Carf afasta cobrança de IRRF sobre resgates de cotas distribuídas no exterior

Colegiado também afastou as responsabilidades tributárias e cancelou a multa


Por unanimidade, a 2ª Turma da 1ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) afastou a exigência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre resgates de cotas de um fundo de investimento cujos rendimentos foram distribuídos a uma empresa americana e, posteriormente, repassados a outras em um paraíso fiscal. Para o fisco, a americana era uma intermediária entre o fundo brasileiro e empresas localizadas nas Ilhas Cayman, estruturada para garantir a alíquota zero do imposto.

A defesa explicou que a Intrag Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda, empresa brasileira, investe em títulos públicos e repassa seus rendimentos à sua controlada, a Canadian Eagle LLC, registrada em Delaware, nos Estados Unidos. Esta, por sua vez, tem como acionistas empresas registradas nas Ilhas Cayman, detidas pelo governo canadense por meio do Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB), fundo público. Dessa  forma, a estrutura do investimento funciona assim: o governo do Canadá aporta recursos em fundos nas Ilhas Cayman, que aportam dinheiro na empresa americana, que, por fim, investe no Brasil.

Para a fiscalização, a Canadian Eagle LLC, nos Estados Unidos, seria uma empresa veículo interposta para esconder o real investidor, permitindo que os rendimentos fossem transferidos às empresas localizadas nas Ilhas Cayman sem a incidência do IRRF. Segundo o fisco, o verdadeiro investidor seria o fundo em paraíso fiscal, e toda a estrutura foi montada para ocultá-lo, justificando, então, a aplicação da alíquota de 25% sobre os rendimentos.

O relator, conselheiro Fredy José Gomes de Albuquerque, manteve decisão da DRJ ao concluir que, se o governo canadense tivesse constituído diretamente a empresa nos Estados Unidos e esta tivesse investido no Brasil, o benefício fiscal de isenção também se aplicaria. Assim, não faria sentido considerar as Ilhas Cayman como real investidor, uma vez que a estrutura, independentemente de sua configuração, não alteraria o direito à isenção.

Para ele, o investidor final seria o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) e, por isso, haveria o direito à isenção do IRRF, uma vez que o Canadá não se encontra em paraíso fiscal. Ele foi acompanhado por todos os conselheiros da turma. O colegiado também afastou as responsabilidades tributárias e cancelou a multa.

O processo tramita sob o número 16327.720579/2022-00.

Fonte: Jota

A falta que faz uma lei geral de processo administrativo normativo

Afirmar que grande parte das normas que regulam o dia a dia dos indivíduos e empresas é elaborada pela administração pública, e não pelo Legislativo, parece levantar pouca polêmica na atualidade. Esse quadro, por vezes nomeado como “deslegalização” ou de “crise da lei formal”, que animou intensos debates doutrinários desde os anos 1990 sobre a necessidade de rever os contornos dados ao princípio da legalidade, consolidou-se na prática da administração no Brasil em todos os níveis da federação.

No entanto, a produção de “atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados”, expressão utilizada pela Lei Geral das Agências Reguladoras, pela Lei de Liberdade Econômica e pelo regulamento da análise de impacto regulatório (AIR), não é isenta de questionamentos. Afinal, como conferir legitimidade democrática a normas de interesse geral elaboradas pela burocracia estatal, ou seja, por agentes públicos não eleitos?

Importância do processo administrativo normativo

Uma resposta usual a essa questão é qualificar o procedimento adotado para elaboração das normas pela administração. Esse procedimento pode ter várias etapas, que antecedem até mesmo a discussão de uma norma específica: informar aos administrados com antecedência quais temas serão objeto de discussão pela instituição; exigir, durante o processo de discussão de um tema específico, a elaboração de estudos que possam auxiliar na tomada de decisão administrativa e esclarecer os motivos que levaram a elaboração da norma destinada a tratar daquele tema com determinadas características; rever periodicamente os efeitos das normas previamente elaboradas, e alterá-las ou revoga-las, se for o caso; e estabelecer mecanismos para que cidadãos e agentes econômicos possam se manifestar e influenciar no conteúdo das normas que irão afetá-los.

Em outros termos, uma resposta é estabelecer regras claras para o procedimento administrativo normativo, entendido como o procedimento que regulamenta como normas administrativas são elaboradas, alteradas ou revogadas.

A fragmentação legal do procedimento administrativo normativo federal

Há uma série de instrumentos de “melhoria regulatória” que podem ser utilizados para enfrentar as questões anteriormente apontadas. A agenda regulatória permite aos agentes econômicos e usuários conhecerem antecipadamente quais temas serão objeto de discussão. A análise de impacto regulatório (AIR) confere racionalidade à tomada de decisão e dá transparência à opção adotada pelo órgão ou entidade, inclusive se for pela decisão de não elaborar uma norma. A avaliação de resultado regulatório (ARR) permite verificar se os impactos do ato normativo para a sociedade e agentes econômicos estão de acordo com os objetivos e premissas que levaram à elaboração da norma. Por fim, os diversos mecanismos de participação social – consulta pública, audiência pública, tomada de subsídios, dentre outros – conferem às partes afetadas pela norma a possibilidade de manifestação.

Contudo, a maior parte desses instrumentos é utilizada quase exclusivamente pelas agências reguladoras, particularmente em decorrência da Lei 13.848/2019. Lá estão previstas a obrigatoriedade de elaboração de agenda regulatória (artigo 21), de AIR (artigo 6º) e de consulta pública, nos casos de minutas de atos normativos (artigo 9º). Já outros órgãos e entidades federais, especialmente da administração direta, pouco adotam esses instrumentos.

A baixa disseminação desses mecanismos entre órgãos e entidades da administração não decorre da falta de previsão legal, mas sim da fragmentação dos dispositivos legais vigentes.

A Lei 9.874/1999 (Lei de Processo Administrativo) contempla mecanismos de participação, como consultas (artigo 31), audiências públicas (artigo 32) e outros procedimentos participativos (artigo 33). Também exige que os resultados desses processos sejam publicizados com a descrição do procedimento adotado (artigo 34).

A Lei 13.848/19 (Lei Geral das Agências Reguladoras) e a Lei 13.874/19 (Lei de Declaração de Liberdade Econômica) estabelecem aos órgãos e entes da Administração Pública federal, direta, indireta e fundacional, a obrigação de realização de AIR na produção de normas de “interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados”. A AIR, por sua vez, é regulamentada pelo Decreto 10.411/2020, que dispõe sobre os usos obrigatórios e facultativos desse e de outro instrumento que introduz ao ordenamento jurídico, a Avaliação de Resultado Regulatório (ARR).

Embora esses dispositivos atinjam toda administração pública federal, vários dos seus órgãos e entidades (Receita Federal, por exemplo) não realizam AIR sob a alegação de que as normas que editam não são “regulatórias”.

Recentemente, o Decreto 11.243/22 foi editado com o objetivo de regulamentar o Protocolo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica com os Estados Unidos, cujo Anexo II estabeleceu um conjunto de boas práticas regulatórias que ambos os países se obrigaram a adotar. Uma das inovações deste decreto foi instituir a obrigação de elaboração de agendas regulatórias para todos os órgãos e entes da administração pública federal (artigo 6º). Antes da sua edição, agendas regulatórias eram exigidas apenas das agências reguladoras pela Lei Geral das Agências (artigos 17 e 18).

Também pode-se dizer que as normas que regem a realização de agendas regulatórias possuem efeitos restritos, já que os mesmos órgãos e entidades administração pública federal que não realizam AIR, por não se considerarem “reguladores”, também não se sentem obrigados, pelos mesmos motivos, a elaborar agendas regulatórias.

O Decreto 11.243/2022, ao alterar o regulamento da AIR, também introduziu a obrigatoriedade, para todos os órgãos e entidades da administração pública federal, da realização de consulta pública em normas precedidas de AIR, além da obrigação de uso obrigatório de mecanismo de participação social de livre escolha para as propostas de normas dispensadas de AIR em situações de baixo impacto, convergência com normas internacionais e atualização de normas obsoletas (artigo 9º-A, § 2º).

