Porto Alegre: Justiça e cartórios fazem mutirão para emitir certidões

Os moradores de Porto Alegre que perderam as certidões de nascimento e de casamento nas enchentes que atingem a capital gaúcha podem emitir novos documentos a partir desta terça-feira (14). O serviço é gratuito.

Um mutirão promovido pelo Tribunal de Justiça, o governo estadual e os cartórios de registro civil permitirá que a população procure o serviço em postos fixos montados em diversos endereços da cidade. A emissão emergencial já está em funcionamento nos abrigos desde o dia 6 deste mês. Mais de 2,9 mil atendimentos foram realizados.

Além das certidões de nascimento e casamento, haverá emissão do registro nacional de imigrantes.

Os interessados podem procurar os cartórios de registro civil das 4ª, 5ª, 6ª e 8ª zonas, entre 9h e 17h30. A emissão também pode ser feita nos postos montados no Shopping João Pessoa, Tudo Fácil Zona Norte e no foro regional do Tribunal de Justiça, localizado no bairro do Paternon, das 12h às 17h.

Detran

Mais cedo, o governo estadual informou que os serviços eletrônicos prestados pelo Detran continuam suspensos. O datacenter do sistema foi desligado por medida de segurança após a inundação do prédio que abriga o equipamento.

Os prazos de recursos contra a aplicação de multas, processos de suspensão e cassação da CNH com vencimento a partir de 29 de abril estão suspensos por tempo indeterminado.

O governo local declarou ainda que trabalha para adotar medidas e resolver problemas relacionados ao vencimento de CNH, fiscalização de infrações de trânsito e registro de veículos.

Fonte:

Logo Agência Brasil

Jurisprudência em Teses traz entendimentos sobre sucessão testamentária

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 235 de Jurisprudência em Teses, sobre o tema Sucessão Testamentária. A equipe responsável pelo produto destacou duas teses.

A primeira tese fixou que é possível a realização de inventário extrajudicialmente, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes, concordes e estiverem assistidos por advogado.

Já o segundo entendimento aponta que as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade vitalícias previstas em testamento têm duração limitada à vida do beneficiário e não se relacionam à vocação hereditária.

A ferramenta

Lançada em maio de 2014, Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.

Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.

Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, na barra superior do site.

Fonte: STJ

Projeto de lei busca aumentar prazo decadencial em casos de violência doméstica

O Projeto de Lei nº 1.713, de 2022, que busca alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), prevê prazo maior para representação criminal em contexto de violência doméstica e tem pareceres favoráveis no Congresso Nacional.

Fruto das pesquisas de várias mulheres de diversas áreas de atuação, o PL 1.713, idealizado por estas subscritoras e minutado pela Comissão Nacional da Mulher Advogada Criminalista da Abracrim (Abracrim Mulher), encontra-se com parecer favorável na Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos deputados.

Aprovado em decisão terminativa na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, o PL busca ampliar o prazo decadencial de seis para 12 meses para o exercício da “representação” e a propositura de “queixa-crime”, em casos de violência doméstica.

Tempo hábil

Considerando o ciclo de violência e toda a estrutura patriarcal existente na sociedade, a pretendida alteração legislativa é de suma relevância, pois permitirá que mulheres vítimas de violência doméstica tenham tempo hábil para buscar o apoio do sistema de justiça criminal sem atropelar seu próprio tempo.

Além disso, o projeto leva para a sociedade uma maior compreensão sobre a complexidade do ciclo de agressão sofrido pelas mulheres vítimas de violência doméstica, ciclo muitas vezes não compreendido, o que gera ainda mais sofrimento e preconceito, impondo às mulheres vítimas de violência ainda mais sofrimento e violência.

Acréscimo

A redação final aprovada no Senado Federal acresce o parágrafo único ao artigo 103 do Código Penal, passando a vigorar com a previsão de que para os crimes que se processam mediante representação criminal, no contexto de violência doméstica e familiar contra pessoa do gênero feminino, a ofendida decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 12 (doze) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime.

No que se refere às alterações previstas na Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), temos o acréscimo do artigo 16 – A que de fato aumenta para 12 (doze) meses o prazo para o exercício do instituto da representação pela vítima em situação de violência doméstica e familiar.

Referidas propostas efetivarão alteração na Lei Processual, que passará a viger adequando-se à nova e necessária disposição legal.

Importante destacar emenda acolhida e incorporada ao relatório final da CCJ, que acrescenta o artigo 394-B ao Código de Processo Penal com a previsão da celeridade e prioridade na tramitação processual, e que também independerão, em todos os graus de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas, salvo em caso de má-fé.

A única discussão divergente no projeto é quanto à utilização dos termos “gênero feminino”, “sexo feminino”, “mulher”, porém, todos os pareceres até o momento são uníssonos quanto à necessidade da alteração da lei com a ampliação do prazo para representação criminal, permitindo, assim, que o sistema de Justiça resguarde direitos.

O projeto, que se encontra com um texto substitutivo devido às emendas apresentadas e incorporadas ao texto, após apreciação conclusiva nas comissões, vide artigo 24, II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, retornará ao Senado Federal, onde a casa originária decidirá pela manutenção das alterações realizadas na Câmara dos deputados, ou pela manutenção do texto aprovado pela casa iniciadora.

