Auditoria de controles internos: passo adiante na prevenção de fraudes empresariais

E o auditor, onde estava? A cada novo escândalo financeiro, essa é a pergunta que corre na boca do povo, na imprensa e nos meios empresariais. Afinal, como é que o auditor não viu o que estava acontecendo, se a função do auditor independente é justamente “fiscalizar” os administradores das empresas?

É humano pensar assim, porque a nossa espécie lida especialmente mal com surpresas negativas. Sabemos que as incertezas da vida nos trazem ansiedades e aflições desagradáveis. Por isso, somos propensos a construir estados mentais que nos levam a crer que os acontecimentos da vida seguem padrões de racionalidade, a despeito de serem, em grande medida, aleatórios. Passado algum tempo, essa mesma ilusão nos faz acreditar que o evento imprevisto era, sim, previsível. E essa crença é tanto mais forte quanto mais drásticas tenham sido as consequências do acontecimento em questão [1].

Essa forma de pensar é compreensível, porque errar é humano. Sim, quem pensa que a auditoria independente existe para “fiscalizar” a empresa auditada está muitíssimo enganado. Pior ainda, nenhuma lição útil poderá ser aprendida com a experiência adquirida a cada nova fraude empresarial, se essa falsa premissa for a origem da indignação que usualmente acompanha a pergunta com que comecei este artigo.

Com efeito, quem busca a verdade deve, antes de tudo, aprender a fazer as perguntas certas. Causará espanto a grande parte das pessoas saber que, segundo as normas que regem a profissão, a finalidade do trabalho do auditor independente não é identificar erros ou fraudes contábeis. Como dispõe o item 3 da Norma Brasileira de Contabilidade, NBC-TA 200, editada pelo Conselho Federal de Contabilidade ao encampar as normas internacionais de auditoria, o objetivo da auditoria é “aumentar o grau de confiança nas demonstrações contábeis”, mediante a expressão de uma opinião quanto à existência de “segurança razoável” de que as demonstrações contábeis foram elaboradas, em todos os aspectos relevantes, com obediências às normas contábeis aplicáveis.

Segundo as mesmas normas, “segurança razoável” é um nível elevado de convicção de que as demonstrações contábeis estão livres de distorções “relevantes”, quer em decorrência de erros ou fraudes. Essa segurança, porém, não é absoluta, dado que, em razão de a auditoria ser realizada em base amostral e segundo critérios de materialidade, “há um risco inevitável de que algumas distorções relevantes das demonstrações contábeis não sejam detectadas, embora a auditoria seja adequadamente planejada e executada em conformidade com as normas de auditoria” (NBC-TA 200, item A.53).

A despeito de não ser sua a responsabilidade primária pela detecção de erros ou fraudes, o dever de ceticismo obriga o auditor supor, ao longo do seu trabalho, que as demonstrações financeiras possam conter distorções não identificadas, sejam elas decorrentes de erros ou fraudes. Ao planejar o trabalho, o profissional deve estruturar seus testes e verificações de modo adequado, para que esteja autorizado a concluir que é suficientemente baixo o risco da existência de distorções relevantes não identificadas nas demonstrações financeiras.

Risco baixo, porém não inexistente. São as normas profissionais que afirmam que “a descoberta posterior de uma distorção relevante das demonstrações contábeis, resultante de fraude ou erro, não indica por si só, uma falha na condução de uma auditoria em conformidade com as normas de auditoria”.

Se não é ao auditor, quem, então, será o real responsável pela obrigação de prevenir erros ou fraudes?

Segundo a lei e as normas de auditoria, não há a menor dúvida de que os maiores responsáveis por essa obrigação são os administradores das empresas, estejam elas sujeitas ou não a auditoria independente.

O dever de diligência dos administradores das companhias, conforme o artigo 153 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), compreende três principais subdeveres: (i) o de informar-se, (ii) o de vigiar e (iii) o de investigar. De acordo com a jurisprudência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não se afere a diligência do administrador pelos resultados obtidos com sua atuação.

A diligência se mede pela higidez dos “procedimentos” adotados para a tomada da decisão, no âmbito da chamada business judgement rule. Segundo essa regra, o “mérito” das decisões negociais não pode ser questionado pelo julgador, sempre que o administrador tiver adotado procedimentos apropriados para a tomada da decisão. Já os subdeveres de supervisão e fiscalização exigem do administrador que adote “medidas e controles que permitam o adequado acompanhamento dos negócios sociais”.

Em que pese, todavia, a business judgement rule impeça a discussão do mérito das decisões negociais tomadas de maneira “informada, refletida e desinteressada”, falhas no dever de monitoramento, por sua vez, não são passíveis de proteção pela regra [2]. Ou seja, as omissões da administração quanto ao exercício dos deveres de vigiar e de investigar estão sujeitas, pela lei, a um padrão de análise mais rigoroso do que o estabelecido para as decisões negociais, propriamente ditas.

As normas internacionais de auditoria independente não destoam dos critérios da lei. Assim, por exemplo, o item 4 da NBC TA 240 (R1), que dispõe sobre os deveres do auditor em relação a erros ou fraudes, afirma textualmente que a “principal responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude é dos responsáveis pela governança da entidade e da sua administração”.

É igualmente da administração da empresa a responsabilidade pelo seu sistema de controles internos, que é planejado, implementado e mantido “pelos responsáveis pela governança, pela administração e por outros empregados para fornecer segurança razoável quanto ao alcance dos objetivos da entidade no que se refere à confiabilidade dos relatórios financeiros, à efetividade e eficiência das operações e à conformidade com leis e regulamentos aplicáveis”. (NBC TA 315 (R2), item 12, “m”).

Deveras, os controles internos são de suma importância para a consecução dos objetivos empresariais, da mesma forma que seu bom funcionamento é crucial para que as informações divulgadas pela empresa, com especial destaque para suas demonstrações financeiras, sejam fidedignas.

Poucos sabem, contudo, que, segundo as normas internacionais, a auditoria independente não inclui a emissão de opinião sobre os controles internos da entidade auditada. Assim, por exemplo, o item 21 da NBC TA 315 (R2) exige que o auditor obtenha um entendimento adequado sobre o ambiente de controles existente na entidade, para, com base nisso, planejar o trabalho de forma proporcional aos riscos que forem identificados.

Não obstante, no relatório final de auditoria, o auditor independente não manifesta opinião sobre a qualidade dos controles internos da entidade. Caso constate a existência de deficiências de controle interno, cabe ao profissional informar o fato à administração e aos responsáveis pela governança da entidade, consoante determina a NBC TA 265. Note-se que o auditor independente não tem liberdade para decidir o que deve ou não constar de sua opinião de auditoria. Tudo é detalhadamente regrado e pré-definido pela lei e pelas normas profissionais [3].

Tampouco se exige dos administradores das empresas que prestem informações específicas ao mercado sobre o desempenho de sua obrigação de fiscalizar os negócios sociais, testando os controles internos existentes, introduzindo aprimoramentos e criando novos mecanismos, para suprir deficiências, quando necessário.

A falta de um comprometimento mais explícito dos administradores das companhias foi considerada, nos Estados Unidos da América, como deficiência nos padrões de governança empresarial. Já em 2002, como reação ao escândalo da Enron, foi editada a Lei Sarbanes-Oxley, dentre cujos aprimoramentos passou a ser exigida dos administradores das companhias a prestação de informações específicas sobre os cuidados dispensados para assegurar efetividade aos controles internos. Criou-se ainda a exigência de que tais informações passassem a ser submetidas à auditoria independente, segundo regras pré-estabelecidas.

Nesse contexto, cabe aos auditores independentes aplicar testes e verificações sobre os controles, de modo atestar que o relato da administração reflete adequadamente as providências adotadas para a gestão dos controles internos.

Esse sistema tem a vantagem de gerar maior comprometimento dos administradores com a efetividade dos controles, provendo ao mercado informações mais detalhadas e de melhor qualidade sobre o cumprimento dos deveres de monitoramento e fiscalização por parte da administração.

Passados mais de 20 anos da edição da Sarbanes-Oxley, a legislação brasileira ainda não adotou a auditoria de controles internos visando a aprimorar a prevenção de fraudes empresariais. Um passo importante nessa direção foi dado com a aprovação do Projeto de Lei nº 2581/2023, do Senador Sergio Moro pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Embora, inicialmente, o projeto se limitasse a regras eminentemente de natureza penal, a CCJ acolheu a emenda proposta pelo Senador Izalci Lucas, para introduzir na Lei nº 6.385/1976 a exigência de divulgação, pelas companhias, de relatórios emitidos pela pessoa jurídica sobre os controles internos voltados à prevenção de erros ou fraudes contábeis, na mesma periodicidade aplicável à divulgação das demonstrações financeiras. Esses relatórios estarão sujeitos a auditoria independente, na forma das regras a serem editadas pela CVM.