Essa obrigatoriedade, vigente desde 9 de junho de 2024, ainda é pouco conhecida da maioria dos órgãos e entidades reguladoras federais. Recentemente, o Decreto 12.002/2024, que estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos, estabeleceu que as consultas públicas realizadas para a produção de normas do Poder Executivo devem ser divulgadas pela plataforma “Participa + Brasil” (artigo 30). Um rápido exame dos mecanismos de participação anunciados nesta plataforma permite identificar que não são todos os órgãos e entidades que vêm realizando consultas públicas, talvez porque não se considerem “reguladores”, ou talvez por mero desconhecimento das novas obrigações instituídas pelo conjunto de normas acima mencionado.

Da urgente necessidade de um regime geral para o processo administrativo normativo

É inegável que necessitamos de normas que costurem essa verdadeira “colcha de retalhos” que são as leis e decretos que hoje dispõem sobre processo administrativo normativo no Brasil.

Esses fatos não são desconhecidos das autoridades públicas. A Casa Civil da Presidência da República coordena atualmente grupo de trabalho que prepara substitutivo ao Decreto nº 10.411/20, visando integrar melhor o uso de ferramentas de melhoria regulatória ao ciclo regulatório.

Tramita no Senado Federal o PL 2.481/2022, uma proposta de reforma da Lei de Processo Administrativo, que passa a prever e regulamentar o uso de ferramentas de melhoria regulatória – como AIR e ARR – na Lei 9.874/1999, além de integrá-los ao uso de mecanismos de participação social. Esse projeto também prevê a possibilidade de invalidação do ato administrativo em caso de descumprimento das regras procedimentais (artigo 50-B, §3º), dispositivo inexistente na legislação atualmente vigente.

Independentemente do caminho que a reforma venha a tomar – se será instituída por decreto ou por lei – alguns cuidados precisarão ser tomados para quebrarmos a lógica de fragmentação normativa acima mencionada.

Diretrizes para a elaboração de normas gerais de processo administrativo normativo

É preciso que as novas normas gerais de processo administrativo normativo sejam realmente gerais, ou seja, aplicáveis a todos os órgãos e entidades da administração pública federal indistintamente. Como um de nós já teve a oportunidade de manifestar neste evento aqui, talvez seja necessário que os novos instrumentos legais troquem expressões como “análise de impacto regulatório, “avaliação de resultado regulatório” e “agenda regulatória” por “análise de impacto normativo”, “avaliação de resultado normativo’ e “agenda normativa”. Se isso for o preço a se pagar para avançarmos no uso indiscriminado de boas práticas “regulatórias” por todos os órgãos e entidades da administração pública federal, que assim o façamos.

Um outro cuidado que o novo estatuto legal de processo administrativo normativo deve ter é o de integrar os mecanismos de participação social em todas as suas fases. A legislação atualmente estabelece ritos e exigências de transparência ativa apenas para consultas públicas que têm por propósito discutir minutas de atos normativos. Essa modalidade de mecanismo de participação social, como um de nós já se manifestou anteriormente nesta coluna, é talvez a que se revele menos efetiva para alterar o resultado das políticas regulatórias. Mecanismos de participação “fazem mais diferença” quando ocorrem em fases mais iniciais do ciclo regulatório, quando ainda se discute a natureza do problema regulatório de forma ampla.

Os dispositivos legais hoje vigentes são tímidos a esse respeito. Não há normas que prevejam o uso, ainda que facultativo, de mecanismos de participação social na construção de agendas regulatórias ou até mesmo para a discussão de problemas regulatórios amplos. Embora alguns órgãos e entidades reguladoras já o pratiquem, há muitas incertezas sobre quais boas práticas (e.g. exigências de transparência ativa) deverão ser adotadas para conduzir esses mecanismos de participação. É certo que o Decreto 10.411/2020 trata, en passant, da realização (facultativa) de mecanismos e participação na construção de AIRs (artigo 9º). Trata-se, no entanto, de mera previsão da faculdade de uso de mecanismos de participação nessa fase, sem que sejam oferecidos parâmetros para a sua realização.

Quanto ao uso da participação social para a discussão de minutas normativas, a solução dada pelo Decreto 10.411/2020 é insatisfatória, já que, como visto, estabelece a obrigatoriedade de consulta pública apenas para normas precedidas de AIR e a obrigatoriedade de mecanismos de participação de livre escolha para alguns poucos casos remanescentes (artigo 9ºA, § 2º do Decreto 10.411/2020). Trata-se de solução insuficiente, já que o uso de AIR é exceção, e não a regra, da atividade normativa da Administração Pública federal brasileira.

É possível argumentar que a legislação atualmente vigente não fecha as portas para a participação. De fato, há previsões genéricas que permitem a adoção de diferentes instrumentos. Ademais, a ausência de fixação de procedimentos gerais e detalhados pode ser interpretada como um reconhecimento da diversidade de capacidades institucionais da administração pública.

Essas considerações não afastam a necessidade de instituição de normas gerais de processo administrativo normativo federal. Uma reforma se mostra urgente para uniformizar e dar maior clareza aos procedimentos, superando a fragmentação existente. Ela deve alcançar todos os administradores públicos federais que editam normas, e não apenas aqueles que se percebem como reguladores. Por fim, o novo regime de processo normativo administrativo deve estimular o uso de mecanismos de participação social em todas as fases do ciclo de produção de normas, integrando-os às demais ferramentas de melhoria regulatória.

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Tese do STJ sobre crédito de IPI torna produto brasileiro mais competitivo

recente tese do Superior Tribunal de Justiça sobre o aproveitamento de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados torna as mercadorias brasileiras mais competitivas no mercado internacional.Refinaria de Paulínia, Replan, Petrobras

Tese do STJ sobre créditos de IPI torna mais competitivos produtos como os produzidos pelo setor de combustíveis

A conclusão é de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, em relação ao julgamento da 1ª Seção do STJ, na última quarta-feira (9/4).

O colegiado confirmou a posição mais favorável ao contribuinte, inaugurada em 2021, na interpretação do artigo 11 da Lei 9.779/1999, que concede créditos de IPI.

Esses créditos decorrem da compra de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem sobre os quais incidem o IPI e que serão aplicados na industrialização.

A lei dá direito a créditos de IPI nos casos em que o produto final deixa esses estabelecimentos industriais isentos ou com alíquota zero.

Por unanimidade de votos, a 1ª Seção do STJ confirmou que os créditos também são concedidos quando o produto tiver a rubrica NT, de não tributado.

Sem o creditamento, ocorre a chamada exportação do imposto: o IPI passa a compor o preço final, repassado ao comprador do produto — aquele que faz a compra no exterior.

Isso porque, após a exportação, não é possível abater o imposto pago anteriormente, já que a cadeira posterior se desenrola toda fora do Brasil.

Se o IPI deixa de compor o custo do produto final, ele é exportado a um preço melhor, o que o torna mais competitivo.  Isso vai impactar mercados importantes.

Por exemplo, o setor de combustíveis, para produtores e importadores de diesel, gasolina, querosene de aviação, que não são tributados. Também o setor mineral (produtores de ferro, nióbio, alumínio, cobre, ouro).

Créditos de IPI

Renata Emery, sócia na área de Direito Tributário de TozziniFreire e que atuou em um dos processos julgados no STJ, explica que a manutenção dos créditos de IPI reduz o custo dos produtos imunes e reflete de forma homogênea para as empresas que os produzem.

“Veja-se, aliás, que é o mesmo efeito que ocorre em relação a produtos isentos ou sujeitos à alíquota zero”, aponta a advogada, ao defender a interpretação dada no voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze.