Ciclo da violência

Vale mencionar que o maior estudo de referência no mundo para compreensão do impacto da violência doméstica na mulher, foi realizado pela psicóloga clínica e forense norte-americana Eleonor E. A. Walker (2017).

Eleonor identificou em pesquisa de campo realizada com cerca de 1.500 mulheres, um padrão de abuso da mulher, que a pesquisadora cunhou como “ciclo da violência doméstica”, para se referir à repetição da violência doméstica em que a mulher está inserida.

O resultado da pesquisa apontou os reflexos na vida e na saúde mental da mulher, além de descrever os mecanismos psíquicos que justificam a enorme dificuldade da mulher em sair destas situações.

Segundo a justificativa apresentada no texto original, a intervenção precoce e mais efetiva em níveis menores de violações pode interromper ou amenizar a evolução do ciclo da violência, vindo a prevenir crimes menores que se agravam e desaguam no feminicídio. Dilatar o prazo decadencial é intervir em fases anteriores da violência e precursoras do feminicídio.

Sobre a complexidade do ciclo da violência doméstica e a perda de prazos decadenciais pelas vítimas imersas em situação de violência doméstica, Izabella Borges tratou do tema nesta coluna em duas oportunidades, em janeiro de 2021 [1], em texto escrito em coautoria com Bruna Borges, e em fevereiro do mesmo ano [2].

A minuta do projeto de lei foi elaborada por estas subscritoras, Izabella Borges – idealizadora da ideia – e Ana Paula Trento – presidente Nacional da Abracrim Mulher, além de Izadora Barbieri – diretora legislativa da Abracrim Mulher Nacional –, Layla Freitas – secretária-geral da Abracrim Mulher Nacional –, Simone Cabredo – diretora de assuntos Acadêmicos da Abracrim Mulher Nacinal – e pela psicanalista e psicóloga Forense Tamara Brockhausen.


[1] https://www.conjur.com.br/2021-jan-20/escritos-mulher-decadencia-ambito-violencia-domestica-prazo-fatal/ (acessado em 14 de maio de 2024).

[2] https://www.conjur.com.br/2021-fev-24/escritos-mulher-violencias-genero-instituto-decadencia-parte-dois/

O post Projeto de lei busca aumentar prazo decadencial em casos de violência doméstica apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Penhora e expropriação de bens com alienação fiduciária em execuções civis

Em se tratando de execuções civis, um dos grandes desafios enfrentado pelos credores é a localização de bens disponíveis à penhora. Não raras vezes, o único patrimônio localizado em nome dos executados é o direito aquisitivo de bens móveis e/ou imóveis, oriundos de contratos com garantia de alienação fiduciária.

O artigo 1.361 do Código Civil descreve como fiduciária “a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”. Referido diploma legal destina o capítulo IX, da Seção VI, para regular o instituto. Tamanhos são o alcance e a relevância do tema que outras leis também estabelecem regras para a sua aplicabilidade, tais como: a Lei nº 9.514/1997, que institui a alienação fiduciária de coisa imóvel (artigos 22 e seguintes); e a Lei nº 4.728/1965, que disciplina sobre o mercado de capitais (artigo 66-B).

Considerando essa característica de oferta da propriedade resolúvel para a obtenção de crédito, é comum encontrar no ramo bancário contratos com garantia de alienação fiduciária, a qual é oferecida com o objetivo de facilitar a obtenção do crédito mediante a entrega da propriedade temporária de coisa móvel ou imóvel ao credor. Vale destacar que essa propriedade não é plena, considerando a sua condição resolutiva, já que, após a quitação do débito, a propriedade retorna integralmente ao devedor.

Neste tipo de garantia, há o que se denomina como desdobramento da posse, de modo que a posse indireta passa a pertencer ao credor, enquanto a posse direta continua com o devedor, durante a adimplência contratual. Ao final da avença, se houver o pagamento integral do contrato, a propriedade plena é transferida ao devedor e extingue-se a propriedade resolúvel do credor sobre a coisa, assim como o desdobramento da posse.

A teor do permissivo contido no artigo 835, XII, do CPC, pode-se dizer, então, que é possível a penhora dos direitos aquisitivos de determinado bem de propriedade do devedor fiduciante, oriundos de contratos com alienação fiduciária de bens móveis e/ou imóveis.

Ocorre que este tipo de penhora acaba por encontrar certa resistência, principalmente do credor fiduciário, o que impõe a necessidade de diferenciar a penhora de direitos aquisitivos e a penhora efetiva sobre o bem.

Sobre a penhora dos direitos aquisitivos de bens com alienação fiduciária, é possível verificar que: […] o objeto da penhora será o direito de aquisição do domínio, isto é, o direito que tem o devedor-fiduciante de ser investido na propriedade plena do bem, desde que efetive o pagamento da dívida que o onera” (cf. “Penhora dos Direitos do Fiduciário e do Fiduciante“, de Melhim Namen Chalhub, de 11.09.2016.

Penhora é possível

O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que é possível a penhora dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária, tendo em vista sua grande expressão econômica (v.g. STJ, AgInt no REsp n. 1.992.074/SP, 4.ªT, relator: ministro Luís Felipe Salomão, j. 8.8.2022).