Aprovado em caráter terminativo na CCJ, o projeto foi encaminhado à apreciação da Câmara dos Deputados, onde se espera que as novas regras sejam aprovadas e possam ser aprimoradas ainda mais. Por exemplo, deixaram de ser acolhidas no Senado propostas que visavam a (a) explicitar melhor a responsabilidade da administração sobre a implementação e o monitoramento de controles internos, (b) dar status legislativo à exigência de criação de comitês de auditoria em companhias abertas, assim como (c) instituir a obrigação de que essas entidades mantenham canais de denúncias em funcionamento.

Como se percebe, para quem deseja aprimorar a prevenção a fraudes empresariais, há muito ainda a fazer, em lugar de ficar, inutilmente, repetindo a pergunta: onde estava o auditor?

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[1] Sobre a notação de “viés retrospectivo”, vide Daniel Kahneman, “Thinking Fast and Slow”, p. 202/203.

[2] Vide, a propósito, o voto da relatoria do então Presidente da CVM, Marcelo Babosa, no processo nº 19957.009118/2019-41.

[3] Basta ver que os apêndices da NBC TA 700, traz exemplos de espécies de relatórios que podem ser emitidas pelo auditor independente. Embora não se trate de fórmulas inflexíveis, os títulos e os parágrafos “opinião” e “base para a opinião” devem ser redigidos conforme as normas preconizam. Vide NBC TA 700, item A 19.

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Desburocratização do setor do turismo não pode atentar contra direitos do passageiro PCD

O Projeto de Lei nº 1.829, ainda em trâmite no Congresso, propõe significativas alterações em diversas legislações relativas ao turismo, com especial destaque à Lei Geral do Turismo (Lei nº 11.771/08), ao Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86), à Lei de Utilização e Exploração dos Aeroportos (Lei nº 6.009/73) e ao Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15). [1]

De acordo com a mensagem inicial, seu escopo é a “modernização” deste setor no Brasil, qualificando-o com “segurança jurídica” mediante aprimoramento legislativo. Dentre as mudanças propostas, duas são temerárias e controversas, porquanto afetam direitos de consumidores e pessoas com deficiência.

A primeira consiste na inserção, ao Código Brasileiro de Aeronáutica, do artigo 251-B, o qual veda que a indenização por dano moral decorrente de falha na prestação do serviço de transporte aéreo tenha caráter presumido, punitivo ou que de qualquer forma não vise compensar o dano sofrido e comprovado.

E a segunda diz respeito à introdução do §3º no artigo 45 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, dispensando os estabelecimentos de hospedagem já existentes da obrigação de disponibilizar pelo menos 10% de seus dormitórios acessíveis aos hóspedes com deficiência caso comprovada a impossibilidade técnica em razão de riscos estruturais da edificação por meio de laudo técnico estrutural.

Em síntese, aquela evidencia tentativa de dificultar a reparação do dano ao passageiro lesado, e esta, em vez de fixar prazo razoável para adequação predial, estimula a continuidade de falta de acessibilidade.

As proposições, num só tempo, afrontam a Constituição, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como são altamente díspares ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e ao Estatuto da Pessoa com Deficiência (EDP), enquanto microssistemas transversais, assim entendidos como ‘legislações afirmativas’, caracterizadas por: (i) novos direitos; (ii) direitos a tratamento metodológico diferenciado; (iii) direitos de sujeitos identificados constitucionalmente; (iv)  direitos derivados de rede normativa (convenções, tratados, dispositivos constitucionais); (v) direitos multidisciplinares, com nítido objetivos relacionais entre sustentabilidade, socialidade e efetividade. [2]

O PL foi remetido à Câmara de Deputados para aprovação final porquanto tais emendas foram realizadas durante a tramitação no Senado e sua análise põe em evidência a percepção de que o legislador se desviou do necessário ‘dever de harmonização’ entre interesses, eis que o fortalecimento do setor do turismo não pode pressupor a mitigação de direitos fundamentais democraticamente conquistados e preconizados tanto na Constituição quanto em fontes de direito internacionais.

A vedação ao caráter presumido do dano moral ou à possibilidade de lhe atribuir um caráter punitivo (decorrente da sua função pedagógica) a passageiros lesados e a dispensa de estabelecimentos adaptados e acessíveis às pessoas com deficiência não somente revelam atrocidades legislativas como extravasam a esfera do direito para alcançar outros campos como a ética, as relações internacionais e, principalmente, a economia.

Com efeito, a mitigação em abstrato da responsabilidade civil das transportadoras aéreas e a atenuação de deveres de acessibilidade quanto às acomodações de passageiros contribuem fortemente para o “desestímulo” ao necessário controle de qualidade e segurança de produtos e serviços inseridos no mercado.

Mas não é só

Outro problema (e mais grave) está situado no âmbito da promoção da transparência quanto aos temas postos em discussão no parlamento e o básico respeito às partes interessadas (stakeholders). [3] As entidades de direitos civis dos consumidores não foram ouvidas em sua maioria. Não foram chamadas a verificar o ‘substitutivo’ do PL apresentado em instantes finais.

Há, neste recorte, o aviltamento não mais a direitos ou o desrespeito a consumidores ou pessoas com deficiência. O ponto de estrangulamento é mais amplo e letal: a mitigação do processo democrático legislativo que deveria ser praticado pelas casas parlamentares, considerando que ‘todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente’ (CF, artigo 1º, parágrafo único).

Veladamente, percebe-se que, sob o manto envernizado da ‘burocracia institucional’, os eixos estruturantes e funcionais do regime pluralista são desconsiderados, de forma a permitir, sem qualquer legitimidade, a adoção de modelos diferenciados (globalistas) [4] que fulminam na prática os direitos fundamentais e desnudam a ‘democracia totalitária’. [5]

Quanto à mitigação da responsabilidade civil das transportadoras aéreas, a iniciativa legislativa apresenta dois problemas semânticos que desafiam enfrentamento.

O primeiro, quando menciona ‘danos morais’ em vez de ‘danos extrapatrimoniais’. Não se deve descurar que a dogmática evoluiu na formulação da chamada função compensatória da responsabilidade civil. Danos morais eram assim designados por não serem danos emergentes ou lucros cessantes, ou seja, eram ‘danos não patrimoniais’ (visão negativa que contemplava a natureza da lesão).

Posteriormente, foram compreendidos não pela natureza, mas pela ‘repercussão’ na esfera de proteção da vítima (visão crítica, que contempla efeitos da lesão). [6] Para, via de consequência e com arrimo na legalidade constitucional (visão valorativa), se associarem às lesões ofensivas à ‘cláusula geral de tutela da pessoa humana’[7] entre nós, representativa dos direitos da personalidade. [8]

Ora, o PL deixa de esclarecer se a alteração diz respeito ‘danos morais puros’ (causadores de sofrimento, dor, exposição indevida, constrangimento, angústia) ou à ideia de “danos extrapatrimoniais”. A diferenciação é essencial porque, no transporte aéreo, ambos podem ocorrer: não apenas o sofrimento ou angústia pelo voo cancelado ou atrasado (dano moral puro), mas também danos decorrentes de discriminações indevidas (orientação sexual, religião), danos à integridade física (malas que caem dos compartimentos), danos à utilização de imagem (sem consentimento), os quais se enquadram como espécie do gênero dano extrapatrimonial. E como a redação é truncada, o intérprete não pode tomar um pelo outro.

O segundo problema se refere à prova da lesão, pois o texto da proposição veda o ‘caráter presumido’ ou ‘punitivo’ ou ‘que de qualquer forma não tenha por objetivo compensar um dano comprovado’. A iniciativa estabelece regra abstrata para vedar a aplicação in re ipsa do dano, não bastando apenas violação a dever sobre o qual a companhia aérea não atendeu ou adimpliu, mas exigindo prova da lesão e sua extensão (em complemento ao também controvertido artigo 251-A, do Código de Aeronáutica). [9]

A tentativa de criação de tal regra prejudica os consumidores visto que a análise de eventual presunção do dano deve ser feita concretamente, a partir da análise dos fatos, porque plenamente possível a ocorrência de dano presumido em situações como cancelamento de voo sem informações prévias e assistência material adequada ou situações de overbooking sem o oferecimento de alternativas e assistência material.

Igualmente a proibição da função punitiva é alarmante, em função de, nestes termos, restarem afastados os ‘danos morais coletivos’ (LACP) que têm caráter sancionatório e repreensivo (inclusive in re ipsa), como no caso de ação civil pública do MPMG contra empresa que captava recursos para viagens aéreas e não entregam o serviço contratado. [10]

A mitigação da responsabilidade civil das aéreas por danos morais, conforme proposto, viola o fundamento da dignidade da pessoa humana, princípio-motriz e valor fonte do ordenamento jurídico brasileiro, e base dos direitos da personalidade e direitos fundamentais. Não à toa que a Excelsa Corte Suprema, ao manter as indenizações por danos materiais de passageiros nos limites das Convenções de Varsóvia e Montreal, [11] reafirmou, de outro lado, a compensação integral dos danos extrapatrimoniais, sem quaisquer limites indenizatórios, com fulcro no CDC (Tema 210). [12]

Vale o destaque que a compensação por danos extrapatrimoniais é expressão concreta da dignidade humana, servindo como funcional aríete para mitigar as lesões aos direitos da personalidade. Assim, atenuar, por lei, o direito à indenização não só avilta tal fundamento como conspurca o dever do Estado na proteção dos consumidores (CF, artigo 5º, inciso XXXII), fazendo tábua rasa do ‘princípio da vulnerabilidade’ como elemento de conexão entre a Constituição e o CDC.

