Comissão aprova projeto que destina valores de acordos judiciais para combate ao câncer

A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou, em dezembro, proposta que destina a programas de prevenção e combate ao câncer valores arrecadados pelo governo federal com os acordos de não persecução penal.

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Laura Carneiro (PSD - RJ)
Laura Carneiro incluiu as alterações no Código de Processo Penal

Os acordos de não persecução penal podem ser firmados entre o Ministério Público e acusados por crimes menos graves, sem violência, com pena máxima de quatro anos. No acordo, a pessoa confessa o delito para evitar o início do processo judicial, sendo obrigada, no entanto, a cumprir condições como reparar o dano à vítima, pagar valores à administração pública, abrir mão de bens, fazer trabalho comunitário ou outras penalidades.

Foi aprovado o substitutivo da relatora, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), ao Projeto de Lei 4021/21 , do deputado Weliton Prado (Solidariedade-MG).

A deputada afirmou que a medida contribui para o uso dos recursos públicos de forma eficiente e planejada.

“A proposta pretende corrigir distorções relacionadas à destinação de recursos públicos para a área da saúde, especialmente diante dos desafios crescentes que se colocam no combate ao câncer”, pontuou a relatora.

Ao contrário do projeto original, o novo texto propõe incluir as alterações no Código de Processo Penal em vez de criar uma nova lei. O substitutivo também deixa de prever expressamente a destinação, para os programas de câncer, de valores arrecadados com condenação judicial criminal ou cível.

Próximas etapas
A proposta segue para a análise, em caráter conclusivo, da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Mesmo sem notificação prévia, seguradora não deve indenizar segurado que ficou muito tempo sem pagar

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não é devido o pagamento de indenização securitária quando, apesar de não ter havido comunicação prévia da seguradora sobre a resolução do contrato, o segurado ficou inadimplente por longo período antes da ocorrência do sinistro.

Segundo o processo, foi contratado um seguro em 2016, com vigência de cinco anos, mas o segurado pagou apenas oito das 58 parcelas acordadas no contrato. Em 2019, ocorreu o sinistro, e o segurado exigiu a indenização.

Diante da negativa da seguradora, amparada na falta de pagamento das parcelas, o segurado ajuizou a ação de cobrança, que foi julgada improcedente. O tribunal de segunda instância, entretanto, reformou a sentença por entender que a seguradora não comprovou a prévia comunicação ao segurado a respeito do atraso no pagamento.

No recurso especial dirigido ao STJ, a seguradora sustentou que a indenização não seria devida em razão do longo tempo em que o segurado permaneceu inadimplente.

Seguradora precisa notificar o segurado sobre o atraso das parcelas

A relatora, ministra Nancy Andrighi, apontou que o artigo 763 do Código Civil (CC) determina que o segurado que estiver em atraso com o pagamento não terá o direito de receber a indenização se o sinistro ocorrer antes da regularização do débito. Todavia, ela lembrou que a Segunda Seção adotou o entendimento de que, para se configurar a inadimplência tratada no dispositivo legal, é necessário que o segurado seja previamente notificado.

Essa posição está sedimentada na Súmula 616 do STJ, que dispõe que a indenização deve ser paga pela seguradora se ela não tiver enviado ao segurado a notificação prévia sobre o atraso das parcelas. “A lógica do entendimento é evitar a desvantagem exagerada para o segurado impontual, de forma conciliadora e razoável”, acrescentou a ministra.

Por outro lado, a relatora destacou que o STJ tem afastado excepcionalmente a aplicação da súmula nos casos em que o segurado está inadimplente por longo período e a seguradora não conseguiu comunicar a rescisão unilateral do contrato.

Conforme enfatizou a ministra, não há um prazo exato de inadimplência para afastar a súmula e admitir que a seguradora se recuse a pagar a indenização. Por isso, o tempo de atraso não pode ser a única condição a ser observada, sendo necessário analisar o contexto de cada caso, disse ela. De acordo com Nancy Andrighi, além do tempo de inadimplência, devem ser verificados outros aspectos, como o início de vigência do contrato, o percentual da obrigação que já foi cumprido e as condições pessoais do segurado, entre outros.

Comportamento do segurado violou o princípio da boa-fé  

Ao dar provimento ao recurso da seguradora, a ministra ressaltou que, no caso, houve inadimplemento substancial e relevante do contrato, pois o segurado quitou apenas os oito primeiros meses e ficou sem pagar por 23 meses até a ocorrência do sinistro. Além disso, ela destacou que o segurado, por ser pessoa jurídica, tem conhecimento técnico suficiente para lidar com suas obrigações contratuais.

A relatora também enfatizou que, mesmo com a falta de comunicação ao segurado sobre a inadimplência, admitir o pagamento do prêmio sob essas circunstâncias desprezaria os deveres de boa-fé que são exigidos no cumprimento contratual.

“Em respeito ao princípio da boa-fé, não se pode admitir que a Súmula 616, que busca proteger o consumidor de uma onerosidade excessiva quando houver um mero atraso de pagamento, seja utilizada para fins espúrios, desviando-se de sua real finalidade de proteção ao consumidor, além de comprometer o equilíbrio contratual e a confiança entre as partes”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.160.515.

Fonte: STJ

Resolução de BC e CVM simplifica manutenção de investimentos no Brasil

A partir deste ano, pessoas físicas não residentes poderão fazer investimentos por meio de uma única conta

Em 1º de janeiro de 2025, entraram em vigor as novas regras referentes à manutenção de investimentos financeiros no Brasil por parte de não residentes fiscais. Este sempre foi, inclusive, um dos pontos de maior preocupação por parte de pessoas físicas que procedem com a saída definitiva do Brasil para fins fiscais.

Como se sabe, a pessoa física que deseja obter o status não residente fiscal no Brasil deve observar certas obrigações acessórias dispostas na Instrução Normativa da Receita Federal 208, de 10/10/2002. De acordo com o artigo 3º, parágrafo 2º, de tal diploma normativo, uma vez adquirido o status de não residente fiscal no Brasil, a pessoa física que recebe rendimentos de fonte situada no território nacional deve comunicar sua situação fiscal, por escrito, à fonte pagadora, para que esta proceda com a retenção na fonte da tributação aplicável.