Conforme dispõe o artigo 797, I, do CPC, incumbe ao exequente requerer a intimação do credor fiduciário quando houver a penhora de direitos aquisitivos de bens gravados com alienação fiduciária. Contudo, em que pese a penhora recaia tão somente sobre os direitos aquisitivos do devedor, rotineiramente, o credor fiduciário se manifesta contrário à realização do leilão.

O atual entendimento jurisprudencial caminha no sentido de que a efetivação de hasta pública dos direitos aquisitivos do devedor sobre o bem prescinde de anuência do credor fiduciário (v.g. TJ-SP, AI 2219787-94.2023.8.26.0000, 31.ª Câmara de Direito Privado, Relator: desembargador Adilson de Araujo, j. 29.09.2023; e TJ-PR, AI 0006158-50.2023.8.16.0000, 10.ª Câmara Cível, relator: desembargador Albino Jacomel Guerios, j. 29.05.2023). Isso se explica pelo fato de que a persecução de direitos aquisitivos e a posterior hasta pública não adentram ao patrimônio de qualquer terceiro estranho à execução.

Em realidade, há potenciais benefícios, inclusive ao credor fiduciário, eis que, na hipótese de venda em leilão, o arrematante pode adquirir a propriedade plena do bem, mediante o pagamento integral do saldo devedor da dívida fiduciária, ou haverá a sub-rogação nos direitos e obrigações do contrato, especialmente quanto ao saldo devedor, que será agora por ele quitado diretamente ao credor fiduciário.

É necessário apenas que no edital de leilão conste expressamente que o objeto da venda são os direitos e não o bem propriamente dito, em atendimento ao requisito previsto no artigo 886, I, do CPC, bem como para que não haja, posteriormente, eventual alegação de nulidade e constrição de patrimônio alheio.

Com efeito, deve-se admitir a expropriação dos direitos aquisitivos sobre bens com alienação fiduciária, sendo dispensável a concordância do credor fiduciário do bem, não sendo adequado aguardar a quitação do contrato de financiamento para só então determinar a realização do leilão. Impedir a venda judicial do bem tornaria inócua a penhora dos direitos aquisitivos, o que contraria os princípios que regem o processo executivo, dentre eles, principalmente, a celeridade e a efetividade da execução.

O post Penhora e expropriação de bens com alienação fiduciária em execuções civis apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

STJ autoriza faculdade a cobrar mensalidade maior de alunos calouros

Faculdades privadas podem cobrar mensalidade mais alta dos calouros, alunos que acabam de ingressar num curso superior, em relação aos veteranos, aqueles que já cursaram o primeiro semestre.

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por maioria dos ministros, entendeu que a condição para a cobrança maior é a comprovação do aumento de custos decorrente de alterações no método de ensino. 

Com isso, eles reverteram decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que havia determinado a uma faculdade de Brasília que cobrasse de um grupo de alunos do primeiro semestre de medicina a mesma mensalidade estipulada para os veteranos do curso, bem como a devolução da diferença já paga.

Prevaleceu o entendimento do ministro Moura Ribeiro, para quem a faculdade conseguiu comprovar que uma remodelação no curso de medicina aumentou os custos, o que levou à cobrança maior aos novos ingressantes.

Segundo o ministro, a cobrança de valor adicional nas mensalidades deve ocorrer apenas nos períodos que guardem relação com o aumento de custos e deve ser proporcional a este.

Ficou vencida a relatora, ministra Nancy Andrighi, para quem o caso deveria retornar à primeira instância para exame detalhado de planilhas e documentos apresentados pela faculdade, para de fato constatar se o aumento de mensalidade corresponde à alta de custos alegada.

Para Ribeiro, os alunos que entraram com a ação tiveram a oportunidade de pedir exame detalhado das provas apresentadas pela faculdade, mas não o fizeram. Por isso, não caberia determinar nova análise.

Fonte: EBC

CDC é inaplicável a concessionária que questionou descontos em conta para amortização de dívida da controladora

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em ação proposta por uma concessionária de energia em razão dos descontos que o banco fez em suas contas para quitar dívida da sociedade controladora. Para o colegiado, não houve demonstração de vulnerabilidade que permitisse reconhecer à concessionária a condição de consumidora, especialmente considerando que ela integra grupo econômico de grande porte.

No processo, a concessionária – integrante de um conglomerado de energia – pediu que o banco devolvesse os valores utilizados para amortização de dívidas da sua controladora, e que fosse impedido de fazer movimentações semelhantes nas suas contas.

Os pedidos foram julgados improcedentes em primeiro grau, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) manteve a sentença. Para o tribunal, operações desse tipo foram realizadas durante anos com autorização da concessionária, de modo que a ação judicial evidenciaria um comportamento contraditório. O TJMT também concluiu que o CDC não seria aplicável ao caso, que envolve empréstimo tomado para fomento de atividades empresariais.

No recurso especial, a concessionária alegou ao STJ, entre outros pontos, que haveria uma relação de consumo, pois ela estaria em situação de vulnerabilidade diante da instituição financeira – tanto quanto qualquer pessoa natural que tivesse dinheiro aplicado no banco.

Operações bancárias eram recorrentes e autorizadas pelas empresas do grupo

O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, explicou que a chamada teoria finalista considera consumidor o destinatário fático ou econômico de produtos ou serviços. Segundo ele, o STJ adota a teoria finalista mitigada, que também trata como relação de consumo a situação em que uma empresa adquire produtos ou serviços como parte de suas atividades empresariais, desde que ela demonstre vulnerabilidade técnica, jurídica, econômica ou informacional diante da fornecedora – o que permite a aplicação das normas protetivas do CDC.