Bianca Mareque e Raphael Castro, da área de tributário e aduaneiro do Vieira Rezende Advogados, ressaltam que o STJ evitou o equívoco de confundir estabelecimento industrial com contribuinte de IPI.

Se é possível industrializar e não ser contribuinte desse IPI e se o artigo 11 da Lei 9.779/1999 não exige isso para o aproveitamento de créditos, não há por quê adotar a restrição defendida pela Fazenda Nacional.

“A interpretação proposta pela 1ª Seção traz maior harmonia e coerência para a compreensão dos institutos da imunidade, isenção e alíquota zero”, dizem.

Impacto econômico

Ambos ainda salientam que a posição dá ao Brasil, um dos maiores exportadores de commodities no mundo, uma melhora nas condições para a exportação de mercadorias com valor agregado.

Isso porque a exportação de tributos é um dos elementos que mais impacta negativamente a capacidade de competição do Brasil no comércio internacional.

“Desse modo, essa acertada decisão do STJ terá como efeito direto o estimular a capacidade do produto industrializado brasileiro competir no mercado externo, incentivo muito bem-vindo, no momento que o comércio global se torna cada vez mais desafiador.”

Na mesma linha, Flávio Molinari, sócio da área tributária do Collavini Borges Molinari, afirma que a tese do STJ reduz o custo da cadeia produtiva. Para ele, a diferenciação proposta pela Fazenda criaria insegurança jurídica e prejuízos econômicos.

“A decisão fortalece a competitividade da indústria nacional ao evitar o acúmulo de créditos de IPI em operações desoneradas. Isso contribui para redução do ‘custo Brasil’, promove a neutralidade tributária e estimula a exportação e os investimentos”, opina.

“Além disso, aumenta a segurança jurídica, uniformizando o tratamento fiscal das operações, o que melhora o ambiente de negócios e a previsibilidade para o setor produtivo”, conclui.

REsp 1.976.618
REsp 1.995.220

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Participante de estudo clínico que ficou com sequelas deve ser indenizada

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, confirmou a condenação de um laboratório a pagar R$ 300 mil de indenização para a participante de uma pesquisa clínica que desenvolveu doença dermatológica rara e incapacitante.

A mulher relatou os primeiros sinais da doença dez dias após a segunda rodada de aplicação do medicamento drospirenona + etinilestradiol, uma formulação amplamente utilizada em anticoncepcionais orais.

O estudo visava avaliar a biodisponibilidade e a eficácia de um medicamento similar, que seria lançado pelo laboratório.

Diante dos problemas, ela acionou a Justiça para obter o custeio integral dos tratamentos dermatológico, psicológico e psiquiátrico, além de indenizações por danos morais, estéticos e psicológicos.

O Tribunal de Justiça de Goiás reconheceu o nexo causal entre o uso do medicamento e o surgimento da doença e condenou o laboratório a indenizar a vítima em R$ 300 mil, além de pagar pensão vitalícia de cinco salários mínimos devido à redução da capacidade de trabalho causada pelas sequelas irreversíveis.

Ao STJ, o laboratório alegou que o TJ-GO inverteu indevidamente o ônus da prova, exigindo a produção de uma prova negativa, o que seria impossível.

Além disso, argumentou que os valores da condenação deveriam ser reduzidos, pois a renda da vítima era inferior a um salário mínimo antes da pesquisa, e a manutenção integral da decisão do TJ-GO representaria enriquecimento ilícito, contrariando a própria jurisprudência da corte superior.

Condições de tratamento

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a fragilidade da perícia produzida impediu a confirmação, com grau de certeza, do nexo causal entre a administração do medicamento e o desenvolvimento da doença.

No entanto, a ministra enfatizou que o TJ-GO, ao considerar outros elementos que endossavam as alegações da vítima, atribuiu ao laboratório o risco pelo insucesso da perícia, determinando que arcasse com as consequências de não ter demonstrado a inexistência do nexo causal — prova que lhe seria favorável, conforme a dimensão objetiva do ônus da prova.

Além disso, a ministra destacou que a RDC 9/2015 da Anvisa, em seu artigo 12, estabelece que o patrocinador é responsável por todas as despesas necessárias para a resolução de eventos adversos decorrentes do estudo clínico, como exames, tratamentos e internação.

Nancy Andrighi também apontou que a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde exige que as pesquisas com seres humanos, em qualquer área do conhecimento, garantam acompanhamento, tratamento, assistência integral e orientação aos participantes, inclusive nas pesquisas de rastreamento.

Segundo ela, a resolução “responsabiliza o pesquisador, o patrocinador e as instituições e/ou organizações envolvidas nas diferentes fases da pesquisa pela assistência integral aos participantes, no que se refere às complicações e aos danos decorrentes, prevendo, inclusive, o direito à indenização”.

Pensão vitalícia

Por fim, a relatora destacou que o pensionamento mensal de cinco salários mínimos não configura enriquecimento sem causa, uma vez que, ao determiná-lo, o TJ-GO levou em consideração não apenas a subsistência da autora, mas também o valor necessário para cobrir os tratamentos médicos exigidos pelo seu quadro.

“Reconhecida a incapacidade permanente da autora, é devido o arbitramento de pensão vitalícia em seu favor, segundo a orientação jurisprudencial do STJ, não havendo, pois, o limitador da expectativa de vida”, concluiu ela ao negar provimento ao recurso. Com informações da assessoria de imprensa do STJ. 

Clique aqui para ver o acórdão
Processo  2.145.132

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Especialistas apontam menor duração dos processos previdenciários e efetividade da política pública como benefícios da Instrução Concentrada

Debates acontecem durante o congresso Fluxos Procedimentais em Temas Previdenciários e os Desafios da Instrução Concentrada, em São Paulo

Autoridades, especialistas e profissionais debateram, durante o congresso Fluxos Procedimentais em Temas Previdenciários e os Desafios da Instrução Concentrada, a efetividade e os benefícios da implementação da Instrução Concentrada. As discussões ocorreram na manhã desta quinta-feira (10), na sede do Tribunal Regional Federal (TRF3), em São Paulo (SP), ao longo do painel sobre o tema, em que representantes dos Juizados Especiais Federais (JEFs), da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), analisaram os desafios dos fluxos processuais em matérias previdenciárias, bem como compartilharam experiências, já exitosas, da aplicação da ferramenta.

Na ocasião, o diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), ministro Benedito Gonçalves, em vídeo gravado, notabilizou a importância da capacitação permanente da magistratura brasileira, em especial em momentos de elevada litigiosidade: “Esse cenário exige de nós, juízas(es) e operadoras(es) do Direito, uma abordagem cada vez mais qualificada e estratégica, que leve em conta não apenas a aplicação da norma, mas também a eficiência do fluxo processual e a efetividade das decisões.”

Em seguida, os debates tiveram continuidade no primeiro painel “Instrução Concentrada”, guiado pela coordenadora dos Juizados Especiais Federais (JEFs) da 3ª Região, desembargadora federal Consuelo Yoshida, que apontou as vantagens já observadas com a implementação da instrução. “Desde setembro de 2024, o procedimento também vem sendo adotado nas causas de pensão por morte e, dessa forma, estamos vendo muitas vantagens como a redução no tempo da tramitação, a desoneração da pauta de audiência e o incremento nos índices de conciliação. Isso só está sendo possível por conta desse esforço interinstitucional, que é uma mudança de paradigmas porque permite que a parte autora, desde o início, produza todas as provas necessárias.”, destacou.

O procurador regional federal da 3ª Região, Leonardo Xexéo, apresentou números significativos, apontados no “Painel INSS”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mostram a existência de mais de 4 milhões de processos pendentes de julgamento em 1º grau. Diante desse cenário, o procurador evidenciou a eficiência plena dos processos garantida pelo instrumento da instrução concentrada: “O objetivo é trazer celeridade muito maior para o processo e combater a litigiosidade abusiva. Com a Instrução Concentrada nós já tivemos: maior diálogo entre as partes, fortalecimento da advocacia, aumento do número de conciliações, menor duração do processo e, consequentemente, efetividade da política”, pontuou.