Tendo em vista que instituições financeiras, como bancos e corretoras, são fontes pagadoras de rendimentos como dividendos, juros, entre outros, é necessário que sejam comunicadas do status da residência fiscal do então titular da conta nelas mantida, em cumprimento ao que determina a Instrução Normativa RFB 208/2002.

Ocorre que, em razão de regras estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), não residentes fiscais possuem condições próprias para a manutenção de recursos investidos no Brasil. Até 31/12/2024, havia dois diferentes tipos de contas para não que residentes fiscais brasileiros mantivessem recursos no país, a depender do tipo de investimento desejado:

  1. Conta de Não Residente (CNR, antiga Conta de Domiciliado no Exterior) e;
  2. Conta “4.373”, que recebe este nome por ter sido instituída pela Resolução 4.373, de 29/9/2014, do CMN.

Por meio da CNR, investidores não residentes no Brasil podiam receber e realizar pagamentos em moeda nacional, além de manter investimentos em poupança, Certificado de Depósito Bancário (CDB) da própria instituição financeira em que é mantida a conta, e produtos de previdência privada também disponibilizados por essa mesma instituição financeira.

Já no caso de investidores não residentes que desejassem manter outros investimentos financeiros, como ações em bolsa e cotas de fundos de investimento, era necessário abrir uma Conta 4.373.

Em razão de as instituições financeiras atuarem como representantes legais/fiscais de investidores não residentes detentores da Conta 4.373 perante o Banco Central, CVM e Receita Federal, o que atrai maiores custos de conformidade, sempre foi comum que cobrassem taxas mais altas para sua manutenção, quando não rejeitavam a abertura de tal conta.

Para os investidores não residentes, além da obrigação de constituição de representante legal/fiscal (no caso, instituição financeira ou pessoa autorizada pelo BC), havia, ainda, a necessidade de registro na CVM e, no caso de pessoas jurídicas, fundos ou outras entidades de investimento coletivo, a constituição de um agente custodiante autorizado pela CVM, já que esta obrigação às pessoas físicas foi dispensada com a publicação da Resolução CMN 4.852, de 27/8/2020.

Com a entrada em vigor da Resolução Conjunta 13, de 3/12/2024, o investimento no Brasil por parte de não residentes recebe novos contornos, que podem ser sintetizados da seguinte maneira:

  • Manutenção de apenas uma conta para não residentes: a partir de 2025, o investidor não residente poderá realizar todos os seus investimentos a partir de uma única conta, sendo esta a conta CNR, com as mesmas condições aplicáveis às contas de titularidade de residentes.
  • Necessidade de constituição de representante e registro na CVM para investir: o art. 6º da Resolução Conjunta 13 prevê a necessidade de o investidor não residente, previamente ao início de suas operações, constituir um ou mais representantes no país, bem como obter o registro na CVM, nos termos da regulamentação específica.
  • Os requisitos do art. 6 são, contudo, excepcionados no caso de pessoa jurídica não residente que investe em ativos financeiros a partir de conta CNR em reais mantida no país, de sua própria titularidade, conforme art. 14 da Resolução Conjunta 13.
  • Já nos casos de pessoa natural não residente, de acordo com o art. 16 da Resolução Conjunta 13, o requisito de constituição de representante(s) é afastado:
    • no caso de aplicação em ativos financeiros e valores mobiliários a partir de conta CNR em reais mantidas no país, de sua própria titularidade e com utilização de recursos próprios; e
    • no caso de aplicação em ativos financeiros não efetuadas a partir de CNR em reais mantida no país, de sua própria titularidade, quando o total de aportes mensais não ultrapassa R$ 2 milhões por meio de cada intermediário.
  • Quanto ao requisito de registro na CVM para pessoa natural não residente,
    este também poderá ser afastado, observados os requisitos cadastrais
    estabelecidos por tal comissão.
  • Diferenciação entre ativos financeiros e valores mobiliários: a Resolução Conjunta n. 13, em diversas oportunidades, faz menção a ativos financeiros e valores mobiliários, de modo a distingui-los. Isso fica ainda mais evidente quando observamos o teor dos art. 14 e 16, que conferem a pessoas jurídicas e pessoas naturais não residentes exceção à necessidade de constituir representante no país e registro na CVM para diferentes tipos de investimentos.
  • O próprio art. 14, em seu parágrafo único, determina que a exceção a pessoas jurídicas não residentes da obrigação de constituir representante e obter registro na CVM não se aplica a valores mobiliários sujeitos ao disposto na Lei n. 6.385, de 7.12.1976, como as ações listadas em bolsa, debêntures, bônus de subscrição, certificados de depósitos de valores mobiliários, notas comerciais, contratos derivativos, entre outros.
  • Os ativos financeiros, por sua vez, são os demais ativos que não compreendam valores mobiliários, como o CDB, poupança, letras de crédito etc.
  • Fim do RDE-Portfólio: o investimento realizado por não residentes no Brasil é controlado pelo Banco Central por meio de um sistema denominado Registro Declaratório Eletrônico (“RDE”). Atualmente, há 4 diferentes módulos do RDE, a depender do tipo de investimento realizado.

Para investimentos em aplicações financeiras, o módulo utilizado até 31/12/2024 era o RDE-Portfólio, que será descontinuado, não sendo necessária qualquer providência por parte de investidores. Os registros já realizados, contudo, permanecerão disponíveis para consulta até 31/12/2025.

Para o caso específico de pessoas físicas que procedem com a saída definitiva do Brasil para fins fiscais, uma questão que se coloca diz respeito à tributação aplicável aos investimentos mantidos no Brasil.

De acordo com o art. 85 da Instrução Normativa RFB 1.585, de 31/8/2015, os residentes e domiciliados no exterior sujeitam-se às mesmas normas de tributação pelo imposto de renda previstas para os residentes e domiciliados no país com relação aos rendimentos de alguns investimentos financeiros, como os decorrentes de aplicações de renda fixa e em fundos de investimento.

Porém, nos arts. 88 e 89 do mesmo ato normativo, há previsão de um regime especial de tributação para investidores residentes ou domiciliados no exterior, conferindo tratamento tributário mais favorável do que aquele conferido aos residentes e domiciliados no país para determinados investimentos.

É o caso, por exemplo, da alíquota de imposto de renda aplicável aos rendimentos de aplicações nos fundos de investimento em ações que, para os residentes e domiciliados no país, é de 15%, ao passo que, para investidores residentes ou domiciliados no exterior, é de 10%.