No caso dos autos, segundo Antonio Carlos Ferreira, as características dos negócios realizados pelo grupo econômico integrado pela concessionária não autorizam o reconhecimento de qualquer tipo de vulnerabilidade que indique uma relação de consumo. As operações financeiras, destacou o relator, configuram aquisição de serviços destinados à atividade econômica, ou seja, estão inseridas no fluxo empresarial da sociedade.

Além de apontar o porte do grupo econômico e o valor das obrigações envolvidas no caso (cerca de R$ 200 milhões), o ministro ressaltou que, de acordo com as informações do processo, as empresas do conglomerado, durante anos, autorizaram o banco a resgatar aplicações e transferir os recursos para cobrir dívidas da controladora. Na avaliação do relator, não é possível reconhecer, “por nenhum viés, que exista algum tipo de vulnerabilidade que autorize a incidência do Código de Defesa do Consumidor”.

Fonte: STJ

Com texto defasado, prisão temporária envelhece mal e desafia sistema cautelar

A mudança legislativa promovida em 2019 pelo pacote “anticrime” igualou, na prática, duas possibilidades de detenção no curso da investigação policial: a prisão preventiva e a temporária. Isso porque o artigo 311 do Código de Processo Penal passou a ter a seguinte redação:

Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Prisão temporária segue sendo criticada por parte da comunidade jurídica – Freepik

Dessa forma, nas apurações policiais cabe tanto o pedido de prisão temporária quanto o de preventiva. Há, porém, um grave problema: além de idêntica a um tipo de preventiva, a lei de prisões temporárias (Lei 7.960) se tornou obsoleta e inaplicável em determinados crimes, em razão de nomenclaturas antigas e das determinações impostas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de uma ação que questionou sua constitucionalidade.

Em 2022, o STF delimitou a aplicação desse instituto, que era — e continua sendo — visto por parte da comunidade jurídica como uma extensão legal da “prisão para averiguações”. No julgamento, a corte rechaçou essa hipótese e reafirmou as semelhanças entre a preventiva e a temporária, utilizando critérios da primeira para formatar a segunda.

 

 

A principal crítica, todavia, ainda é sobre a “razão de existir” da prisão temporária. Para seus detratores, ela é incompatível com o conceito de sistema cautelar, que é baseado na presunção de inocência, ainda que se preserve a possibilidade de um indivíduo ser preso antes do fim do processo.

Nas análises mais otimistas coletadas pela revista eletrônica Consultor Jurídico, especialistas dizem que a prisão temporária ainda tem sua importância no decorrer da investigação, mas reconhecem que as mudanças no texto da lei diminuíram seu alcance.

Justificativas genéricas

Regulamentada pela Lei 7.960, que vigora desde 1989, a prisão temporária teve origem em uma medida provisória assinada pelo então presidente José Sarney. A norma foi inserida no ordenamento brasileiro com justificativas genéricas como o combate à criminalidade e o suposto aumento do número de crimes à época.

“A prisão temporária já surge com a marca da inconstitucionalidade, pois nasce de uma medida provisória, um meio ilegítimo de criar norma processual penal. Mas acabou se consolidando, em que pese o vício formal. Sem embargo, materialmente ela também se mostrou inconstitucional, pois virou uma prisão para obter confissão/colaboração do investigado, em flagrante violação da presunção de inocência e do direito de não autoincriminação”, afirma o criminalista Aury Lopes Jr., um crítico da prisão temporária.

O presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Renato Stanziola Vieira, segue pelo mesmo caminho: “Nós temos um vício de origem, de inconstitucionalidade formal. Ao meu juízo, isso não está superado.”

“Trata-se de um instituto ultrapassado, que mesmo quando introduzido no ordenamento sempre pareceu um ‘corpo estranho’, porque não é um instituto compatível com a presunção de inocência e com o direito a não se autoincriminar, garantias constitucionais consagradas”, diz o vice-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Leonardo Sica.

A origem e os vícios

Antes da Carta de 1988, a prática da prisão “para averiguações” era comum nas polícias — para elas, nada mais era do que uma forma de detenção para pressionar o indivíduo a “colaborar” com a investigação, seja com um depoimento, seja para produção de provas ou outra finalidade policial. A doutrina, todavia, diverge quanto à institucionalização da prisão “para averiguações” por meio da sanção da lei da prisão temporária, em 1989.

 

 

No Supremo, mesmo antes da tese firmada em 2022, houve diversos questionamentos à validade da norma. A decisão mais detalhada, no entanto, foi mesmo a de dois anos atrás, quando prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin, que determinou que a prisão temporária tem de seguir cinco requisitos cumulativos:

“1) For imprescindível para as investigações do inquérito policial; 2) Houver fundadas razões de autoria ou participação nos crimes dispostos na lei aprovada em 1989; 3) Justificativa de fatos novos; 4) For adequada à gravidade concreta do crime; e 5) Quando não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas”.

Na ação que tramitou no STF, houve discussões sobre a compatibilidade do instituto com a Constituição e, no final, a solução foi torná-lo “mais rígido”, adotando requisitos que eram típicos das prisões preventivas.