A juíza federal da 3ª Região Dinamene Nascimento Nunes, por sua vez, ressaltou a relevância de uma readequação da forma de exercer a jurisdição. Para ela, a Instrução Concentrada é uma fermenta poderosa que se insere na Justiça Multiportas e que apresenta muitos ganhos na prestação jurisdicional, dentre eles: “fornece, já no início da demanda, elementos de autocomposição do conflito, então essa prova oral produzida não tem só como destinatário o juiz, e sim a outra parte; dá elementos seguros para proposta de um acordo, esse é um dos ganhos reconhecido da ferramenta; e aumenta o protagonismo das partes na construção de uma solução para esse conflito”.

Por fim, a advogada Adriane Bramante, representante da OAB, afirmou que essa expansão do procedimento é uma oportunidade de o jurisdicionado ter as causas com tramitação mais célere. “A Justiça que chega tarde não é Justiça. A Instrução Concentrada foi uma importante medida para minimizar o tempo de duração dos processos”. Ela também apontou o recurso como instrumento que promove “um protagonismo da advocacia, pois é um procedimento jurídico diferenciado, e a técnica da advocacia é imprescindível. É o espírito cooperativo que o próprio Código de Processo Civil estabelece entre as partes”.

Oficinas

O congresso teve continuidade na tarde desta quinta-feira (10) com a realização concomitante de três oficinas sobre os seguintes temas:

Oficina I – O Negócio Jurídico Processual e o Procedimento da Instrução Concentrada: a Recomendação CJF n. 1/2025

Oficina II – Documentos Necessários para o Procedimento de Instrução Concentrada: Art. 4º da Recomendação CJF n. 1/2025

Oficina III – A Prova Oral Gravada em Vídeo

Os debates serão retomados na manhã de sexta-feira (11), com o segundo painel, que abordará a “Análise das repercussões práticas nas unidades judiciárias que adotaram a Instrução Concentrada”.

À tarde, acontecerá um momento para exposição dos debates das oficinas, seguido pela conferência de encerramento sobre o tema “O julgamento de recursos repetitivos do STJ e sua importância no sistema previdenciário”. Os conferencistas serão os ministros do STJ Sérgio Kukina e Paulo Sérgio Domingues.

Fonte: CJF

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Comissão aprova projeto que prevê garantia de alimentos a mulheres vítimas de violência doméstica

A Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 996/23, que prevê a garantia de alimentos a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. A proposta, da senadora Teresa Leitão (PT-PE), foi aprovada por recomendação da relatora na comissão, deputada Laura Carneiro (PSD-RJ).

O projeto altera a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional para incluir, entre os destinatários do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), os locais de acolhida e apoio à mulher vítima de violência doméstica e familiar e seus dependentes. Entre esses locais, estão os centros de atendimento integral e as casas-abrigos.

Laura Carneiro afirmou que, ao estabelecer o abastecimento dessas casas com a quantidade e a qualidade dos alimentos fornecidos pelo Sisan, o projeto busca garantir a essas mulheres e a seus filhos as condições necessárias para a sua manutenção, até que possam conquistar a autonomia.

“Trata-se de uma iniciativa importante, que busca assegurar um direito básico, que é o ter condições de se alimentar adequadamente, sem precisar permanecer em um lar violento”, disse a relatora.

Próximos passos
A proposta ainda será analisada em caráter conclusivo pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

O texto, já aprovado pelos senadores, precisa ser aprovado pelos deputados para virar lei.

Fonte: Câmara dos Deputados

Algofobia, logoterapia e infocracia: a democracia no divã

Talvez aconteça com boa parte dos leitores de textos jurídicos, mas se deparar com uma abordagem que recorra a conceitos de outras ciências (História, Psicologia, Literatura, Filosofia etc.) oferece um genuíno deleite intelectual. Não por diletantismo. Essa abordagem interdisciplinar permite expandir horizontes de compreensão para visualizar determinado fenômeno, tanto quanto possível, como um todo. Afinal, a realidade não é fracionada. Ela é apenas uma e cada vez mais complexa.

Edgar Morin [1] denunciou que “a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo”. Essa citação foi transcrita na introdução da dissertação de mestrado [2] deste autor, no agora longínquo ano de 2014, em pesquisa sobre uma determinada hipótese de inelegibilidade, portanto, dentro do eixo temático de Direito Eleitoral, porém com apoio de valiosas lições de Epistemologia, Filosofia, Ciência Política e até mesmo um pouco de Neurociência.

Essa interlocução intelectiva aproxima-se da metodologia dialética, recurso que este autor buscou, em alguma medida, invocar na tese de doutorado [3], quando foi citado o método de pesquisa histórica de Caio Prado Júnior [4], para quem “todos os momentos e aspectos são senão partes, por si só incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador, por mais particularista que seja”. Por essa razão, defendia o autor a importância de não descuidar do “cipoal de acontecimentos secundários” que se manifestam no conjunto dos fatos e revelam a linha-mestra dos acontecimentos e sua respectiva direção.

Hoje essa perspectiva holística é ainda mais urgente para o pesquisador da Ciência Jurídica Eleitoral, assim como para todos os atores que participam do processo eleitoral. No limite, os graves dilemas que a democracia enfrenta atualmente atingem todos os cidadãos. É insuficiente valer-se do acervo de leis e jurisprudências como ferramentas exclusivas de compreensão e resolução dos desafios contemporâneos, especialmente aqueles relacionados à democracia. Logo, autores de outras vertentes de conhecimento enriquecem e contribuem, cada vez mais, no diálogo com a dogmática jurídica para o enfretamento de temas áridos como desinformação, populismo, pluralismo, autoritarismo, regulamentação de mídias sociais, transparência (ou não) dos algoritmos, uso inteligência artificial no contexto eleitoral, possibilidades e limites da democracia.

A par dessa necessidade teórica, que é antes, acima de tudo, prática, determinadas obras de viés não estritamente jurídico começam a se entrelaçar na direção de uma “linha-mestra” de análise, que desagua no que parece ser um dos grandes problemas da democracia no presente e, sobretudo, para o futuro.

Algofobia

A primeira delas é A Sociedade Paliativa [5], do autor sul-coreano, Byung-Chul Han. Nela o autor formula uma investigação filosófica sobre o fenômeno da “algofobia”, essa palavra curiosa que descreve, em resumo, o medo da dor, que acomete e flagela a sociedade contemporânea. Na medida que a tolerância à dor reduziu drasticamente, nasce um estado de anestesia permanente, no qual toda condição dolorosa é desesperadamente evitada. Esse comportamento se projeta para o campo social, em que “conflitos e controvérsias que poderiam levar a confrontações dolorosas têm cada vez menos espaço” [6], assim como para a arena política, na qual a “coação à conformidade e a pressão por consenso crescem” [7].

Essa analgesia implica a perda da vitalidade que alimenta a política, que passar a ingressar, assim, em uma zona paliativa e anuncia uma nova categoria de pós-democracia: uma democracia paliativa, que não é capaz de reformas e não tem coragem para a dor. O paradigma da positividade rejeita toda forma de negatividade, que, na psicologia, substituiu uma psicologia negativa por uma psicologia positiva, na qual pensamentos negativos devem ser evitados e substituídos por pensamentos positivos. A dor se submete a uma lógica de desempenho, que busca canalizar traumas como catalisadores para incremento do desempenho. Na sociedade paliativa, que corresponde à sociedade do desempenho, dor equivale à fraqueza. Uma de suas características, segundo o autor, é que ela consiste em “uma sociedade do curtir [Gefällt-mir]. Ela degenera uma mania de curtição [Gefälligkeitswahn]. Tudo é alisado até que provoque bem estar. O like é o signo, sim, o analgésico do presente. Ele domina não apenas as mídias sociais, mas todas as esferas da cultura. Nada deve provocar dor” [8].

