A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 796 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nesta edição.
No primeiro processo em destaque, a Primeira Seção, por maioria, decidiu que a pretensão à concessão inicial ou ao direito de revisão de ato de indeferimento, cancelamento ou cessação do BPC-LOAS não é fulminada pela prescrição do fundo de direito, mas tão somente das prestações sucessivas anteriores ao lustro prescricional previsto no artigo 1º do Decreto 20.910/1932. A tese foi fixada no REsp 1.803.530, de relatoria do ministro Herman Benjamin.
Em outro julgado mencionado na edição, a Segunda Turma, por unanimidade, definiu que a aplicação do percentual de reserva de vagas para candidatos com deficiência que resulta em número fracionário enseja o seu arredondamento para o inteiro imediatamente superior. O AREsp 2.397.514 teve como relator o ministro Mauro Campbell Marques.
Em seu segundo e último dia, o V Encontro Nacional sobre Precedentes Qualificados reuniu, nesta sexta-feira (1º), representantes de tribunais, magistrados e especialistas para debater a relação entre o sistema de precedentes e temas como economia, deliberação e novas tecnologias.
Promovido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o encontro, iniciado na quinta-feira (30), tem como objetivo aprofundar o estudo teórico e prático dos precedentes qualificados para fortalecer a cultura dos precedentes judiciais nos tribunais brasileiros.
O primeiro painel da manhã, intitulado “Inteligência artificial (IA) e outras tecnologias para a formação e gestão de precedentes qualificados”, foi presidido pelo ministro do STJ Sebastião Reis Junior e teve como palestrantes o desembargador Roberto Freitas Filho, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), e a professora Nubia Ventura, da Universidade de São Paulo (USP).
Debate favorece solução negociada para aplicação de tecnologias a precedentes
Propondo uma reflexão sobre a possibilidade de desenvolvimento da capacidade deliberativa da inteligência artificial, Roberto Freitas Filho sustentou que a racionalização do sistema jurídico, a identificação da regra legítima do precedente e o estabelecimento de consenso sobre seu sentido dependem da intersubjetividade humana.
“A inteligência é um atributo humano; a IA tem apenas capacidade sintática, não semântica”, afirmou o desembargador.
Diante de questionamentos sobre o uso de IA na automação do Judiciário, Nubia Ventura falou sobre como ela pode ajudar a otimizar o sistema de justiça, seja na triagem dos processos ou no auxílio à deliberação. No entanto, segundo a pesquisadora, é preciso observar os objetivos estabelecidos para seu uso, de forma a evitar vieses discriminatórios.
“Ainda que cheguemos a um estágio de autonomia geral e total das ferramentas de IA, é necessário que haja um direcionamentohumano para adequação de seu uso”, declarou.
No encerramento do painel, Sebastião Reis Junior salientou a importância do encontro na busca de uma solução negociada para a adoção de tecnologias aplicáveis a precedentes, principalmente no contexto de grande volume de processos. O ministro informou que, até o fim do ano forense, terá recebido cerca de 14 mil novos processos em seu gabinete.
“Diante dessa quantidade de processos, a adequada prestação jurisdicional fica prejudicada, tanto para o magistrado quanto para o advogado e para o jurisdicionado. A IA é essencial para solucionar esse problema”, afirmou.
Gestão, organização e formação de precedentes obrigatórios
Em seguida, o painel “Precedentes e deliberação”, presidido pelo ministro do STJ Joel Ilan Paciornik, teve a participação da advogada Adriana de Moraes Vojvodic, da professora da Universidade de Brasília (UnB) Paula Pessoa e do professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Fredie Didier Jr.
Ao falar sobre a admissibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), Fredie Didier explicou seu entendimento de que o preenchimento dos respectivos requisitos não gera para o tribunal o dever de instaurá-lo. Para o professor, o tribunal deve ter o poder de pensar a gestão, a organização e a formação de seus precedentes obrigatórios, inclusive no que diz respeito à compatibilização dos precedentes com súmulas.
“É possível que uma súmula seja superada mediante o estabelecimento de precedente formado pelo julgamento de casos repetitivos“, ponderou.