O professor e procurador da República Andrey Borges de Mendonça, estudioso do tema, tem ressalvas à argumentação de que a prisão temporária fere a presunção de inocência, mas acha a discussão válida. Ele cita outro ponto importante do debate: o standard (qualidade) das provas, fragilidade constante no Direito Penal brasileiro que fica mais evidente nos casos de prisão temporária.

“É uma decisão valorativa do legislador. Eles pensaram: ‘Como estamos no início de uma investigação, não temos provas suficientes em princípio, (temos) menos indícios de autoria’. Faz parte de uma investigação. Mas a prisão pode se tornar necessária por um determinado período de tempo”, diz Mendonça.

“É uma discussão. Se pode prender alguém com uma prova (com padrão) ‘mais baixa’ do que da prisão preventiva? Isso não é uma forma de burlar a temporária? Eu não defenderia isso, mas compreendo que é uma argumentação razoável.”

É raro, mas acontece muito

Na prática, no entanto, há uma quantidade considerável de casos em que não são observadas todas essas condições impostas pelo STF de forma cumulativa. Além disso, os requisitos são subjetivos e carecem de maior fiscalização (como no caso das preventivas), resultando inevitavelmente em ilegalidades.

“Hoje, o Estado possui inúmeros instrumentos para que se possa fazer uma investigação bem mais adequada sem a necessidade da prisão temporária. Essa medida é nada mais, nada menos do que um instrumento intimidador”, diz o advogado Fabio Menezes Ziliotti.

Um caso recente ilustra esse problema: em abril, um professor foi preso por um crime que havia sido cometido a 200 quilômetros de sua casa e de seu trabalho. A prisão temporária foi decretada apenas com base no reconhecimento fotográfico do homem pela vítima, e o Tribunal de Justiça de São Paulo soltou o acusado após pedido de Habeas Corpus.

Como se nota em outros casos semelhantes (HC 192.778, por exemplo), o reconhecimento pessoal ou fotográfico, que não tem eficácia comprovada e é questionado inclusive por membros do Ministério Público, é utilizado como “fundada razão de autoria” e respalda detenções temporárias.

Outra situação criticada por advogados é a prisão temporária que visa ao depoimento, o que é considerado ilegal. No dia a dia, todavia, é difícil fiscalizar se, de fato, o investigado é instado a depor logo após o cumprimento da medida cautelar.

Ziliotti propõe uma reflexão para demonstrar o tamanho do problema e a ineficácia da prisão temporária: “Quando o acusado é preso temporariamente, ele tem direito ao silêncio. E esse silêncio não pode ser utilizado em prejuízo do mesmo. Por isso a prisão temporária é desnecessária no Estado de Direito”.

Mesmo com o respaldo da lei pelo Supremo, “acredito que ela tem uma convivência que não merece prestígio porque não traz, concretamente, juízo de cautelaridade”, afirma Renato Vieira.

“O Supremo Tribunal Federal, para dizer que a lei de prisão temporária é constitucional, teve de se valer de argumentos próprios e específicos de prisão preventiva”, complementa o presidente do IBCCRIM.

A ideia da prisão para averiguação acabou rechaçada pela corte, mas a sua natureza cautelar e a própria eficácia do instituto não foram devidamente esclarecidas. “Se desde 1989 havia um vício de origem por ela suceder uma medida provisória, e havia o risco de ela ser vista como sucedâneo de prisão para averiguação, no frigir dos ovos, a prisão temporária não tem autonomia para subsistir em um regime de cautelaridade”, diz Vieira.

Útil, porém defasada

Logo que o Supremo estabeleceu as novas diretrizes para a prisão temporária, de certa forma tentando afastar do mecanismo a pecha de “prisão para averiguações”, o procurador Galtiênio da Cruz Paulino questionou, em artigo publicado na ConJur“Afinal, ainda existe prisão temporária?”.

Para Paulino, que também é membro-auxiliar na Assessoria Criminal do Superior Tribunal de Justiça, a existência de uma vertente da prisão preventiva “muito parecida” com a temporária esvaziou o instituto, mas ele ainda permanece com suas funções.

“Em determinados casos é necessária a prisão do investigado para colheita de provas relacionadas àquele fato, tanto que a prisão temporária tem tempo, e se o objetivo é atendido, a pessoa pode sair. A intenção em si não é forçar que alguém venha a tomar alguma outra atitude”, diz ele, discordando da argumentação de que o instituto é utilizado para coagir os investigados.

Paulino, no entanto, endossa a crítica de que o texto está defasado. Para ficar em um exemplo, a lei cita “quadrilha e bando” quando já há lei específica sobre organizações criminosas.

“O instituto e as nomenclaturas dispostas na lei são arcaicos”, diz o advogado Eugênio Malavasi, que não entende por que a prisão temporária permanece no ordenamento e sendo aplicada pelos juízos.

“Já se pode decretar prisão preventiva no curso das investigações, para garantir a investigação. Portanto, tornar-se-á despiscienda a lei da prisão temporária.”

Galtiênio Paulino cita mais um exemplo de obsolescência: “Se pegarmos na literalidade em si, alguns dispositivos já não poderiam ser aplicados. Se a gente pegar a decisão do Supremo, em tese, não caberia mais prisão temporária para crimes de organização criminosa, por exemplo”.

