentido de que a boa-fé na relação advogado-cliente é presumida, ao passo que a alegação de simulação deve ser concretamente demonstrada. 

De acordo com o ministro, os elementos dos autos indicam que houve efetiva atuação do advogado em relação à pessoa que se tornaria ré na ação penal, havendo inclusive comprovação do pagamento de honorários, não sendo possível inverter a presunção a respeito de sua atuação em favor do cliente.

“Não havendo provas de se tratar de mera relação simulada, prevalece a impossibilidade de o advogado delatar seu cliente, sob pena de se fragilizar o direito de defesa. Assim, deve ser considerada ilícita a colaboração premiada, na parte em que se refere ao paciente, bem como as provas dela derivadas”, concluiu Reynaldo Soares da Fonseca.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

STJ restabelece retomada da administração do Porto de Itajaí pela União

O Porto de Itajaí, um dos maiores do país, é o único sob administração municipal, e sua retomada pela gestão federal – agora assegurada – está prevista para 1º de janeiro de 2025.

Atendendo a um pedido da União, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, suspendeu os efeitos da liminar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que prorrogou o prazo da delegação do Porto de Itajaí, um dos maiores do país. O encerramento da delegação para o município de Itajaí (SC) estava previsto para o dia 1º de janeiro de 2025.

De acordo com o ministro, a suspensão da federalização ofenderia a discricionariedade administrativa e poderia manter a situação de crise vivida pelo porto nos últimos anos. A decisão do STJ vale até o julgamento de eventual apelação contra a sentença a ser proferida na ação civil pública sobre o litígio.  

O pedido para que a delegação em favor do município fosse prorrogada foi apresentado pelo Foro Metropolitano da Foz do Rio Itajaí-Açu, segundo o qual a devolução do porto à União estaria sendo feita sem plano de transição e sem garantia de continuidade das operações portuárias e dos investimentos necessários. Com a federalização do porto, a gestão das operações no local seria transferida para a autoridade portuária de Santos (SP).

Porto de Itajaí é o único do país sob administração municipal

Ao manter a administração das atividades portuárias sob a responsabilidade do município de Itajaí, o TRF4 considerou que a falta de apresentação de um projeto de transição pela União e o curto prazo para o término do convênio de delegação poderia trazer perdas financeiras consideráveis aos cofres municipais e problemas às operações do porto, o que violaria o princípio da eficiência administrativa.

A União, então, apresentou o pedido de suspensão da decisão ao STJ e alegou que, atualmente, o Porto de Itajaí é o único do país sob administração municipal, e que a sua retomada pela gestão federal é classificada como de interesse estratégico. De acordo com a União, a região do porto está inserida no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), com investimentos previstos de mais de R$ 54 bilhões.

Município de Itajaí não buscou via judicial para discutir federalização

Segundo o ministro Herman Benjamin, chama atenção no caso o fato de que o município de Itajaí – em tese, o maior interessado na prorrogação do convênio – não tenha judicializado por conta própria a questão, com a antecedência recomendável.

De acordo com o presidente do STJ, é de conhecimento público a crise vivida pelo Porto de Itajaí, especialmente nos últimos dois anos (período que coincide com os atos para prorrogar o convênio em favor do município).

Herman Benjamin também considerou haver “algum grau de estranheza” no caso porque, sendo um assunto de tamanha complexidade, o TRF4 não ouviu a União antes de tomar uma decisão que representou “nítida incursão na discricionariedade administrativa”.

Na avaliação do ministro, fatos de conhecimento público como a paralisação dos serviços por dificuldade de arrendamento para empresas que atuam no setor, ou a paralisação da dragagem do Porto de Itajaí, indicam que a prorrogação forçada, por via judicial, do convênio de delegação tem o potencial de causar lesão à ordem e à economia públicas, o que autoriza a suspensão dos efeitos da liminar.

Fonte: STJ

Quando beneficiário da apólice também é contratante/segurado, prazo para obter indenização é de um ano

A Quarta Turma aplicou o entendimento segundo o qual é de um ano o prazo prescricional de qualquer ação do segurado contra o segurador por descumprimento de deveres do contrato de seguro.

Ao reafirmar o entendimento fixado no julgamento do Incidente de Assunção de Competência 2 (IAC 2), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a prescrição do pedido de indenização securitária feito por uma viúva contra a seguradora. O requerimento foi apresentado mais de três anos após o falecimento do marido.

No julgamento do IAC, a Segunda Seção definiu o prazo prescricional de um ano para o exercício de qualquer pretensão do segurado contra o segurador (e vice-versa) baseada em suposto descumprimento de deveres (principais, secundários ou anexos) do contrato de seguro.