De acordo com a redação vigente do art. 88 da Instrução Normativa RFB 1.585/2015, duas são as condições a serem cumulativamente atendidas por um residente ou domiciliado no exterior para que usufrua do regime especial de tributação:

  1. realizar operações financeiras no país de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo CMN; e
  2. não ser residente ou domiciliado em país com tributação favorecida.

O item 1 se referia justamente à Conta 4.373, no sentido de ser necessário realizar operações financeiras no país por meio dela para que o investidor residente ou domiciliado no exterior pudesse aproveitar o regime especial de tributação, desde que também atendido o requisito do item 2.

Ocorre que, como visto, a Resolução Conjunta 13 propõe uma CNR única para que não-residentes possam investir no Brasil, não existindo mais a figura da Conta 4.373 para investimentos financeiros específicos.

Assim, para que seja possível ao não residente aproveitar o regime especial de tributação de investimentos financeiros, basta que não seja residente ou domiciliado em país com tributação favorecida e detenha uma CNR em reais por meio da qual são movimentados recursos próprios.

Fonte: Jota

Prazo de caducidade da desapropriação comum não se aplica no caso de terras quilombolas

Para o ministro Paulo Sérgio Domingues, as desapropriações têm função reparatória e visam corrigir injustiças históricas (na foto, comunidade quilombola perto de Poções, na Bahia).

​A desapropriação para comunidades quilombolas tem caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, não se aplicando a esse procedimento os prazos de caducidade das desapropriações comuns.

Com esse entendimento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que aplicou o prazo de dois anos, previsto no artigo 3º da Lei 4.132/1962, para declarar a caducidade do decreto de desapropriação por interesse social de um território quilombola em Mato Grosso, uma vez que a União só ajuizou a ação nove anos após a edição do decreto.

“As desapropriações quilombolas têm uma função reparatória e visam corrigir injustiças históricas, além de promover direitos humanos e garantir direitos fundamentais. O processo de titulação das terras quilombolas, portanto, não pode ser regido cegamente pelos mesmos prazos e regras aplicáveis às desapropriações convencionais”, disse o relator do caso no STJ, ministro Paulo Sérgio Domingues.

Preservação do direito fundamental à identidade cultural e territorial

O ministro explicou que os prazos de caducidade para as desapropriações têm o objetivo de evitar a indefinição jurídica e a sujeição da propriedade privada ao poder de império do Estado por tempo indeterminado.

Segundo o relator, o assunto já foi enfrentado pelo STJ em outras situações, mas merece um novo olhar especialmente diante das balizas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 3.239, em 2018. Na ocasião, ressaltou, o STF entendeu que o Decreto 4.887/2003 – que regulamenta o processo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas – é um decreto autônomo que retira sua validade diretamente da Constituição Federal, mas não prevê prazo para caducidade da desapropriação.

“No contexto das comunidades quilombolas, o principal objetivo é a preservação do direito fundamental à identidade cultural e territorial, de forma que a aplicação de prazos que comprometam a eficácia desse direito fundamental, quando já identificado e reconhecido pelo próprio Estado, não se justifica, ainda mais à luz do entendimento do STF sobre o tema”, ponderou.

Natureza especial do processo de titulação das terras quilombolas

Na avaliação do relator, os institutos jurídicos não previstos no Decreto 4.889/2003 somente podem ser aplicados se compatíveis com a essência e a finalidade do contexto protetivo e afirmativo da política pública em prol das comunidades quilombolas.

Para Domingues, o silêncio do Decreto 4.887/2003 sobre um prazo de caducidade não deve ser entendido como lacuna normativa a ser preenchida por outras normas. “Ao contrário, entendo que reflete uma escolha deliberada ao normatizar e tratar essa modalidade de desapropriação. Esse silêncio está alinhado com a natureza especial do processo de identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas, que envolve a ocupação tradicional e a proteção de um direito constitucional fundamental”, ponderou.

O ministro lembrou ainda que a desapropriação não se destina à declaração ou ao reconhecimento de direitos, uma vez que eles já foram previamente reconhecidos no curso do procedimento administrativo. Esse momento, observou, é o processo final e formal que possibilita a transferência de titularidade das terras de forma definitiva às comunidades quilombolas, bem como concede indenização aos detentores da propriedade.

“O Decreto 4.887/2003 cumpre a função de regulamentar o processo de titulação das terras quilombolas, assegurando a proteção dos direitos constitucionais dessas comunidades sem a submissão a prazos de caducidade que comprometam a plena realização desses direitos, pois a especialidade normativa das desapropriações de terras quilombolas justifica o tratamento diferenciado, revelando-se incompatível com a fixação de prazo de caducidade ao ato administrativo que reconhece a propriedade como pertencente às comunidades quilombolas”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.000.449.

Fonte: STJ

Critérios de similaridade para ex-tarifários na Resolução nº 512/2023

Em artigo publicado na coluna Contencioso Aduaneiro (link[1], no site do IPDA, discutiu-se a constitucionalidade da exigência de projeto de investimento para o pleito do ex-tarifário introduzida pela Resolução Gecex nº 512/2023. De fato, embora a intenção de alinhar o rebaixamento da barreira tarifária à política de desenvolvimento nacional seja amplamente legítimo, há espaço para se discutir a constitucionalidade da exigência imposta aos importadores. Aproveita-se o debate levantado pelo autor para se trazer à discussão da comunidade aduaneira outra ordem de restrição, relativa aos critérios para o reconhecimento da dissimilaridade dos produtos a serem nacionalizados com relação àqueles produzidos em território nacional.

Enquanto a antiga Resolução Gecex n° 309/2019, ora revogada, previa expressamente a utilização, entre outros, do “preço” e o “prazo de entrega” do produto como critérios de discrímen aptos a fundamentar a dissimilaridade para fins de concessão de reduções tarifárias, para fins de excepcionar a Tarifa Externa Comum (TEC), a Resolução Gecex n° 512/2023 foi omissa quanto aos critérios de apuração de existência de similaridade com produtos nacionais, o que dá ensejo ao risco de uma indevida discricionariedade na realização da análise por parte da Administração.