No mais, a própria Constituição assegura a responsabilidade civil como ‘garantia’ à prevalência dos direitos fundamentais: sendo a relação passageiro-transportador assimétrica e vertical e havendo norma que tutela os direitos do sujeito reconhecidamente vulnerável, a responsabilidade civil opera como relação juridica jusfundamental, contribuindo para a preservação dos direitos fundamentais e relevando a prática de ilícitos constitucionais. [13]

Ainda, inconstitucional a ‘tolerância’ do legislador com o estabelecimento hospedeiro que comprove impossibilidade técnica decorrente de riscos estruturais da edificação para atender os passageiros com deficiência e mesmo assim permitir a hospedagem. Na realidade, o que deveria estar interditado, por ser considerado uma verdadeira barreira social, é, precisamente, a opção inserta na iniciativa legislativa.

A entrada em vigor do EPD já ultrapassa oito anos e, dentre seus maiores significados, está a inclusão e a acessibilidade. Ora, tratando-se de dever fundamental da operadora acomodar seus passageiros nas hipóteses de cancelamento ou atraso de voo (o que por si só já configura dano), a utilização, para tanto, de hospedarias sem acessibilidade representa outra lesão, outro dano, evidenciando claramente o desrespeito à pessoa hipervulnerável que necessita de maior proteção. O direito fundamental à locomoção urbana da pessoa com deficiência não pode ser violado tão acintosamente por legislação infraconstitucional ordinária.

Se não inconstitucional, cabe “controle de convencionalidade” contra referido dispositivo, já que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estatui no artigo 9º que é dever dos Estados membros assegurar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspecto da vida, garantindo igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural, aplicáveis inclusive, a edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho.

Realmente há necessidade de “segurança jurídica” no Brasil, especialmente para ‘efetividade dos direitos fundamentais’, vedando-se o retrocesso e fazendo valer os deveres fundamentais a que o Poder Público, em especial o Legislativo, está vinculado.

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[1] SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n.º 1.829, de 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136000. Acesso em 2 ago. 2024.

[2] MARTINS, Fernando Rodrigues; FERREIRA, Keila Pacheco. Verticalidade digital e direitos transversais: positivismo inclusivo na promoção dos vulneráveis. In: RDC. v. 147. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023, p. 15-50.

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros. 8ª Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 18. Com apoio em Pimenta Bueno: “A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”.

[4] BECK, Ulrich. O que é globalização? equívocos do globalismo: respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

[5] OTERO, Paulo. A democracia totalitária. Parede: Principia, 2001. p. 151-157.

[6]FACCHINI NETO, Eugênio; Goldschmidt, Rodrigo. Tutela aquiliana do empregado: considerações sobre o novo sistema de reparação civil por danos extrapatrimoniais na esfera trabalhista. RT. v. 984. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 219-254.

[7] Nesta perspectiva, a reforma da CLT, inserindo o art. 223-A e seguintes, definiu danos extrapatrimoniais como gênero que alberga os danos específicos à honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer, integridade física, dentre outros direitos da personalidade.

[8] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

[9] Acerca da impropriedade da inserção do art. 251-A no Código Brasileiro de Aeronáutica pela Lei n.º 14.034/2020 em virtude da falta de pertinência temática com a MP n.º 925/2020 e com os impactos causados ao setor aéreo pela pandemia da Covid-19, ver: TARGA, Maria Luiza Baillo. O dano moral nas relações de consumo: os pressupostos para reparação, a judicialização e a criação de obstáculos a partir do exemplo do transporte aéreo. In: GUERRA, Alexandre de Mello; BIBÁ, Ana Rita; et. al. (Org.). Dano moral na prática. 1ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024, v. 1, p. 255-276.

[10] STJ. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2130178 – MG (2022/0146868-5). Rel. Min. Moura Ribeiro.

[11] MARQUES, Claudia Lima; TARGA, Maria Luiza Baillo. https://www.conjur.com.br/2023-jan-24/marques-targa-danos-extrapatrimoniais-transporte-aereo/Acesso em 01-08-2024.

[12] STF ARE 766618. Tema 210 de Repercussão Geral: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. O presente entendimento não se aplica às hipóteses de danos extrapatrimoniais.”

[13] Ver https://www.migalhas.com.br/depeso/370099/ilicitos-constitucionais-e-responsabilidade-civil. Acesso em 01-08-2024.

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IA no Direito: máquinas não podem tudo, mas podem muito

Sábado passado, enquanto relia, empolgado, o livro Inteligência Artificial & Data Science no Judiciário brasileiro, de Roberta Eggert Poll (Fundação Fênix aqui), fui indagado por Sofia (minha filha de 16 anos que, para minha alegria, gosta de filosofia, cognição, inteligência artificial e quejandos; Felipe, Artur e Caio gostam mais de futebol e jogos eletrônicos, embora sejam antenados) sobre o reducionismo de se chamar o que as máquinas fazem de “inteligência artificial”.

Sofia, então, perguntou-me: pai, quando eles falam de inteligência artificial, de que inteligência eles falam? Dialogamos sobre o momento histórico da nomeação do domínio (1956), dos achados da ciência contemporânea e de que as máquinas conseguem realizar inferências dedutivas e, no limite, indutivas, sem que a abdução seja viável, por enquanto. Nunca se sabe sobre o que poderá advir no futuro, até porque ela reconhece a possibilidade quanto à conexão máquina-humanos.

Finalizamos com a conclusão de que é injusto ler a expressão (inteligência artificial) fora do seu contexto de atribuição. Muitas vezes a crítica sequer entende do que se trata. Em seguida ela perguntou-me sobre a autora e o conteúdo do livro.

Respondi: então, Sofia, conheci Roberta Eggert Poll pelo mundo virtual, quando da defesa do seu trabalho de doutorado junto ao programa de doutorado da PUC-RS, sob orientação do colega Eugênio Facchini Neto. Calhou com o tema que pesquisamos porque os diálogos que travamos desde então sempre ocorreram pela rede, em poucos e proveitosos debates quanto aos limites e possibilidades da máquina em apoio à decisão humana, nunca em substituição.

Sofia me disse — e concordei — que existem diversos tipos de sentença e nem todas demandam atividade cognitiva, devendo-se separar o grau de exigência (por ser filha de mãe e o pai juízes, já viu modelos de extinção de execuções pelo pagamento, por exemplo). De fato, se houve pagamento e o credor concordou, não há controvérsia a ser dirimida por sentença que, então, poderia ser prolatada pela máquina sob supervisão humana.

No entanto, quando se tratar de decisão com inferências quanto à articulação entre premissas normativas e fáticas, a questão se modifica. Mesmo assim, a depender dos pontos controversos, por mais que a máquina não decida, poderá apoiar na organização do conteúdo, atualização de fontes (legislação, doutrina e jurisprudência), além de auxiliar na construção de modelo pessoal do julgador.

Aqui a máquina pode muito, como demonstrou Fábio Porto no recente livro sobre IA Generativa no Direitoaqui. Aliás, tenho construído e refinado os meus modelos e ficado impressionado com a acurácia das entregas (voltarei ao tema no futuro. Funcionam).

Perspectivas não excludentes

Eis o contexto digital que estamos inseridos, no qual as coordenadas que orientam a atuação jurídica exigem três perspectivas não excludentes: (a) continuidade; (b) ajuste; e/ou, (c) ruptura. Entretanto, para que tenhamos um debate minimamente honesto, além do “fla-flu” (rivalidade de posições: contra ou favorável), mostra-se necessário entender as possibilidades e os limites da inteligência artificial, com ênfase na generativa (GPT, Lhama, Claude, Gemini, Mistral etc.) porque depois, pelo menos, do uso de “tokens” e do “Transformers” (aos menos avisados não é o filme de carros-robôs), é revolucionária a capacidade de os modelos aprenderem contextos.

Aliás, o Lhama da Meta conta atualmente com três versões de 8, 70 e 405 bilhões de parâmetros, com alto potencial de uso porque “open source”. O ritmo das novidades é incompatível com o das discussões que se referem a modelos de inteligência artificial fora do atual “estado da arte”.

Fabiano Hartmann, Fernanda Lage, Isabella Ferrari, Dierle Nunes, Vinícius Mozetic, Alexandre José Mendes, Raimundo Teive e Diogo Cortiz, dentre outros, demostram a importância de revisão do contexto, evitando-se críticas a modelos ultrapassados. Em geral, a crítica jurídica é alheia ao que se discute no domínio da IA, valendo-se da falácia do espantalho (constrói uma caricatura fantasiosa do que não é).