Paula Pessoa apontou a relevância da colegialidade para a admissão do IRDR, uma vez que ela estabelece a agenda da corte e delimita a questão jurídica que será objeto de debate. “Uma decisão que tenha potencialidade de ser vinculante deve ser colegiada, contando com sustentações, participação de amicus curiae e até consultas públicas”, disse.
Adriana de Moraes Vojvodic falou sobre como a decisão per curiam fortalece o sistema de precedentes. Para ela, a maneira como os tribunais tomam suas decisões é capaz de gerar consequências para a formação de teses e de determinar qual elemento constante nelas vinculará as demais decisões.
“Os desenhos institucionais não são neutros; ainda que a decisão seja colegiada, as fundamentações das decisões podem ser comparativamente muito diversas entre si”, declarou.
A programação do V Encontro Nacional sobre Precedentes Qualificados continua ao longo desta tarde. Confira a programação.
A página da Pesquisa Prontadivulgou novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição destaca a competência da Justiça estadual (ou distrital) para julgar superendividamento, mesmo que haja ente federal no polo passivo.
O serviço divulga as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).
Direito do consumidor – Da prevenção e do tratamento do superendividamento
Repactuação de dívidas. Concurso de credores. Ente federal no polo passivo da demanda. Competência.
“Considerando a natureza concursal, compete à Justiça estadual ou distrital conhecer do processo de superendividamento previsto nos artigos 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor, com a redação da Lei 14.181/2021, e julgá-lo, ainda que um ente federal integre o polo passivo, tratando-se de exceção ao artigo 109, I, da Constituição Federal. ”
CC 192.140/DF, relator ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 10/5/2023, DJe de 16/5/2023.
Uma das principais alterações recentes na legislação brasileira veio com a Lei 14.532/2023, que tipificou a injúria racial como crime de racismo. Esse foi o tema de uma das edições do programa Entender Direito, que contou com a participação do juiz federal Fábio Roque e do advogado criminalista Vinícius Assumpção.
Em entrevista à jornalista Fátima Uchôa, foram abordadas as distinções estabelecidas entre injúria racial e racismo antes da recente atualização legislativa. Ao longo do debate, os especialistas também discutiram pontos como a evolução jurisprudencial brasileira na temática racial e os precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) relacionados, com destaque para o reconhecimento do racismo estrutural no contexto das abordagens policiais.
Difusão de conhecimento jurídico
Entender Direito é um programa quinzenal que aborda discussões relevantes nos meios jurídico e acadêmico, com a participação de juristas e profissionais do direito debatendo cada tema à luz da legislação e da jurisprudência do STJ. Durante as férias forenses deste mês de julho, o programa é reprisado na TV e na Rádio Justiça.
11ª Edição Especial do Informativo de Jurisprudência traz julgados de direito público
A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a 11ª edição extra do Informativo de Jurisprudência, com decisões sobre o ramo do direito público. A equipe de publicação destacou três dos diversos julgamentos da edição.
No primeiro caso, a Primeira Seção decidiu, por unanimidade, que se admite o distinguishing quanto ao Tema 839/STF, para aplicar o prazo decadencial do artigo 54, caput, da Lei 9.784/1999, na hipótese em que a anulação da concessão de anistia tem como fundamento a irregular acumulação de dois pagamentos, benefícios ou indenizações, com idêntico fato gerador. O processo está registrado no MS 17.874, de relatoria da ministra Regina Helena Costa.
No segundo destaque, a Primeira Turma julgou, por unanimidade, que diante da decisão do STF na ADI 6.096/DF, não é possível inviabilizar o próprio pedido de concessão do benefício previdenciário (ou de seu restabelecimento) em razão do transcurso de quaisquer lapsos temporais – seja decadencial ou prescricional, de modo que a prescrição se limita apenas às parcelas pretéritas vencidas no quinquênio que precedeu à propositura da ação. O AgInt no REsp 1.590.354 é de relatoria do ministro Paulo Sérgio Domingues.
Em um terceiro julgado, a Segunda Turma, por unanimidade, decidiu que nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a aplicação sucessiva das diversas faixas de alíquotas de honorários advocatícios dá-se quando o benefício econômico obtido pelo vencedor superar a primeira faixa do escalonamento contido no artigo 85, parágrafo 3º, do CPC/2015, não havendo distinção se vencedora a Fazenda Pública ou a parte contrária. A tese está fixada no REsp 1.769.017, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques.