Tais critérios não podem ser desconsiderados mesmo diante do silencia da nova regra administrativa, pois estão textualmente definidos pelo artigo 4º, §2º, da Lei n° 3.244/1957, sendo possível, ainda, a menção ao artigo 18, inciso I do Decreto-Lei n° 37/1966 e ao artigo 190 do Decreto n° 6.759/2009, em prestígio à unicidade do Direito – e aqui se reporta a um subsistema em particular, o aduaneiro. Para estes diplomas, o “preço” e o “prazo de entrega” da mercadoria são elemento obrigatórios, vinculantes e explícitos da análise técnica.

Logo, a decisão sobre um pleito formulado por um importador pode ser positiva ou negativa, mas não pode ignorar os critérios definidos em lei, uma vez que os limites da discricionaridade do agente público quanto ao proxy da norma estão definidos em material legislativo, devendo a decisão ser constrangida pela legalidade.

Se os ex tarifários são uma medida voltada a reduzir a barreira tarifária sobre determinados bens que não possuam produção equivalente no Brasil, adota-se internacionalmente o critério da similaridade: não havendo produção doméstica de bem similar, inexiste motivo para se manter a proteção comercial caracterizada pela cobrança do imposto de importação.

No entanto, é necessário que a similaridade contemple aspectos relacionados não apenas às qualidades e especificações dos produtos, como também a outros critérios como o preço, as condições de venda, os prazos de entrega.

Aventa-se a incomparabilidade de dois produtos que, apesar de apresentarem o mesmo nome e qualificação, sejam vendidos por valores completamente diferentes: por exemplo, uma caneta de uso cotidiano está profundamente distante no elo concorrencial de uma caneta de luxo. Da mesma forma, uma disponibilidade imediata para envio do produto não se assemelha, do ponto de vista comercial, a uma mercadoria que apenas poderá ser enviada dentro de três meses.

Assim, o exame de similaridade visa estabelecer a natureza e extensão da relação competitiva entre produtos, devendo ser feita caso a caso, motivo pelo qual, de maneira exemplificativa, o Regulamento Aduaneiro brasileiro de 2009 dedica a sua Seção VII ao exame de similaridade, de modo a considerar similar aquele produto que detém as condições para substituir o importado.

E não poderia ser diferente, pois tanto o Acordo de Valoração Aduaneira como a legislação brasileira determinam que o preço deve ser necessariamente considerado na avaliação de similaridade.

Tal exigência, incorporada pela legislação brasileira e proveniente de compromissos assumidos pelo Brasil na comunidade do comércio internacional, ocorre por uma questão mais econômica e lógica do que jurídica: um bem com preço muito superior não compete e nem deve ser considerado apto a substituir outro, pois será um fator determinante levado em consideração na tomada de decisão por parte do adquirente. Para manter o exemplo acima, não se vislumbra qualquer concorrência ou sobreposição de mercados entre as bolsas vendidas no mercado de luxo com aquelas de uso quotidiano comercializadas em lojas de departamento.

Para aprofundar o exemplo normativo, a interpretação harmônica do artigo 190 do Decreto nº 6.759/2009 com o Gatt revela aquilo que o caput do artigo chama de “regras básicas” a serem observadas: (1) qualidade equivalente e especificações adequadas à finalidade a que se destina; (2) preço não superior ao custo de importação; e (3) prazo de entrega “normal ou corrente” para o mesmo tipo de mercadoria.

Tais regras possibilitam se aferir uma similaridade em grau mínimo de suficiência: poderá a Camex complementar, caso queira, o percurso hermenêutico-argumentativo por meio de outros dados, critérios e ferramentais metodológicos, desde que não conflitantes com as demais regras mínimas de aplicação (entre as quais se encontra aquela que determina, como critério obrigatório de aferição, o preço).

Comparação

Por todos estes motivos, a Resolução Gecex n° 309/2019, em sintonia com os critérios legais, ao dispor a respeito das regras procedimentais de análise dos pleitos de redução temporária do imposto de importação na condição de ex-tarifário, determinava os critérios de comparação entre os produtos nacionais e importados em seu artigo 13, entre os quais se encontrava o preço e o prazo de entrega.

Tais elementos de comparação deixaram de constar expressamente na norma de 2023, ainda que continuem sendo um critério vinculante determinado pela legislação aduaneira em vigor:

Resolução Gecex n° 309/2019Resolução Gecex n° 512/2023
Art. 13. Para fins de apuração e análise comparativa de existência de produção nacional equivalente, somente se considerará que há produção nacional equivalente à do bem importado considerado quando o bem nacional apresentar:Art. 13. A apuração da existência de produção nacional equivalente será feita por meio de Consulta Pública na página eletrônica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços na internet, nos termos das Seções III e IV, do Capítulo II, desta Resolução, sem prejuízo de outros meios comprobatórios, tais como:
I – Desempenho ou produtividade igual ou superior ao do bem importado, desde que o parâmetro conste da sugestão de descrição de que trata o inciso II do artigo 3º; II – Prazo de entrega igual ou inferior ao do mesmo tipo de bem importado; III – Fornecimentos anteriores efetuados nos últimos cinco anos pelo fabricante; e IV – Preço do bem nacional, calculado na fábrica EXW (Ex Works), sem a incidência de tributos, não superior ao do bem importado, calculado em moeda nacional, com base no preço CIF (Cost, Insurance and Freight).I – Atestado ou declaração emitido por entidade de classe de atuação nacional, que represente os fabricantes brasileiros do bem que se pleiteia importar; II – Consulta direta aos fabricantes nacionais ou às suas entidades representativas; III – Cadastro próprio da Secretaria de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio, Serviços de bens com produção nacional; IV – Banco de dados de empresas e produtos habilitados pela Lei de Informática, organizado pela Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações; ou V – Quaisquer outros bancos de dados públicos, quando necessário.

Como se percebe, resolução revogada dispunha de um rol exemplificativo para fins de apreciação da similaridade entre o produto nacional e o importado, valendo-se de indeterminações (reporte-se às expressões “outros meios comprobatórios” e “outros bancos de dados públicos”). A norma revogadora, por outro lado, além de deixar de fazer referência à abertura do texto anterior, passou a omitir critérios determinados pela legislação como obrigatórios, tais como o preço do produto e o prazo de entrega.

É importante se salientar que a indicação quanto à existência ou não de similaridade fica a critério das declarações a serem prestadas por entidades de classes ou empresas nacionais, ou seja, das partes economicamente interessadas em ver reconhecida tal similaridade.