O procurador também destaca que, após a decisão do Supremo, não cabe mais o uso do mecanismo em determinados crimes que não têm pena maior do que quatro anos, tendo em vista que o tribunal determinou a aplicação do artigo 313 do Código de Processo Penal (que estabelece os parâmetros da prisão temporária).

“Tem alguns crimes na Lei 7.960 em que a pena é menor do que quatro anos. Ou seja, em tese, já que o Supremo mandou aplicar o artigo 313, não caberia mais a temporária para esses crimes”, diz Paulino, citando o caso do crime de sequestro e cárcere privado, que, pela lei, também não é passível de decretação de temporária.

O post Com texto defasado, prisão temporária envelhece mal e desafia sistema cautelar apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Entidades parafiscais pedem que STJ estenda tese sobre contribuição ao Sistema S

Em embargos de declaração, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça terá a oportunidade de reavaliar se o fim do teto de 20 salários mínimos para a base de cálculo das contribuições ao Sistema S deve ser aplicado para todas as entidades parafiscais.

O pedido foi feito, até o momento, em petições da Apex-Brasil, em causa própria, e do Sebrae, em favor de todas as entidades que, em teoria, poderiam ser beneficiárias da tese vinculante firmada pelo colegiado.

Sebrae entende que também é merecedor do fim do limite de 20 salários mínimos – Divulgação

Elas fazem parte do grupo de entidades privadas que atuam em prol do interesse público e que, por esse motivo, são destinatárias dos valores recolhidos das empresas, a depender do ramo produtivo em que se inserem.

Seis dessas entidades atuaram no julgamento da 1ª Seção como amici curiae (amigas da corte), o que as habilita a ajuizar embargos de declaração.

 

A extensão da tese chegou a ser debatida, em voto-vista do ministro Mauro Campbell. Ele propôs eliminar o limite de 20 salários para contribuições voltadas ao custeio de outras onze entidades parafiscais:

  • Salário-Educação
  • Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA
  • Diretoria de Portos e Costas do Ministério da Marinha – DPC
  • Fundo Aeroviário
  • Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Médias Empresas – SEBRAE
  • Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR
  • Serviço Social do Transporte – SEST
  • Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT
  • Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – SESCOOP
  • Agência de Promoção de Exportações do Brasil – APEX-Brasil
  • Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI

A maioria no STJ, no entanto, entendeu que o recurso devolvido para aplicação se restringiria apenas à situação das integrantes do Sistema S, conforme o voto da ministra relator Regina Helena Costa.

Teses filhotes

Seria possível estender a tese também porque a lei que fixou o limite de 20 salários mínimos tratou, genericamente, de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”. Assim, o que vale para o Sistema S seria válido também para as demais.

Evitar a extensão certamente vai gerar o fenômeno das teses-filhotes: cada uma das 11 entidades não agraciadas terá de defender nas instâncias ordinárias a posição, até eventualmente chegar ao STJ, para uniformização.

“A limitação ao Sistema S clássico inclusive não trará pacificação social ou jurisprudencial, considerando que quase a totalidade dos processos suspensos/sobrestados pelo tema 1.079 tratam de diversas exações”, diz a petição do Sebrae.

Já a Apex-Brasil informa que está em situação idêntica às entidades do Sistema S, na condição de destinatária das contribuições parafiscais devidas a terceiros. Assim, as razões de decidir serão fatalmente as mesmas.

A entidade destaca que não inclui-la na tese vai deixar margem para que empresas continuem ajuizando ações com o objetivo de limitar as contribuições, o que vai movimentar a máquina do Judiciário indevidamente e impedir a pacificação necessária.

REsp 1.898.532
REsp 1.905.870

O post Entidades parafiscais pedem que STJ estenda tese sobre contribuição ao Sistema S apareceu primeiro em Consultor Jurídico.

Comissão aprova projeto que torna ato ilícito o abandono afetivo

A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família aprovou o Projeto de Lei 3012/23, da deputada Juliana Cardoso (PT-SP) que torna ato ilícito o abandono afetivo de filhos por pai, mãe ou representante legal, desde que efetivamente comprovadas as consequências negativas do abandono.

Os Impactos para os Setores de Turismo, Hotéis e Eventos com as Publicações das Medidas Provisórias 1.202/2023 e 1.208/2024. Dep. Laura Carneiro (PSD - RJ)
Laura Carneiro: “Abandono afetivo é grave, mesmo com ajuda financeira” – Mário Agra/Câmara dos Deputados

Segundo o Código Civil, o ato ilícito é uma ação ou omissão que viola a lei e causa dano a alguém, com possibilidade de ser preciso reparar o dano. A proposta traz alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil para prevenir e compensar o abandono afetivo.

A possibilidade de penalizar também o representante legal (que pode ser o avô, a avó, o tio, a tia, o irmão) pelo dano causado pelo abandono afetivo foi incluída por recomendação da relatora da proposta, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).

Ela também inclui no texto a necessidade de comprovar as consequências negativas do abandono para que seja considerado ato ilícito. “É preciso que o magistrado tenha cautela ao decidir e veja cada caso de forma específica, para que a indenização não seja vista apenas como uma ‘monetarização do afeto’”, disse.