Prazo de um ano é aplicado a toda pretensão de segurado contra segurador

No caso julgado pela Quarta Turma, a segurada contratou participação em seguro de vida em grupo e acidentes pessoais coletivo, com cobertura adicional para o seu marido. Em 2013, ele faleceu, mas apenas em 2017 ela fez o requerimento administrativo para receber a indenização. Diante da negativa da seguradora, a viúva ajuizou ação de cobrança, mas tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) negaram o pedido.

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Marco Buzzi, no julgamento do IAC 2, a Segunda Seção excepcionou da prescrição anual apenas os casos que envolvam seguro-saúde e planos de saúde, além do seguro de responsabilidade civil obrigatório (DPVAT).

“Não houve deliberação no sentido de haver outras restrições quanto ao alcance do prazo prescricional ânuo, o qual é aplicável – ressalvadas hipóteses bem peculiares – ao exercício de toda e qualquer pretensão envolvendo segurado em face do segurador”, explicou.

Prazo de dez anos só se aplica quando beneficiário não é o segurado/contratante

Na avaliação do ministro, o caso em análise não apresenta nenhuma peculiaridade capaz de alterar o prazo prescricional de um ano. Essa alteração, comentou, somente seria possível se o pedido de indenização fosse feito por terceiro, que não participou da relação contratual (e muitas vezes, nem sabia da sua existência), figurando apenas como beneficiário.

De acordo com o relator, esse foi o entendimento firmado no REsp 1.384.942, no qual a Quarta Turma estabeleceu o prazo prescricional de dez anos para o pedido de indenização de seguro de vida de um beneficiário, que não se confundia com o próprio segurado.

O ministro verificou que, na hipótese em julgamento, a viúva era contratante/titular da apólice e beneficiária da cobertura adicional do cônjuge, não podendo ser considerada terceira na relação contratual, pois constava como segurada principal, o que atrai a incidência do prazo prescricional de um ano.

Fonte: STJ

Jurisprudência em Teses apresenta novos entendimentos sobre direitos da criança e do adolescente

​A Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 250 de Jurisprudência em Teses, sobre o tema Direitos da Criança e do Adolescente II. A equipe responsável pelo produto destacou duas teses.

A primeira tese diz que o princípio do juízo imediato, previsto no artigo 147, incisos 1º e 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atrelado ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, sobrepõe-se às regras gerais de competência do Código de Processo Civil (CPC).

O segundo entendimento aponta que a colocação de menor em abrigo institucional em detrimento do acolhimento familiar ocorrerá nos casos de evidente risco concreto à sua integridade física e psíquica, respeitado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

A ferramenta

Lançada em maio de 2014, Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Biblioteca e Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

Fonte: STJ

Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, a audiência de conciliação ou mediação muitas vezes nem acontece, e pode virar mais uma discussão no processo.

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação – em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o diálogo entre as partes.

artigo 334 do CPC/2015 tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma delas não compareceu.

Em situações assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos, para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC, quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização, pode resultar em nulidade do processo.

Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata

Em 2020, no julgamento do RMS 63.202, a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação, que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do artigo 334 do CPC.

Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes em resolver a questão consensualmente.

Devido às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrar mandado de segurança alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.

Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19 de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse repetitivo, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.

Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no repetitivo, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.

Fonte: STJ

Terceira Turma afasta custas processuais em embargos de terceiro que perderam objeto sem ter havido citação

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a cobrança de custas processuais em embargos de terceiro que foram extintos por perda de objeto após a parte embargada (autora na ação principal) desistir da penhora de um imóvel. De acordo com o colegiado, a exigência do pagamento seria inadequada, uma vez que o embargado nem sequer foi citado nos autos, e o embargante, por outro lado, teve seu patrimônio restringido de forma indevida.

Na origem do caso, a desistência da penhora na ação principal levou o juízo de primeiro grau a extinguir os embargos de terceiro, impondo ao embargante a obrigação de arcar com as custas processuais, sem arbitramento de honorários advocatícios.

Ele apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que a desistência se deu antes da citação nos embargos de terceiro, o que indicaria falta de resistência à pretensão do embargante. Com base no princípio da causalidade, a corte estadual avaliou que esse fato afastaria a possível atribuição de encargos sucumbenciais ao embargado.

Ao STJ, o embargante alegou, entre outros pontos, que o autor da ação principal deveria arcar com os ônus sucumbenciais dos embargos, pois foi a penhora injusta que motivou a sua oposição.