Verifica-se, ainda, que, na norma anterior, de 2019, os critérios eram fixos, balizando-se nas disposições legais do artigo 190 do Decreto n° 6.759/2009 (“Regulamento Aduaneiro”) e ao artigo 18 do Decreto-Lei n° 37/1966. Tais disposições legais consideram o preço como critério inarredável para avaliação da similaridade entre os produtos nos termos do artigo 4º, §2º, da Lei n° 3.244/1957, segundo o qual a concessão de redução do imposto para importação “será de caráter geral em relação a cada espécie de produto, garantida a aquisição integral de produção nacional, observada, quanto ao preço, a definição do Art.3º, do Decreto-Lei nº 37/1966”. E o propósito disso é muito claro: evitar discricionariedades, fixando um critério objetivo para a constatação quanto à existência ou não de similaridade dos produtos em comparação.

Como se percebe, o artigo 192 do Regulamento Aduaneiro prevê a competência da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) para estabelecer, por meio de normas complementares, critérios gerais ou específicos para a apuração da similaridade, de acordo com: (1) condições de oferta do produto nacional; (2) política econômica geral do governo; e (3) a orientação dos órgãos governamentais incumbidos da política relativa a produtos ou a setores de produção. Tal dispositivo se encontra em relação de complementariedade e harmonia com o artigo 190, que o precede para apontar que será “similar ao estrangeiro o produto nacional em condições de substituir o importado” que atender a determinadas “normas básicas” (entre as quais o preço).

Um conceito utilizado na legislação não pode ser ignorado ou sequer distorcido por ato infralegal, sob pena de extrapolação de seu caráter regulamentar: da mesma forma que um decreto não pode contrariar a legislação, não se admite que uma mera Resolução, como espécie de ato administrativo, venha a excluir um comando legal, pois se trata de mera norma complementar, nos termos dos artigos 99 e 100 do Código Tributário Nacional.

Ainda que esteja dentro da esfera de competências do MDIC e mais especificamente da Gecex “estabelecer as alíquotas do imposto de importação, observados as condições e os limites estabelecidos em lei” e “formular orientações e editar regras para a política tarifária na importação e na exportação” (artigo 6º, incisos II e IV do Decreto nº 11.428/2023), não há base para criar uma restrição fora do escopo da norma de desoneração que ela utiliza.

A discussão não é nova, já tendo sido analisada pela jurisprudência em casos de tentativa de se restringir o escopo de normas legais mediante a edição de atos “interpretativos” e “normativos”.

A Resolução Gecex nº 512/2023 trouxe, portanto, importantes alterações ao regime dos ex-tarifários, mas, ao omitir critérios objetivos, como preço e prazo de entrega, abriu espaço para interpretações discricionárias e insegurança jurídica aos pleiteantes e, logo, a todos os administrados. Esses critérios, previstos em normas legais e regulamentares, não podem ser ignorados, sob pena de contrariar os princípios da legalidade e da isonomia, havendo a necessidade do prestígio e respeito à coerência com o ordenamento jurídico e à lógica do comércio exterior, garantindo-se, desta forma, que a política tarifária continue a cumprir sua função de estímulo ao desenvolvimento econômico com previsibilidade e equidade.


[1] PINHEIRO, Rafael Corrêa. “Desconforto no ex-tarifário: projeto de investimento e a vedação ao arbítrio”, In: Coluna Contencioso Aduaneiro, Revista IPDA, São Paulo: IPDA, publicado em 13/01/2025, disponível neste link.

Fonte: Conjur

A força expansiva do processo estrutural e o direito de livre associação

Esta coluna tem registrado o esforço do Congresso Nacional para dotar o país de um anteprojeto de lei do processo estrutural [1]. A iniciativa mais recente foi a comissão de juristas instituída pelo presidente do Senado, formada por 22 especialistas, presidida pelo subprocurador-geral da República Augusto Aras e secretariada pelo desembargador federal Edilson Vitorelli. Instalada em junho de 2024, a comissão concluiu os seus trabalhos em 31 de outubro, com a apresentação de um anteprojeto de lei do processo estrutural brasileiro, que passará a tramitar como projeto de lei a partir do Senado.

O termo “processo estrutural” refere-se a situações de conflito social envolvendo políticas públicas (tidas por insuficientes para assegurar os direitos individuais e sociais a que se prestam), complexidade e pluralidade de atores, públicos e privados. São conflitos insolúveis pelas técnicas tradicionais da jurisdição, aquelas nas quais o juiz é um mero centro emissor de éditos de diagnóstico e prescrição. Quando a insuficiência de políticas públicas, sua inefetividade, é submetida ao arbitramento jurisdicional, o que se quer no processo estrutural é que o juiz lance mão de técnicas de cooperação e negociação que resultem numa uma solução efetiva e duradoura para o problema.

Este novo juiz, articulador de consensos, precisará estar dotado de um ferramental específico para presidir a bom termo processos estruturais. Será monitorado – o anteprojeto de lei prevê que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaure mecanismos de avaliação da atividade dos juízes em processos estruturais –, mas também apoiado – se a causa for muito complexa, o juiz poderá ser liberado de suas outras funções para dedicar-se exclusivamente a um processo estrutural. Mutatis mutandis, isso valerá também para o Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia Pública.

Uma nova cultura da jurisdição e os movimentos sociais

Para além destes mecanismos de controle e apoiamento interno dos agentes estatais, o anteprojeto de lei prevê que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) criem uma base de dados sobre acordos e processos estruturais, encerrados e em andamento, com disponibilização ao público das principais peças processuais e de sumários em linguagem compreensível pelo leigo.

É de se esperar que a referida base de dados passe aos poucos a ser objeto de amplo conhecimento público, de estudos acadêmicos, de reportagens, de referências cruzadas em processos estruturais, ao ponto de chegar a constituir uma massa crítica, uma nova cultura da atuação judicial na composição de conflitos sociais complexos envolvendo pluralidade de atores com reflexos duradouros em políticas públicas voltadas à realização de direitos individuais e sociais.