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Nesse sentido, Roberta Poll escreveu um livro de modo direto e consistente sobre temas complexos, articulando a temática de modo a conferir o devido letramento do leitor. A continuidade está descrita no item 2.1 do livro, com o respeito às regras do jogo democrático. Entretanto, os ajustes precisam acontecer de modo honesto e aberto, por meio de discussões informadas para além da superfície de gente que sequer sabe o que significa “hagging face” (visite e se assuste, se puder entender, claro aqui).

Antes disso, porém, devemos situar a transformação digital no Direito. O impacto da leitura do trabalho cuidadoso demonstra a preocupação com os destinos assumidos pelo processo eletrônico, transformado inicialmente em mero sistema de gestão de documentos, sem a “integração”, para usar um termo “cringe”, das amplas possibilidades da inteligência artificial.

No ponto, chegou o momento de termos um único sistema nacional porque é impossível que advogados, partes, magistrados e interessados tenham que se submeter a sistemas fracassados que continuam por renitência dos decisores, exigindo-se a unificação nacional, quem sabe, com o Eproc do TRF-4 que, como gestor de documentos, em relação aos concorrentes, ganha com sobras.

Chega a ser covardia a diferença da experiência do usuário. Aliás, muito se fala sobre o tema, em geral, sem o domínio das categorias necessárias à compreensão do suporte técnico e dos limites do campo da IA aplicado à gestão de processos judiciais, com iniciativas de duvidosa legitimidade que se abraçam em modelos comerciais sem a transparência necessária exigida inclusive pelos atos normativos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A crítica formulada por Roberta passa pelo desconhecimento quanto ao funcionamento das máquinas, com demandas de impossível atendimento, justamente porque se confundem os registros. As máquinas não podem tudo, mas podem muito quanto se trata de processar imensos volumes de dados, realizar consultas, promover a interoperabilidade dos diversos bancos de dados disponíveis e que, em regra, não são trazidos aos autos.

A premissa liberal do processo, consistente em “o que não está nos autos, não está no mundo”, decorria do contexto analógico, com a atribuição às partes do ônus de obter e juntar a documentação e, por consequência, os dados relevantes à resolução do caso.

No entanto, diante dos interesses em jogo, especialmente de vulneráveis (consumidor, idosos, deficientes, crianças e adolescentes etc.) e do interesse público subjacente em decisões de melhor qualidade na esfera do Direito Público, chegou a hora de negar as aparências, disfarçando as evidências quanto ao impacto da invasão tecnológica (virada tecnológica, diz Dierle Nunes).

Qual o motivo para não termos uma base de dados nacional de jurisprudência, legislação, fornecedores, indicação de julgados similares e outras funcionalidades disponíveis às partes e ao julgador? Capacidade tecnológica não falta, como os eventos organizados por Ademir Piccoli indicam.

Parece-me que a ruptura com o modelo liberal de direito civil também precisa aportar no processo. Se os bancos de dados podem se conectar aos processos eletrônicos por meio da chave CPF, custa acreditar na resistência de muitos em nome de um processo do tempo do papel, certidões, carimbos e juntadas.

Se o contexto analógico ficou para trás (sobre contexto Onlife de Luciano Floridi aqui), então, a resistência irracional quanto às possibilidades do uso de máquinas em apoio à decisão, dentro de controles estatais, é ineficaz e ineficiente. Claro que máquinas não conseguem tudo, mas podem apoiar. Muito. Eu mesmo uso diversos recursos de apoio, embora fora dos sistemas oficiais, porque internamente o que temos são meros gestores de documentos, com uma ou outra funcionalidade, ainda que a Plataforma Digital do Poder Judiciário seja promissora.

A preocupação de Roberta vai no ponto certo. Reproduzo a sua preocupação:

“Uma teoria da decisão judicial sob uma perspectiva de IA precisa demonstrar como se deve dar o discurso argumentativo, a partir do qual será construída a decisão judicial e quais os papéis dos seus diversos atores. Deve, ainda, demonstrar quais as consequências do descumprimento daquilo que foi decidido ou estabelecido pelo sistema inteligente. Além disso, deverá ser capaz de lançar luzes sobre a possibilidade de controle da decisão judicial, ou seja, os critérios mínimos que limitem a utilização de algoritmos decisionais, considerando o estágio atual de evolução da IA no Direito.”

É um sintoma do que se passa com as novas coordenadas impostas que já chegaram e são utilizadas, como se verifica atualmente com as oportunidades e riscos do GPT 4, 5, Lhama, Claude etc. O futuro chegou, principalmente para quem usa errado (pergunta sobre fatos para modelos, p.ex.; construir prompts é uma necessidade). As máquinas não podem tudo. Mas podem muito, para quem sabe ler o contexto e integrar as oportunidades, mantida a preocupação com a “democraticidade” das decisões, para usar o termo de Rui Cunha Martins.

O futuro, também, será o lugar em que Sofia, Felipe, Artur, Caio e Lucca (filho da Roberta) irão viver. Muito do que vivenciarão depende da geração atual. Nesse sentido, recomendo a leitura do livro, na esperança de que possamos construir modelos democráticos de decisão judicial. Até porque, como demonstra Roberta, no atual estado de coisas, não é inteligente desprezar todo potencial existente. É irracional, como diz Richard Susskind, no livro “Advogados do Amanhã”, traduzido para o português, pela editora Emais (aqui):

“É, simplesmente inconcebível que a tecnologia alterará radicalmente todos os ângulos da economia e da sociedade e, ainda de alguma forma, os serviços jurídicos serão uma exceção a toda a mudança. […] Tecnologia digital não é uma mania passageira. […]. E, ainda assim, muitos advogados, ignorantes, ainda afirmam que essa questão da tecnologia é exagerada. Poucos ainda apontam para uma bolha do ponto com e alegam – baseado não se sabe em quem – que o impacto da tecnologia está diminuindo e que a recente conversa sobre IA no direito não passará de teoria. Isto é uma leitura grotescamente equivocada das tendências.” (2023, p. 34-35)

Por fim, somos filhos da geração antecedente. Roberta teve a sorte de poder dialogar em casa, assim como Lucca também terá. Quem não dispõe de um mentor privado, precisa de boas fontes. O livro de Roberta é uma delas. Sofia me pediu um exemplar. Ganhou o livro da Roberta e, também, do Richard Susskind. O mundo mudou.

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Registros civis serão disponibilizados online para atender emigrantes

Os mais de cinco milhões de brasileiros que moram no exterior serão beneficiados com o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) intermediado pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Corregedoria Nacional de Justiça.

O convênio celebrado entre o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Operador Nacional de Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN) possibilitará que, em um prazo de 30 dias, as 186 representações consulares espalhadas pelo mundo acessem dados de registros civis feitos tanto no Brasil quanto no exterior.

“É um passo gigantesco para essa comunidade”, avaliou o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão.

Assinado nesta terça-feira (31/7), o ACT foi autorizado pela Corregedoria Nacional, “a partir de agora as autoridades consulares poderão consultar diretamente os registros civis, atendendo melhor a população que reside no exterior”, avaliou o ministro Salomão.

O banco de dados com as informações será disponibilizado de forma eletrônica na Central de Informações de Registro Civil de Pessoas Naturais (CRC). Por meio dessa plataforma, será possível consultar dados relacionadas ao registro civil de pessoas naturais praticados tanto no Brasil quanto no exterior.

A partir da assinatura do acordo, haverá o franqueamento de acesso para consulta da base de dados da CRC pelo Ministério de Relações Exteriores.

Em seguida, inicia a fase de testes e homologação do arquivo de dados a ser fornecido pelo MRE periodicamente para alimentar tal base de dados.

Por fim, haverá a operacionalização regular do fornecimento de dados pelo MRE, com a automatização e integração dos sistemas. Nessa fase, será possível o compartilhamento de dados em tempo real.

“A previsão é que essa CRC internacional seja disponibilizada tanto para consulta e busca de certidões pelos consulados, quanto essas repartições poderão fazer seus atos dentro da plataforma”, explicou a juíza auxiliar da Corregedoria Carolina Ranzolin. Da mesma forma, os brasileiros terão mais agilidade na obtenção de suas certidões e informações, além de fazer pedidos de ajuste no registro civil diretamente nos consulados com uso da CRC, em um prazo de 30 dias.

Para a secretária das Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos, embaixadora Márcia Loureiro, o convênio representa um avanço para os brasileiros que moram no exterior.

“Temos o desafio de atender da melhor forma possível essa vasta e heterogênea comunidade, com eficiência, celeridade e garantindo a cidadania desses brasileiros que moram fora do país”, salientou.

O compartilhamento das informações pelo MRE em uma mesma base de dados, representa ainda mais segurança aos cartórios, conforme avaliou a diplomata.

Já o presidente do Operador Nacional do Registro Civil do Brasil, Luis Carlos Vendramin Júnior, enfatizou a relevância do convênio que foi possibilitado “pelo empenho do CNJ em concretizar uma iniciativa que vai desburocratizar e dar segurança a inúmeros serviços”.