A partir daí, Byung-Chul Han enumera uma série de argumentos que reforçam importância da dor em diversos aspectos constitutivos da vida. Por meio da dor é que se alcança uma escuta ativa do outro, a alteridade. Na sociedade do desempenho, a sensibilidade com o outro significa vulnerabilidade. Não há espaço para sentir a dor do outro. Por sua vez, o compromisso com a individualização da felicidade despolitiza e dessolidariza a sociedade. Além disso, a digitalização contribui para o desaparecimento do confronto porque os algoritmos criam bolhas de desconstrução da realidade em um estado de pura anestesiação. Fake news ou deepfakes representam, portanto, uma forma de apatia, ou anestesia, da realidade. É ainda a dor que distingue humanos da inteligência artificial, pois, ainda que ela seja capaz de aprender e de aprendizado profundo (deep learning), ela não é capaz de ter experiência, uma vez que “apenas a dor metamorfoseia a inteligência em espírito” [9]. Por isso, jamais haverá um algoritmo da dor.

Logoterapia

Essas provocações remetem à obra de Viktor Frankel, intitulada Em Busca de Sentido [10]. Trata-se de um relato autobiográfico do que se passou no campo de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial, com incursões a episódios concretos examinados sob a ótica da logoterapia — fundada pelo autor — também denominada de terceira escola vienense de psicoterapia (posterior à Psicanálise de Freud e à Psicologia Individual de Adler).

Aqui o olhar de Frankel evidencia, diante da trágica experiência própria, a possibilidade de realização do ser humano, mesmo no epicentro do mais indigno e vil experimento da humanidade. Ainda que sob tais circunstâncias, ele argumenta que assiste uma liberdade última ao prisioneiro, privado de tudo, menos da liberdade de decidir como reagir frente às condições que lhe foram dadas. Essa significação do sofrimento, segundo Frankel [11], era associada entre os prisioneiros a uma frase atribuída a Dostoiévski: “temo somente uma coisa: não ser digno do meu tormento” [12]. O contexto dessa reflexão exprimia a garantia assegurada aos prisioneiros de configurar sua vida de modo que lhe fosse preservado um sentido, até seu último suspiro, o que foi testemunhado pelo comportamento de mártires que conservaram sua dignidade nos momentos mais difíceis.

Depois de descrever aspectos psicológicos da entrada até a saída do campo de concentração, Frankel passa a discorrer sobre o conceito da logoterapia, que, em síntese, “concentra-se no sentido da existência humana, bem como na busca da pessoa por esse sentido” [13]. Para a logoterapia, a grande força motora do ser humano é a busca do sentido, evocando uma ideia inata de vontade de sentido, em oposição à vontade de prazer, sustentado pela corrente freudiana. Assim, um de seus princípios fundamentais é não basear o comportamento humano na perseguição pelo prazer ou na fuga da dor; postulado este que permite encontrar sentido, mesmo no sofrimento.

A ausência absoluta de sentido é representada pelo vazio existencial, que, conforme levantamento estatístico de Frankel [14], acometeu 25% de seus alunos europeus e 60% daqueles norte-americanos. A diminuição da importância dos instintos de sobrevivência e das tradições desorienta o ser humano, que passa a desejar reproduzir comportamentos alheios (conformismo) ou que lhes são impostos (totalitarismo). Um dos disfarces da vontade de sentido frustrada é a vontade de poder, sobretudo em sua forma mais primitiva, que é a “vontade de dinheiro” [15]. A manifestação mais aguda do vazio existencial é o suicídio.

Na logoterapia, ademais, o sofrimento não seria condição necessária para a realização humana. Ela sustenta que existe a possibilidade de atribuição de sentido à vida, apesar dele, em circunstâncias inevitáveis, uma vez que “sofrer desnecessariamente é ser masoquista, e não heroico” [16]. A cultura da higiene mental que coage à felicidade agrava o aparente diagnóstico de que infelicidade equivaleria a um desajuste psicológico, privando as pessoas da possibilidade de considerar seu sofrimento enobrecedor ao invés de degradante. O sentido da vida é, portanto, incondicional, pois abrange, inclusive, o sentido potencial do sofrimento inevitável, que faculta, até o último instante, aceitar o desafio de sofrer com bravura e dignidade.

Infocracia

Colocadas essas questões, avança-se para o último degrau dessa incursão teórica, que complementa as duas etapas anteriores. Os conceitos de algofobia e logoterapia oferecem noções acerca dos riscos e mazelas diante dos rumos que caminha a sociedade atual com o império de um paradigma que apregoa a necessidade permanente de experimentar um estado paliativo de anestesia à dor, desprezando a importância ontológica e psicológica que o sofrimento inevitável significa ou pode significar para a realização do indivíduo. Em Infocracia [17], alguns desses elementos são retomados novamente por Byung-Chul Han, para abordar o problema sob uma ótica mais diretamente relacionada à deformação da democracia.

Sua premissa é que, em oposição ao regime de dominação disciplinar, no qual corpos e energias são explorados para ganhar poder como forma típica do capitalismo industrial por meio do adestramento do humano como animal de trabalho, vigora hoje o regime da informação, conceituado como “a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos” [18]. Nele liberdade e opressão coincidem. Não subsistem os mecanismos violentos de coação, que são substituídos por algoritmos que sussurram no inconsciente, em vez de dar ordens. Com a disponibilização total de dados pelos indivíduos, a dominação ocorre de maneira voluntária, por meio de uma liberdade motivada e otimizada.

Esse modelo denota traços totalitários, visto que o regime da informação aspira ao saber total por meio da operação algorítmica, não pela narração ideológica. O dataísmo “quer calcular tudo que é e será” [19]. A desenfreada digitalização da vida e a intoxicação de informações resulta, assim, na degeneração da democracia em infocracia. A racionalidade discursiva, que garantia a existência de uma esfera pública de debate, cede lugar para a comunicação afetiva, na medida em que prevalecem as informações que mais engajam em detrimento dos melhores argumentos.

Ferramentas de microtargeting (focalização no micro) orientam a formulação de programas para eleitores, de acordo com seu perfil psicométrico, nas mídias sociais, de modo a influenciar inconscientemente o comportamento eleitoral tal qual o comportamento do consumo. Autonomia e liberdade de escolha, que são pressupostos do processo democrático, são minados pela manipulação de dados na infocracia. No final das contas, há uma crise da verdade atrelada a um novo niilismo [20] do século 21, que não se funda na perda de crenças religiosas ou valores, mas da verdade em si. Sem ela, perde-se a facticidade e se passa a viver em um universo desfactualizado, no qual inexiste critério de distinção entre verdade e mentira.

É, pois, em face desses conceitos que a sobrevivência do regime democrático exige conformação. Se a inteligência artificial [21] já é capaz de oferecer as soluções para os problemas atuais da democracia, por que não está tudo bem? Ou está tudo bem e ninguém percebeu? Para que para escrever um artigo, então? Talvez o último suspiro do resquício da natureza humana para não sucumbir de vez ao dataísmo seja a capacidade de transcender a fim de encontrar as conexões necessárias de elementos (ainda) invisíveis no universo de dados para fugir da superfície de informações e mergulhar na essência da realidade, ou do que sobrou dela.


[1] MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 14.

[2] Tribunais de contas e inelegibilidade: limites da jurisdição eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

[3] A tolerância no processo eleitoral: contorno jurídicos e perspectivas. Rio de Janeiro: Lumem Juris: Rio de Janeiro, 2022.

[4] PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

[5] HAN, Byung-Chul. A sociedade paliativa: a dor hoje. Petrópolis: Editora Vozes, 2021.

[6] Ibidem, p. 7.

[7] Ibidem, p. 7.

[8] Ibidem, p. 9.

[9] Ibidem, p 46.