As instâncias ordinárias haviam decidido que o dinheiro – R$ 1,8 mil – deveria ficar em conta judicial e só poderia ser sacado depois que os filhos atingissem a maioridade.
Com base nos princípios do melhor interesse da criança e da razoabilidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou que duas crianças, representadas pela mãe, levantem saldo residual previdenciário de aproximadamente R$ 1,8 mil depositado judicialmente em conta poupança do pai falecido. O levantamento havia sido negado pelas instâncias ordinárias sob o argumento de que a operação só seria possível quando as crianças atingissem a maioridade.
“A negativa injustificada de levantamento de valores depositados em juízo a título de herança devida a beneficiários menores representados por sua genitora ofende o disposto no artigo 1.689, I e II, do CC/2002, especialmente quando a quantia, ainda que módica, possa favorecer as condições de alimentação, educação e desenvolvimento das crianças (artigo 227, caput, da CF/1988)”, afirmou o relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
No pedido de expedição de alvará, a Defensoria Pública alegou que os filhos viviam em estado de pobreza, de forma que os valores seriam imediatamente revestidos em benefício deles, especialmente para gastos com educação.
Em primeiro grau, o juiz determinou a expedição de alvará para levantamento do valor residual, mas indeferiu o pedido de liberação imediata dos valores, por entender não ter sido comprovada nenhuma das hipóteses dos artigos 1.753 e 1.754 do Código Civil, motivo pelo qual definiu que o montante deveria ficar depositado em conta judicial até que as crianças atingissem a maioridade.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o qual considerou que, como os filhos já recebiam pensão por morte, não ficou demonstrada situação excepcional que permitisse a liberação imediata do saldo previdenciário.
Rendimento de valores em poupança é menor do que benefício social em favor dos menores
Ricardo Villas Bôas Cueva apontou que os pais são administradores e usufrutuários dos bens dos filhos menores e, salvo motivo justificado, têm legitimidade para levantar valores depositados em prol das crianças.
Segundo o ministro, considerando que o dinheiro está depositado em caderneta de poupança – aplicação conservadora e extremamente suscetível à corrosão inflacionária –, os valores aplicados têm “rendimento inferior à sua importância social”, que é a destinação em benefício das crianças.
“Ora, a morte do genitor já impõe, naturalmente, uma reestruturação das condições financeiras do núcleo familiar, não havendo motivo para se exigir, além das razões já postas em juízo, outras justificativas para o levantamento do valor depositado em caderneta de poupança”, disse.
Em seu voto, o relator destacou, ainda, que não há notícia de conflito de interesses entre os filhos e a mãe, tampouco discussão sobre o exercício do poder familiar.
“Com efeito, estando a genitora no exercício responsável do poder familiar, o que a habilita a administrar livremente os bens dos filhos, não há motivo para se restringir a movimentação de valores pecuniários que podem beneficiá-los antes da maioridade”, concluiu o ministro ao autorizar o levantamento da quantia.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
O colegiado entendeu também que a revogação da opção pela Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta, trazida pela Lei 13.670/2018, não feriu direitos do contribuinte.
Em julgamento sob o rito dos repetitivos (Tema 1.184), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que “1) a regra da irretratabilidade da opção pela Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB), prevista no parágrafo 13 do artigo 9º da Lei 12.546/2011, destina-se apenas ao beneficiário do regime, e não à administração; 2) a revogação da escolha de tributação da contribuição previdenciária pelo sistema da CPRB, trazida pela Lei 13.670/2018, não feriu direitos do contribuinte, tendo em vista que foi respeitada a anterioridade nonagesimal”.
Segundo o relator, ministro Herman Benjamin, a contribuição previdenciária das empresas – estabelecida pelo artigo 22, I, da Lei 8.212/1991 – incidia originalmente sobre a folha de salários. Essa previsão, explicou, foi modificada pela Medida Provisória 540/11, convertida na Lei 12.546/2011, que substituiu a base de cálculo do recolhimento pela receita bruta (CPRB), ao passo que, com a edição da Lei 13.161/2015, tais regimes passaram a coexistir, sendo facultado àqueles que contribuem a escolha do regime de tributação sobre a folha de salários ou sobre a receita bruta.