Também acompanharam a assinatura do termo o diretor do Departamento da Secretaria de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos (Secc) do MRE, ministro Aloysio Gomide Filho, acompanhado de outros representantes do órgão, além da juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Liz Rezende. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.VER COMENTÁRIOS

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O impacto da reforma tributária

Dando continuidade ao exame da reforma tributária proposto no artigo “O impacto da reforma tributária no comércio exterior (parte 1)” [1], vamos discorrer sobre a atuação das empresas comerciais exportadoras e as novas regras para essa atividade constantes do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024.

Cumpre lembrar que a atividade das empresas comerciais exportadoras no comércio internacional brasileiro remonta formalmente a pouco mais de meio século.

O regime jurídico das trading companies

A publicação do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, que, segundo sua exposição de motivos [2], tinha por objetivo criar um mecanismo ágil e flexível que possibilitasse uma maior participação dos pequenos e médios produtores nacionais no mercado internacional, permitiu que as chamadas trading companies [3] adquirissem mercadorias manufaturadas no mercado interno com o fim específico de exportação [4]. A ideia era que as operações fossem estruturadas em volumes adequados para se beneficiarem das economias de escala.

Para os produtores-vendedores, o Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, oferecia os benefícios fiscais concedidos para incentivo à exportação [5]. Para as empresas comerciais exportadoras, além desses benefícios, estava reservada uma dedução do lucro real das parcelas correspondentes à diferença entre o valor dos produtos manufaturados comprados de produtores-vendedores e o valor FOB de venda.

Mas as empresas comerciais exportadoras deviam, efetivamente, exportar as mercadorias adquiridas com o fim específico de exportação, sob pena de, além de não fazerem jus aos benefícios, responderem pelos tributos devidos e pelos benefícios fiscais auferidos pelos produtores-vendedores.

O legislador, devido ao caráter excepcional desses benefícios [6] e visando à proteção e segurança das relações no país, estabeleceu condições mínimas para a atuação dessas empresas comerciais exportadoras: constituição sob a forma de sociedade por ações; registro especial (precário) junto à Receita Federal e à Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços [7]; e ainda um capital mínimo.

As demais empresas comerciais exportadoras e seu regime jurídico 

Depois disso, diversos outros diplomas legais atualizaram e complementaram os benefícios relativos às vendas feitas pelos produtores-vendedores às empresas comerciais exportadoras com o fim específico de exportação [8], a maioria deles sem fazer qualquer referência ao Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, ou aos requisitos nele estabelecidos, ampliando, com isso, o alcance dos benefícios concedidos.

A construção legislativa, da forma como foi desenhada, acabou criando na prática duas espécies de empresas comerciais exportadoras com benefícios muito semelhantes: aquelas constituídas com base no Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, também conhecidas como trading companies, e as demais, que são sociedades empresárias constituídas sem qualquer exigência relativa à sua natureza, à necessidade de registro para controle ou a capital social mínimo [9]. Para essa segunda espécie, basta que a sociedade atue como empresa comercial exportadora, adquirindo no mercado interno produtos com o fim específico de exportação.

As controvérsias sobre as diferenças entre os dois regimes jurídicos

Em relação aos benefícios oferecidos a essas duas espécies de empresas comerciais exportadoras, a principal diferença está no fato de que as trading companies estão autorizadas a manter as mercadorias adquiridas no mercado interno em depósito privativo, pelo prazo de até 180 dias, sob regime aduaneiro especial de entreposto extraordinário na exportação, ao passo que as aquisições das demais devem ser remetidas diretamente para embarque de exportação ou para recintos alfandegados.

Isso é o que temos em termos de legislação. Nesse contexto, há pelo menos uma controvérsia e um problema nessa construção, que fica por conta do conceito relativo a “fim específico de exportação”.

Nos termos do Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, “consideram-se destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para: a) embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora; b) depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabelecidas em regulamento”, enquanto que a Lei nº 9.532, de 1997, diz que “consideram-se adquiridos com o fim específico de exportação os produtos remetidos diretamente do estabelecimento industrial para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da empresa comercial exportadora”.

Em síntese, esses dois dispositivos legais dizem a mesma coisa. A diferença dos termos utilizados fica por conta de que o Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, aplicável apenas para as trading companies, que prevê a possibilidade de envio das mercadorias adquiridas no mercado interno para um entreposto extraordinário na exportação, e a Lei nº 9.532, de 1997, estabeleceu uma suspensão do IPI para toda e qualquer empresa comercial exportadora, mesmo aquelas que não fazem jus à manutenção de um entreposto extraordinário na exportação.

Mas a controvérsia propriamente dita reside no termo “diretamente”, utilizado em ambos os conceitos. A Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 24, de 2019, entendeu que o único significado possível para o conceito de “remetidos diretamente” é de que a remessa dos produtos destinados a exportação “deve ser imediata, sem paradas, sem desvios, do estabelecimento industrializador-vendedor para o embarque de exportação ou para os recintos alfandegados”.

Esse também tem sido o entendimento do Carf em grande parte de suas decisões, a exemplo do que foi decidido no Acórdão 9303-014.389, da 3ª Turma da Câmara Superior, que traz, no voto da Conselheira relatora, o argumento de “que não basta comprovar a venda para uma comercial exportadora ou que a exportação foi por ela realizada. A operação de venda tem que ter sido feita com o ‘fim específico de exportação’ e cumpridos os requisitos para tal, que estão expressamente previstos na Lei (não cabendo interpretação ampliativa, como obsta o artigo 111, do CTN), e que permitem o efetivo controle aduaneiro exercido pela administração tributária”. Importante ter presente que essa interpretação ainda tem sido objeto de críticas no sentido de que seria muito restritiva.

Outro ponto a ser considerado diz respeito ao fato de que a Constituição de 1988, diferentemente da Constituição de 1967, trata expressamente da imunidade do IPI na exportação e da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes de exportação [10]. Além disso, o próprio STF decidiu no RE nº 759.244 que a imunidade tributária alcança as exportações de produtos por meio de empresas comerciais exportadoras, se bem que em matéria relacionada com contribuição previdenciária, tendo produzido a seguinte tese de repercussão geral (Tema 674): “A norma imunizante contida no inciso I do §2º do artigo 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação de sociedade exportadora intermediária”.

Quanto ao problema, ele parece trazer consequência um pouco mais grave. Ao estender os benefícios para outras empresas comerciais exportadoras que não aquelas constituídas nos termos do Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, a legislação abriu caminho para a prática de fraudes.

Ressalte-se que há muitas e muitas empresas que trabalham com seriedade no comércio exterior, mas é preciso reconhecer também (e a prática demonstra isso) que a falta de requisitos mínimos para a atuação de empresas comerciais exportadoras facilita que algumas empresas inidôneas adquiram mercadorias no mercado interno com desoneração de tributos e destine essa mercadoria não para exportação, mas sim para o próprio mercado interno. Nessa operação, o produtor-vendedor recebe todos os benefícios relativos aos tributos federais e a responsabilidade passa a ser da empresa comercial exportadora que, quando autuada, encerra suas atividades e desaparece, deixando um crédito incobrável para o fisco federal. Essa conduta, além de frustrar o recolhimento de tributos, prejudica, por meio de concorrência desleal, as empresas idôneas.

O novo regime trazido pelo PLP nº 68, de 2024

Com o objetivo de afastar essa controvérsia e pensando em resolver esse problema, que o grupo de trabalho que participou da elaboração do texto que resultou no PLP nº 68, de 2024, procurou construir uma solução para a questão envolvendo o IBS e a CBS no fornecimento de bens materiais a empresa comercial exportadora.

A consciência de que as vendas para empresas comerciais exportadoras destinadas para exportação são, em última análise, equiparadas à exportação, e, por isso mesmo, (potencialmente) imunes do IBS e da CBS, exigia que quaisquer requisitos que se pretendesse estabelecer para a atuação das empresas comerciais exportadoras estivessem especificados na lei complementar.

É por esse motivo que o caput do artigo 81 do PLP nº 68, de 2024, traz em seus incisos cinco requisitos de observância obrigatória para que possa ser aplicada a suspensão do IBS e da CBS no fornecimento de bens materiais com o fim específico de exportação a empresa comercial exportadora: (1) certificação no Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (OEA); (2) patrimônio líquido igual ou superior ao maior entre os seguintes valores: R$ 1 milhão e uma vez o valor total dos tributos suspensos; (3) opção pelo DTE; (4) manutenção e apresentação de escrituração contábil em meio digital; e (5) regularidade fiscal perante as administrações tributárias federal, estadual ou municipal de seu domicílio.

Não cumprir tais requisitos não significa dizer que a empresa não é uma comercial exportadora, ou que não possa fruir dos benefícios estabelecidos pelas demais leis que tratam da matéria, mas sim que não poderá ser habilitada [11] para fins de suspensão do IBS e da CBS.

Note-se que a presença desses requisitos na Lei Complementar, juntamente com o rito de cancelamento da habilitação previsto no artigo 82, mostra-se importante não para restringir o acesso das empresas à atividade de comercial exportadora, mas sim para mitigar a ocorrência de fraudes nesse tipo de operação.