A emergência dessa nova cultura da jurisdição – que demanda um novo juiz e um novo Ministério Público – tende a se espraiar pelo sistema jurídico para alcançar o que chamamos aqui em outro momento de “processos estruturais implícitos”:

“Mas, a rigor, não é necessário que um órgão julgador explicite que um litígio sob sua jurisdição é nominalmente um processo estrutural para que a estrutura conceitual e procedimental do processo estrutural se faça presente no impulso oficial que faz o processo avançar até a decisão. Dito de outra forma, sempre que o iter processual do processo estrutural seja condição para uma solução justa, o juiz deve desvestir-se dos instrumentos tradicionais de formação solitária (ou solipsista) do livre convencimento para fazer a persuasão racional fincar sua legitimidade na lógica decisional do processo estrutural.”

É previsível que tal natureza implícita do processo estrutural revele-se com força impositiva quando processos individuais – aparentemente não complexos – exigirem para o seu deslinde uma compreensão pelo julgador até mesmo da dinâmica interna dos movimentos sociais.

Ao consagrar status constitucional ao direito de livre associação (artigo 5º, XVII) para a realização do programa constitucional da igualdade, o Constituinte reconheceu aos movimentos sociais poder de auto-organização nos limites do direito estatal.

A repartição funcional das competências do Estado reserva ao Judiciário a jurisdição (dizer o Direito). No exercício da liberdade de associação e auto-organização, os movimentos sociais produzem direito, o direito necessário à consecução dos fins sociais que lhe conferem valor social e legitimidade constitucional. Para ser fiel ao programa civilizatório da Constituição de 1988, o Judiciário, ao dizer o Direito, deve ter em conta a produção normativa dos movimentos sociais. Não como condição para a aplicação soberana do direito estatal, que não há de ser afastado nem restringido, mas para que se tenha a auto-organização dos movimentos sociais como fonte legítima de interpretação e aplicação da lei.

A produção do Direito é, não raro, conflitiva. Como na sociedade geral, nos movimentos sociais as maiorias se consolidam sob a forma jurídica. O que na sociedade são as fontes de produção do Direito estatal – o Parlamento, por excelência –, nos movimentos sociais são os colegiados formais e informais produtores das normas de natureza ético-comportamental e procedimental teleologicamente orientadas aos fins legítimos do movimento.

Assim como na sociedade, também nos movimentos sociais a legitimidade normativa interna resultante da prevalência das maiorias sobre as minorias há de ser interpretada pelo Judiciário em chave axiológica e teleológica: é justo e instrumentaliza o fim legítimo de assegurar direitos individuais e sociais por meio de políticas públicas a serem protegidas e aprimoradas pelo processo estrutural?

O tema, na aparência mera e vã indagação filosófica, revela-se fundamental para a produção de decisões judiciais justas, como revela a experiência recente. Voltaremos a ele oportunamente, mesmo porque ele é de ser considerado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados no projeto de lei do processo estrutural brasileiro, cuja tramitação está em vias de iniciar.

Alea jacta est. 


[1] O processo estrutural contra a judicialização da política https://www.conjur.com.br/2024-abr-23/o-processo-estrutural-contra-a-judicializacao-da-politica/

Reconstrução do RS: New Deal e lei do processo estrutural brasileiro https://www.conjur.com.br/2024-mai-21/reconstrucao-do-rs-new-deal-e-lei-do-processo-estrutural-brasileiro/

STF e a constitucionalidade dalei do marco temporal: back lash e processo estrutural https://www.conjur.com.br/2024-jul-16/stf-e-a-constitucionalidade-da-lei-do-marco-temporal-backlash-e-processo-estrutural/

Desafios do processo estrutural: o estado da arte no Congresso e no STF https://www.conjur.com.br/2024-ago-20/desafios-do-processo-estrutural-o-estado-da-arte-no-congresso-e-no-stf/

A força expansiva da ideia de processo estrutural: limites e possibilidades https://www.conjur.com.br/2024-nov-02/a-forca-expansiva-da-ideia-de-processo-estrutural-limites-e-possibilidades/

A força expansiva do processo estrutural e os processos estruturais implícitos https://www.conjur.com.br/2024-dez-24/a-forca-expansiva-do-processo-estrutural-e-os-processos-estruturais-implicitos/

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Big techs, emendas, golpe e bets: saiba o que está no radar do STF em 2025

Supremo Tribunal Federal começa o ano de 2025 retomando e iniciando o julgamento de uma série de casos relevantes, como a possibilidade de responsabilização das plataformas por conteúdos de usuários e a violência policial no Rio de Janeiro.

A pauta de fevereiro já foi definida. Haverá a continuidade do julgamento sobre a validade de provas obtidas a partir de revistas íntimas em presídios e a responsabilização de jornais por falas de entrevistados.

Para além dos temas já agendados, a apuração sobre atos golpistas em 2022, que até então mirou apenas executores, deve, enfim, chegar aos mentores e instigadores.

Também devem avançar na corte as discussões sobre emendas parlamentares, e sobre o vínculo empregatício entre plataformas e motoristas e entregadores de aplicativos, como Uber e IFood.

Ordem do dia

Alguns dos julgamentos já começaram e serão apenas retomados no Supremo. É o caso da discussão sobre a possibilidade de responsabilização das big techs por conteúdos de terceiros. O caso até o momento tem três votos admitindo, de modos distintos, a possibilidade de responsabilizar as plataformas.

Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já votaram, todos entendendo pela insuficiência do artigo 19 do Marco Civil da Internet para conter conteúdos criminosos nas plataformas. O dispositivo prevê a responsabilização das plataformas só quando descumprirem decisão judicial, determinando a retirada de conteúdos.

O caso foi paralisado por um pedido de vista feito pelo ministro André Mendonça em 18 de dezembro. Na sessão, Barroso afirmou que pretende pautar o caso já após o retorno do recesso.

Em novembro do ano passado, Barroso também sinalizou que a análise sobre mentores e instigadores dos atos golpistas de 8 de janeiro pode chegar à corte em 2025. Segundo ele, as apurações estão perto da conclusão para que sejam encaminhadas à Procuradoria-Geral da República.

A investigação é importante, porque a corte deve chegar a empresários que patrocinaram os golpistas e a integrantes do governo passado — podendo incluir o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Emendas e anistia

O Supremo também deve ampliar a análise sobre a destinação de emendas parlamentares. No ano passado, o ministro Flávio Dino chegou a bloquear os repasses, mas liberou com uma série de condições de transparência. Também devolveu parte do controle sobre o orçamento ao Executivo.

O ministro quer que o Supremo discuta se o crescente valor empenhado nas emendas parlamentares fere o princípio da separação dos poderes. A ideia é levar o tema para o Plenário.