“Verifica-se que a CPRB é contribuição substitutiva, facultativa, em benefício do contribuinte, instituída como medida de política fiscal para incentivar a atividade econômica, cuja renúncia fiscal é expressiva, da ordem de R$ 83 bilhões de reais no período de 2012 a julho de 2017. Contudo, não há direito adquirido à desoneração fiscal, a qual se constitui, no presente caso, como uma liberalidade”, disse.
Regra da irretratabilidade da CPRB respeitou anterioridade nonagesimal
Para o ministro, o mesmo raciocínio deve ser aplicado à desoneração por lei ordinária. Herman Benjamin esclareceu que a desoneração prevista na Lei 12.546/2011 não era condicional nem por prazo certo, sendo que a sua revogação poderia ser feita a qualquer tempo, respeitando-se a anterioridade nonagesimal – o que ocorreu, pois a Lei 13.670/2018 foi publicada em 30 de maio de 2018 e seus efeitos apenas começaram a ser produzidos em setembro de 2018.
Na sua avaliação, não prospera a alegação de que a irretratabilidade da opção pelo regime da CPRB também se aplicaria à administração. “Isso porque seria aceitar que o legislador ordinário pudesse estabelecer limites à competência legislativa futura do próprio legislador ordinário, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico, seja na Constituição Federal, seja nas leis ordinárias”, afirmou.
O relator ressaltou que a alteração promovida pela Lei 13.670/2018 não caracteriza violação à segurança jurídica, mas sim a exclusão de uma das opções de regime de tributação que a lei disponibilizava aos que contribuem.
“A regra da irretratabilidade da opção pela CPRB disposta no parágrafo 13 do artigo 9º da Lei 12.546/2011 destina-se apenas ao beneficiário do regime, não à administração, e tampouco fere direitos do contribuinte, pois foi respeitada a anterioridade nonagesimal”, concluiu.
Em mais um programa voltado para os direitos das mulheres, Entender Direito trouxe a debate as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). Participaram dessa edição a juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Amini Haddad e o promotor do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Thiago Pierobom.
Sexta Turma estendeu proteção da Lei Maria da Penha para mulheres trans
No primeiro semestre de 2022, uma decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) também deve ser aplicada aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transgênero. O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, considerou que, por se tratar de vítima mulher, independentemente do seu sexo biológico, e tendo ocorrido a violência em ambiente familiar – no caso dos autos, o pai agrediu a própria filha trans –, deveria ser aplicada a legislação especial.
Com base na doutrina jurídica, Schietti afirmou que o elemento diferenciador da abrangência da Lei Maria da Penha é o gênero feminino, o qual nem sempre coincide com o sexo biológico. O objetivo da lei, segundo ele, é prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar que se pratica contra a mulher por causa do gênero, e não em virtude do sexo.
Veja, no vídeo abaixo, o depoimento da estudante Luana Fernandes sobre a situação de violência doméstica vivenciada por ela:
A decisão da Sexta Turma é especialmente importante em um país que lidera o ranking mundial de violência contra travestis e transexuais. Segundo dossiê divulgado na semana passada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foram 131 vítimas fatais em 2022, o que mantém o Brasil nessa triste liderança pelo 14º ano consecutivo.
Embora recente, o precedente do STJ já produziu efeitos que podem ser percebidos em órgãos diretamente incumbidos das questões relacionadas à violência contra a mulher, como as delegacias, o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Delegacias de polícia passaram a adotar atendimento especializado às vítimas trans
A delegacia de polícia é, muitas vezes, o primeiro lugar procurado pela mulher após sofrer agressão em casa. Por isso, as unidades da Polícia Civil costumam ter atendimento especial para essas vítimas, inclusive para as mulheres trans – procedimento que já acontece em algumas unidades da Federação.
Em agosto de 2022, após o precedente fixado pelo STJ, a Polícia Civil de Minas Gerais publicou a Resolução 8.225 para, alterando resolução anterior, estabelecer que mulheres transexuais e travestis, vítimas de violência doméstica ou familiar baseada no gênero, fossem atendidas em delegacia especializada, independentemente de mudança do nome no registro civil ou da realização de cirurgia de redesignação sexual.
Entre os anos de 2020 e 2022, a Polícia Civil de Minas contabilizou o atendimento de 224 mulheres transexuais vítimas de violência doméstica.