Quanto ao fato de o caput do artigo 81 ter estabelecido uma suspensão do pagamento do IBS e da CBS ao invés de uma “não incidência”, o que seria mais alinhado com a ideia de que estamos diante de uma imunidade, a explicação está na resistência encontrada no sentido de se conceder um crédito antes de a exportação ser efetivada, ou antes de a empresa comercial exportadora recolher o IBS e a CBS em razão da não exportação dos bens materiais.

No que diz respeito à controvérsia sobre o conceito de “fim específico de exportação”, apesar de o caput do artigo 81 do PLP nº 68, de 2024, manter a mesma expressão, o § 3º deste mesmo artigo 81 traz uma definição mais adequada ao que se espera nesse tipo de operação.

Além de ter sido retirado do conceito o termo “diretamente”, foi acrescentado ao final aquilo que efetivamente se quer vedar, ou seja, que a mercadoria seja objeto de qualquer operação comercial ou industrial entre a saída do vendedor e o embarque para exportação ou a chegada em recinto alfandegado [12].

Ademais, os incisos I e II do § 10 desse mesmo artigo 81 permitem que o regulamento estabeleça hipóteses em que os bens possam ser remetidos para locais diferentes daqueles previstos no § 3º (sem que reste descaracterizado o fim específico de exportação) e também que estabeleça requisitos e condições para a realização de operações de transbordo, baldeação, descarregamento ou armazenamento no curso da remessa a que se refere o § 3º.

Considerações finais

Tudo isso, nos parece, torna o conceito de “fim específico de exportação” mais aderente à realidade das operações de exportação realizadas por meio de empresas comerciais exportadoras.

Talvez não tenhamos evoluído tudo aquilo que seria possível, ou desejável, em relação à atuação das empresas comerciais exportadoras na proposta de reforma tributária expressa por meio do PLP nº 68, de 2024, mas nos parece que há uma evolução significativa em relação ao que temos hoje em nossa legislação. Agora é esperar para ver o que o Congresso aprovará.


[1]  Artigo de autoria de Liziane Angelotti Meira, (Disponível em < https://www.conjur.com.br/2024-mai-21/o-impacto-da-reforma-tributaria-no-comercio-exterior-parte-1/>. Acesso em: 26.jul.2024).

[2] Publicada nas páginas 39 e 40 do Diário do Congresso Nacional do dia 21 de março de 1973.

[3] Expressão utilizada para se referir às empresas comerciais exportadoras que atendem aos requisitos estabelecidos pelo Decreto-Lei nº 1.248, de 1972.

[4] O Decreto-Lei nº 1.248, de 1972, define como destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias remetida diretamente do estabelecimento do produtor-vendedor para embarque de exportação ou para depósito em entreposto, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação.

[5] O Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, alterou a redação do art. 3º para restringir o aproveitamento de créditos tributários sobre as vendas para o exterior, concedidos como ressarcimento de tributos pagos internamente, apenas para as empresas comerciais exportadoras.

[6] A Constituição de 1967 (com a emenda de 1969), vigente à época, tratava tão somente da não incidência do ICMS na exportação de produtos industrializados (e outros que a lei indicasse), sem qualquer referência ao IPI ou às contribuições na exportação.

[7] Havia necessidade, também, de um registro especial junto à Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil S/A (Cacex).

[8] A Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, equiparou as vendas feitas para as empresas comerciais exportadoras à exportação para fins de não incidência do ICMS; a Lei nº 9.363, de 13 de dezembro de 1996, permitiu que os produtores-vendedores apurassem crédito presumido do IPI; a Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, suspendeu o pagamento do IPI nessas operações; a MP nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, isentou da Cofins (cumulativa) as receitas auferidas pelos produtores-vendedores; e a Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e a Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, estabeleceram a não incidência, respectivamente, da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes dessas operações.

[9] A Receita Federal reconheceu essas duas espécies de empresas comerciais exportadoras, e os benefícios aplicáveis a elas, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 80, de 24 de janeiro de 2017, e da Solução de Consulta Cosit nº 24, de 18 de janeiro de 2019.

[10] Imunidade introduzida pela Emenda Constitucional n º 33, de 2001.

[11] Para fins de suspensão do IBS e da CBS, a empresa comercial exportadora deverá ser habilitada em ato conjunto da RFB e do Comitê Gestor do IBS (§ 1º do art. 81 do PLP nº 68, e 2024.

[12] § 3º. Consideram-se adquiridos com o fim específico de exportação os bens remetidos para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sem que haja qualquer outra operação comercial ou industrial nesse interstício.

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O novo ‘ouro negro’: créditos de carbono no sistema monetário global

Um relatório divulgado no começo do ano pela Bolsa de Valores de Londres — London Stock Exchange Group (LSEG) — superou expectativas e trouxe o valor de US$ 949 bilhões em créditos de carbono negociados no ano de 2023. O número próximo a US$ 1 trilhão impressiona, mas ainda é uma gota no oceano. Estados Unidos e China, de longe os maiores emissores de carbono, mal triscaram o novo “ouro negro”. Quando isso acontecer, o sistema monetário global pode virar de cabeça para baixo.

Os resultados serão imprevisíveis e perigosos. Um mercado global de títulos lastreados em créditos de carbono pode assumir as funções de uma quase-moeda de circulação internacional, à imagem do que fazem hoje os títulos da dívida dos EUA, os “Treasuries”. Alguns países, principalmente a China, estão especialmente interessados nesse cenário.

Assim como o padrão dólar ajudou os EUA a financiar sua economia após a Segunda Guerra Mundial, o “padrão carbono” pode ajudar países líderes no mercado de carbono a extraírem vantagens para sua própria economia à custa do resto do mundo. O agravante é não se saber exatamente como esse “padrão carbono” vai se comportar.

A moeda de carbono não seria uma moeda como as que conhecemos, pois trata-se de um título lastreado em um produto real. O sistema lembra “padrão ouro”, ordem monetária vigente em meados do século 20, que resultou em recessão e crise em grandes proporções, mas não para todo mundo. Nesse jogo, alguns ganham e o resto perde.

Ganhadores e perdedores

Nem todos terão fôlego para acompanhar a mudança. Alguns sistemas produtivos, como parte do agronegócio, do setor de transportes e a cadeia da construção civil simplesmente não dispõem de alternativas tecnológicas viáveis para reduzir emissões. Estudos indicam que o maior gargalo para a redução de emissão por negócios locais continua sendo o acesso a crédito, algo que os mercados de carbono não têm se mostrado capazes de resolver.

Há também dúvidas se o modelo de créditos de carbono tem realmente algo a ver com meio ambiente. Muitos dos títulos não absorvem carbono nenhum, e são comuns denúncias de fraudes e falsificação. Críticas e abaixo-assinados de autoridades, especialistas e ativistas são o novo normal. Enquanto isso vai ficando claro que os apoiadores do modelo parecem estar mais interessados em taxas de administração e corretagem.

No Brasil, o modelo do mercado de carbono está em fase final de definição de suas bases jurídicas e regulatórias no Projeto de Lei 2.148/2015, aprovado na Câmara depois de uma tramitação tumultuada, agora em andamento no Senado. A percepção de que os apoiadores do modelo estão mais preocupados com derivativos e a reforma do sistema monetário internacional pode servir de alerta para os legisladores favoráveis à proposta.

O sistema de créditos de carbono é propenso a fraudes e manipulação, distribui custos de forma desigual ao longo da cadeia produtiva da economia e distorce o funcionamento dos mercados. É um assunto sensível e complexo, para o qual reguladores locais, a exemplo da Comissão de Valores Imobiliários (CVM), dificilmente estarão equipados. Não bastasse isso, a regulação do carbono pode abrir as portas para uma nova ordem monetária global na qual o Brasil pode ser dar mal.

A China entra no jogo

Alguns movimentos indicam que a China já se posiciona para ser o dono da bola no jogo global da economia do carbono. Depois de uma entrada tímida no mercado no início dos anos 2010 acompanhada de um recuo estratégico, o interesse ressurgiu redobrado. A primeira jogada foram investimentos maciços em “energia limpa”, principalmente painéis solares, baterias de lítio e carros elétricos, seguidos da criação de um novo arcabouço regulatório do carbono.

“Os investimentos chineses representam um terço dos investimentos em energia limpa em todo o mundo e uma parte importante do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China. Em 2023, a China encomendou tanta energia solar fotovoltaica como o mundo inteiro. O ano de 2023 assistiu a um crescimento robusto das chamadas “três novas” (xin-sanyang) indústrias – células solares, baterias de lítio e veículos elétricos – que registaram um salto de 30% nas exportações em 2023”, diz relatório da Agência Internacional de Energia.

Aparentemente a tecnocracia chinesa decretou que a mudança de matriz energética é vantajosa para o país. Por um lado, o investimento coordenado no complexo industrial mineral, químico e metal-mecânico é próprio ao modelo de economia planejada chinês e faz contrapeso ao estouro da bolha imobiliária local. Por outro lado, inundar o planeta com painéis fotovoltaicos, carros elétricos e baterias de lítio produz montanhas de créditos de carbono, que podem ter importância estratégica a longo prazo.