Segundo a deputada, o abandono afetivo é grave, mesmo com a ajuda financeira. “O menor necessita de amor e carinho tanto quanto necessita de dinheiro para seu sustento, visto que ele pode crescer com os melhores bens materiais, mas não tem o afeto que precisa do genitor para crescer de maneira saudável.”

Conselho tutelar
O conselho tutelar deverá adotar medidas para prevenir o abandono afetivo de crianças e adolescentes por seus pais. Os conselheiros poderão notificar pai ausente para aconselhamento ou outro encaminhamento, inclusive indenização por danos pelo abandono afetivo.

Pela proposta, o Poder Público promoverá campanhas de conscientização e prevenção do abandono material e afetivo, com ênfase na responsabilidade compartilhada e na participação ativa de ambos os pais na criação dos filhos.

Próximos passos
A proposta ainda será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Câmara dos Deputados

Mudança cultural e reforma na lei fazem explodir as recuperações extrajudiciais

Uma recente mudança na cultura de consensualismo no Brasil fez com que os números de pedidos de recuperações extrajudiciais explodissem nos últimos três anos. Esse aumento também é um resultado da reforma da Lei de Falências, que entrou em vigor em 2021.

Impulsionado por mudanças culturais e legislativas, número de recuperações extrajudiciais disparou nos últimos 3 anos – Mteerapat/Freepik
 

Dados colhidos pelo Observatório Brasileiro de Recuperações Extrajudiciais (Obre) mostram que, entre 2006 e 2024, houve 138 pedidos desse tipo de ferramenta empresarial, sendo que 84 deles (61%) foram registrados após a mudança na lei.

 

 

 

Outro número que mostra esse crescimento é o total de pedidos por ano. Em 2021 e 2022, houve 17 pedidos em cada ano. Em 2023, esse número saltou para 40 (aumento de 135%), e em 2024 já foram feitas dez solicitações de homologação de pedido de recuperação extrajudicial  a mais ruidosa delas foi a do Grupo Casas Bahia, que tenta organizar uma dívida de mais de R$ 4 bilhões.

Somente em São Paulo foram registrados 40 pedidos desde a reforma — entre 2006 e 2021, foram apenas 27 as solicitações no estado. Os paulistas lideram o ranking de pedidos, seguidos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Em termos de valor das causas, o Rio está à frente, com mais de R$ 2 bilhões em média por processo.

 

Reorganização financeira parcial

A recuperação extrajudicial funciona como uma espécie de reorganização financeira parcial da empresa. É menos burocrática e mais barata do que a recuperação judicial, já que não precisa de intervenção constante do Judiciário, que é o responsável pela sua homologação. O plano extrajudicial permite que as empresas negociem com os credores (ou pelo menos com os que julgam serem os mais importantes) de forma autônoma e sem determinadas amarras, sem prejuízo de uma posterior decretação de recuperação judicial ou falência.

São fortes os indícios no Judiciário de que as empresas têm preferido tentar resolver seus problemas financeiros pela via extrajudicial antes de apelar a um plano de RJ. No entanto, o instituto tem algumas limitações. Créditos trabalhistas (com algumas exceções), tributários e oriundos de cessão ou alienação fiduciária não estão sujeitos à recuperação extrajudicial. E determinados tipos de empresas, como as que operam planos de saúde, não podem requerer o instrumento.

“Até a reforma, a gente tem um número bastante pequeno de recuperações extrajudiciais. A partir da mudança, alguns ajustes foram feitos e as extrajudiciais começaram a ficar mais interessantes, até porque a lei incentiva a autocomposição do devedor com seus credores”, comenta a advogada Juliana Biolchi, especializada no tema e diretora-geral do Obre. Ela cita a reforma de 2021 como um fator que mudou a cultura empresarial e impulsionou as recuperações extrajudiciais.

A mudança na norma promoveu certos incentivos ao instrumento, como a redução do quórum mínimo para a aprovação do plano e a simplificação dos processos, suprimindo obrigações como a de publicar o edital de convocação dos credores em jornal de grande circulação. O texto também estabeleceu a possibilidade de stay period (suspensão das ações e execuções) no instituto.

“Estamos começando a ver os resultados da reforma agora”, diz Juliana. “É uma mudança cultural. Um movimento lento, porém dentro de um conserto maior de incentivo à autocomposição que existe em todo o Direito. Um movimento paulatino e orgânico.”

Esse crescimento ocorre ao mesmo tempo em que o próprio Judiciário faz um esforço para impulsionar soluções consensuais, retirando certas responsabilidades da Justiça, que está abarrotada e onde o tempo de tramitação é relativamente alto. Segundo Juliana, a ascensão das recuperações extrajudiciais se deve a uma soma de fatores, como a tentativa de contorno dessa morosidade e um incentivo maior ao protagonismo das partes na solução de conflitos.

“O mercado está consciente de que o tempo do Judiciário, em alguns casos, não atende à celeridade necessária para que as operações sejam exitosas, e isso faz com que busquem formas alternativas de autocomposição — sem deixar de observar a segurança jurídica necessária ao cumprimento das condições de pagamento propostas”, diz a advogada Lívia Gavioli Machado, especializada em insolvência. “O que se busca é a segurança jurídica através da chancela judicial, de outro modo seria apenas um acordo privado. Contudo, o grande desafio está no equilíbrio entre a autonomia da vontade das partes e a mínima intervenção do Poder Judiciário.”