[10] Fui presentado com este livro coincidentemente em duplicidade por dois amigos distintos. Minha esposa me indagou, na ocasião, se eu estaria acometido por alguma depressão ou crise existencial que ela desconhecia.

[11] FRANKEL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicológo no campo de concentração. São Leopoldo: Vozes. Petrópolis: Vozes, 2021, p. 89.

[12] Fiquei muito intrigado com essa formulação e quis localizar exatamente a citação de Dostoievski, que não foi referida no texto de Frankel. Encontrei, contudo, na obra “O Idiota”, diálogo travado entre o Príncipe Míchkin com Hipótilo, jovem afligido por uma grave tuberculose, reproduzido nos seguintes termos: “ – (…) Mas diga-me: não sente nesta altura um grande desprezo pela minha pessoa? – Por quê? Porque o senhor parece ter sofrido e sofre mais que nós? – Não senhor, mas sim porque sou indigno do meu sofrimento”. (DOSTOIÉVSKI, Fiodor. O idiota. Tradução de A. Augusto dos Santos. Mimética: São Paulo, 2019, p. 560).

[13] FRANKEL, op. cit., p. 124.

[14] Ibidem, p. 131.

[15] Ibidem, p. 132.

[16] Ibidem, p. 138.

[17] HAN, Byung-Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Petrópolis: Vozes, 2022.

[18] Ibidem, p. 7.

[19] Ibidem, p. 22.

[20] Ibidem, p. 81.

[21] Formulei para a Meta AI esta indagação: “Você consegue me dar as soluções para os problemas atuais da democracia?” (Quantas pesquisas não foram e são produzidas no Brasil e no mundo para investigar essa questão?). Para a minha surpresa, a inteligência artifical não afirmou que era incapaz de responder. Ao contrário, foram enumerados os 5 problemas mais “comuns”, cada qual com duas soluções específicas, assim classificados: 1) desinformação e manipulação de dados; 2) polarização política e divisão social; 3) corrupção e falta de transparência; 4) desigualdade econômica social; e 5) mudanças climáticas e degradação ambiental. Acerca do problema 1, as soluções foram: “Fortalecer a educação midiática e promover a alfabetização digital, para que as pessoas possam distinguir entre informações confiáveis e falsas”; e “Implementar regulamentações mais rigorosas para as plataformas de mídia social, para evitar a disseminação de desinformação”.

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Banco Central passa a divulgar dados setoriais do seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br)

Com uma novidade, o Banco Central (BC) divulgou nesta sexta-feira (11) o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) referente ao mês de fevereiro de 2025. Será a primeira vez que o banco publicará, além do tradicional indicador agregado, a abertura setorial do índice.​

Foram divulgadas as seguintes séries sem e com ajuste sazonal: 

•    IBC-Br;

•    IBC-Br Agropecuária;

•    IBC-Br Indústria;

•    IBC-Br Serviços;

•    IBC-Br Impostos;

•    IBC-Br Ex-Agropecuária.

Modus operandi
Todas as séries têm início em janeiro de 2003, como já ocorre com o IBC-Br. Seus números-índice terão como base o ano de 2022 (que terá média 100), o que representa uma mudança em relação ao IBC-Br divulgado até março de 2025, que até então tinha como base o ano de 2002.

​Essa mudança de ano-base também será aplicada aos indicadores da família do Índice de Atividade Econômica Regional do Banco Central (IBCR) a partir da divulgação dos dados de fevereiro, em 16 de abril. Tal alteração no ano-base não afeta as taxas de variação dos indicadores de atividade econômica.

Chefe do Departamento Econômico (Depec) do BC, Ricardo Sabbadini comentou sobre a relevância da divulgação das aberturas setoriais do IBC-Br.

“Ela é importante por disponibilizar séries mensais dos três grandes setores econômicos, que são calculadas agrupando um amplo conjunto de informações de diferentes fontes, o que deve ter grande valor para todo o público que hoje já consulta o IBC-Br”. disse Ricardo Sabbadini, Chefe do Departamento Econômico (Depec) do BC. 

Transparência
As séries foram divulgadas nos mesmos locais do site do BC em que o IBC-Br já é publicado. Elas estão disponíveis na Tabela 1 dos Indicadores Econômicos Selecionados e no Sistema Gerenciador de Séries Temporais do BC (SGS)

No SGS, as séries foram divulgadas com os seguintes códigos: 

•    IBC-Br sem e com ajuste sazonal (24363 e 24364, mesmos códigos já utilizados);

•    IBC-Br Agropecuária sem e com ajuste sazonal (29601 e 29602);

•    IBC-Br Indústria sem e com ajuste sazonal (29603 e 29604);

•    IBC-Br Serviços sem e com ajuste sazonal (29605 e 29606);

•    IBC-Br Ex-Agropecuária sem e com ajuste sazonal (29607 e 29608);

•    IBC-Br Impostos sem e com ajuste sazonal (29609 e 29610).

Um resumo da metodologia utilizada para a produção desses indicadores, as especificações empregadas no ajuste sazonal das novas séries e a atualização da especificação para o ajuste sazonal do IBC-Br estão disponíveis nos metadados das séries no SGS. Informações adicionais sobre o IBC-Br e seus componentes podem ser encontradas em boxes das seguintes edições do Relatório de Inflação (que, a partir de 2025, passou a se chamar Relatório de Política Monetária): março de 2010, março de 2016 e março de 2018.

Limitação
Sabbadini explica que, apesar de a base metodológica do cálculo do IBC-Br e de seus componentes ter como referência o Sistema de Contas Nacionais (SCN) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as séries do IBC-Br são calculadas a partir de um conjunto mais restrito de informações e, consequentemente, são menos abrangentes do que as Contas Nacionais Trimestrais (CNT), também do IBGE, que são a principal referência de mensuração da atividade econômica em frequência trimestral.

Além disso, caso as novas séries dos componentes setoriais do IBC-Br sejam comparadas às séries equivalentes das CNT, espera-se que as diferenças sejam maiores do que na comparação entre o IBC-Br e o Produto Interno Bruto (PIB). 

“Mesmo assim, a publicação mensal do IBC-Br e de seus componentes, com frequência de cerca de 45 dias após o mês de referência, contribui para uma avaliação mais tempestiva da evolução da atividade econômica”, concluiu o servidor do BC.

Fonte: BC

Punitivismo do STF vai repercutir nas demais instâncias, diz advogado

Para o advogado Roberto Soares Garcia, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a composição atual do Supremo Tribunal Federal tem se mostrado “a mais punitivista” dos últimos tempos, o que deve reverberar nas demais instâncias.

“O recrudescimento das penas impostas pelo Supremo e a menor amplitude do direito de defesa logo repercutirão nas instâncias inferiores, o que resultará em maior punitivismo nos juízos de piso. Ou melhor, já está resultando. Esse quadro de recrudescimento exacerbado da resposta penal precisa ser modificado, sob pena de afastar o Brasil do garantismo penal estabelecido por nossa Constituição”, disse ele em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Ele cita como exemplo as penas impostas aos réus do 8 de janeiro de 2023, decisões recentes a respeito do Tribunal do Júri e a descriminalização da maconha para consumo próprio.

“Na prática, o julgamento que começara com a descriminalização do porte de drogas para uso próprio, diante da guinada punitivista, acabou ficando restrito à maconha. Dessa forma, abandonou o viés da inconstitucionalidade do tipo do artigo 28 da Lei de Drogas para focar nos critérios que permitem a definição do crime de tráfico”, disse.

Garcia também acredita que as sustentações orais por meio de gravações está afastando os jurisdicionados do Supremo e que as entidades que atuam como amigas da corte por vezes não se sentem escutadas.

“Nos julgamentos presenciais, com sustentação oral, o que se tem verificado é a existência de grande número de amigos da corte admitidos, o que pulveriza o tempo da sustentação que, não raro, não ultrapassa cinco minutos. Esse lapso mal comporta os cumprimentos protocolares, o que faz da exposição dos argumentos uma verdadeira corrida contra o relógio”, reclama.