O ‘padrão carbono’

Alguns trabalhos publicados na China apresentam a tese de que, havendo regulação adequada e um volume suficientemente grande de créditos de carbono em circulação, é possível criar um sistema monetário internacional baseado no “padrão carbono”. A principal vantagem é destruir o padrão dólar, objetivo histórico da política econômica chinesa.

O ensaio “A viabilidade da emissão de uma moeda de carbono” divulgado em conferência da Universidade de Chongqing em janeiro de 2022 apresentou a tese de que uma moeda baseada em carbono é um modelo não só viável como superior ao padrão dólar. “Sob o atual sistema monetário unilateral do dólar norte-americano, a ordem econômica é volátil e propensa a crises”, diz o texto.

A pesquisa “Uma teoria de uma moeda de carbono”, publicada em maio de 2022 pela revista Pesquisa Básica (Fundamental Research), da Fundação Nacional de Ciências Naturais da China, assinada por economistas da Universidade de Pequim, apresenta um manual prático de como colocar o modelo em pé.

“Propomos um novo sistema monetário internacional baseado na moeda de carbono (o padrão carbono) para enfrentar externalidades no contexto econômico e político global de hoje. O Federal Reserve implementa cada vez mais políticas monetárias não alinhadas com o interesse comum global”, diz o artigo.

O trabalho apresenta um desenho completo de como seria um mundo dominado pelo padrão carbono. Prevê regras e mecanismos regulatórios, enumera vantagens sobre outras alternativas e antecipa a necessidade da criação de uma espécie de “Fundo Monetário Internacional (FMI) do carbono” para o sistema funcionar.

A pesquisa sugere que o padrão carbono pode penalizar quem ficar para trás e mostra semelhanças entre esse sistema e o padrão-ouro. Tanto no padrão ouro como no padrão carbono as moedas são lastreadas a um produto real. Isso torna a oferta monetária rígida e traz consequências graves em caso de desequilíbrios cambiais.

O lobby do padrão-carbono

O principal lobby internacional pela criação de um padrão-carbono é a organização não-governamental Global Carbon Reward, fundada pelo engenheiro civil australiano Delton Chen. A organização não esconde a semelhança entre o padrão carbono e o padrão ouro e até faz uso dessa comparação: “A moeda de carbono será um novo tipo de ‘dinheiro representativo’ porque representará o carbono mitigado. Isto é análogo a representar o ouro armazenado sob um padrão de troca de ouro”, diz a Global Carbon Reward.

No padrão ouro, bancos centrais mantinham reservas em ouro para lastrear o papel moeda em circulação. O resultado é um sistema monetário rígido, que leva ao acúmulo de reservas em alguns países e a crises cambiais e recessão nos demais. Vigorou de forma instável entre o fim do século 19 e a Segunda Guerra Mundial, e uma versão alternativa usando o dólar como intermediário foi implantada após o “Acordo de Bretton Woods”, nos anos 1940, mas entrou em colapso nos anos 1970.

Greenwashing

Em junho deste ano, a Polícia Federal lançou a Operação Greenwashing, que desbaratou um esquema que vendeu R$ 180 milhões em créditos de carbono de terras griladas da União. Ano passado uma série de reportagens descobriu que a Verra, uma das maiores fornecedoras de créditos de carbono verificados do mundo, vendia até 90% de “créditos fantasmas”. Ou seja, áreas florestais “protegidas” não tinham redução relevante de desmatamento.

No início de julho deste ano uma carta assinada por 80 entidades representativas de movimentos ambientais pediu o fim da política de créditos de carbono. António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, é crítico contumaz do modelo. Um relatório do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento — International Institute for Environment and Development (IIED) — de 2023 defende que o modelo pode distorcer mercados, destruir negócios e prejudicar projetos que realmente reduzem emissões.

Não está nem um pouco claro que o modelo dos créditos de carbono é a melhor resposta para o problema dos gases estufa. Também não está claro o que pode ser colocado no lugar, mas simplesmente fixar tetos para emissões e jogar o problema no colo do mercado não é uma solução realista. Como vimos, o modelo dos créditos de carbono tem fortes indícios de atender apenas a ambições de especuladores financeiros e autoridades monetárias estrangeiras. Quem vai pagar a conta não são eles.

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TJ-MG reconhece direito de réu a redutor de pena por erro no desmembramento de processo

Um réu não pode ser prejudicado, em comparação com os corréus na mesma ação penal, por uma circunstância adversa e desvantajosa criada por erro judicial. 

Com esse entendimento, o 2º Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o direito de um réu a um redutor de pena. 

Segundo os autos, o réu era o único preso no bojo de uma ação penal em que foram denunciadas outras 13 pessoas pelos crimes de homicídio por motivo fútil e corrupção de menores.

O juiz de piso, ao constatar que o réu já havia sido preso, determinou que sua defesa se manifestasse sobre o aproveitamento de provas obtidas contra os outros acusados na mesma ação penal. 

Ocorre que o julgador não percebeu que a defesa havia concordado expressamente com o aproveitamento das provas já produzidas e determinou o desmembramento do processo. Nesta nova ação penal, o réu foi condenado a uma pena de 17 anos de prisão em regime inicial fechado. 

Os outros corréus, contudo, aceitaram no bojo do processo originário proposta de colaboração premiada do Ministério Público e tiveram direito a redução de pena pelos crimes cometidos. 

No pedido de revisão criminal, a defesa sustenta que o erro do juízo de piso, de não observar a concordância da defesa com o aproveitamento de provas, impediu o réu de ter o benefício da colaboração premiada. 

Ao analisar o caso, o relator, desembargador Marcos Padula, apontou que ficou comprovado nos autos que a decisão de desmembramento do processo foi equivocada. 

“A digna defesa do acusado (ora autor) já havia se manifestado concordando expressamente com as provas produzidas, inclusive apresentando alegações finais. Por conseguinte, mostra-se injusta a decisão do magistrado de primeiro grau, a qual ignorou a manifestação da defesa, chegando a incorretamente afirmar que a defesa não teria manifestado quanto ao aproveitamento da prova”, registrou. 

Diante disso, o relator explicou que o desmembramento do processo prejudicou o réu e que a colaboração dos outros corréus ocorreu provavelmente por um acordo prévio entre eles. 

“O acusado (ora peticionário) não pode ser prejudicado por lhe ter sido imposta, injustificadamente (pela desacertada determinação de cisão do processo), uma circunstância adversa e desvantajosa em face dos demais corréus, pois não tinha qualquer ciência quanto à intenção destes em colaborar ou não. O postulante se encontrava em um verdadeiro dilema do prisioneiro, problema clássico da teoria dos jogos, em que ele tinha de decidir entre colaborar ou trair os comparsas”, resumiu. 

O entendimento foi unânime. Com a decisão, a pena do autor foi diminuída para sete anos e seis meses de prisão. 

A defesa foi patrocinada pelos advogados Marcelo Queiroz Mendes Peixoto Juliano Azevedo Silva.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 1.0000.23.190498-8/000

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Proteção legal do meio ambiente do trabalho na Portaria nº 3.214/77 e nas NRs

Por força do que dispõem os artigos 155 e 200 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), foi expedida a Portaria nº 3.214/78, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que, por meio de várias NRs (normas regulamentadoras) regulamenta o meio ambiente laboral no que diz respeito à segurança, higiene e medicina do trabalho.

Essas NRs passaram a ser elaboradas e revisadas de forma tripartite, com a participação do governo, dos trabalhadores e dos empregadores. Isso representa, em princípio, avanço e importante passo na busca da melhoria das condições de trabalho e da democratização das relações laborais, o que precisa também ser implementado em relação ao cumprimento das normatizações legais correspondentes.

Não basta, para a eliminação ou diminuição dos riscos nos ambientes de trabalho, uma vasta legislação, como a que existe no Brasil, se sua aplicação e cumprimento não forem efetivos, como também ocorre no Brasil, que continua figurando nos anais mundiais com recordista em acidentes e doenças do trabalho.

Rui de Oliveira Magrini, então chefe da Divisão de Segurança e Saúde do Trabalhador da Delegacia Regional do Trabalho do Estado de São Paulo (Folha de S.Paulo, de 7/2/1998, Caderno 2, p. 2), fez uma comparação do Brasil com a Suécia, com referência ao percentual de mortes em relação ao número geral de acidentes: no Brasil, a taxa é oito vezes superior à daquele país, porque lá houve um grande entendimento social, desde 1932, entre trabalhadores, Estado e empregadores, consolidando também democracia e cultura pela cidadania.

Daquele entendimento passou a vigorar uma série de acertos, mas dois deles são nitidamente destacáveis para qualquer aprendizado nesse campo: 1) a potencialização dos órgãos fiscalizadores, combinando o poder com o saber; e 2) a instituição da Organização por Local de Trabalho (OLT).