O ministro também pode recolocar em discussão um tema espinhoso: Lei de Anistia (Lei 6.683/1979). Em dezembro, o ministro se manifestou pela repercussão geral do julgamento sobre a possibilidade ou não de se anistiar o crime de ocultação de cadáver durante a ditadura militar.

Na manifestação, Dino afirmou que o mérito deve definir se a ocultação de cadáver é ou não um crime anistiável, dada a sua natureza de crime permanente.

Outros dois temas relevantes podem ser analisados este ano: o vínculo entre motoristas de plataformas com a Uber, e três ações que questionam a Lei das Bets. No primeiro caso, o STF, sob o comando de Fachin, já fez uma audiência pública para ouvir representantes de plataformas, de motoristas e entregadores, além de especialistas.

Por fim, deve ser julgado já no início deste ano a ação contra os acusados de planejar o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

O que já está pautado

A corte divulgou os casos que devem ser julgados em fevereiro. A abertura do ano do Judiciário será com a análise da validade ou não de provas colhidas em revistas íntimas em presídios. O caso começou a ser analisado virtualmente no Supremo, quando se formou maioria pela inconstitucionalidade das revistas, mas recomeça em 5 de fevereiro no Plenário físico.

Está agendado para o mesmo dia o julgamento da ADPF das favelas. De relatoria do ministro Edson Fachin, o caso discute operações policiais violentas no Rio de Janeiro.

Em 19 de janeiro, os ministros devem votar um ajuste na tese de repercussão geral que definiu que jornais podem ser responsabilizados por falas de entrevistados. Fachin, relator do processo, sugeriu alterações na tese firmada em 2023. Os pontos serão analisados pelos demais ministros.

Também está pautado para fevereiro o julgamento que decide os limites da atuação legislativa para disciplinar as atribuições das guardas municipais.

Confira a pauta de fevereiro:

5 de fevereiro

ARE 959.620: Supremo discute a validade de prova obtida a partir de revista íntima em unidade prisional;
ADPF 635: Pede que sejam reconhecidas e sanadas lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública, notadamente no que tange à excessiva e crescente letalidade da atuação policial;
ADPF 777: Conselho Federal da OAB questiona portarias do governo Jair Bolsonaro, que anularam portarias declaratórias de anistiados políticos datadas de 2002 e 2005.

6 de fevereiro

ADI 7.686: Discute a possibilidade de repatriação de crianças quando houver suspeita de violência doméstica.

12 de fevereiro

RE 1.298.647: Discute se o ente público tomador de um determinado serviço tem o ônus de comprovar a ausência de culpa na fiscalização do cumprimento de obrigações trabalhistas;
AO 2.417: Discute a cobrança de honorários contratuais de trabalhadores beneficiados por demandas coletivas, em que já havia honorários assistenciais estipulados pela Justiça do Trabalho;
RE 1.387.795: Discute se empresa integrante de grupo econômico pode ser incluída na fase de execução trabalhista mesmo quando não participou do processo de conhecimento.

13 de fevereiro

ADI 3.596: PSOL questiona possibilidade de a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) decidir sobre a venda de bloco petrolíferos;
RE 608.588: Discute o limite da atuação legislativa dos municípios para definir a atuação das guardas municipais.

19 de fevereiro

RE 1.075.412: Rediscussão sobre a tese que definiu que jornais podem ser responsabilizados civilmente por falas de entrevistados;
RE 1.133.118: Discute a constitucionalidade da nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, para o exercício de cargo público;
MS 26.156: Questiona decisões do Tribunal de Contas da União na análise de registro de aposentadorias e pensões de docentes da Fundação Universidade de Brasília;
ADI 3.228: Questiona a Constitucionalidade dos artigos 6 e 13 de lei do Espírito Santo sobre gratificações pagas a membros do Ministério Público.

20 de fevereiro

ADI 6.757:PGR: Questiona Lei de Roraima, que prevê que promoções por merecimento e antiguidade devem preceder a remoção de magistrados;
ADI 4.055: PGR: Questiona reserva de cargos em comissão para servidores efetivos prevista em emenda do DF.

26 de fevereiro

RE 882.461: Discute a incidência e ISS em operação de industrialização por encomenda, além da limitação do percentual de 20% em multa moratória;
RE 5.860.68: Embargos contra decisão do STF, segundo a qual as decisões definitivas de juizados especiais podem ser anuladas quando fundamentadas em norma ou interpretação posteriormente considerada inconstitucional pelo Supremo.

27 de fevereiro

ADPF 338: Discute a constitucionalidade do artigo 141 do Código Penal, que estabelece como causa de aumento da pena de crimes contra a honra o fato de terem sido cometidos contra servidor no exercício da função;
ADIs 6.238, 6.302, 6.266, 6.236 e 6.239: Discutem dispositivos sobre crimes de abuso de autoridade praticados por funcionários públicos.

Extra pauta

Além dos casos já pautados, o Supremo deve julgar, em 2025, no ARE 1.480.888, a competência da Anvisa para regulamentar a propaganda de alimentos nocivos à saúde.

Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico também afirmaram que a corte deve analisar a cobrança de IRPJ e CSLL sobre empresas nacionais a partir de lucros auferidos no exterior (RE 870.214); os limites da quebra de sigilo de um conjunto indeterminado de trabalhadores; e o acordo sobre o Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas.

Maria Helena Autuori, sócia do escritório Autuori Burmann Sociedade de Advogados, destaca também casos trabalhistas que a corte sinalizou que devem ser pautados para 2025. Entre eles estão a ADC 80, que pede para que a comprovação de renda de até 40% do teto da Previdência seja suficiente para a concessão de Justiça gratuita; e a ADI 6.142 e sobre a equiparação da dispensa coletiva à dispensa individual.

Já Priscila Soeiro Moreira, especialista em Direito do Trabalho, sócia do escritório Abe Advogados, diz que devem ser definidas ainda este ano controvérsias em torno da Reforma Trabalhista de 2017. Ela destaca a ADI 6.002, que discute se a exigência processual de atribuir ao trabalhador o ônus de mensurar o valor da demanda pode ou não ser óbice ao acesso à Justiça.

A Ordem também questiona a legalidade de dispositivo da CLT introduzido pela reforma, segundo o qual a inicial de reclamação trabalhista deve indicar o valor do pedido no momento da execução.