Falta de citação em embargos de terceiro impacta análise da sucumbência

A ministra Nancy Andrighi, relatora na Terceira Turma, explicou que, se os pedidos feitos nos embargos de terceiro forem julgados improcedentes, o embargante responderá pelos ônus sucumbenciais, em virtude do princípio da sucumbência (quem perdeu paga). Caso contrário, continuou, o julgador precisará analisar o contexto sob a ótica do princípio da causalidade (quem deu causa ao processo é que paga).

Segundo a ministra, esse mesmo princípio deve ser observado na hipótese de perda do objeto dos embargos de terceiro em razão de desistência da penhora nos autos principais. Nesse caso, a ministra afirmou que a parte que deu causa ao processo deve arcar com os ônus sucumbenciais.

No entanto, Nancy Andrighi alertou que a situação em análise é peculiar, pois a parte embargada não chegou a ser citada nos autos dos embargos de terceiro. “Não se revela razoável imputar à embargada o dever de arcar com os ônus sucumbenciais de processo do qual nem sequer era parte. Por outro lado, tampouco revela-se razoável imputar a referida obrigação à parte embargante, vítima de aprisionamento material indevido de seu patrimônio, se por um comportamento seu não deu causa à constrição”, destacou.

A relatora observou ainda que esse entendimento foi adotado em julgados do STJ regidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, porém segue válido sob o CPC/2015.

“Nesse contexto, merece reforma o acórdão recorrido, pois, na hipótese de desistência da penhora anterior à citação da parte embargada, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito em virtude da perda superveniente do objeto, mas sem qualquer condenação em ônus sucumbenciais”, concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso especial.

Fonte: STJ

É possível convalidar registro de imóvel feito enquanto pendente prenotação que perdeu efeitos pelo tempo

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) convalidou o registro de imóveis feito em nome de uma empresa imobiliária enquanto havia a prenotação das mesmas propriedades por outro registrador, em favor de um banco – e que perdeu seus efeitos pelo decurso do tempo.

O processo teve origem quando uma incorporadora vendeu à empresa imobiliária uma área que seria desmembrada em vários lotes menores. Em 2011, a primeira transmitiu algumas quadras à segunda, por escritura. No entanto, dias antes, a incorporadora havia outorgado a um banco, também por escritura e a título de dação em pagamento, a propriedade de uma parte das quadras, entre elas algumas que também foram transmitidas à imobiliária.

Em 10 de novembro de 2011, a instituição financeira protocolou o pedido de registro da escritura de dação em pagamento, e o título foi prenotado. O oficial do registro fez algumas exigências legais e deu o prazo de 30 dias para a validade da prenotação, após o qual cessariam seus efeitos jurídicos. A imobiliária, por sua vez, também ingressou com o pedido para registrar a escritura, que acabou sendo deferido quando estava em vigência a prenotação do banco.

Dias após o fim do prazo de 30 dias, o banco requereu novamente o registro, que foi feito, resultando em uma superposição de registros. O caso foi ajuizado, e o Tribunal de Justiça do Ceará concluiu pela invalidade das matrículas da imobiliária, devido à inobservância do princípio da prioridade.

Irregularidade formal e temporal do ato de registro

Para o relator do caso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, contudo, ainda que tenha ocorrido erro do registrador, não foi adequada a solução encontrada pelo tribunal estadual. Segundo explicou, a instituição financeira não atendeu às exigências do oficial de registro, indicadas no pedido protocolado em 10 de novembro de 2011, cujos efeitos cessaram em 10 de dezembro daquele ano.

De acordo com o ministro, o oficial não deveria ter deferido, no dia 7 de dezembro de 2011 – antes do término do prazo concedido ao banco –, o pedido de registro apresentado pela imobiliária em 30 de novembro.

Contudo, o relator lembrou que a legislação não impede que o oficial receba, enquanto vigente a prenotação, outro requerimento de registro. “Em verdade, o texto legal admite expressamente o protocolo sucessivo de pedidos, ainda que constituam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, todavia ressaltando a prioridade daquele prenotado sob número de ordem mais baixo”, disse.

Na avaliação do relator, o caso é de irregularidade formal e temporal do ato de registro, mas este pode ser convalidado na hipótese em que a prenotação perdeu seus efeitos posteriormente.

Antonio Carlos Ferreira ponderou que, mesmo que se entendesse pela total invalidade do registro feito em favor da imobiliária, estaria repristinada a prenotação do seu título – com número de ordem inferior ao do banco. Após o término da vigência da prenotação do banco, observou, a imobiliária teria direito ao seu registro, com base no princípio da prioridade. 

Fonte: STJ