No caso da Polícia Civil de São Paulo, a delegada Jamila Jorge Ferrari explica que, atualmente, as Delegacias de Defesa da Mulher têm a atribuição de investigar infrações penais relativas à violência doméstica ou familiar e crimes contra a dignidade sexual que tenham como vítimas pessoas com identidade de gênero feminina, sejam elas mulheres cisgênero, trans ou travestis. Segundo a delegada, em 2022, 140 mulheres trans e travestis foram atendidas pela Polícia Civil de São Paulo em casos de violência doméstica ou familiar.
Jamila Ferrari acrescenta que, também em 2022, a instituição policial editou a Portaria DGP 08/2022, que dispõe sobre o tratamento específico a travestis e transexuais nas delegacias do estado, garantindo, entre outros direitos, o respeito ao nome social, o qual deve ser observado por todos os servidores.
A participação do MP no combate à violência doméstica contra pessoas trans
A necessidade de atenção especial às violações de direitos das mulheres trans também é observada pela representante da Promotoria de Justiça de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Silvia Chakian. Segundo a promotora de justiça, “a violência de gênero decorre das relações de poder construídas e reforçadas historicamente na nossa sociedade, reservando maior vulnerabilidade ao gênero feminino e não ao sexo biológico”.
No caso da Lei Maria da Penha, a promotora aponta que o MPSP, no intuito de ampliar a compreensão sobre a essência e o alcance da lei especial, promoveu vários seminários, cursos e debates abrangendo questões de gênero.
“Ao longo dos anos, foram muitos os episódios de resistência, inclusive por parte do Judiciário de primeiro grau, o que levou o MPSP a interpor diversos recursos a fim de garantir a aplicação da lei para as mulheres trans no tribunal de justiça”, enfatiza.
Silvia Chakian destaca que o precedente do STJ teve ampla divulgação interna no MP, inclusive com a publicação de uma tese pelo órgão ministerial.
A prestação de assistência jurídica pela Defensoria Pública
No âmbito da Defensoria Pública do Distrito Federal, a defensora e representante do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Juliana Braga, destaca que, apesar de alguns juízes do DF já aplicarem a Lei Maria da Penha antes mesmo da decisão do STJ, o precedente do Tribunal da Cidadania fortaleceu a rede de assistência social e a conscientização deste público quanto à questão da violência de gênero.
“A decisão evidencia o direito assegurado à liberdade da identidade de gênero de qualquer ser humano, constitucionalmente e internacionalmente garantido”, enfatiza.
Segundo a defensora pública, as mulheres trans vítimas de violência doméstica recebem, na Defensoria, atendimento jurídico integral e, quando necessário, são apresentados à Justiça requerimentos das medidas protetivas de urgências previstas na Lei Maria da Penha.
Projetos para inclusão da mulher trans não foram votados
A interpretação dada pela Sexta Turma do STJ no julgamento do ano passado está na mesma direção de pelo menos duas propostas de alteração legislativa que já haviam sido apresentadas no Congresso Nacional, mas não foram votadas.
Na Câmara dos Deputados, desde 2014, tramita o PL 8.032, para incluir a proteção de transexuais e transgêneros na Lei 11.340/2006. O projeto está atualmente na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, onde aguarda o parecer do relator.
Em 2017, começou a tramitar no Senado oPLS 191, também com o objetivo de assegurar a proteção legal a todas as mulheres, independentemente do sexo biológico, mas a proposição foi arquivada.
Segundo o ministro Moura Ribeiro, relator do caso, empresas como a Uber não têm a obrigação de fiscalizar o comportamento dos passageiros que se utilizam de seu aplicativo.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as empresas gerenciadoras de aplicativos de transporte não devem ser responsabilizadas civilmente no caso de assalto cometido por passageiro contra motorista credenciado pela plataforma. Nessas circunstâncias, a culpa é de terceiro, configurando-se caso fortuito externo à atuação da empresa.
A partir desse entendimento, o colegiado, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial de um motorista que pedia indenização por danos materiais e morais à Uber, em decorrência de roubo praticado por passageiros cadastrados no aplicativo de transporte individual.
Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente, ao fundamento de que a empresa possui um cadastro com dados pessoais dos clientes e avaliações de passageiros fornecidas pelos motoristas da rede, de forma a gerar uma expectativa de segurança aos profissionais que atuam no serviço.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a decisão ao acolher a apelação da Uber. Para a corte estadual, a empresa não pode ser responsabilizada por fato de terceiro, que decorre sobretudo de falha do Estado, responsável por assegurar aos cidadãos o direito fundamental à segurança.
No recurso ao STJ, o motorista sustentou que houve negligência quanto à fiscalização dos perfis dos usuários cadastrados na plataforma.
Prevalência de autonomia da vontade e independência do motorista
O relator, ministro Moura Ribeiro, destacou que não é possível atribuir responsabilidade civil extracontratual – seja objetiva ou subjetiva – à Uber, pois a finalidade de seu aplicativo é aproximar motoristas parceiros e seus clientes (passageiros), não havendo qualquer relação de subordinação desses profissionais em relação à empresa gerenciadora da ferramenta.
Para o ministro, as atividades profissionais desenvolvidas pela empresa e pelo motorista credenciado integram uma cadeia de serviços, para fins de responsabilização civil por danos ocasionados aos passageiros, mas, sobre o pacto negocial existente entre eles, prevalecem a autonomia da vontade e a independência na atuação de cada um.
“Não há ingerência da Uber na atuação do motorista de aplicativo, considerado trabalhador autônomo (artigo 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), salvo quanto aos requisitos técnicos necessários para esse credenciamento, que decorrem estritamente da relação estabelecida entre o transportador e a gerenciadora da plataforma”, afirmou Moura Ribeiro.
Não é dever da empresa fiscalizar o comportamento dos passageiros
O ministro lembrou que o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF) já definiram que a Uber é responsável pelo gerenciamento de sua plataforma digital, pelo cadastro de seus clientes (passageiros) e pelo cadastro dos motoristas credenciados, com os quais não mantém vínculo empregatício.
“Assim, não se insere no âmbito de sua atuação fiscalizar a lisura comportamental dos passageiros que se utilizam de seu aplicativo”, ressaltou.
Ausência de nexo de causalidade entre conduta da Uber e fato danoso
De acordo com o relator, a jurisprudência do STJ entende que o roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra, é fato de terceiro equiparável a fortuito externo e exclui o dever de indenizar por danos ao consumidor, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva.
Moura Ribeiro acrescentou que não há nexo de causalidade entre a conduta da Uber e o roubo sofrido pelo motorista, cujo risco é inerente à atuação do transportador e por ele deve ser assumido.
“Caracterizado, assim, o fato de terceiro, estranho ao contrato de fornecimento/gerenciamento de aplicativo tecnológico oferecido pela Uber, para a intermediação entre o passageiro e o motorista credenciado, por fugir completamente de sua atividade-fim, correta a solução dada pelo acórdão recorrido”, concluiu o ministro.
O programa Entender Direito abriu o ano judiciário de 2023 com um debate sobre a Lei 14.197/2021, que tipificou uma série de crimes contra o Estado Democrático de Direito. A conversa com especialistas, conduzida pela jornalista Fátima Uchôa, girou em torno das repercussões jurídicas dos ataques contra as sedes dos três poderes no dia 8 de janeiro.
Entre as condutas criminosas fixadas na nova lei, estão o golpe de Estado e a interrupção do processo eleitoral, com penas que chegam a 15 anos de reclusão. O normativo também revogou a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).
Foram entrevistados o professor e promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso Renee Souza e o professor e promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Ricardo Silvares.
Grandes temas do direito em debate
Entender Direito é um programa quinzenal que aborda discussões relevantes no meio jurídico e acadêmico, com a participação de juristas e operadores do direito debatendo cada tema à luz da legislação e da jurisprudência do STJ. Durante as férias coletivas dos ministros, em julho, o programa é reprisado na TV e na Rádio Justiça.
Confira a entrevista na TV Justiça, às quartas-feiras, às 10h, com reprises aos sábados, às 14h, e às terças, às 22h. Também está disponível no canal do STJ no YouTube. Na Rádio Justiça (104,7 FM – Brasília), o programa é apresentado de forma inédita aos sábados, às 7h, com reprise aos domingos, às 23h.
a democracia estão entre os temas de destaque do Entender Direito em 2023
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