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Proposta muda legislação penal para permitir prisão de condenado em segunda instância

O Projeto de Lei 2110/24 permite a prisão imediata de pessoa com condenação criminal confirmada ou imposta por tribunal (segunda instância). O texto, em análise na Câmara dos Deputados, também muda as regras da prisão preventiva, previstas no Código de Processo Penal.

Mário Agra/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas legislativas. Dep. Delegado Ramagem (PL - RJ)
Delegado Ramagem: objetivo é acabar com a insegurança jurídica sobre o assunto

O deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), autor do projeto, afirma que o texto visa acabar com a insegurança jurídica sobre o assunto.

Ele lembra que, em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu acatar a prisão de condenado em segunda instância. Três anos depois, em novo julgamento, a corte reverteu esse entendimento e determinou que o cumprimento da pena somente pode ter início após o fim de todos os recursos.

Para Ramagem, essa situação precisa ser regulamentada pelo Congresso Nacional. “O quadro descrito denota a carência de um urgente esclarecimento sobre o ponto, a ser feito autenticamente pelo legislador”, diz. Ele afirma ainda que não existe um impedimento constitucional contra a prisão após condenação em segunda instância.

Antecipação da pena
Em relação às regras sobre a prisão preventiva, o projeto de lei:

  • revoga a restrição vigente no Código de Processo Penal que impede a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento da pena;
  • permite a prisão preventiva quando houver indícios de perigo gerado pelo estado de liberdade do réu, que pode ser aferido pela existência de maus antecedentes, atos infracionais passados, inquéritos ou ações penais em curso;
  • admite a prisão preventiva de ‘faccionados’ que integram organizações criminosas ou exerçam atividades de comando, com violência ou grave ameaça a pessoa, por crimes como porte ilegal de armas, tráfico de drogas e associação criminosa.

Próximos passos
O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário.

Para virar lei, a proposta precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Fonte: Câmara dos Deputados

Página Súmulas Anotadas inclui enunciado sobre conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva

A página Súmulas Anotadas incluiu em seu índice o enunciado da Súmula 676 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Súmula 676, classificada em direito processual penal, assunto prisão, estabelece que em razão da Lei 13.964/2019, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter prisão em flagrante em prisão preventiva.

Súmulas

As súmulas são resumos de entendimentos consolidados nos julgamentos do tribunal e servem de orientação a toda a comunidade jurídica sobre a jurisprudência firmada pelo STJ, que tem a missão constitucional de unificar a interpretação das leis federais.

Na página Súmulas Anotadas, é possível visualizar todos os enunciados com trechos dos julgados que lhes deram origem, além de outros precedentes relacionados ao tema, que são disponibilizados por meio de links.

A ferramenta criada pela Secretaria de Jurisprudência facilita o trabalho das pessoas interessadas em informações necessárias para a interpretação e a aplicação das súmulas. A pesquisa pode ser feita por ramo do direito, pelo número da súmula ou pela ferramenta de busca livre.

Os enunciados já publicados também podem ser acessados neste link

Fonte: STJ

AGU promete agir contra mudanças da Meta que violem leis brasileiras

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou, em nota, que o Brasil não é “terra sem lei” e que irá agir contra as mudanças na política de moderação de conteúdo das redes sociais da Meta – o que inclui Facebook e Instagram – a partir do momento que elas afetem à democracia ou violem as leis brasileiras.

A manifestação do ministro da AGU, Jorge Messias, destacou que a decisão da Meta vai aumentar a desinformação nas redes sociais que, segundo ele, já enfrentam problemas com fake news e discursos de ódio.

“Nosso país não é terra sem lei. Não vamos ficar de braços cruzados em relação a ataques à democracia e às garantias previstas na nossa legislação. Não é possível entender que liberdade de expressão é passe livre para disseminação, no ambiente virtual, de informações deliberadamente falsas que, na prática, são as que impedem as pessoas de exercer livremente seus direitos fundamentais”, comentou o ministro da AGU, órgão do Poder Executivo responsável por representar a União no âmbito judiciário e extrajudiciário.

Para proteger diversos grupos, a legislação brasileira traz uma série de restrições a discursos públicos. A lei proíbe, por exemplo, a defesa do racismo ou do nazismo, os ataques à ordem democrática atual, ou ofensas de teor discriminatório contra grupos por suas características de raça, cor, sexo, religião, orientação sexual ou origem.

Para o ministro Messias, as mudanças anunciadas pela gigante da tecnologia reforçam a necessidade de uma regulação das redes sociais no Brasil e no mundo e lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem dois recursos com repercussão geral sobre o tema em julgamento.

O STF analisa a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), norma que estabeleceu os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Suspenso no ano passado, o julgamento deve ser retomado neste ano. 

Entenda

Citando suposta censura nas redes sociais, a Meta – companhia que controla Facebook, Instagram e Whatsapp – anunciou nesta terça-feira (7) que vai se aliar ao governo do presidente eleito dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, para pressionar países que buscam regular o ambiente digital

Além disso, a big tech anunciou mudanças na sua política de moderação de conteúdos, entre eles o fim do programa de checagem de fatos que verifica a veracidade de informações que circulam nas redes; o fim de restrições para assuntos como migração e gênero; e a promoção de conteúdo cívico, entendido como informações com teor político-ideológico; e a exclusão apenas de conteúdos considerados como violações graves.

As alterações foram alvo de um questionamento do Ministério Público Federal de São Paulo (MPF/SP), que deu 60 dias úteis para o escritório da empresa no Brasil explicar as mudanças. 

Nos Estados Unidos (EUA), a Meta já alterou sua política sobre discurso de ódio, passando a autorizar insultos de caráter homofóbico, transfóbico, xenófobo ou mesmo misógino, considerando o contexto de fim de relacionamentos. A Meta também passou a permitir associar a homossexualidade ou transsexualidade a doenças mentais

Ao comentar as mudanças na plataforma, o diretor de assuntos globais da Meta, Joel Kaplan, sustentou que as regras estavam muito restritivas e que o objetivo é se livrar de restrições sobre imigração, identidade de gênero e gênero.

“Não é certo que as coisas possam ser ditas na TV ou no plenário do Congresso, mas não em nossas plataformas. Essas mudanças de política podem levar algumas semanas para serem totalmente implementadas”, justificou Kaplan.

Fonte: EBC