Na empresa que tem cinco trabalhadores um é delegado, respaldado pela organização sindical; na que tem 50, cinco devem ser eleitos para constituírem uma comissão. No Brasil têm-se as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas), as quais, todavia, em muitos casos só existem no papel, sem exercer efetivamente seu importante papel (cuidar e zelar por adequadas e seguras condições nos ambientes de trabalho, observando e relatando condições de risco, solicitando ao empregador medidas para reduzi-los e eliminá-los, bem como para prevenir a ocorrência de acidentes e doenças, e, ainda, orientar os trabalhadores quanto à prevenção de tais eventos).

A seguir relaciona-se as NRs da referida Portaria nº 3.214/78, por assunto:

Normas regulamentadoras vigentes

NR-1 – DISPOSIÇÕES GERAIS E GERENCIAMENTO DE RISCOS OCUPACIONAIS

NR-2 – INSPEÇÃO PRÉVIA (REVOGADA)

NR-3 – EMBARGO E INTERDIÇÃO

NR-4 – SERVIÇOS ESPECIALIZADOS EM SEGURANÇA E EM MEDICINA DO TRABALHO

NR-5 – COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES

NR-6 – EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – EPI

NR-7 – PROGRAMA DE CONTROLE MÉDICO DE SAÚDE OCUPACIONAL

NR-8 – EDIFICAÇÕES

NR-9 – AVALIAÇÃO E CONTROLE DAS EXPOSIÇÕES OCUPACIONAIS A AGENTES FÍSICOS, QUÍMICOS E BIOLÓGICOS

NR-10 – SEGURANÇA EM INSTALAÇÕES E SERVIÇOS EM ELETRICIDADE

NR-11 – TRANSPORTE, MOVIMENTAÇÃO, ARMAZENAGEM E MANUSEIO DE MATERIAIS

NR-12 – SEGURANÇA NO TRABALHO EM MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS

NR-13 – CALDEIRAS, VASOS DE PRESSÃO E TUBULAÇÕES E TANQUES METÁLICOS DE ARMAZENAMENTO

NR-14 – FORNOS

NR-15 – ATIVIDADES E OPERAÇÕES INSALUBRES

NR-16 – ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS

NR-17 – ERGONOMIA

NR-18 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO

NR-19 – EXPLOSIVOS

NR-20 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO COM INFLAMÁVEIS E COMBUSTÍVEIS

NR-21 – TRABALHOS A CÉU ABERTO

NR-22 – SEGURANÇA E SAÚDE OCUPACIONAL NA MINERAÇÃO

NR-23 – PROTEÇÃO CONTRA INCÊNDIOS

NR-24 – CONDIÇÕES SANITÁRIAS E DE CONFORTO NOS LOCAIS DE TRABALHO

NR-25 – RESÍDUOS INDUSTRIAIS

NR-26 – SINALIZAÇÃO DE SEGURANÇA

NR-27 – REGISTRO PROFISSIONAL DO TÉCNICO DE SEGURANÇA DO TRABALHO (REVOGADA)

NR-28 – FISCALIZAÇÃO E PENALIDADES

NR-29 – NORMA REGULAMENTADORA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO PORTUÁRIO

NR-30 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO AQUAVIÁRIO

NR-31 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NA AGRICULTURA, PECUÁRIA SILVICULTURA, EXPLORAÇÃO FLORESTAL E AQUICULTURA

NR-32 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM SERVIÇOS DE SAÚDE

NR-33 – SEGURANÇA E SAÚDE NOS TRABALHOS EM ESPAÇOS CONFINADOS

NR-34 – CONDIÇÕES E MEIO AMBIENTE DE TRABALHO NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, REPARAÇÃO E DESMONTE NAVAL

NR-35 – TRABALHO EM ALTURA

NR-36 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO EM EMPRESAS DE ABATE E PROCESSAMENTO DE CARNES E DERIVADOS

NR-37 – SEGURANÇA E SAÚDE EM PLATAFORMAS DE PETRÓLEO

NR-38 – SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO NAS ATIVIDADES DE LIMPEZA URBANA E MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

NRR’S  (normas regulamentadoras rurais)

NRR 1 – DISPOSIÇÕES GERAIS.

NRR 2 – SERVIÇO ESPECIALIZADO EM PREVENÇÃO DE ACIDENTES DO TRABALHO RURAL – SEPATR.

NRR 3 – COMISSÃO INTERNA DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES DO TRABALHO RURAL CIPATR.

NRR 4 – EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL – EPI.

NRR 5 – PRODUTOS QUÍMICOS

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Importância jurídica do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana

Tereza de Benguela/Reprodução

Celebramos neste dia 25 de julho o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, bem como o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Mas qual a importância jurídica dessas datas para a sociedade?

A violação dos direitos das mulheres é objeto de debate na evolução histórica mundial. Especificamente durante a década de 90, os índices de abuso atingiam, com grande predominância, as mulheres negras na América. Foi com base nesses eventos que um grupo compreendeu a necessidade de organizar-se coletivamente para reverter os dados alarmantes da época.

O 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas aconteceu em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1992. Além de propor a união entre essas mulheres, a reunião denunciou o racismo e o machismo enfrentados no cotidiano.

A partir desse evento, fundou-se a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas, que, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), se empenhou para o reconhecimento do dia 25 de julho como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha — um marco para reflexão e fortalecimento das organizações voltadas às diversas lutas femininas no mundo.

Celebração no Brasil

Nesta mesma data, no Brasil, celebramos o Dia Nacional de Tereza de Benguela, oficializado pela Lei nº 12.987, de 2 de junho de 2014. Os registros históricos desconhecem o local de nascimento de “Rainha Tereza”, como ficou conhecida no século 18 no Vale do Guaraporé, em Mato Grosso, onde comandou o Quilombo do Quariterê, quando seu marido morreu.

Tereza destacou-se pela coordenação de um forte aparato de proteção e articulou um parlamento para decidir em grupo as ações da comunidade, que vivia do cultivo e venda dos excedentes produzidos. Segundo registros da época, o lugar abrigava mais de 100 pessoas, com aproximadamente 79 negros e 30 índios. A liderança de Tereza de Benguela resistiu até 1770, quando foi presa e morta pelo Estado. Essa história de luta foi reconhecida cerca de 250 anos depois, com a aprovação da Lei nº 12.987, que instituiu o dia 25 de julho como o Dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.

A oficialização das datas é muito mais do que a celebração das conquistas e da resistência das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, pois possui uma importância jurídica fundamental para a sociedade. É uma ferramenta para educar e conscientizar a população, e também para reivindicar a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas à equidade racial e de gênero no país.

O fato de o tema estar nas ruas e na legislação dá visibilidade e rigor ao tratamento deste tema. O artigo 5º da Constituição garante a igualdade de todos perante a lei e o Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei nº 12.288, determina a proteção à dignidade humana — princípio fundamental na luta contra o racismo e o sexismo. Com uma sociedade instruída, é possível vigiar e cobrar do Estado o cumprimento de resoluções e iniciativas contra todos os tipos de intolerância.

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Juiz pode impor honorários por condenação condicionada a evento futuro, decide STJ

Mesmo que a condenação do réu seja de uma obrigação de fazer condicionada a algum evento futuro, é possível que ele seja obrigado a pagar honorários de sucumbência antes de essa condição ser cumprida.

Essa conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao recurso especial de uma operadora de plano de saúde que discutia a base de cálculo dos honorários a serem pagos após ser derrotada na ação.

O caso é o de um beneficiário que precisou de cirurgia para instalação de stents — pequenos tubos usados para abrir vasos sanguíneos que tenham fluxo sanguíneo bloqueado. A operadora negou a cobertura.

Como o procedimento era de urgência, a filha do beneficiário fez o pagamento em cheques para que fosse feita a cirurgia. Na ação, ela pediu a condenação da operadora a arcar com os custos do tratamento e indenização por danos morais.

O pedido foi julgado procedente. A empresa foi condenada a pagar R$ 10 mil por danos morais e a cobrir os cheques caso esse débito viesse a ser cobrado da filha do beneficiário.

No entanto, ficou a dúvida se esse trecho da sentença deveria ser incluído no cálculo dos honorários de sucumbência, mesmo que a cobrança não tenha sido feita. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso entendeu que sim.

Pode cobrar

Relator da matéria no STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira observou que a solução para a dúvida está na análise do dispositivo do acórdão que condenou a operadora de plano de saúde ao pagamento dos honorários.

“A condenação envolve as duas verbas, tanto a da responsabilidade pelo débito hospitalar quanto a do pagamento dos danos morais. Embora a primeira tenha sido condicionada em relação ao autor da demanda, não o foi em relação aos honorários advocatícios.”

(A empresa) Somente deve pagar o débito hospitalar se o autor for obrigado a efetuar tal pagamento, mas, em relação aos honorários advocatícios, a verba compõe a base de cálculo, segundo o que ficou definido no título executivo”, concluiu o relator.

Clique aqui para ler o acórdão
AREsp 1.759.571

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