Leia a entrevista:

ConJur — senhor recentemente afirmou que vê uma espécie de retrocesso em matéria penal no Supremo. Em que sentido?
Roberto Soares Garcia — Acompanho o STF desde 1993. A formação atual tem se mostrado mais e mais punitivista. Inspirada pelos ecos da tentativa de golpe de janeiro de 2023, creio evidente a predominância, até o presente momento, de evidente rigorismo penal e processual.

O recrudescimento das penas impostas pelo Supremo e a menor amplitude do direito de defesa logo repercutirão nas instâncias inferiores, o que resultará em maior punitivismo nos juízos de piso. Ou melhor, já está resultando. Esse quadro de recrudescimento exacerbado da resposta penal precisa ser modificado, sob pena de afastar o Brasil do garantismo penal estabelecido por nossa Constituição.

ConJur — O recente julgamento sobre o porte de maconha não está em sentido oposto ao do punitivismo?
Roberto Soares Garcia — Ao contrário, esse julgamento demonstra a guinada punitivista. O julgamento teve início em agosto de 2015, com a prolação do voto do ministro Gilmar Mendes, em que o relator basicamente acolhia a inconstitucionalidade do porte de drogas para uso, sem restringir a decisão a tipos de entorpecentes ou quantidades acima das quais seria presumível o tráfico. O ministro Fachin pediu vista, mas devolveu o caso rapidamente, votando, em setembro daquele ano, de forma um pouco mais restritiva do que Gilmar. O ministro Barroso acompanhou. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Teori (Zavascki, morto em 2017).

O caso volta efetivamente a julgamento somente em 2023, já com o voto do ministro Alexandre de Moraes, que leva o relator e os demais ministros a, depois, adequarem suas posições para restringir o julgamento à maconha, impondo limitações de quantidade a partir da qual pode se dar a configuração de tráfico.

Na prática, o julgamento que começara com a descriminalização do porte de drogas para uso próprio. Dessa forma, acabou ficando restrito à maconha e abandonou o viés da inconstitucionalidade do tipo do artigo 28 da Lei de Drogas para focar nos critérios que permitem a definição do crime de tráfico. Não se trata, evidentemente, de um julgamento trágico para o garantismo, mas é revelador de progressiva adesão da corte a um viés cada vez mais punitivista.

ConJur — Em quais outros casos vê essa guinada que considera como punitivista?
Roberto Soares Garcia — O Supremo decidiu recentemente pela possibilidade de serem anuladas absolvições por quesito genérico no Tribunal do Júri. Trata-se de um retrocesso. No Brasil, o julgamento pelo Júri é um direito fundamental do acusado por crimes contra a vida e os a ele conexos. Dentre as excepcionalidades desse procedimento, está o quesito da clemência, pelo qual os jurados, embora reconheçam que aconteceu uma morte dolosa e o responsável por ela foi o réu, afirmam que ele deve ser absolvido.

Trata-se de inequívoca projeção da soberania do Júri, que não deve estar sujeita à revisão de Tribunal togado por meio recurso, como acabou sendo decidido pelo STF. Clemência é virtude que modera o rigor da punição. Mesmo reconhecendo que aquele acusado matou alguém, o que é crime, o jurado, legítimo titular da soberania popular, afirma que ele não deve ser punido.

No mais das vezes, essa absolvição nasce do reconhecimento de que o jurado, se estivesse na mesma situação que se encontrava o réu, talvez também tivesse matado. Trata-se de sentimento que toma o jurado durante a sessão de julgamento e é insuscetível de revisão recursal, porque sentimento não está sujeito a apelação. Pode-se, claro, criticar a racionalidade da adoção de forma de julgamento que privilegie o sentimento, mas esse é o modelo adotado pela Constituição, em cláusula pétrea.

ConJur — Qual o possível impacto?
Roberto Soares Garcia — Há um claro enfraquecimento da soberania dos julgamentos pelo júri, com a invalidação, na prática, da regra da clemência. Uma vez anulado pelo tribunal o julgamento que afirmara a clemência, não se há de esperar que ela seja reafirmada no segundo julgamento, embora o novo conselho de sentença tenha liberdade para fazê-lo.

Quem já participou de julgamentos pelo Júri sabe a força subjetiva que tem a anulação pelo Tribunal de Justiça da decisão anteriormente tomada pelos jurados. Como o fundamento da clemência é a empatia, a experiência mostra que o argumento de que o tribunal já a afirmou indevida será definitivo, obstando a formação do sentimento de que aquele acusado não merece a condenação.

ConJur — Outra decisão recente envolvendo o júri é a que permitiu a prisão imediata após condenação. Qual é sua avaliação a respeito?
Roberto Soares Garcia — Há diferenças entre o procedimento de júri e procedimentos comuns, mas entre elas não está a supressão antecipada da presunção de inocência dos julgados por crimes contra a vida.

No que se refere ao momento do início de cumprimento da pena, o ordenamento jurídico estabelece marco único, o trânsito em julgado de sentença condenatória (art. 5º, LVII, da Constituição e art. 283 do CPP), o que já foi assentado pelo STF, nas ADCs 43, 44 e 54. A decisão da Suprema Corte que autoriza o cumprimento antecipado da pena, em casos de condenação pelo Júri, cria duas categorias de condenados: os condenados por crimes contra a vida e os condenados por crimes diversos, outorgando menos garantias aos condenados pelo Júri, que não poderão aguardar o julgamento de seus recursos antes de serem submetidos às punições.

A contradição é evidente, já que a Constituição outorga aos acusados perante o Júri direito à defesa plena, enquanto o Supremo concedeu maior proteção aos acusados em geral, aos quais a Constituição outorga direito à defesa ampla. Em poucas palavras, para o STF, amplo é mais do que pleno, o que é um absurdo vernacular, inclusive.

Mas há situação ainda mais absurda, gerada pela decisão: a 1ª Turma do STF determinou que o cumprimento de pena de crime conexo julgado pelo Júri também deve ser iniciado logo depois da Plenária; se tivesse sido processado pelo juízo comum, a condenação somente poderia ser executada depois de findos os caminhos recursais, tornando o direito fundamental ao julgamento pelo Júri em ônus. Ocorre que não é dado à Suprema Corte transformar remédio em veneno.

ConJur — O senhor atuou no pedido do IDDD para reabrir o debate sobre embargos de amici curiae. Por que o STF deveria ter recebido os embargos de amigos da corte?
Roberto Soares Garcia — O IDDD foi amigo da corte na ADPF 347 (estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário). Depois de publicado o acórdão, verificamos que o Supremo deixou de enfrentar dois argumentos nossos.

Um deles propunha o fim de restrições ao âmbito de incidência de habeas corpus, como estratégia para ‘filtrar’ com mais eficiência a entrada e permanência de presos no sistema. O outro sugeria a concessão automática de progressão de regime de cumprimento de pena, desde que vencidos os prazos legais, cabendo ao MP a oposição à alteração favorável de regime, em interpretação conforme ao art. 112 da LEP.

Ora, quando qualquer decisão judicial deixa de apreciar alegação relevante da parte, cabem embargos para sanar a omissão (art. 1.022 do CPC). Em caso de amigo da Corte, o fundamento legal explícito está no art. 138, § 1º, do CPC, bem como no art. 26 da Lei 9.868/99, no caso de ações de controle concentrado.

Tendo em vista que embargos declaratórios servem ao aprimoramento das decisões judiciais, nos parecia injustificável seu descabimento, já que a mais alta Corte do país não haveria de rejeitar sugestão de aperfeiçoamento dos seus provimentos.

Buscamos, então, pareceres dos professores Flávio Luiz Yarshell, Cássio Scarpinella Bueno e Georges Abboud, que afirmaram o cabimento de embargos declaratórios pelo amicus curiae. Infelizmente, nossos embargos não foram conhecidos, ao argumento de que não cabem embargos de declaração em ações de controle concentrado de constitucionalidade, em virtude do princípio da especialidade.