 

Negociação em foco

Está consolidado no imaginário popular que o Poder Judiciário é uma espécie de arena em que dois polos se enfrentam. Ocorre que esse embate muitas vezes é lento, caro e prejudicial para todos, incluindo a própria Justiça.

Não foi à toa que a reforma de 2021 impulsionou as negociações entre credores e devedores. Nessa esteira, já surgiram iniciativas semelhantes em outras áreas, como a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso) e o Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal Superior do Trabalho (Cejusc/TST).

“A recuperação judicial ‘vingou’ mais em 2005 (ano de aprovação da Lei de Falências) do que a extrajudicial porque a gente nunca teve uma cultura de negociação em que pudesse ter o ganha-ganha. Essa cultura foi amadurecendo a partir da recuperação judicial. Não estamos tão maduros assim, mas já está melhor”, afirma a advogada Tatiana Flores, sócia do escritório LDCM Advogados.

Ela cita como um exemplo prático os grandes bancos, que, via de regra, são inflexíveis quando estão na posição de credores. No entanto, segundo Tatiana, as instituições financeiras começaram a perceber que estavam perdendo tempo e dinheiro em recuperações judiciais que, muitas vezes, terminavam em negociação entre as partes.

A advogada diz que o caso do Grupo Casas Bahia é um marco por causa desse movimento. “Instituições absolutamente tradicionais como o Banco do Brasil e o Bradesco (principais credores da varejista) já começaram a sua negociação. Ou seja, elas já previram que uma reestruturação organizada e bem feita vai ser melhor para elas. Isso mostra que você pode ter uma situação mais célere para o credor e para o próprio devedor.”

“Ainda que os empresários utilizem das medidas de recuperação para superar uma crise financeira, mesmo com tais remédios é necessário negociar”, afirma o advogado Bruno Boris, professor de Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. De acordo com ele, os empresários perceberam que, com a recuperação extrajudicial, há mais possibilidades de manter a atividade econômica de seus negócios.

“O devedor sabe que não pode pedir um deságio tão considerável que valha mais a pena para o credor optar pela quebra da empresa, mas também não tão insignificante que não lhe permita transpor esse momento complicado. Isso exige concessões mútuas e muito do know-how desenvolvido na cultura da mediação e conciliação é aplicado nessas situações”, diz Boris.

João Loyo de Meira Lins, sócio do Serur Advogados, é mais pragmático quanto à influência dos mecanismos de solução de conflitos no crescimento das recuperações extrajudiciais. Para ele, as vantagens do acordo para as partes ainda norteiam esse movimento, e não necessariamente a ampliação de uma cultura de consensualismo.

“Essas mudanças normativas podem, é verdade, contemplar questões ligadas à busca por autocomposição e até mesmo pela redução da intervenção judicial”, afirma Lins. “Mas, aparentemente, elas surtem efeitos concretos quando o direito posto passa a prever condições e mecanismos que sinalizam para as vantagens do acordo no caso concreto. A mera menção a valores abstratos de consensualismo, seja na lei ou na jurisprudência, ainda não parece suficiente para criar essa cultura em um Brasil tradicionalmente marcado pela litigiosidade.”

 

As discussões a partir do crescimento

O crescimento das recuperações extrajudiciais trouxe consigo o aumento de questionamentos de certas práticas, tendo em vista que o instituto nunca foi tão utilizado quanto é hoje. Lívia Gavioli afirma que há a necessidade de cautela na negociação entre devedores e credores, em especial na modalidade impositiva, para evitar distorções.

“Em que pese a celeridade almejada através da composição anterior com os credores de cada espécie, não é possível deixar de observar que, na modalidade impositiva, as condições apresentadas se aplicam a todos os credores sujeitos, mesmo os não aderentes. Isso demanda atenção, não só aos requisitos formais, dispostos nos artigos 162 a 164, mas também o cuidado na análise da origem dos créditos para garantir que todos os aderentes, de fato, são credores”, alerta ela.

Segundo a advogada, o juiz deve dispor de um auxiliar para analisar os documentos, para, dessa maneira, diminuir as assimetrias e permitir “que todos os credores tenham elementos suficientes para apresentar as eventuais impugnações”.

Meira Lins, por sua vez, diz que, a despeito do nome, o instituto não deixa de ser um processo judicial. “Existe, portanto, menos controle, tanto pelo Judiciário quanto pelos demais credores, das etapas que antecedem a apresentação e a homologação do plano. Isso se reflete em discussões sobre possíveis fraudes e nulidades ou o direito de impugnação ao plano por aqueles credores que se sentirem prejudicados.”

Já Tatiana Flores aponta um questionamento em relação à doutrina que tem sido frequente: o uso do financiamento DIP (debtor-in-possession, na sigla em inglês) para os devedores em recuperação extrajudicial. O termo diz respeito à possibilidade de contratação de financiamento por empresa que tenta se reestruturar.

“Ainda há dúvida sobre o DIP em casos extrajudiciais. Tem fundamento legal, mas a questão toda é a consequência disso, que é pensar um instrumento da recuperação extrajudicial de forma finalística. Lembrando que, diferentemente da RJ, se não homologar, a empresa não vai falir.”

O post Mudança cultural e reforma na lei fazem explodir as recuperações extrajudiciais apareceu primeiro em Consultor Jurídico.