ConJur — Embargos de amigos da corte não fariam com que o procedimento fosse usado de forma protelatória?
Roberto Soares Garcia — Não parece razoável excluir do litigante ou de terceiro interessado o direito de ver aperfeiçoada a prestação jurisdicional pelo receio de que o instrumento processual seja mal usado por alguém. A presunção, afinal, é de que os litigantes serão éticos e colaborarão para o fim útil do processo, em especial em sede de jurisdição constitucional.

Ademais, o art. 1.026 do CPC estabelece o teto de duas oposições de embargos e prevê multa para os que forem protelatórios. Se o Tribunal entende que o amigo agiu mal, que se lhe imponha punição.

Essa consideração atrai uma interessante questão, que precisa ser enfrentada. Ao contrário das partes, os amigos da corte são escolhidos pelo relator, que os admite ou não dentre as entidades representativas da sociedade civil, por decisão monocrática irrecorrível. Isso significa que os habilitados mereceram a confiança da corte, o que torna absolutamente descabida a presunção de mal uso e a imposição de restrição a embargos de quem, afinal, já teve a seriedade afirmada pelo próprio Tribunal. Não há razão para desconfiar de embargos opostos por amigo da Corte.

ConJur — Os terceiros interessados sentem-se ouvidos pelo Supremo quando fazem sustentações orais?
Roberto Soares Garcia — Não. A opção por julgamentos virtuais retirou do cidadão, representado por advogado, o acesso ao seu dia na corte. Hoje, a maioria dos julgamentos do Supremo se dá em Plenário Virtual, sendo permitida só a apresentação de gravações com os argumentos das partes.

Embora a esses vídeos se dê o nome de sustentação oral gravada, trata-se de mero memorial audiovisual, que não permite interação síncrona com os julgadores ou ajuste do discurso diante da reação dos ministros. Esse modelo de julgamento impede a prestação de esclarecimentos sobre fatos e não abre a oportunidade para resposta a questionamentos dos julgadores durante a própria sustentação.

Nos últimos tempos, nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal tem se afastado do jurisdicionado, o que é muito ruim. Nos julgamentos presenciais, com sustentação oral, o que se tem verificado é a existência de grande número de amigos da corte admitidos, o que pulveriza o tempo da sustentação que, não raro, não ultrapassa cinco minutos.

Esse lapso mal comporta os cumprimentos protocolares, o que faz da exposição dos argumentos uma verdadeira corrida contra o relógio. Quase tudo se perde na pressa em falar sobre temas tão complexos, em tão pouco tempo, e as próprias posições jurídicas sustentadas pelos amici acabam indefesas.

ConJur — A gestão do ministro Barroso passou a colocar em pauta alguns processos só para que fossem feitas as sustentações orais. O julgamento fica para data posterior. Essa medida não busca justamente levar mais em conta a posição dos amigos da corte?
Roberto Soares Garcia — Esse é um método de julgamento muito mais interessante, porque os ministros ouvem as sustentações sem estarem com seus votos já preparados. Embora seja esperado que todos já tenham suas posições mais ou menos definidas sobre as questões postas nos processos, fica um espaço para o convencimento do magistrado.

Além disso, o ambiente dessas audiências exclusivas para sustentações orais parece favorecer a interação entre ministros e advogados, com os julgadores interrompendo as orações para formular questões, o que enriquece o julgamento e, talvez, desestimule sustentações despreparadas ou decoradas, tornando a troca entre operadores do direito mais rica e estimulante.

Espero que essa forma nova de julgamento se consolide e constitua, de fato, um início da retomada da relevância da sustentação oral nos julgamentos do Supremo, já que o movimento do tribunal tem sido, nos últimos tempos, de se recusar a ouvir a voz do jurisdicionado, o que é muito grave.

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Instituições reúnem-se em São Paulo para debater o aprimoramento de normas previdenciárias e beneficiar milhares de brasileiras(os)

Com foco na celeridade, eficiência e ampliação da conciliação, começa nesta quinta-feira (10), na sede do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo (SP), o congresso Fluxos Procedimentais em Temas Previdenciários e os Desafios da Instrução Concentrada. O evento reúne instituições parceiras para debater conjuntamente soluções inovadoras que tornem os processos previdenciários menos burocráticos e mais acessíveis, especialmente para seguradas(os) em situação de vulnerabilidade.

O congresso pioneiro, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), em parceria com o TRF3 e a Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região (EMAG), e com apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), reúne magistradas(os), procuradoras(es), advogadas(os) e demais operadoras(es) do Direito visando debater soluções para modernizar os trâmites previdenciários e assegurar os direitos sociais com mais agilidade e segurança jurídica.

O vice-presidente do Conselho da Justiça Federal (CJF) e corregedor-geral da Justiça Federal, ministro Luis Felipe Salomão, responsável por coordenar o encontro, destacou a importância estratégica da iniciativa. “A implementação da Instrução Concentrada é fruto de um esforço coletivo entre a Justiça Federal, o INSS, a PGF e a OAB. Essa colaboração demonstra a magnitude do projeto e seu potencial para beneficiar a sociedade, garantindo que os cidadãos tenham acesso mais rápido e eficiente aos seus direitos.”

Dados

A iniciativa surge como resposta ao crescente volume de ações em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que impactam diretamente a vida de milhões de brasileiras(os).

Dados atualizados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que, até fevereiro de 2025, a Justiça Federal registrou 3.236.489 de processos previdenciários pendentes. No mesmo período, foram ajuizadas 398.174 novas ações e 368.529 processos foram baixados, em um esforço contínuo para equilibrar o volume processual.

Das 304.219 ações julgadas, 68.470 foram procedentes, 88.248 improcedentes e 74.404 resultaram em acordos homologados — demonstrando avanços significativos na conciliação e resolução dos litígios.

Os dados podem ser consultados no painel “Justiça em Números” do CNJ.

Eficiência processual

Entre os principais temas em debate está a Instrução Concentrada, procedimento inovador que permite que todas as provas sejam apresentadas no início do processo, evitando audiências e reduzindo significativamente o tempo de tramitação. O procedimento já está sendo aplicado com foco nas ações de aposentadoria por idade rural e híbrida, além do salário-maternidade para seguradas especiais, orientado pela Recomendação CJF n. 1/2025.

A experiência prática desse modelo já demonstrou resultados positivos. Em projeto-piloto conduzido pelo TRF3, a adesão ao novo formato chegou a 71,73% em Jales (SP), com 58,89% de acordos celebrados. Em Registro (SP), a adesão foi de 45,95%, com 18% de acordos. Esses frutos indicam que o modelo será uma ferramenta primordial e eficaz para reduzir a judicialização desnecessária e fortalecer a conciliação.

Capacitação

O evento busca capacitar as(os) operadoras(es) do Direito para interpretar e aplicar as normas previdenciárias corretamente, promovendo mais segurança jurídica nas decisões e mais efetividade na execução dos benefícios. A atualização técnica sobre instrução processual e produção de provas é essencial para modernizar os procedimentos sem prejuízo aos direitos das(os) seguradas(os).

O congresso marca avanço na articulação interinstitucional entre a Justiça Federal, o INSS, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em uma atuação coordenada para a construção de um sistema mais ágil, justo e eficiente. A atuação integrada entre as instituições fortalece o princípio da colaboração previsto no art. 6º do Código de Processo Civil e reafirma o compromisso com a Justiça Social.

Expansão

A partir das experiências acumuladas com a Instrução Concentrada, o Judiciário avalia expandir a metodologia para outros tipos de ações, como os pedidos de pensão por morte, principalmente em casos que envolvem comprovação de união estável. A iniciativa representa um passo decisivo rumo a uma Justiça mais acessível, humana e eficiente para as(os) brasileiras(os) que mais precisam da proteção social do Estado.

Fotne: CJF

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